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Luluzinhas e bolinhas na sala de aula: um estudo de gêneros na educação infantil

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

ADRIANA BERDEIDE LOPES

LULUZINHAS E BOLINHAS NA SALA DE AULA: UM ESTUDO DE GÊNEROS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Salvador 2016

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ADRIANA BERDEIDE LOPES

LULUZINHAS E BOLINHAS NA SALA DE AULA: UM ESTUDO DE GÊNEROS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Trabalho apresentado ao Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, como requisito para obtenção do Grau de Especialista em Docência na Educação Infantil.

Orientadora Prof.ª Ma. Jaqueline Santana Nascimento dos Santos

Avaliadora Drª. Em Educação Maria Izabel de Quadro Vivas

Salvador 2016

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LULUZINHAS E BOLINHAS NA SALA DE AULA: UM ESTUDO DE GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

ADRIANA BERDEIDE LOPES

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: EDUCAÇÃO

BANCA EXAMINADORA:

__________________________________________________________________________________ Mª. Em Adm. Jaqueline Santana Nascimento dos Santos- - Orientadora - Profª. UNEB

_________________________________________________________________________________ Drª. Maria Izabel de Quadro Vivas – Profª. da UNIFACS

Aprovada em, Salvador, 15 de junho de 2016

Universidade Federal da Bahia – UFBA Faculdade de Educação - FACED

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DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho a Deus que me deu forças para superar todas as dificuldades que tive para desenvolvê-lo; Consagro à minha Mãe, que ora por mim sempre e torce pelo meu sucesso, dando-me coragem para prosseguir, com palavras amáveis, de carinho e de superação. Dedico também, com muito carinho, à minha irmã que me apoiou em todos os momentos desse percurso. Ofereço, afetuosamente, em homenagem ao meu pai que, no início desse percurso, estava muito debilitado e esperou chegar o momento das férias para se despedir desse plano.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pelo dom da vida e pelas forças que me deu para desenvolver esse trabalho com afinco, pois só foi possível com a ajuda Divina e as lembranças que tive da minha infância, quando ficava de fora das brincadeiras, pela resistência de meninos em não permitir meninas em suas brincadeiras.

.

Agradeço à minha Mãe pelo apoio, carinho e companheirismo e à minha irmã (que muito me incentivou), a fazer o concurso para ingressar no Curso de Especialização em Docência na Educação Infantil e de permanecer no curso com o propósito de ser uma especialista na Educação Infantil, Primeiro Segmento da Educação Básica.

Agradeço à lembrança de meu pai, que se orgulhava de cada vitória minha, por menor que fosse e que hoje, encontra-se em Paz com Deus, me olhando e acompanhando as vitórias que alcançarei ao longo dessa vida.

Meu agradecimento vai também para minha orientadora, “pró Jaque” e aproveito o ensejo para agradecer à professora Rosemary Lapa que, mesmo com suas responsabilidades profissionais e pessoais, me deu grande força e apoio, agradeço à minha colega Laíse Montalvão que, vendo a minha angústia, compartilhou informações preciosas, o que ajudou a dar um norte na edificação do meu trabalho.

Enfim, para todas as pessoas citadas acima, com destaques e ressalvas, tenho muito a agradecer, em especial, à minha turma de alunos, do ano de 2015, que foi o ponto chave para a escolha e desenvolvimento do tema escolhido, proporcionando-me resultados positivos para que, no futuro, eu possa saber trabalhar com mais eficiência e conhecimento prático.

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EPÍGRAFE

O brinquedo cria na criança uma nova forma de desejos. Ensina-a desejar, relacionando seus desejos a um “eu” fictício, ao seu papel no jogo e suas regras. Dessa maneira, as maiores aquisições de uma criança são conseguidas no brinquedo, aquisições que no futuro tornar-se-ão seu nível básico de ação real e moralidade. ’

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RESUMO

Esse estudo tem como objetivo verificar de que modo o patriarcado está presente na visão de mundo de crianças de 3 e 4 anos da Educação Infantil, numa abordagem metodológica qualitativa de cunho etnográfico, onde foi possível observar os movimentos, falas e ações a fim de levantar hipóteses de como essas ações surgem e até que ponto influenciam nas atitudes de crianças pequenas, possibilitando a percepção de que há influências de prejulgamentos na relação entre gêneros, sendo preciso uma intervenção pedagógica precisa. Na pesquisa, foram adotados os nomes dos personagens que cumpunham as turmas da Luluzinha e do Bolinha, respectivamente,grande sucesso infantil dos quadrinhos, nos anos 70, no Brasil pelo tema se tratar de resistência a gêneros e as características de comportamento se assemelharem com às das crianças observadas Mesmo utilizando nas atividades cotidianas jogos e brincadeiras que propiciam a interação, crianças pequenas demonstraram ser o reflexo da sua convivência externa ao da instituição escolar, reproduzindo atitudes de rejeição de colegas ao participarem do seu grupo por não serem do mesmo sexo e a escolha de brinquedos e brincadeiras que determinado gênero pode fazer uso. A ludicidade foi um meio de proporcionar uma relação entre gêneros, na qual os pequenos infantes foram mudando, gradativamente suas maneiras de reproduzir os traços patriarcais. Uma criança que tem maior possibilidade de experimentação também terá uma ampliação de repertório e distinguirá o brincar das questões de gênero.

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ABSTRACT

This study aims to determine how patriarchy is present in the worldview of children aged 3 and 4 years of early childhood education, a qualitative methodological approach ethnographic, where it was possible to observe the movements, speech and actions in order to raise assumptions of how these actions arise and to what extent influence the attitudes of young children, enabling the realization that there are influences of prejudices in the relationship between genders, and takes a pedagogical intervention needs. In the survey, the names of the characters were adopted that cumpunham the divisions of Little Lulu and Polka Dot, respectively, large children's success of comics in the 70s, in Brazil the subject dealing with resistance to gender and behavioral characteristics resemble with the children observed even using in daily activities games and activities that promote interaction, small children proved to be a reflection of its external living to the school, playing colleagues rejection attitudes to participate in your group because they are not of the same sex and choice of toys and games that particular genre can make use of. The playfulness was a means of providing a relationship between genres, in which small infants have been changing gradually their ways of playing patriarchal traits. A child is more likely to experiment will also have an extension of repertoire and distinguish the play of gender issues.

Keywords: Children, Play, Educational Intervention .

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 10

2 A DISCUSSÃO DE GÊNERO NA SOCIEDADE E NA EDUCAÇÃO INFANTIL 2.1 ABORDAGEM SOCIOLÓGICA E A QUESTÃO DE GÊNERO NA SOCIEDADE 13 2.2 A AUSÊNCIA DO GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL E O MODELO DE REPRODUÇÃO PATRIARCAL 16

2.3 A ESCOLA DA DIVERSIDADE E O DISCURSO DA IGUALDADE DE GÊNERO NA INFÂNCIA: UTOPIA POSSÍVEL? 3 CAMINHOS METODOLÓGICOS 25

3.1 METODOLOGIA 25

3.2 CARACTERIZANDO O CAMPO DE PESQUISA 3.3 CARACTERIZANDO OS SUJEITOS 27

4 LULUZINHAS E BOLINHAS NA SALA DE AULA: UM ESTUDO DE GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL 30

4.1 A ORIGEM DE TUDO 30

4.2 A PESQUISA DIAGNÓSTICA 32

4.3 A INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA 33

4.4 LULUZINHAS E BOLINHAS APÓS A INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA 36

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 36

REFERÊNCIAS 38

APÊNCICES 42

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1 INTRODUÇÃO

Tomando por base que a construção da identidade inicia-se na primeira infância, vale salientar que a família e a escola exercem um papel de notória importância durante esse processo de reconhecimento de uma natureza que possibilita a criança a perceber suas características básicas numa fase prematura.

