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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO. MARCIANO DO PRADO. ELEMENTOS DA OBRA FREIREANA E DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO NAS DÉCADAS DE 1950 A 1970: UMA ANÁLISE COMBINADA DE SUA GÊNESE E IDENTIDADE. SÃO BERNARDO DO CAMPO 2016.

(2) MARCIANO DO PRADO. ELEMENTOS DA OBRA FREIREANA E DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO NAS DÉCADAS DE 1950 A 1970: UMA ANÁLISE COMBINADA DE SUA GÊNESE E IDENTIDADE. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu da Faculdade de Humanidades e Direito da Universidade Metodista de São Paulo, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre na Área de Educação. Área de concentração: Educação Orientação: Prof. Dr. Roger Marchesini de Quadros Souza. SÃO BERNARDO DO CAMPO 2016.

(3) FICHA CATALOGRÁFICA P882e. Prado, Marciano do Elementos da obra freireana e da teologia da libertação nas décadas de 1950 a 1970: uma análise combinada de sua gênese e identidade / Marciano do Prado. 2016. 168 p. Dissertação (mestrado em Educação) --Escola de Comunicação, Educação e Humanidades da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2016. Orientação: Roger Marchesini de Quadros Souza. 1. Libertação 2. Freire, Paulo, 1921-1997 - Crítica e interpretação 3. Teologia da libertação I. Título. CDD 374.012.

(4) A dissertação de mestrado intitulada “ELEMENTOS DA OBRA FREIREANA E DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO NAS DÉCADAS DE 1950 A 1970: UMA ANÁLISE COMBINADA DE SUA GÊNESE E IDENTIDADE”, elaborada por MARCIANO DO PRADO, foi apresentada em 23 de março de 2016, perante banca examinadora composta por Prof. Dr. Roger Marchesini de Quadros Souza (Presidente/UMESP), Prof. Dr. Décio Azevedo Marques de Saes (Titular/UMESP) e Prof. Dr. Daniel Pansarelli (Titular/UFABC). ____________________________________________ Prof. Dr. Roger Marchesini de Quadros Souza Orientador e Presidente da Banca Examinadora. ____________________________________________ Profa. Dra. Roseli Fischmann Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação. Programa: Pós-Graduação em Educação da Universidade Metodista de São Paulo Área de Concentração: Educação Linha de Pesquisa: Políticas e Gestão Educacionais.

(5) Dedicatória Ao querido amigo Luciano Lima (in memorian) que me incentivou, que me influenciou profundamente como uma referência acadêmica, como pesquisador, e com sua maneira inspiradora de enxergar a vida. À sua memória dedico esta humilde pesquisa..

(6) AGRADECIMENTOS. À Deus, pelo dom da vida e pelos desafios inesperados que ela nos traz. Aos meus pais Elza e Antonio, com quem aprendi os caminhos da humildade. À minha amada esposa Kellen, pela compreensão, companheirismo e cumplicidade nesta jornada. À minha doce filha Sophia, que me inspira e me encanta a todo o momento. Ao amigo Luiz Prates e a amiga Vera Luci, pela dádiva de encontra-los na caminhada acadêmica e receber acolhimento, apoio e incentivo e a todas e todos os colegas que conheci neste Programa de Pós-Gradução. Ao amigo Edson Fasano e toda sua família pelo constante apoio, incentivo e gestos fraternais. Aos amigos Evandro César Cantária da Silva e Pedro Nolasco Camargo Guimarães pelo apoio na revisão do texto e pelo companheirismo. À CAPES-PROSUP, pela bolsa que tornou possível meu ingresso ao Programa de Mestrado em Educação da Universidade Metodista de São Paulo, e a realização da presente pesquisa. Ao Prof. Dr. Roger Marchesini de Quadros Souza, pelo incansável apoio, pelas gentis orientações e incentivo durante todo o processo de pesquisa. Ao Programa de Pós-Graduação em Educação PPGE-UMESP, pela acolhida e confiança no meu projeto de pesquisa, e pelo crescimento acadêmico que tive a partir do ingresso neste reconhecido programa, estendo a minha gratidão à coordenação e corpo docente. À Igreja Metodista na Mooca, comunidade de fé e esperança que me acolhe, pelo incentivo e compreensão neste tempo de pesquisa acadêmica..

(7) RESUMO. A presente pesquisa se propõe a analisar o contexto histórico, político, social, econômico e ideológico em que surge a pedagogia crítica de Paulo Freire e posteriormente a Teologia da Libertação, visando encontrar influências deste peculiar contexto na gênese do pensamento freireano e nas concepções dos teólogos Rubem Alves e Gustavo Gutiérrez, que foram os primeiros publicar obras sobre Teologia da Libertação, corrente teológica considerada genuinamente latino-americana. Ainda procura observar em que medida as concepções pedagógicas de Freire podem ter sido acolhidas pelos teólogos Alves e Gutiérrez em suas obras aqui analisadas. Em ambos os pensamentos encontramos a visão de valorização do ser humano e de uma práxis que busca sua libertação de sistemas opressores. Tanto em Paulo Freire como nos fundamentos desta corrente teológica se apresentam princípios humanistas e elementos da tradição cristã. A partir da ferramenta metodológica de análise do materialismo histórico dialético marxista, procura identificar temas comuns que são abordados pelos autores em suas obras surgidas entre as décadas de 1950 a 1970, detendose ao estudo de alguns temas subjacentes a esse contexto histórico, a saber: práxis, história, humanismo e libertação.. Palavras Chave: Libertação; Pedagogia Freireana; Teologia da Libertação..

(8) ABSTRACT. This research aims to analyze the historical, political, social, economic and ideological context in which it appears criticism of Paulo Freire pedagogy and later liberation theology, seeking to find influences of this peculiar context in the genesis of Freire's thought and conceptions of the theologians Rubem Alves and Gustavo Gutierrez, who were the first to publish works on liberation theology, theological current considered genuinely Latin American. It seeks to observe to what extent the pedagogical concepts of Freire may have been taken by Gutierrez Alves and theologians in their works reviewed here. In both thoughts we find the valuation of view of human beings and a praxis that seeks liberation from oppressive systems. Both in Paulo Freire as the fundamentals of this theological current present humanistic principles and elements of the Christian tradition. From the methodological tool of analysis of the Marxist dialectical historical materialism, seeks to identify common themes that are addressed by the authors in their arising works from the 1950s to 1970, pausing to study some of the underlying themes, namely, practice , history , humanism and freedom.. Keywords : Liberation ; Paulo Freire pedagogy ; Liberation Theology ..

(9) LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS. ADH. Assessoria Regional para Promoção dos Direitos Humanos. CEB. Comunidade Eclesial de Base. CEI. Centro de Educação Infantil. ETE. Escola Técnica Estadual. FATEO Faculdade de Teologia da Igreja Metodista MEC. Ministério da Educação e Cultura. MPB. Música Popular Brasileira. TCC. Trabalho de Conclusão de Curso. TdL. Teologia da Libertação.

(10) SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 12 1. PANORAMA HISTÓRICO E IDEOLÓGICO DO BRASIL E DA AMÉRICA LATINA DOS ANOS 50 A 70 .......................................................................................... 18 1.1.. UM PERÍODO CONHECIDO COMO A ERA DO OURO ................................. 18. 1.2.. BRASIL: DA ERA DE OURO AOS ANOS DE CHUMBO ............................... 20. 1.3. O BRASIL DO GOVERNO DE JOÃO GOULART ................................................. 22 1.4. O GOLPE CIVIL-MILITAR: TEMPOS DE OPRESSÃO ...................................... 26 1.5. ASPECTOS DA CONJUNTURA TEÓRICA, IDEOLÓGICA E CULTURAL DOS ANOS 50 A 70 ................................................................................................................. 30 1.6. TRAJETÓRIAS DE LIBERTAÇÃO ....................................................................... 35 1.6.1. Paulo Freire ........................................................................................................ 36 1.6.2. Rubem Alves ...................................................................................................... 43 1.6.3. Gustavo Gutiérrez .............................................................................................. 50 2. A GÊNESE DO PENSAMENTO FREIREANO ........................................................ 55 2.1. EDUCAÇÃO E ATUALIDADE BRASILEIRA ..................................................... 56 2.2. EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA PARA LIBERDADE .......................................... 61 2.2.1. Um período que anuncia mudanças ................................................................... 64 2.2.2. Processos históricos antidemocráticos ............................................................... 66 2.2.3. Educação para mudança ..................................................................................... 68 2.2.4. Diálogo com a cultura e consciência crítica ....................................................... 69 2.3. PEDAGOGIA DO OPRIMIDO................................................................................ 71 2.3.1. Primeiras Palavras .............................................................................................. 73 2.3.2. Justificava da Pedagogia do Oprimido ............................................................... 74 2.3.3. As concepções bancária e problematizadora da educação ................................. 77 2.3.4. Dialogicidade: essência da educação libertadora ............................................... 80 2.3.5. Teorias da ação cultural: matrizes antidialógica e dialógica .............................. 82 3. A GÊNESE DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO EM ALVES E GUTIÉRREZ .. 86 3.1. TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO NA PERSPECTIVA DE RUBEM ALVES........ 89 3.1.1. Em busca da liberdade........................................................................................ 90 3.1.2. A vocação para a liberdade ................................................................................ 92.

(11) 3.1.3. O caráter histórico da liberdade ......................................................................... 93 3.1.4. A dialética da liberdade ...................................................................................... 94 3.1.5. A dádiva da liberdade: a liberdade para a vida .................................................. 96 3.1.6. A teologia como linguagem da liberdade ........................................................... 97 3.2. TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO NA PERSPECTIVA DA GUSTAVO GUTIÉRREZ ................................................................................................................... 98 3.2.1. Teologia como reflexão crítica ........................................................................... 98 3.2.2. Aproximação da realidade do oprimido ............................................................. 99 3.2.3. Fundamentos teológicos do pensamento de Gutiérrez ....................................... 99 3.2.4. Categorias marxistas na análise da realidade ................................................... 100 3.2.5. Gênese do conceito de libertação ..................................................................... 102 3.2.6. Cristianismo e libertação humana .................................................................... 103 3.2.7. Olhar libertador para América Latina .............................................................. 104 3.2.8. Igreja latino-americana e libertação ................................................................. 106 4. ELEMENTOS DA CONJUNTURA TEÓRICA E IDEOLÓGICA NAS OBRAS DE FREIRE, DE ALVES E DE GUTIÉRREZ ................................................................... 109 4.1. A PRÁXIS .............................................................................................................. 111 4.1.1. Práxis em Freire ............................................................................................... 113 4.1.2. Práxis em Alves................................................................................................ 119 4.1.3. Práxis em Gutiérrez .......................................................................................... 121 4.2. A HISTÓRIA .......................................................................................................... 123 4.2.1. História em Freire............................................................................................. 124 4.2.2. História em Alves ............................................................................................. 127 4.2.3. História em Gutiérrez ....................................................................................... 129 4.3. O HUMANISMO ................................................................................................... 131 4.3.1. Humanismo em Freire ...................................................................................... 133 4.3.2. Humanismo em Alves ...................................................................................... 138 4.3.3. Humanismo em Gutiérrez ................................................................................ 141 4.4. A LIBERTAÇÃO ................................................................................................... 144 4.4.1. Libertação em Freire ........................................................................................ 145 4.4.2. Libertação em Alves......................................................................................... 149 4.4.3. Libertação em Gutiérrez ................................................................................... 152 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 154 REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 160.