Na sociedade contemporânea, a discussão de temáticas como o racismo, o sexismo, a discriminação social e cultural, a homofobia, toda a forma de intolerância religiosa e outras formas descriminação são imprescindíveis para a construção de uma sociedade democrática.

Questões de cunho identitário, tais como etnicidade e gênero, tratadas de modo excludente em nossa sociedade, trazem consigo a necessidade de um processo interligado de rupturas, à medida em que nesses contextos existam também, como apontava Hall (2003, p. 57), uma “proliferação subalterna da diferença”.

O tema escolhido se impôs pela recorrência das resistências nas interações de gêneros observadas durante as atividades realizadas com uma turma de educação infantil, da rede municipal de Salvador, na qual meninos e meninas se separavam, demonstrando resistência em interagir entre si por não serem do mesmo gênero (masculino/ feminino).

Tais atitudes remeteram aos personagens das revistas em quadrinhos “Luluzinha e Bolinha” que fez notório sucesso nos anos 70, no Brasil, sendo uma criação norte-americana, de Marjorie Henderson Buell que conta a história de uma turma de amigos de gêneros diferentes que se rejeitavam e, no entanto, foi criado um clube dos meninos que tinha como lema: ”menina não entra!”. Essa frase se assemelhou a uma fala de um dos meninos observados, em se tratando de uma mesa para quatro crianças: “Aqui, menina, não senta!”, impedindo uma colega de sentar-se à mesa onde estava a cadeira com o seu nome.

Tais comportamentos geraram uma inquietação a respeito das relações entre meninos e meninas pequenos, que se recusavam em brincar entre si e o poder supremo delegado à figura masculina.

Atitudes, manifestadas durante as atividades escolares, jogos e brincadeiras, mostraram que “as representações de brinquedos preexistentes, num determinado universo cultural terão, portanto, sobre as crianças e adultos um forte papel

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modulador nos significados que estes mesmos sujeitos passam a atribuir a tais objetos” (BUJES, 2000, p. 211).

De acordo com Louro (2011, p.21),

para que se compreenda o lugar e as relações de homens e mulheres numa sociedade importa observar não exatamente seus sexos ,mas sim tudo o que socialmente se construiu sobre os sexos.O debate vai se constituir , então , através de uma nova linguagem , na qual gênero será um conceito fundamental. [...] O conceito serve assim, como uma ferramenta analítica que é, ao mesmo tempo, uma ferramenta política. Segundo Mitchel (1974, p.135, apud COSTA, 1998, p.34), é na sexualidade que tradicionalmente a mulher tem sido mais oprimida, pois “através da historia a mulher tem sido apropriada como objeto sexual, tanto como progenitor ou produtor”. Assim, a mulher foi sempre uma espécie de propriedade privada do homem na relação familiar.

Diante de tais pressupostos, constitui-se problema desta pesquisa: de que modo o patriarcado está presente na visão de mundo de crianças de 3 e 4 anos de idade da Educação Infantil e como a intervenção pedagógica pode mudar esse cenário?

Para auxiliar a resolução dessa questão, foram elaboradas as seguintes questões de estudo:

a) De que modo relações entre gêneros estão presentes nas atividades cotidianas e nas brincadeiras em sala de aula e na área externa?

b) Que tipo de situações de interação podem ser oportunizadas entre meninos e meninas de 3 e 4 anos de idade, da Educação Infantil, de modo a desconstruir o padrão machista e sexista?

c) Qual a importância da intervenção pedagógica para modificar padrões de comportamento discriminatório de gênero entre as crianças pequenas?

Essa pesquisa tem como objetivo geral identificar práticas de resistências entre meninos e meninas demonstradas durante as brincadeiras de crianças de 3 e 4 anos de idade numa turma da Educação Infantil e como a intervenção didática pode modificar esse cenário.

Foram definidos, para tanto, os seguintes objetivos específicos:

a) Observar as relações entre gêneros presentes nas atividades cotidianas e nas brincadeiras em sala de aula e na área externa;

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b) Oportunizar situações de interação entre meninos e meninas de 3 e 4 anos de idade, da Educação Infantil, de modo a desconstruir o padrão machista e sexista;

c) Compreender a importância da intervenção pedagógica para modificar padrões de comportamento discriminatório de gênero entre as crianças pequenas.

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Para tanto, foi realizado um estudo de cunho etnográfico (MACEDO, 2004), com abordagem qualitativa, junto a crianças de 3 e 4 anos matriculadas em um CMEI (Centro Municipal de Educação Infantil), de Salvador, no ano de 2015. A opção por este tipo de pesquisa configurou-se por vários aspectos, entre eles, pelo “seu potencial de contribuição aos problemas da prática educacional” (ANDRÉ, 1995, p. 54).

Este trabalho é composto por mais três capítulos: o capítulo dois traz o referencial teórico, em três temáticas, que trazem a abordagem sociológica do gênero na sociedade, a ausência do gênero na educação infantil e a possibilidade de trabalho didático na educação infantil para o combate à discriminação de gênero. O capítulo três aborda o caminho metodológico, onde descreve o método, os procedimentos metodológicos, a descrição do campo e dos sujeitos.

No capítulo quatro, são retratados os dados coletados na pesquisa de campo.

Por fim, as considerações finais que apresentam os resultados positivos, obtidos pela atuação e intervenção docente.

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2 A DISCUSSÃO DE GÊNERO NA SOCIEDADE E NA EDUCAÇÃO INFANTIL

2.1 ABORDAGEM SOCIOLÓGICA E A QUESTÃO DE GÊNERO NA SOCIEDADE Neste capítulo, será realizada uma abordagem da questão de gênero a partir de conceitos e definições de estudiosos da Sociologia da Educação, com a finalidade de estudar a interação entre a escola - vista como um elemento de socialização - e a sociedade onde ela está inserida, contemplando a escola como uma organização e instituição social.

O conceito de gênero, em nossa sociedade, origina-se do fenômeno do patriarcado, quando ocorre quando a figura masculina comanda o seu grupo e a mulher figura como coadjuvante no processo da constituição familiar e social. Essa perspectiva acaba por transpassar todas as esferas sociais, exemplo da religião, onde está mais forte.

Auad (2006, p.22) explica que sexo não é a mesma coisa que gênero, apesar de estarem relacionados. Para ela, o “(...) sexo é percebido como uma questão biológica, enquanto gênero é uma construção histórica a partir dos fatos genéticos”. Já Braga (2009) afirma que o gênero vai sendo aprendido mesmo antes do nascimento, pois, a partir do momento que sabemos o sexo da criança, criamos uma série de expectativas em torno do comportamento da personalidade de meninos e meninas, e lançamos mão de práticas que reforçam e garantem essas expectativas. Muitos teóricos e autores como Hera (1998), Scott (1998), Louro (2000), dentre outros, corroboram com a ideia de que, apesar dos avanços conquistados desde a década de 1960, a mulher ainda é vista, em algumas sociedades, como agente passivo, um ser coadjuvante de um processo social que atribui características frágeis do gênero feminino, o que é ensinado desde cedo às crianças.

Desde crianças, as meninas são orientadas a desempenhar o papel impassível, brincando com panelinhas, bonecas, casinhas, o que é tipicamente consideráveis brincadeiras femininas. Enquanto os meninos brincam de correr, jogam futebol, simbolizam o papel de motoristas com a utilização de carrinhos, entre outros jogos simbólicos que valoriza o papel do homem frente a uma coletividade que ainda esboça traços machistas - um conjunto de práticas, comportamentos e frases considerados ofensivos contra o gênero feminino. (LINS, 1997, p. 26).