(12) INTRODUÇÃO. Nesta introdução procuro apresentar como surgiu o interesse por minha área de atuação, assim como refletir sobre o caminho que me levou à descoberta do presente objeto de pesquisa. A professora e pesquisadora Zeila de Britto Fabri Demartini, afirma que: “Escrever sobre a própria vida não é tarefa fácil; implica em reflexões sobre as situações vividas, as opções realizadas, os momentos difíceis, os sucessos e os fracassos, os envolvimentos de toda ordem” (DEMARTINI, 2009). É diante desta complexa trama biográfica que me vejo desafiado a apresentar os “afluentes” que desembocaram no encontro de teologia e educação como horizonte de minha pesquisa. Toda minha trajetória escolar na Educação Básica se deu na rede pública, em escolas estaduais no município de Sorocaba, interior de São Paulo, sendo que no período que ingressei na primeira série (1983) foi de muita dificuldade, pois a escola estadual de um bairro periférico da cidade sequer havia sido terminada. No ensino médio optei pelo colégio técnico (ETE), que aos 18 anos me levou a trabalhar como desenhista projetista em uma indústria metalúrgica (1994). No ano de 1997 iniciei meus estudos em teologia, primeiramente na cidade de São Paulo, no Centro Teológico Regional da Igreja Metodista (CTR) e depois na Faculdade de Teologia (FATEO) da Universidade Metodista, no bairro Rudge Ramos em São Bernardo do Campo, graduando-me em 2001, ano em que o curso de teologia desta instituição foi reconhecido pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), o que me custou adaptações no ano de 2002, para adequar as exigências do MEC. O curso de teologia nesta universidade, considerado um dos melhores do país, colocou-me em contato com diversas linhas de pensamento que me influenciaram bastante, tais como: método histórico crítico para estudo da Bíblia; teologias existencialistas, progressistas e liberais; filosofia contemporânea; visão antropológica e sociológica da religião. O que permitiu reunir teologia e música em meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), com a pesquisa: “Teologia e MPB: Uma leitura hermenêutica da Música Popular Brasileira a partir dos referenciais de Paul Tillich1”. 1. Paul Johannes Oskar Tillich (1886 a 1965) nasceu em Starzeddel, Alemanha. Um dos mais influentes teólogos protestantes do século XX. Estudou sucessivamente filosofia e teologia em Berlin, Tübingen e. 12.

(13) Após o término da graduação em teologia trabalhei como pastor metodista nas cidades de São Sebastião, Ibiúna, Sorocaba, todas no Estado de São Paulo. Em 2004 ingressei no Conservatório Dramático Musical “Carlos de Campos” do Estado de São Paulo, formando-me em 2010 no curso Guitarra MPB/JAZZ, idealizado nos anos 1990, no qual se valoriza a produção cultural popular com destaque aos ritmos brasileiros. Além das disciplinas voltadas à prática musical, tive aulas de História da Música Popular Brasileira e História do Jazz norte-americano. Desde 2004 estive envolvido com ensino musical em escolas livres de música, ministrando aulas práticas e teóricas. Em 2012, mudei-me para cidade de São Paulo, onde atuo como pastor na Igreja Metodista no bairro da Mooca. Essa comunidade tem uma forte marca educacional, graças ao desenvolvimento de um projeto com a terceira idade que, por meio do ensino de bordado, tricô, crochê, costura, bijuteria, tem obtido o reconhecimento da comunidade local por mais de 30 anos. Essa igreja também é mantenedora da creche do Centro Educacional Infantil (CEI) “Helena Quinta Reis”, desde 2004, que, em parceria com a Prefeitura de São Paulo, atende 95 crianças. No ano de minha chegada à referida igreja, inicia-se na comunidade um trabalho de atendimento da população em situação de rua com fornecimento de alimentos e roupas. Em 2014, assumi uma nova tarefa na Igreja Metodista, mediante minha nomeação episcopal para coordenar a Assessoria Regional de Promoção dos Direitos Humanos (ADH). A presente pesquisa surge do meu interesse pelo ser humano e sua dignidade, constantemente abalada por contextos opressores. A vivência em diversas comunidades eclesiásticas deu-me a oportunidade de encarar os contrastes sociais e as diferentes respostas ou mesmo o silêncio das igrejas frente a tais situações. Pude perceber a tendência dos discursos religiosos em não dialogar com os contextos sociais em que se inserem. Como teólogo, creio que a espiritualidade fomentada pela religião atende um clamor pela completude humana, que não é preenchida por dogmas eclesiásticos, mas que propõe uma nova relação entre as pessoas. Entendo que o discurso religioso pode colocar-se a serviço das estruturas de poder ou das camadas populares que vivem oprimidas. Hoje assistimos a Halle. Suas teses foram dedicadas à filosofia religiosa de Schelling. Ordenado em 1912, foi pastor da Igreja Luterana Evangélica de Brandeburgo; participou da Primeira Guerra Mundial como capelão de guerra. Até 1933, lecionou em Berlin, Marburg, Dresden, Leipzig e Frankfurt. Em 1929, sucedeu Max Scheler na cátedra de filosofia e psicologia de Frankfurt. Desempenhou um papel importante na fundação da Escola de Frankfurt, tendo orientado a tese de doutorado de Theodor Adorno. Foi fundador, com um grupo de amigos, do movimento intelectual do "socialismo religioso". Paul Tillich desenvolveu a sua teologia, a partir da concepção de que o incondicionado não está preso a uma determinada cultura, mas ele é o fundamento de todas as expressões culturais existentes, o que o levou a concepção de Teologia da Cultura, uma das suas linhas de pesquisa.. 13.

(14) líderes religiosos nos meios de comunicação, que sacralizam o sistema capitalista de produção e estimulam a ganância e a disputa entre as pessoas, como sinais divinos no mundo. De outro lado há os que defendem, a partir religião, o engajamento na construção de uma sociedade mais justa e solidária, fundamentados em um paradigma de alteridade. A educação e a teologia, embora tendo particularidades referentes às suas áreas de abrangência, podem ansiar coisas comuns: um mundo mais humanizado, ações humanas fundamentadas em valores éticos - onde o outro não é visto como concorrente, mas como semelhante - e a valorização e encantamento pela vida. Creio que esses anseios estão presentes na pedagogia freireana e nas concepções da Teologia da Libertação. Entre as múltiplas concepções sobre educação está aquela que defende que educar implica num processo de ajuda mútua de construção de identidade, na forma de ser e estar no mundo, de compreender a realidade e atuar conscientemente. A busca pela construção de pessoas humanizadas onde a identidade do indivíduo seja assumida com responsabilidade por si e pelos outros, desperta a necessidade do ato educador ser fundamentado em princípios que promovam a consciência fraterna. Estamos diante de um paradigma de alteridade, onde a liberdade passa pelas relações humanas, onde o respeito às diferenças leva à valorização do outro, onde o valor da vida torna-se inviolável, incluindo as relações ecológicas, tornando a relação ética o núcleo das práticas educacionais. “Educar seria, então, ajudar alguém na construção da sua identidade pessoal, enquanto responsabilidade perante o outro e pelo outro; ou seja, na vivência da solidariedade” (DUQUE, 2012, p.21). A pedagogia freireana e a Teologia da Libertação caminham nesta direção, onde a vida de cada ser humano está colocada acima dos valores das tradições, das instituições ou dos sistemas econômicos. A presente pesquisa procura identificar os principais aspectos presentes na gênese do pensamento pedagógico de Paulo Freire, no recorte histórico das décadas de 1950 a 1970. Nesse período também surgem diversos movimentos populares, entre eles, no contexto eclesiástico, as comunidades eclesiais de base (CEB’s), que através da leitura popular da bíblica procuram despertar a consciência crítica nas pessoas. Desse movimento latino-americano, surge a Teologia da Libertação. Nossa análise procura responder em que medida esse contexto social, político, ideológico e cultural foi determinante na gênese da obra de Freire e sucessivamente no pensamento dos teólogos Rubem Alves e Gustavo Gutiérrez, que foram os primeiros a escrever sobre Teologia da Libertação. Ainda. 14.

(15) procuramos por ecos do pensamento freireano nas concepções teológicas de Alves e Gutiérrez a partir da identificação de temas comuns que são abordados pelos autores. O teólogo peruano Gustavo Gutiérrez, sacerdote dominicano da Igreja Católica, é considerado o pai da Teologia da Libertação, pois no início dos anos 1970 publica sua obra Teologia da liberación – Perspectivas, considerada uma teologia genuinamente latinoamericana. Por outro lado, temos a versão protestante da Teologia da Libertação na obra de Rubem Alves, teólogo de origem presbiteriana, que exilado do Brasil por conta do golpe civil-militar de 1964, escreve sua tese de doutoramento em teologia, “A Theology of Human Hope”, publicada em 1969 pela editora católica Corpus Books, traduzida para o português com o título “Da Esperança”, em 1987 e relançada no ano de 2012 no Brasil, com o título “Por uma Teologia da Libertação”. Pretendemos identificar as principais ideias veiculadas nas referidas obras destes autores, aproximando-as das teses de Paulo Freire presentes em suas obras produzidas nesse período, a saber: “Educação e Atualidade Brasileira”(1959), “Educação como Prática da Liberdade”(1967) e “Pedagogia do Oprimido”(1971). Para tanto empreendemos uma revisão bibliográfica onde encontramos a obra de Eduardo Simões Martins, “Paulo Freire e a Teologia da Libertação: Aproximações” (MARTINS, 2011), que se propõe a identificar na obra de Paulo Freire os fundamentos de suas crenças, onde não apenas evidencia-se marcas do humanismo, mas também de um encantamento pela teologia; nesta obra o autor procura apontar as principais influências teóricas no pensamento de Freire e de forma abrangente, na Teologia da Libertação, procurando por elementos comuns entre eles; ainda faz referência ao papel do contexto histórico no surgimento da pedagogia freireana e da referida teologia; e sublinha o caráter politizador da pedagogia e da teologia libertadoras. A obra de Noêmia Santos (SANTOS, 2012), procura estabelecer um diálogo entre Paulo Freire e o teólogo uruguaio Juan Luis Segundo, considerado um dos principais formuladores da Teologia da Libertação. A autora empreende uma análise da pedagogia de um educador e de um teólogo, buscando a aprofundar conhecimentos pedagógicos e teológicos acerca das temáticas do amor, do diálogo e da revelação, identificando as contribuições de Freire e de Segundo dadas e esses temas. Na pesquisa de Adriana Soares “Espiritualidade e Educação para Liberdade: o “opressor ‘hospedado’ no oprimido” de Paulo Freire e a teoria do desejo mimético de René Girard”(SOARES, 2008), encontramos uma aproximação entre o conceito de Paulo Freire de que o oprimido acaba por hospedar o opressor em si e a teoria do desejo mimético de 15.