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Laraia (2002, p. 19) afirma que a

espécie humana se diferencia anatômica e fisiologicamente através do dismorfismo sexual, mas é falso que as diferenças de comportamento existentes entre pessoa de sexo diferente sejam determinadas biologicamente. A antropologia tem demonstrado que muitas atividades atribuídas às mulheres em uma cultura podem ser atribuídas aos homens em outra. Hera (1998) considera que os desequilíbrios de gênero se refletem nas leis, políticas e práticas sociais, assim como nas identidades, atitudes e comportamentos das pessoas, já que as mulheres lutaram muito para conquistar seus direitos atuais, luta que tem sido histórica e contínua, pois ainda há desigualdades salariais, preconceitos com cargos de chefia assumidos por mulheres.

É, então, no âmbito da cultura e da história que se definem as identidades sociais (todas elas e não apenas as identidades sexuais e de gênero, mas também as identidades de raça, de nacionalidade, de classe etc.). Essas múltiplas e distintas identidades constituem os sujeitos, na medida em que esses são interpelados a partir de diferentes situações, instituições ou agrupamentos sociais (LOURO, 2000, p.6) O conceito de gênero se apresenta, muitas vezes, confundido com sexualidade. De acordo com Scott (1995), gênero é um elemento constitutivo das relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, que fornece um meio de decodificar o significado e de compreender as complexas conexões entre as várias formas de interação humana.

O uso da palavra foi estabelecido em relação a outros fenômenos: a instauração de um conjunto de regras e de normas, em parte tradicionais e em parte novas, e que se apoiam em instituições religiosas, judiciárias, pedagógicas e médicas; como também as mudanças no modo pelo qual os indivíduos são levados a dar sentido e valor à sua conduta, seus deveres, prazeres, sentimentos, sensações e sonhos. (CORREA apud FOCAULT, 2010, p.1). Para Cavenaghi e Alves (2014), gênero se refere ao conjunto de relações, atributos, papéis, crenças e atitudes que definem o que significa ser mulher ou homem na vida social.

A ordem social funciona como uma imensa máquina simbólica que tende a ratificar a dominação masculina sobre a qual se alicerça: é a divisão social do trabalho, distribuição bastante estrita das atividades atribuídas a cada um dos dois sexos, de seu local, seu momento, seus instrumentos; é a estrutura do espaço, opondo o lugar de assembleia ou de mercado, reservados aos homens, e a casa, reservada às mulheres; ou, no interior desta, entre a parte masculina, com o salão, e a parte feminina, com o estábulo, a água e os vegetais; é a estrutura do tempo, a jornada, o ano agrário, ou o ciclo de vida, com momentos de ruptura masculinos, e longos períodos de gestação, femininos (BOURDIEU, 2012, p.18).

Práticas de submissão de um gênero sobre o outro será tratado aqui, por meio do termo Sexismo que, segundo Smigay (2002, p.34) trata-se de uma atitude de discriminação em relação às mulheres. Mas é importante lembrar que se trata de uma posição que pode ser perpetrada tanto por homens quanto por mulheres.

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Em se tratando da preponderância do homem sobre a mulher, Moreno (1999, p. 23) destaca o androcentrismo e argumenta sobre a força que este ainda possui:

O androcentrismo consiste em considerar o ser humano do sexo masculino como o centro do universo, como a medida de todas as coisas, como o único observador válido de tudo o que ocorre em nosso mundo, como o único capaz de ditar leis, de impor a justiça, de governar o mundo (MORENO, 1999, p. 23). Assim se constitui o patriarcado, que tem origem na palavra grega pater. A primeira vez que o termo foi usado com conotação de preponderância do homem na organização social foi pelos hebreus com o propósito de qualificação do líder de uma sociedade judaica. Mas o grego helenístico também já fazia menção ao termo, pois as mulheres eram concebidas como objetos de satisfação masculina e, consequentemente, julgados como inferiores.

Para entender como o Patriarcado ainda influencia nos dias atuais, nos comportamentos e nas falas dos indivíduos, é necessário remeter-se aos primórdios, mas precisamente, na Grécia antiga, mas que transmitido de geração em geração.

Izquierdo (1991, p.82) considera que o preconceito diante das diferentes capacidades das mulheres e dos homens (que ela denomina de sexismo) é acompanhado de uma concepção hierárquica de dominação do gênero masculino sobre o feminino.

Para observar as relações que estabelecem, é necessário observar sua ação lúdica, a brincadeira, pois, é precisamente no brinquedo que a criança, no período pré-escolar, por exemplo, assimilar funções sociais das pessoas e os padrões apropriados de comportamento (LEONTIEV, 1988, p. 64 - 65). De acordo com a exposição de Foucault (1984, p.131), por um lado, as

mulheres,

enquanto esposas, são, de fato, circunscritas por seu status jurídico e social; toda a sua atividade sexual deve se situar no interior da relação conjugal e seu marido deve ser o parceiro exclusivo. Elas se encontram sob o seu poder; é a ele que devem dar filhos que serão seus herdeiros e cidadãos. (...) O status familiar e cívico da mulher casada lhe impõe as regras de uma conduta que é a de uma prática sexual estritamente conjugal. (Focault, 1984, p. 131). Apesar de ainda haver traços e determinações do sistema patriarcal, as mulheres lutaram e conquistaram seu espaço ainda que com muita resistência, numa sociedade com traços patriarcais, ou seja, a que atribui o poder ao homem. Cada vez mais, as mulheres deixam de ser submissas e emancipam seu lugar na sociedade, exercendo papeis que, antes competiam apenas para homens.

Conforme consta no documento intitulado Progresso das Mulheres (2003-2010, p.11), desigualdades de gênero, classe, raça e etnia ainda permeiam a sociedade brasileira, e esta precisa estar cada vez mais consciente dos mecanismos

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legais, políticas e programas disponíveis, para realmente efetivar os direitos das mulheres.

A partir das concepções de Scott (1995) como movimento de luta das mulheres pela igualdade de direitos civis, políticos e educativos, o feminismo reivindica que pessoas diferentes sejam tratadas não como iguais, mas como equivalentes.

O movimento feminista denuncia que a experiência masculina tem sido privilegiada, enquanto a feminina, negligenciada e desvalorizada, assinalando as desigualdades entre homens e mulheres e desvelando as formas de opressão patriarcal e seus mecanismos de semelhança.

2.2 A AUSENCIA DO GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL E O MODELO DE REPRODUÇÃO PATRIARCAL

A infância é a etapa que dá base à formação do sujeito e tem características e toda uma cultura própria.

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Para Silveira (2000), a definição de infância está ligada à ótica do adulto, e como a sociedade está sempre em movimento, a vivência da infância muda conforme os paradigmas do contexto histórico.

Segundo Pinto e Sarmento (1997, p. 33):

Quem quer que se ocupe com a análise das concepções de criança que subjazem quer ao discurso comum quer à produção científica centrada no mundo infantil, rapidamente se dará conta de uma grande disparidade de posições. Uns valorizam aquilo que a criança já é e que a faz ser, de fato, uma criança; outros, pelo contrário, enfatizam o que lhe falta e o que ela poderá (ou deverá) vir a ser. Uns insistem na importância da iniciação ao mundo adulto; outros defendem a necessidade da proteção face a esse mundo. Uns encaram a criança como um agente de competências e capacidades; outros realçam aquilo de que ela carece. Dessa forma, a dimensão da construção de uma concepção de infância pelos intelectuais nos leva a uma questão: os formuladores de uma concepção de infância são, em sua maioria, os adultos. Dessa forma, pensar a infância pode ser buscar algumas evidências articuladas à família e, também, no mundo moderno, à escola. Ariès (1978) descreveu posturas frente à criança que ao longo dos séculos foram inspirando práticas e instituições – como o colégio, que, movido pela instituição da disciplina, fortaleceu o interesse psicológico e a preocupação moral em relação à criança.

Vygotsky (1996) observa que a forma como o ser humano se relaciona com o mundo social é influenciado pela sua situação de desenvolvimento. Desse modo, é possível compreender que as crianças possuem um modo próprio de interagir, estabelecendo vínculos com as pessoas que fazem parte do seu meio, revelando um esforço no intuito de entendimento do mundo em que vivem.