(16) René Girard, proeminente historiador francês, que se dedicou a leitura antropológica de textos da Bíblia. Soares aponta que o que se coloca diante do oprimido é expulsar ou não o opressor de dentro de si, imitar ou não os seus desejos. Todavia o medo da liberdade se torna um grande entrave, fazendo o ser humano refugiar-se em seus modelos. A concepção de Freire do “inacabamento” como condição fundamental humana e a ótica de Girard do ser humano como “desejante”, podem levar a condição humana a ser, ou “Ser mais” no pensamento de Freire, quanto ao não ser, o que torna o processo de conscientização fundamental, para que o modelo imitado permita relações humanizadoras e superação da violência. Nossa pesquisa busca analisar o anseio pela libertação humana, presente tanto no pensamento de Freire, quanto nos de Alves e de Gutiérrez. Verificando em que medida essas concepções sobre o conceito de libertação humana, sobre a condição de opressão e as suas forças geradoras, e as propostas de superação destas situações se convergem, ou não, na visão dos autores. A linha de pesquisa do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Metodista de São Paulo, “Políticas e Gestão Educacionais”, considera que investigar e analisar movimentos educacionais, discutindo seus fundamentos e orientações filosóficas, epistemológicas e históricas, podem representar avanços no conhecimento e surgimento de propostas de renovação educacional e social. O caminho que trilhamos nesta pesquisa, nos levou a estruturá-la em quatro capítulos. Assim, nos propomos no primeiro capítulo, a fazer um breve panorama histórico social, político, ideológico e cultural do contexto latino-americano, focando um pouco mais no contexto brasileiro, nas décadas de 1950 a 1970. Ainda apresentamos nesse capítulo uma breve biografia de Paulo Freire e dos teólogos Rubem Alves e Gustavo Gutiérrez, destacando o papel de suas histórias de vida na constituição de suas ideias. No segundo capítulo, expomos as principais concepções de Paulo Freire nas suas primeiras obras: “Educação e Atualidade Brasileira”, “Educação como Prática da Liberdade” e “Pedagogia do Oprimido”. No terceiro capítulo procuramos expor as principais teses de Rubem Alves e Gustavo Gutiérrez referentes à Teologia da Libertação, em suas respectivas obras: “Da Esperança” e “Teologia da Libertação - Perspectivas”. Finalizamos com o quarto capítulo, onde procuramos estabelecer uma análise combinada entre os três autores, por meio do método histórico materialista dialético marxista, analisando alguns temas importantes a partir desta referência teórica, a saber: práxis, história, humanismo e libertação, relacionando a maneira como são abordados no marxismo com a forma com 16.

(17) que são apropriados por Paulo Freire, Rubem Alves e Gustavo Gutiérrez, em suas obras aqui analisadas. Encerramos nossa pesquisa retomando brevemente elementos do contexto histórico, social, político, econômico e ideológico singular em que se dá a gênese da obra freireana, bem como a teologia libertadora em Alves e Gutiérrez, buscando elementos que podem constituir uma identidade nas mesmas. Ainda nos dedicamos a analisar a recepção das ideias de Freire em Alves e Gutiérrez, e a maneira que os teólogos se apropriam de tais pensamentos.. 17.

(18) 1. PANORAMA HISTÓRICO E IDEOLÓGICO DO BRASIL E DA AMÉRICA LATINA DOS ANOS 50 A 70. Ao apresentarmos um panorama histórico latino-americano das décadas de 1950 a 1970, trazemos o lugar vivencial onde surgem os conhecimentos que nos propomos a analisar. O contexto histórico nos ajuda na compreensão dos sujeitos e suas trajetórias, bem como dos processos nos quais estavam envolvidos e das diferentes relações estabelecidas entre grupos sociais (BEZERRA, 2013). Edgar Morin afirma que o universo de ideias e teorias que compõem o conhecimento científico remete às condições bioantropológicas, ao seu enraizamento cultural, social, histórico, pois surgem de um sujeito humano fruto de uma cultura (MORIN, 2005). Morin ainda aponta à necessidade de contextualizar esse conhecimento, pois ele se relaciona ao global e possui uma realidade social multidimensional, traduzindo o momento do seu surgimento (MORIN, 2001). Considerando a influência do contexto na produção do conhecimento, partindo da premissa de que todo conhecimento é datado, vimo-nos diante da necessidade desta breve contextualização histórica da América Latina nas décadas de 1950 a 1970, período em que se desenvolve tanto a proposta pedagógica libertadora de Paulo Freire quanto se estrutura o pensamento da Teologia da Libertação em Rubem Alves e Gustavo Gutiérrez.. 1.1. UM PERÍODO CONHECIDO COMO A ERA DO OURO As décadas que referenciam nossa análise sinalizam um período singular na história mundial, marcado por muitos avanços econômicos, principalmente se comparado aos anos que precederam a Segunda Guerra Mundial. A década de 1950 – considerada parte de um período chamado A Era do Ouro, sobretudo nos países “desenvolvidos”, que se inicia com o final da Segunda Guerra e vai até os anos 1970 – foi marcada pela expectativa desenvolvimentista também na América Latina. Entretanto a Era do Ouro alcançou essencialmente os países capitalistas desenvolvidos, que nesse momento representavam três quartos da produção mundial. Esse mesmo período registra altos índices de crescimento também nos países de economia socialista, como na URSS e outros países da Europa Oriental (HOBSBAWM, 2014). 18.