Um dos espaços que propiciam possibilidades de interação e construção de reflexões acerca da sua realidade e elaboração de novas possibilidades é a escola.

No entanto, a educação infantil ainda é tida, em nosso país, pela sua tradição influenciada pela concepção naturalista da educação, como uma extensão da casa e da família da criança. Kramer (1993) fala sobre isso ao descrever o Jardim da Infância, no qual a professora é vista como jardineira e as crianças como flores a serem semeadas.

Nesse sentido, esse espaço torna-se um local de atuação quase que exclusivo para as mulheres, segundo Almeida (1998), para que, também, existe um silenciamento da questão de gênero no trabalho pedagógico realizado.

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Desse modo, creches e pré-escolas, em geral, terminam por reproduzir o discurso das relações assimétricas entre homens e mulheres (Rabelo, 2006), fortalecendo, pois, a barreira sexista desde a mais tenra idade.

Frison (2008, p. 3) afirma que,

a escola Infantil, sendo um espaço educativo, desempenha papel determinante na formação da criança com vista em seu posicionamento e sua integração em uma sociedade em constante mudança, que se torna constantemente mais complexa, exigente e desigual. Sendo a escola um espaço privilegiado na fomentação do diálogo e na garantia da igualdade para todos, é necessário que se pense no respeito à luta pelos direitos e reconhecimento das diferenças, sejam elas culturais ou políticas, imprescindíveis para a construção de uma sociedade democrática, haja vista que é dever do Estado formar sujeitos para o exercício da cidadania, proporcionando políticas pedagógicas para que aja um entendimento sem exclusões.

A educação escolar está sendo chamada a superar uma visão psicologizante estreita que ainda faz parte da cultura da escola e que acaba delineando perfis idealizados de aluno/a e professor/a. A pedagogia e a escola têm sido desafiadas a incorporarem os avanços da própria psicologia e de outras áreas das ciências humanas. Os/as educadores/as, aos poucos, têm compreendido melhor que o estabelecimento de padrões culturais, cognitivos e sociais acaba contribuindo muito mais com a produção da exclusão do que com a garantia de uma Educação escolar democrática, inclusiva e de qualidade (BRASIL, 2007, p.22). Tratando da especificidade da Educação Infantil, Finco (2003, p.95) levantou a hipótese de que meninos e meninas observados em sua pesquisa, não possuem o sexismo da forma como ele está disseminado na cultura construída pelo adulto: “as crianças vão aprendendo a oposição e a hierarquia dos sexos ao longo do tempo que permanecem na escola”.

Para Louro (1997), a instituição escolar atua como reprodutora dos estereótipos de gênero, do mesmo modo que atua como instrumento de reprodução da sociedade patriarcal e sexista vigente.

Em muitas instituições e práticas, essas concepções foram e são aprendidas e interiorizadas, tornando-se quase “naturais”. A escola é parte importante neste processo. Tal “naturalidade” tão fortemente construída talvez nos impeça de notar que, no interior das atuais escolas, onde convivem meninos e meninas, rapazes e moças, eles e elas se movimentam, circulam e se agrupam de formas distintas. (LOURO, 1997, p. 56). No ambiente escolar, tanto meninas quanto meninos reproduzem falas de um domínio masculino, durante suas brincadeiras, suas interações, demonstrando que o ideário patriarcal e sexista ainda está visivelmente presente nos dias atuais, ainda que neguem possuam qualquer tipo de preconceito, nos dias atuais.

Como estamos incluídos, como homem ou mulher, no próprio objeto que nos esforçamos por aprender, incorporamos, sob a forma de esquemas inconscientes de percepção e de apreciação, as estruturas históricas da ordem masculina; arriscamo-nos, pois, a recorrer para pensar a dominação masculina, a modos de pensamentos que são eles próprios produtos da dominação (BORDIEU, p.6, 2002).

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Conforme Louro (1997), os discursos pedagógicos (teorias, legislação, normatização) buscam demonstrar que as relações e as práticas escolares devem se aproximar das relações familiares, embasadas em afeto e confiança, para conquistar a adesão e o engajamento dos/as estudantes em seu próprio processo de formação.

Em tais relações e práticas, a ação das agentes educativas deve guardar, pois, semelhanças com a ação das mulheres no lar, como educadoras de crianças ou adolescentes.

Nesse sentido, é importante considerar que as questões de diversidade, dentre as quais se encontra o tema gênero, são temáticas que fazem parte da realidade social das crianças e elas são necessárias na atualidade. Principalmente quando entendemos que o âmbito escolar é cenário de muitas discussões a respeito dos mais variados assuntos, mas pouco se inquire sobre gênero. Para Gusmão (1999, p. 43), a escola

como instituição máxima do processo educativo, não sabe, ainda, como resolver o impasse que emerge da diversidade sociocultural de seus alunos. Essa ambiência curricular, ou seja, as relações multietnicas demandam inúmeras tarefas sociais, desde a preocupação com a problemática da identidade cultural (tradições, línguas) dos alunos, mas, sobretudo a preocupação em criar condições de valorização e respeito entre todos, autóctones e migrantes, de forma que no seu interior se contemple a pluralidade e a integração entre as diferenças. Indo na contramão dessa necessidade contemporânea, a academia acaba, também, por repetir esse padrão e desconsiderar a especificidade do gênero nas pesquisas voltadas para a educação das crianças. De acordo com Rosemberg (2001, p. 287), “raríssimos estudos parecem ter ido à busca do lugar da infância na construção social das relações de gênero no sistema educacional”.

Como consequência desse fato, o cenário de ideologia sexista, que acaba por cimentar a reprodução de desigualdades de gênero no imaginário infantil se constrói a cada geração de crianças que ingressa em creches e pré-escolas.

Para Rabelo (2004), tal ideologia acaba por repercutir na vida do sujeito de forma constante, em todas as suas atividades e em todos os contextos em que se insere.

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2.3 A ESCOLA DA DIVERSIDADE E O DISCURSO DA IGUALDADE DE GÊNERO NA INFÂNCIA: UTOPIA POSSÍVEL?

A instituição educativa formal, que desempenha a função de transmissão do saber universal sistematizado, tem sua ação criticada pelos movimentos progressistas, já que suas práticas, muitas vezes motivadas por valores tradicionais, acabam por não contemplar temas emergentes voltados para os sujeitos negligenciados.

Assim, é importante que sejam consideradas as contribuições dos Estudos Culturais, que têm questionado as posturas dos profissionais e currículos implementados.

De acordo com Praxedes (2003), os Estudos Culturais discutem e enfatizam as relações de poder entre culturas, nações, povos, etnias, raças, orientações sexuais e gêneros que resultam do colonialismo europeu, do mesmo modo que questionam de que modo tais relações assimétricas originam processos de tradução, resistência e de mestiçagem ou hibridação cultural que levam à formação de múltiplas identidades.

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A finalidade desses Estudos é colocar em xeque as formas tradicionais de práticas escolares reprodutivistas, buscando incluir temáticas que abordem e valorizem as culturas subalternas ou marginais.

O que distingue os Estudos Culturais de disciplinas acadêmicas tradicionais é seu envolvimento explicitamente político. As análises feitas nos Estudos Culturais não pretendem nunca ser neutras ou imparciais. Na crítica que fazem das relações de poder numa situação cultural ou social determinada, os Estudos Culturais tomam claramente o partido dos grupos em desvantagem nessas relações. Os Estudos Culturais pretendem que suas análises funcionem como uma intervenção na vida política e social (SILVA, 2002, p. 134). Para Vygotsky (1998), as características humanas são resultados das relações do homem com a sociedade e, à medida que o homem busca transformar o meio para satisfazer suas necessidades, ele se transmuta. Contudo, o desenvolvimento da psique humana é mediado pelo outro que indica, imita e atribui significados à realidade.

Nesse sentido, pensar nos Estudos Culturais como instrumento de ação política é o mesmo que cogitar a possibilidade de mudança do ser humano, no processo de interação e construção histórica.

Dentre essas discussões que compõem esses estudos, a questão de gênero é das mais importantes, pois revela o caráter patriarcal e sexista da sociedade ocidental e contemporânea, constituindo, caso seja adotada, um importante instrumento de mudança de postura nas práticas educativas voltadas para crianças pequenas, no sentido da relação entre meninos e meninas, entre meninos e meninos e meninas e meninas, a partir da lógica da diversidade de gênero presente na sociedade.

Afinal, é “natural” que meninos e meninas se separem na escola, para os trabalhos de grupos e para as filas? É preciso aceitar que “naturalmente” a escolha dos brinquedos seja diferenciada segundo o sexo? Como explicar, então, que, muitas vezes, eles e elas se “misturem” para brincar ou trabalhar? É de esperar que os desempenhos nas diferentes disciplinas revelem as diferenças de interesse e aptidão “características” de cada gênero? Sendo assim, teríamos que avaliar esses alunos e alunas a partir de critérios diferentes? (LOURO, 2004, 63-64). A ideia deste trabalho é defender a educação infantil como elemento de afirmação de identidades, e como via de propagação e valorização das múltiplas identidades e culturas que permeiam a história, assim como ressaltar sua

importância no processo de validação e valorização da singularidade e da diversidade do ser humano.

[...] a dimensão que os conhecimentos assumem na educação das crianças pequenas coloca-se numa relação extremamente vinculada aos processos gerais de constituição da criança: a expressão, o afeto, a sexualidade, a socialização, o brincar, a linguagem, o

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movimento, a fantasia, o imaginário, (a cultura), as suas cem linguagens. (ROCHA, 1999, p. 62). Na instituição escolar, seja creche ou pré-escola, voltada para o educar, o cuidado e ao brincar, a criança estabelece vínculos e trocas. Lá, ela começa a ser cuidada, a experimentar a si mesma, percebendo e considerando-se como sujeito, notando como se constituem as redes de relações.

Por isso, os profissionais que atuem nesses espaços precisam dar conta dessa multiplicidade identitária e das demandas contemporâneas no que se refere ao comportamento humano para guiar sua ação pedagógica. No entanto, infelizmente, tais inquietações ainda não atingem a todos os profissionais.

Quem quer que se ocupe com a análise das concepções de criança que subjazem quer ao discurso comum quer à produção científica centrada no mundo infantil, rapidamente se dará conta de uma grande disparidade de posições. Uns valorizam aquilo que a criança já é e que a faz ser, de fato, uma criança; outros, pelo contrário, enfatizam o que lhe falta e o que ela poderá (ou deverá) vir a ser. Uns insistem na importância da iniciação ao mundo adulto; outros defendem a necessidade da proteção face a esse mundo. Uns encaram a criança como um agente de competências e capacidades; outros realçam aquilo de que ela carece (PINTO E SARMENTO, 1997, p. 33). De acordo com o artigo quarto da Resolução nº 5, que instituem Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação Infantil:

Art. 4º - As propostas pedagógicas deverão considerar que a criança, centro do planejamento curricular, é sujeito histórico e de direitos que, nas interações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e sociedade, produzindo cultura. (BRASIL, 1998, p.1). Entretanto, não é isso que acontece. As recomendações presentes nos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (RCNEI) - Eixo de Natureza e Sociedade recomendam que educadores e educadoras observem as crianças na utilização de brincadeiras, músicas, histórias, jogos e danças tradicionais da comunidade, na demonstração de seu interesse e o despertar da curiosidade pelo ambiente físico e social à sua volta, verificando sua curiosidade e construções acerca da temática de gênero e sobre sua própria identidade, seja em relação a si, seja considerando os outros.

Já nas Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil (DCNEI), está preconizado, no art. 7º, Inciso V, que as propostas pedagógicas das instituições devem garantir que elas cumpram plenamente a sua função sócio-política e pedagógica,

V- construindo novas formas de sociabilidade e de subjetividade comprometidas com a ludicidade, a democracia, a sustentabilidade do planeta e o rompimento de relações de dominação etária, socioeconômica, étnicorracial, de gênero, linguística e religiosa.

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Nas escolas, em geral, os currículos, assim como as

normas, procedimentos de ensino, teorias, linguagem, materiais didáticos, processos de avaliação, seguramente, loci das diferenças de gênero, sexualidade, etnia, classe – são constituídos por essas distinções e, ao mesmo tempo, seus produtores. Todas essas dimensões precisam, pois ser colocadas em questão. É indispensável questionar não apenas o que ensinamos, mas o modo como ensinamos e que sentidos nossos/as alunos/as dão ao que aprendem. (LOURO, 2004, p. 64). Nesse contexto, é importante considerar a ideia de Souza (2009), quando afirma que, atualmente, a nossa escola caracteriza-se por ser um lugar de atuação de mulheres, ainda que todo processo de seleção, produção e a própria transmissão do conhecimento fosse historicamente produzido por homens. Por conseguinte, mudar a forma de trabalho de profissionais também perpassa por um trabalho interno de constituição de identidade de gênero nesses sujeitos.

Silva (2002) pontua, em forma de questionamentos, vários aspectos relativos aos estudos culturais que constituem em desafios para educadores e educadoras, na atualidade:

a) A educação escolar e o currículo estão comprometidos com a herança colonial e, por isso, possibilitam a manutenção do preconceito e da discriminação?

b) Como os materiais didáticos, as narrativas literárias e os textos científicos continuam celebrando o modelo tradicional e eurocêntrico vigente?

c) De que modo subjetividades de alunos e professores de diferentes grupos são influenciadas por esse modelo?

d) Como tornar a escola um espaço de convivência democrática entre os diferentes grupos?

Para responder a tais questões é necessário debruçar-se sobre si mesmo e analisar a história de cada educador, confrontando-a com seu presente.

Moreno (1999) menciona que os livros, além de nos ensinar a ler, são impregnados de códigos e símbolos sociais, que consistem em uma ideologia sexista historicamente construída, induzindo os/as alunos/as a uma maneira particular de interpretar o passado e de preservar seus valores, construindo, assim, padrões na conduta de ambos os gêneros.

Nesse sentido, torna-se imperativa a mudança de postura e o aprofundamento teórico sobre a questão, para a coerente aplicação das ideias na prática de ensino.

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Segundo Leontiev (1988), na Educação Infantil, a criança tem como atividade principal a brincadeira, isto é, a atividade responsável por governar as mudanças mais importantes nos processos psíquicos e nos traços psicológicos da personalidade infantil.

A brincadeira como prática social possibilita à criança transformar sua realidade, exercitando o imaginário e suas habilidades, vivenciando cada brincadeira como única, modificando o tempo, o espaço e os objetos desse brincar, (re) construindo e se (re) apropriando de suas práticas sociais. Assim, o brincar carrega as marcas da nossa vida: alegrias e tristezas, dor, angústias, sonhos, descobertas e realizações, que se expressam através da ludicidade. (SILVA, 2012, p.111).

O trabalho docente, desse modo, deve pautar-se na prática que envolva a ludicidade e a consideração da epistemologia do desenvolvimento infantil, com elementos motivadores e interessantes para a idade dos estudantes a que se destina.

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3.1 METODOLOGIA

Discutir a infância e as relações de gênero que permeiam as crianças em idade pré-escolar é imprescindível para os dias atuais, pois podem originar transformações de caráter atitudinal nos futuros adultos, no que se refere à equidade.