(19) Deve-se levar em consideração que essa época aprofunda as desigualdades sociais, pois a maioria da população mundial não usufrui das riquezas e conforto proporcionados pelos chamados “anos dourados”. Nesse mesmo período, a população dos países denominados como Terceiro Mundo aumentou consideravelmente, agravando os problemas sociais, a começar pela crise da fome. A América Latina estava entre as regiões do mundo que não acompanharam o aumento de riquezas na década de 1950, ainda que sua produção de alimentos e de matéria-prima tenha aumentado significativamente nesse período, superando a dos países desenvolvidos (HOBSBAWM, 2014). Após a Segunda Guerra Mundial, a economia mundial passou a ser dominada pelos EUA, que saíram ilesos dos efeitos da mesma, aumentaram suas riquezas e no final da guerra dominavam aproximadamente dois terços da produção industrial do mundo (HOBSBAWM, 2014). A Segunda Guerra Mundial provocou diminuição dos interesses europeus na América Latina, por outro lado houve uma invasão voraz de subsídios norteamericanos injetados em diversos países latino-americanos (GALEANO, 2010), contudo a má distribuição dos recursos, bem como o endividamento dos países que receberam tais benesses e os acordos unilaterais que favoreciam unicamente o investidor norte-americano, fez fracassar o intento do desenvolvimento, provocando confusão e frustração (GUTIÉRREZ, 2000). Os esforços para o desenvolvimento dos países latino-americanos na década de 1950 foram promovidos por organismos internacionais em estreita relação com grupos e países controladores da economia mundial, tais como: Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Aliança para o Progresso. Dessa maneira evitava-se confrontar os grandes interesses econômicos internacionais e os grupos nacionais dominantes. Na maioria dos casos as pretensas mudanças acabaram por aumentar o. domínio. dos. grandes. grupos. econômicos. (GALEANO,. 2010).. As. ações. desenvolvimentistas acabaram revelando o reformismo e o anseio das elites locais por modernização, no entanto tais medidas foram revelando-se tímidas e ineficazes para proporcionar mudanças transformadoras da sociedade. Sobre essa realidade, afirma Gutiérrez: “Os países pobres têm cada vez mais consciência de que seu subdesenvolvimento é subproduto do desenvolvimento de outros países, devido ao tipo de relação mantido com eles” (GUTIÉRREZ, 2000). Os investimentos das corporações internacionais nos países latino-americanos pouco significavam perto dos lucros obtidos pelas mesmas, em sua exploração de matéria prima ou da mão-de-obra, infinitamente mais barata do que em seus países de origem. 19.

(20) Galeano (2010) aponta que as filiais das grandes corporações driblavam as barreiras alfandegárias. latino-americanas. e. se. apropriavam. dos. processos. internos. de. industrialização, sufocando os esforços das fábricas nacionais existentes. Todo esse processo contava com a entusiasta conivência da maioria dos governos locais e com a extorsão praticada pelos organismos internacionais. Outra estratégia do imperialismo, comum na exploração de recursos latino-americanos, era a nacionalização das empresas que já não lhes oferecia lucro, tais como a United Fruit Co., na Guatemala, a Eletric Bond Share e a International Telephone & Telegraph Corporation, no Brasil, com indenizações a preços exorbitantes por um maquinário sucateado e comprometido. Galeano ao tratar das mudanças nos investimentos, alerta: “Mas o abandono dos serviços públicos em troca de atividades mais lucrativas nada tem a ver com o abandono das matérias-primas. Que futuro teria o Império sem o petróleo e os minerais da América Latina?” (GALEANO, 2010, p. 291). Surpreendentemente os capitais norte-americanos concentravam-se mais na América Latina que em seu próprio país, o que permitia que uma porção de empresas controlasse a imensa maioria dos investimentos. O capital imperialista encontrou seu aliados nas classes dominantes dentro de cada país, enfraquecendo as defesas das indústrias locais cooptando burguesia e Estado aos seus interesses. Mesmo os países de governo de orientação nacionalista, como o de Getúlio Vargas, no Brasil (1930 a 1945), que procuraram impor barreiras alfandegárias para proteger as novas indústrias nacionais e onde o Estado procurava intervir nos rumos da economia visando seu desenvolvimento, sofreram forte pressão das elites ao seu modelo de governo. Galeano denuncia que, anos mais tares, em 1954: “No Brasil, um importante setor da burguesia fabril juntou-se as forças que induziram Vargas ao suicídio” (GALEANO, 2010, p. 296).. 1.2. BRASIL: DA ERA DE OURO AOS ANOS DE CHUMBO O governo de Getúlio Vargas, durante a vigência do denominado Estado Novo, que compreende de 1937 a 1945, proporcionou importantes avanços no processo de desenvolvimento. Dentre os quais destaca-se o estabelecimento da usina siderúrgica estatal em Volta Redonda, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que contou com o financiamento dos EUA para sua construção. A Companhia Siderúrgica Nacional tornou-. 20.