Para tanto, foi realizado um trabalho de pesquisa de cunho etnográfico e caráter qualitativo, motivado pela atuação profissional da pesquisadora que, em trabalho de campo, realizou uma intervenção pedagógica onde foi possível observar as crianças e as relações de gênero estabelecidas entre elas.

Ao instrumentalizar-se com os fundamentos conceituais e com os procedimentos comuns à Etnopesquisa crítica, entendemos que ao professor (educador-intelectual-pesquisador) e dada uma oportunidade ímpar de acordar as fontes (Bachelard) nos diversos cenários onde se institui a educação. (MACEDO, 2004, p.33). A pesquisa etnográfica numa escola apresenta e traduz a prática da observação, da descrição e da análise das dinâmicas interativas e comunicativas como uma das mais relevantes técnicas, a partir de uma “lente de aumento” (ANDRÉ, 1995, p. 41), que permite aprofundar-se no conhecimento do objeto.

Assim, foi necessário observar o que as crianças faziam, como faziam e a forma como se relacionavam entre si, de forma a verificar de que modo um sistema radicado na dominação patriarcal que atinge as esferas social, econômica, política e cultural consegue influenciar valores e comportamentos em crianças em tão tenra idade.

Na produção de informações foram realizadas entrevistas com os sujeitos, assim como aplicação de atividades pedagógicas diversas a partir da temática de gênero, partindo da inspiração literária. Sendo assim, foram necessárias e urgentes mais intervenções docente com a disponibilidade de brinquedos (brinquedos de encaixe, dominó das cores) de um mesmo tipo para todos (meninos e meninas) e sugestões de brincadeiras que envolvem meninos e meninas (esconde-esconde, futebol misto, etc.).

Também houve um resultado oportuno nos jogos simbólicos, que, por algum tempo, prevalecia apenas um gênero – predominantemente, o feminino e depois ficou com representações heterogêneas, sem nenhum tipo de conflito.

Para Bíscaro (2009, p.56), a escola é um espaço social onde são construídos e reconstruídos conhecimentos e valores. Por isso, ela atua de forma marcante na

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identidade dos sujeitos e pode auxiliar na mudança de paradigmas e quebras de preconceitos.

Atividades escritas com conteúdos de Natureza e Sociedade e Identidade e Autonomia foram também aplicadas na turma com a finalidade de perceber valores e ideologias presentes no imaginário infantil e no comportamento das crianças.

Do mesmo modo, foram realizadas contações de histórias com utilização de fantoches e uma dramatização para realizar o contraponto de ideias, em relação aos valores expressos pelos sujeitos.

3.2 CARACTERIZANDO O CAMPO DE PESQUISA

O CMEI no qual foi realizada esta pesquisa está localizado no município de Salvador, na região da Cidade Baixa e mantém convênio com as redes municipal e estadual de ensino.

Atende a crianças de 2 a 5 anos e 11 meses de idade, em regime de creche, em tempo integral para crianças de 2 e 3 anos e semi-integral para crianças de 4 e 5 anos.

O espaço físico desse CMEI é de médio porte, arejado, com salas amplas, bem estruturadas e áreas externas, principalmente o parque, que é bem amplo e possui um espaço livre onde as crianças podem brincar e socializarem-se.

A área interna possui também uma área livre de convivência, um pátio coberto, que propicia a realização de brincadeiras em tempos chuvosos e a culminância de projetos pedagógicos promovidos pela instituição.

No que tange ao espaço creche, onde é ofertada a educação em tempo integral, é composta por quatro turmas de crianças, sendo duas de alunos com 2 anos e duas de alunos com 3 anos de idade.

Seu grupo de trabalho é composto por uma diretora, uma vice-diretora, auxiliar de secretaria, merendeira, duas auxiliares de merenda, lavadeira e quatro auxiliares de serviço geral, dois porteiros e um segurança. Em relação ao corpo docente, existem 7 pedagogas, que contam com o auxílio de 10 auxiliares de desenvolvimento infantil (ADI’s), que atuam nas diversas classes.

O CMEI é ainda composto por mais quatro turmas, sendo duas do Grupo 4 e mais duas do Grupo 5, que atendem em período semi-integral.

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3.3 CARACTERIZANDO OS SUJEITOS DA PESQUISA

Na pesquisa, foram adotados, para as crianças, os nomes dos personagens que fazem parte das histórias em quadrinhos da turma de Luluzinha e Bolinha, para contemplar o tema e por terem sido observadas características no comportamento dos sujeitos semelhantes às dos mencionados personagens.

Apesar de a turma ser composta por vinte e uma crianças com idades entre 3 e 4 anos, terá maiores destaques apenas seis delas, sendo três meninos e três meninas. Isso decorre do fato destes terem apresentado, durante o processo, papeis e falas marcantes que forma, inclusive, motivadoras na escolha do tema desta pesquisa.

Os demais alunos e alunas participaram de todas as etapas deste trabalho, contudo, não serão feitas as caracterizações de suas atuações, haja vista a ausência de algumas expressões, pois, o destaque foi voltado para os que mais refletiram as características reproduzidas por uma sociedade onde o patriarcado ainda se faz presente.

a) Turma da Luluzinha: Luluzinha, Aninha e Glória

Luluzinha: Essa aluna possui um comportamento ativo e altivo, possui atitudes de liderança, tem característica de reproduzir a fala de adultos em relação à interação e ao sistema patriarcal que determina o homem como autoridade majoritária e percebe a divisão de que meninos só podem brincar e ficar ao lado de meninos e vice-versa. É participativa, questionadora e principalmente reproduz fala de adultos do seu meio social e reproduz estereótipos de mulher submissa ao homem, esboçando comportamentos que a destaca pelos colegas e pela equipe de professora e suas auxiliares.

Aninha: Essa aluna possui atitudes não sexistas e tem a coragem de expor suas ideias de maneira branda, retratando em jogos simbólicos, o estereótipo de uma mulher dona de casa, com hábitos de mãe de família, tratando os colegas com membros dessa família e, escolhendo brinquedos que remetem a uma casa com crianças que precisam ter a alimentação, o cuidado com a higiene e saúde, etc. Glória: É uma menina meiga e que escolhe com quem quer brincar, preferindo estar ao lado das meninas, idealizando, no futuro, a formação de uma família, constituída por filhos e marido.

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Bolinha: Esse aluno é destaque, possui um comportamento totalmente sexista e lidera todas as outras crianças, demonstra incômodo ao permanecer na companhia de meninas, sempre trocando de lugar e escolhendo com quem quer permanecer ao lado, seja durante as brincadeiras, como as atividades realizadas com o grupo.

Carequinha: O aluno é um dos colegas preferidos por Bolinha, por também não gostar da companhia de meninas. É carinhoso, mas, se sofre aborrecimento, fica nervoso e agressivo e opta por levar seus próprios brinquedos à escola, o que gera desconforto e até discussões quando este não quer compartilhar com outros colegas.

Juquinha: Esse aluno reflete de forma completa o ideário do machismo, pois reproduzindo falas, escolhe cores que, diz ser determinantes tanto para meninos quanto para meninas; acredita que homem não deve chorar, nem mesmo quando sente dor ao se machucar durante brincadeiras no parque. Prefere ficar sempre ao lado de outros meninos com brincadeiras que eles consideram ser apenas de meninos, a exemplo do futebol, e refutou todos os enredos das histórias contadas durante a pesquisa, desfazendo o enredo do livro, dando sua própria opinião sem citar quaisquer influências (sejam elas de familiares ou de pessoas do seu meio sócio-cultural).

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4. LULUZINHAS E BOLINHAS NA SALA DE AULA: UM ESTUDO DE GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Essa pesquisa permitiu a imersão na sala de aula para compreender como se formam, no dia a dia, os conceitos relacionados à construção das identidades de gênero e que implicações esta construção tem para as crianças.

E foi por meio da observação das atividades lúdicas que essa percepção foi possível, já que, nesta etapa da vida, as brincadeiras ocupam um papel imprescindível, já que ela se constitui como instrumento educativo que permite a apropriação do mundo, dos objetos e da cultura humana (ROSSLER, 2006).

Esses momentos deram a oportunidade da percepção de que as crianças são reprodutoras e produtoras de culturas, demonstrando dependência, na fase inicial da vida, do ponto de vista do adulto, na concepção de seu ideário e de seus valores.

4.1 A ORIGEM DE TUDO

As crianças sujeitos dessa pesquisa manifestaram os primeiros comportamentos que chamaram a atenção para a temática em momentos livres de brincadeiras nas áreas externas no CMEI e na sala de aula, quando se dirigiam aos baús de brinquedos e escolhiam seus brinquedos, assim como selecionavam as companhias para as brincadeiras.

Nessa sequência, meninas pegam brinquedos que remetem às lides domésticas e à estética (panelinhas, bonecas, secadores de cabelo, pentes, etc.), enquanto os meninos escolhem materiais de construção, carrinhos e bonecos, sentando-se em grupos distintos.

Ao acompanhar as crianças ao parque, foi percebido que Aninha brincava com mais três outras meninas. Era brincadeira de casinha, na qual Aninha era a mãe e as demais as filhas.

- A partir desse momento, vou trabalhar para criar minhas crianças e não vou depender mais do pai delas! (Aninha).

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Sendo a escola um espaço privilegiado na fomentação do diálogo e na garantia da igualdade para todos, é necessário que se pense no respeito à luta pelos direitos e reconhecimento das diferenças, sejam elas culturais ou políticas, imprescindíveis para a construção de uma sociedade democrática, haja vista que é dever do Estado formar sujeitos para o exercício da cidadania, proporcionando políticas pedagógicas para que aja um entendimento sem exclusões.

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Pensando na realidade familiar dessa criança, que é filha única de ambos os pais e na condução que dava ao jogo, simulando a ida das crianças à escola enquanto ela se preparava para o trabalho, ao qual não poderia deixar de ir por ter que sustentar a casa.

Para Vygotsky (1984), ao reproduzir o comportamento social do adulto em seus jogos, a criança está combinando situações reais com elementos de sua ação fantasiosa. Esta fantasia surge da necessidade da criança em reproduzir o cotidiano da vida do adulto da qual ela ainda não pode participar ativamente.

- Oi, filhas! A mamãe teve que ir comprar alguma coisa para vocês comerem porque preciso levar vocês para a escola e, de lá vou para o trabalho (Aninha).

- Mãe, você comprou a merenda que eu te pedi?(Luluzinha).

- Não deu filha. Se eu comprasse para você, tinha que ser para as suas irmãs também e o dinheiro que eu levei não dava. Mas trouxe esse biscoito que dá para vocês dividirem na hora do recreio (Disse a mãe, Aninha).

- Mas, mãe eu não gosto desse biscoito (Glória).

- Filha, o que eu conversei com vocês, antes? Agora a mamãe vai cuidar da casa sozinha e tem pouco dinheiro (Aninha).

Nesse momento, um dos meninos, ao notar a presença da sua professora, que estava adotando um papel observador, do lado de fora da casinha, deu a volta em torno da casinha e tentou entrar pela porta, sendo rejeitado pelas meninas.

- Vá pra lá, agora estamos brincando de casinha. Só tem meninas aqui, vá brincar com os meninos. (disse Luluzinha).

Ao ser indagado acerca do “por que” os meninos não entrarem na casa, surpreendentemente, “Aninha” disparou que ela havia se separado e ficava só com as filhas.

Depois que as quatro meninas se disseram prontas para sair, todas foram correr, entre si, partindo para outra brincadeira até chegar o momento de voltarem para a sala e tomarem o banho.

À tarde desse mesmo dia, coincidentemente, retornando ao parque, foi presenciada outra ação que envolvia a questão de gênero, dessa vez, promovida por meninos. 32

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Uma menina, que não se enquadra na turma da Luluzinha, foi brincar com os meninos que estavam na escorregadeira e um deles, a quem se assemelha com “Bolinha”, tentou expulsá-la e ela quase caía pelo lado do brinquedo.

Travou-se uma discussão até que eu a aproximação da professora para intervir, querendo saber o que estava havendo. Logo o menino resolveu explicar a versão dele.

- Nós estamos brincando e ela quer atrapalhar. (Bolinha).

- Eu não quero “trapalhar” nada, quero brincar e eles não “deixa”.

- Aqui só tem menino, porque você não vai brincar com as outras? (Bolinha apontou o dedo para um grupo de meninas que estavam sentadas no batente do CMEI, na entrada de uma das portas da sala de aula).

A menina, então insistiu em brincar no escorregador, fazendo com que Bolinha chorasse, querendo tirá-la nem que fosse à força. Nesse momento, Juquinha chamou o colega e, visualizando uma bola, foi pegá-la e começaram a brincar de fazer gols.

Ao longo daquela semana, foram observadas diversas outras práticas de separação entre gêneros, a exemplo da separação entre meninos e meninas nas filas antes da saída da escola, lideradas por Bolinha e Luluzinha.

Assim, delimita-se a temática da pesquisa, que ocorreu entre os meses de setembro e outubro do ano de dois mil e quinze.

4.2 A PESQUISA DIAGNÓSTICA

Para a realização do diagnóstico, primeiro foi aplicado um questionário oral junto aos sujeitos.

A primeira pergunta foi relativa à identidade de gênero, cujo resultado apontou que todas as crianças manifestaram opiniões acerca de seu gênero de acordo com os padrões tradicionais, de forma unânime.

As próximas perguntas envolviam as preferências de cor, brincadeiras e brinquedos, o que também apontou um dado relativo ao padrão tradicional predominante na sociedade.

Nesse caso, meninas demonstravam gosto pela cor rosa, brincadeiras de boneca e casinha, e seus brinquedos preferidos eram as bonecas e ou casinha. Já os meninos afirmaram ter como cor preferida o azul, brincar de futebol e os brinquedos preferidos eram os que representavam os super-heróis da televisão e dos quadrinhos.

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Em relação à socialização, havia uma divisão entre gêneros de maneira explícita, sendo que quando alguém buscava ferir essa padronização era prontamente rejeitado/a pelos demais.

Também foi aplicada uma atividade na qual as crianças utilizavam formas geométricas para representar o corpo humano, distinguindo-os como meninos e meninas. Nessa tarefa, as crianças também realizaram uma reprodução do padrão social vigente, onde a menina é vestida de rosa, tem cabelos grandes e forma delicada. O menino, no entanto, veste azul, verde ou preto, tem cabelo curto e é forte.

FIGURA 1: REPRESENTAÇÃO DE MENINOS E MENINAS POR FIGURAS GEOMÉTRICAS

Fonte: Coleta de dados, 2015.

4.3 A INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA

Após o período diagnóstico, foi realizada a intervenção pedagógica, com a finalidade de experienciar de que modo o trabalho com a temática de gêneros poderia modificar as opiniões e atitudes verificadas nas crianças.

Seguindo sugestões de orientação acadêmica, foram trabalhados livros infantis ligados a gêneros na Educação Infantil: “Meninos de Verdade”, de Manuela Olten, “Anton e as Meninas”, de Könnecke Ole e “Faca sem Ponta, Galinha sem Pé”, de Ruth Rocha.

Após a leitura do Livro Meninos de Verdade, cuja história representa o padrão sexista acerca de gênero e retrata os medos infantis, as crianças foram convidadas a opinar. Ao perceberem que, na história, os meninos também demonstraram medo, a ponto de buscarem proteção junto à irmãzinha, as opiniões já começaram a mudar em relação à resistência entre gêneros e as falas sexistas começaram a desaparecer, demonstrando que as crianças, tomavam atitudes e opiniões próprias, criticando as atitudes dos personagens.