(21) se um marco na implantação da indústria de base no Brasil (SINGER, in: SACHS, WILHEIM e PINHEIRO, 2001). A era Vargas também, adotou a partir de 1951, a estratégia de implantar a indústria automobilística, procurando atrair grandes montadoras do cenário mundial. Uma das medidas tomadas foi estimular a produção da indústria nacional mediante a proibição de importações de produtos que pudessem ser fabricados internamente. Tais medidas permitiram o surgimento da indústria de peças automobilísticas, que passou a ter reserva de mercado. Contudo Getúlio Vargas não concluiu a implantação da indústria automobilística, o que coube ao presidente Juscelino Kubistchek, que priorizou essa tarefa com o Plano de Metas de seu governo (SINGER, in: SACHS, WILHEIM e PINHEIRO, 2001). Com o episódio do suicídio do presidente Vargas em 1954, as forças conservadoras do cenário político nacional aliavam-se aos militares e buscavam o apoio no imperialismo norte-americano, para assumir o poder, seja pelo processo de eleições ou mesmo considerando a possibilidade de golpe de Estado (ROMÃO, 2002). Em menos de dois anos o Brasil teve três presidentes: João Café Filho, Carlos Luz e Nereu Ramos, o que caracterizava uma manobra das classes mais conservadoras da sociedade brasileira, contra a posse de Juscelino Kubistchek de Oliveira, eleito em 1955. A posse do presidente foi protelada sob a justificativa que ele não teria alcançado a maioria absoluta dos votos. Ao assumir o governo em 1956, o presidente Juscelino Kubistchek, JK como foi popularmente conhecido, começou sua trajetória na chefia do Poder Executivo sob um intenso clima de instabilidade política. Ainda assim, ele conseguiu estabilizar o país através do Pacto Populista, seguindo na trilha de Vargas. Nesse período surgiu a teoria do desenvolvimentismo associada ao nacionalismo. Época em que surge o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), onde as teses do nacional-desenvolvimentismo convergiam. O propósito de tal instituição era a formação de uma vanguarda política onde a elite intelectual poderia colaborar de forma contundente nos rumos da política nacional. No final do governo JK, as forças conservadoras representadas principalmente pelo partido da União Democrática Nacional (UDN), chegavam ao poder com o candidato Jânio da Silva Quadros, eleito em 1961. Entretanto o presidente Jânio foi uma figura um tanto controversa. Não se dobrava aos ideais de seu partido e tentou repetir o autogolpe de Getúlio ao renunciar no início de seu governo, esperando ser chamado de volta com poderes excepcionais. Contudo a reação esperada por Quadros não ocorreu e o Congresso acolheu sua renúncia sem levar em conta a possibilidade de seu retorno (BANDEIRA, 1977). 21.

(22) O vice-presidente da República era João Goulart. Mesmo sob pressão e manobras políticas das forças conservadoras, que buscaram impor um arremedo de parlamentarismo, Goulart assume em 1963, e, após um plebiscito foi confirmada a opção brasileira pelo presidencialismo. Tais contradições políticas encontravam seu reflexo nas crises econômicas e sociais vivenciadas no período. Dessa maneira o governo Goulart lançou as reformas de base, retomando o Pacto Populista da era Vargas, fomentando grande mobilização popular, inclusive na área da educação onde, através da maciça campanha de alfabetização, foi adotado o então denominado Método Paulo Freire, projetando a figura do educador nacionalmente.. 1.3. O BRASIL DO GOVERNO DE JOÃO GOULART João Belchior Marques Goulart, o Jango, nasceu em 1 de março de 1918 em São Borja, no estado do Rio Grande do Sul. Antes dos 25 anos, cuidava dos negócios da família, ocupando-se da atividade pecuária. Em 1946 contabilizava mais de 30.000 mil cabeças de gado. Filiou-se ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), em São Borja, logo após o golpe que derrubou o Estado Novo. Por ligações de família aproximou-se do presidente Getúlio Vargas, prestando-lhe apoio conquistando-lhe a confiança. Logo ascendeu na política nacional e na liderança de seu partido. O modo de vida ligado ao campo proporcionou a ele uma enorme capacidade de comunicação com a massa, o que se confirma no trato que mantinha com os líderes sindicais dos quais recebeu acolhimento. Sua atuação política concentrava-se na massa organizada nos sindicatos e no partido PTB, que se constituía de composição operária, cuja práxis inspirava-se na Social-Democracia européia pós Primeira Guerra (BANDEIRA, 1977). Em 1953, foi nomeado Ministro do Trabalho, pelo presidente Vargas, num contexto intensamente conturbado, no qual partidos conservadores liderados por Carlos Lacerda e representantes militares o acusaram de pretender implantar uma República Sindicalista no Brasil, tais pressões provocaram a sua saída do cargo. Bandeira lembra que: “Apesar das infâmias que aturou, Goulart se elegeu Vice-Presidente da República, em 1955, com 3.591.409 votos, meio milhão a mais que seu companheiro de chapa, Jucelino Kubitschek” (BANDEIRA, 1977, p.35). Logo surgiram as divergências entre a política desenvolvimentista do presidente Juscelino Kubitschek, que conflitavam com as reinvindicações da classe assalariada, que. 22.