O segundo livro, Anton e as Meninas, cuja história fala um menino individualista, machão e que nunca interagia com meninas, até que se machucou e foi acolhido pelas meninas, num movimento de integração.

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Para essa atividade, as crianças já estavam mais atentas, interessadas para saber o contexto e a história contada, demonstrando atitudes compreensivas e dando opiniões em relação ao personagem principal.

A atividade de discussão do enredo perdurou por muito tempo, pois as crianças queriam colocar suas opiniões e solicitaram por muitas vezes a repetição da leitura.

Devido ao grande interesse pela história de Anton e suas amigas, realizou-se, dias depois, uma representação da história por meio de marionetes, no parque.

Durante essa atividade, outra turma de crianças, de outras salas de que estavam a brincar no parque, se distanciaram dos brinquedos e permaneceram atentos, ouvindo o desenvolver da história. Todos se animaram e ficaram calmos e atentos para o desenrolar da história, menos o Carequinha, que foi o único a falar que meninos não choram e que ele não chora.

Isso gerou uma grande discussão, na qual a maioria discordou de Carequinha, já que, horas antes, um deles (menino), havia caído ao correr no parque e se desequilibrar, e chorou. Aquele episódio foi tomado como exemplo e serviu de motivação para questionar sobre a pretensa força masculina e sua proibição por demonstrar fragilidade e sentimentos.

Apesar de todo o esforço da turma que argumentou e citou exemplos, Carequinha permaneceu irredutível.

O terceiro livro, “Faca sem Ponta, Galinha sem Pé”, gerou um desconforto no grupo, pois as crianças se incomodaram com os nomes dos personagens, casal de irmãos chamado Joana e Pedro que, ao passarem por baixo de um arco-íris, tiveram seus gêneros invertidos e passaram a viver situações de menino e menina em corpos trocados.

Isso gerou desconforto, pois as demais crianças passaram a rir das crianças cujos nomes eram homônimos em relação aos personagens, utilizando-se de expressões machistas, de certa forma, discriminatórias.

Também foram realizadas brincadeiras dirigidas de roda, nas quais houve sempre um momento de conversa para perceber opiniões e construções realizadas pelas crianças em relação à temática. Isso foi realizado porque, de acordo com Auad (2006, p. 50), “os jogos e as brincadeiras podem traduzir como as relações de gênero entre as crianças são construídas e, ao mesmo tempo, como se fabricam meninas, meninos, homens e mulheres”.

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Foi possível perceber que, ao final das atividades que aplicadas com a turma, houve uma mudança nas opiniões e nos comportamentos que outrora eram discriminatórios, aumentou o clima de descontração entre elas e o diálogo se tornou um meio de solução de conflitos.

Também as brincadeiras se tornaram cada vez mais frequentes entre meninos e meninas integrados.

A brincadeira cria zona de desenvolvimento proximal da criança que nela se comporta além do comportamento habitual para sua idade, o que vem criar uma estrutura básica para as mudanças da necessidade e da consciência, originando um novo tipo de atitude em relação ao real. Na brincadeira, aparecem tanto a ação na esfera imaginativa numa situação de faz-de-conta, como a criação das intenções voluntárias e as formações dos planos da vida real, constituindo-se assim, no mais alto nível do desenvolvimento pré-escolar (VYGOTSKY, 1984, p.117). Um exemplo de como tais intervenções didáticas podem surtir efeito pode ser dado a partir da narrativa com o trabalho com a cantiga “Tororó”.

Nessa atividade, a pesquisadora cantou a música convidando as crianças a entrarem na roda, pelo próprio nome, alternando menino e menina. Com isso, todos se divertiram, porque ficavam em ordem, esperando a chamada para entrar na roda e acabavam por também convidar os colegas, independentes do gênero, para brincar:

“Ô, Luluzinha, ô Luluzinha entrará na roda ou ficará sozinha. Sozinha eu não fico nem hei de ficar porque tenho “Bolinha” para ser meu par”.

Nos jogos simbólicos, agora com meninos e meninas juntos, o papel do pai passou a ser representado por uma figura masculina que interagia com os demais participantes de forma tranquila, dialógica. O diálogo passou a ser uma forma de solucionar conflitos e ser uma ponte para atitudes de respeito, sem exclusões ou rejeição.

Do mesmo modo, a distribuição das crianças na classe também sofreu intervenção, já que a docente pesquisadora passou a solicitar que as crianças sentassem em mesas mistas e isso ocorreu de forma natural, a cada dia com menos resistência.

4.4 LULUZINHAS E BOLINHAS APÓS A INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA

Após a intervenção pedagógica, foi aplicado o mesmo questionário diagnóstico junto às crianças, para verificar de que modo essa ação conseguiu lograr seu intento.

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Verificou-se, com grata surpresa, a mudança substancial das opiniões, sobretudo dos meninos, que demonstraram flexibilização acerca dos gostos, principalmente nas cores preferenciais, que, abandonando o azul, passaram a gostar e manifestar gosto pelo amarelo, vermelho, preto.

As brincadeiras preferidas de todos passaram a ser coletivas, como esconde-esconde, pega-pega e “está pronto, seu lobo”?

Os brinquedos que representam o mundo e suas complexidades ganharam lugar na preferência das crianças, a exemplo de trenzinho e do vídeo-game.

Sobre integração entre meninos e meninas, todos, a exceção de Juquinha, passaram a gostar de brincadeiras que envolviam meninos e meninas juntos, sejam elas realizadas na sala de aula como também no espaço do parque.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A discussão de gêneros na escola e, em especial, na educação infantil é uma demanda social que vai de encontro à questão dos direitos fundamentais que compõem o espectro de elementos para a conquista de dignidade humana na atualidade.

Em se tratando do trabalho com crianças pequenas e da inclusão desse tema no currículo de creches e pré-escolas, trata-se de uma demanda urgente.

Nessa pesquisa, foi observada a importância do trabalho pedagógico para a transformação das relações de poder entre meninos e meninas na educação infantil. Essas relações de gênero estavam presentes em todas as atividades cotidianas da sala observada, desde a divisão das crianças nas mesinhas, nos colchões separados durante o sono, de acordo com os gêneros, na subdivisão delas nas brincadeiras, na escolha pelos brinquedos e brincadeiras e nos discursos.

Tais relações revelaram a presença do ideário patriarcal em todas as relações e uma conformidade dos sujeitos em reproduzir tais padrões sociais.

A partir das situações provocadas pela intervenção pedagógica propostas pela pesquisa foram percebidas mudanças importantes no comportamento e nas ideias das crianças, que passaram a dialogar e a conviver de maneira mais adequada ao padrão societário demandado pela contemporaneidade.

Nesse sentido, ficou clara a importância do currículo e da inclusão de temáticas envolvendo grupos subalternizados na sociedade, como as mulheres.

Essa pesquisa revelou um fenômeno tão óbvio quanto invisibilizado: a discussão de gênero é um tabu, difícil de ser discutida, de ser trabalhada e de ser rompida.

E isso não foi percebido somente nas relações observadas pelas crianças, mas, sobretudo, nas dificuldades enfrentadas pela própria pesquisadora para desenvolver esse trabalho, seja pela resistência dos sujeitos parceiros no campo de trabalho, seja pelas próprias limitações teóricas e de vivência e construção identitária.

Mas toda mudança é necessária e, para mudar, é preciso aprender.

E o maior aprendizado logrado, que se configura em uma contribuição fundamental para o trabalho profissional e para a vida, é a necessidade de superação de limites.

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E é esse o legado que essa pesquisa pretende deixar para outros e outras educadores e educadoras que trabalhem em classes que atendam a crianças pequenas: para mudar o mundo, é necessário mudar a nós mesmos, a priori.

E é essa mudança que se pretende fazer no mundo: mudar a prática pedagógica para diminuir o machismo e toda a forma de discriminação existente.

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