(23) constituía a base social do PTB, os quais tiveram apoio de Goulart mesmo contrariando o governo. Oposição que se acentuou quando medidas econômicas foram adotadas segundo diretrizes do FMI (Fundo Monetário Internacional), limitando o aumento do salário mínimo. Goulart alertava que o processo de desenvolvimento não deveria conduzir a formas anti-sociais de utilização do poder econômico. Ainda afirmava que os grandes interesses são contrários aos interesses do povo, e procuram assumir a direção econômica utilizando-se da máquina administrativa do Estado. Para Jango era indispensável que o Estado atuasse na economia como árbitro entre as classes (BANDEIRA, 1977). Bandeira (1977) afirma que, ao contrário do que os adversários divulgavam, após a crise provocada pela renúncia de Jânio Quadros, em 7 de setembro de 1961, Goulart estava preparado para a presidência. Ele trazia consigo um programa de governo, que se estruturava nas reformas de base e uma intensa experiência política na esfera federal. Jango recebeu do Congresso um poder mutilado, enfraquecido, quando a situação do país necessitava de fortes medidas governamentais que efetuassem mudanças que o desenvolvimento do capitalismo exigia. A reação do Congresso Nacional à manobra de Jânio Quadros foi conservadora, aprovando uma emenda parlamentarista, sob a qual assume Goulart. Assim passou a ocupar o primeiro gabinete parlamentar o deputado Tancredo Neves, que, juntamente com a presidência, teria que enfrentar uma crescente situação inflacionária que deteriorava a economia do país (BANDEIRA, 1977). A participação brasileira na Conferência de Punta del Este, em 1962, merece destaque, na qual a representação do país defendeu a neutralização de Cuba, em oposição as propostas de sansões e intervenções armadas defendidas pelos Estados Unidos, o que fomentou desgastes na relação com o governo norte-americano. A relação abalada com o imperialismo norte-americano ainda foi intensificada pela desapropriação dos bens da Companhia Telefônica Nacional, pertencente à ITT (International Telephone & Telegraph), no mesmo ano, pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. O governo norte-americano protestava alegando que tais atitudes significavam um retrocesso nos intentos da Aliança para o Progresso e suspendeu ajuda aos países que desapropriassem bens americanos sem a devida indenização por eles imposta. A estatização de serviços públicos tornou-se fundamental neste período para o desenvolvimento do capitalismo nacional (BANDEIRA, 1977). O governo Goulart ainda lidava com as crises sociais advindas da questão agrária. Em diversas partes do Brasil constituíram-se as Ligas Camponesas, que organizaram ocupações de terras em diversos Estados brasileiros, pois a expansão capitalista levava o 23.

(24) desemprego e a fome ao campo. As intenções de efetivação da Reforma Agrária esbarravam na Constituição Federal, exigindo indenizações inviáveis ao quadro de crise econômica estabelecida, portanto exigia que o Congresso votasse alterações na Lei para viabilizar tal reforma. Tais alterações na Constituição não viriam a ser votadas, pois o Congresso era composto em sua maioria por representantes das oligarquias, dos setores conservadores e dos monopólios estrangeiros. Diante desta situação, conflitos passaram a eclodir no campo na região nordeste do país, os quais foram violentamente reprimidos por tropas militares (BANDEIRA, 1977). A crise política estabelecida pela tentativa de golpe parlamentarista do Congresso Nacional foi superada somente com a aprovação controversa do plebiscito, que aconteceu em 06 de janeiro de 1963 e permitiu a restauração do presidencialismo. Ainda assim surge um recrudescimento radical da direita, que articula junto ao empresariado a criação de entidades como Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), os quais vão participar ativamente de ações com vistas ao enfraquecimento do governo Goulart e do regime democrático. Tais órgãos vão contar com amplo apoio financeiro e orientação ideológica da agência norte-americana Central Intelligency Agency (CIA - Agência Central de Inteligência) fomentando intrigas e corrupções, visando a queda do governo Goulart (BANDEIRA, 1977). Deve-se destacar que esse período também foi marcado pelo fortalecimento da esquerda nas eleições de 1962. Miguel Arraes foi eleito governador de Pernambuco e Leonel Brizola foi eleito deputado federal no Estado da Guanabara. O PTB duplicou sua representação no Congresso, intensificando as lutas pelas reformas de base propostas pelo Governo. Nesse contexto há um fortalecimento dos movimentos sindicalistas, representado principalmente pela organização intersindical Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), de movimentos sociais, como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e dos partidos de orientação comunista, como o PCB, que viam no governo Goulart um caminho de efetivação de libertação das massas oprimidas pelo imperialismo e feudalismo remanescente no território nacional. (RIDENTI, 2010). É neste contexto que Goulart discursa a uma multidão estimada de 200 mil pessoas, convocadas pelos sindicatos e outras organizações, no comício de 13 de março de 1964, em que proclamou a necessidade de mudanças constitucionais, permitindo a superação da estrutura econômica, considerada por ele como injusta e desumana. Assim remeteria ao Congresso Nacional propostas visando: a reforma agrária, com emenda no artigo que tratava da indenização e inviabilizava o processo; a reforma política, permitindo 24.

(25) o direito ao voto de analfabetos e praças; reforma universitária, garantindo liberdade de ensino e extinguindo vitaliciedade de cátedra; reforma da Constituição, visando empoderamento legislativo ao Presidente da República; consulta da vontade popular para execução das reformas de base (BANDEIRA, 1977): E anunciou a adoção de importantes medidas, através de decretos, como a encampação das refinarias particulares, o tabelamento dos aluguéis dos imóveis desocupados e a desapropriação de terras desvalorizadas pelos investimentos públicos, ou seja, das terras às margens dos eixos rodoviários e dos açudes, ou que pudessem tornar produtivas áreas inexploradas (BANDEIRA, 1977, p.163).. Tais. medidas. intencionavam. a. viabilização. do. capitalismo. brasileiro,. impulsionando-o para uma maior autonomia, representando uma reforma democráticoburguesa. No entanto, não foram recebidas dessa maneira pelos setores conservadores da sociedade brasileira, ainda ligados à mentalidade colonial agrícola, voltada para o mercado externo, pois afetariam tanto os interesses dos latifundiários, como os da burguesia comercial e do próprio imperialismo norte-americano. Surge então um forte movimento de oposição ao Governo Goulart, organizados por grupos direitistas de São Paulo e Belo Horizonte. Enquanto os partidos da direita procuravam articular o impeachment de Goulart, entidades conservadoras recebiam o financiamento da agência estadunidense a Central Intelligency Agency (CIA) e de setores do empresariado para realização das “Marchas da Família, com Deus, pela Liberdade”, provocando a fúria anticomunista, as quais ligavam as reformas de base e o próprio Goulart ao comunismo. O prenúncio das ações nacionais-desenvolvimentistas assustaram as elites conservadoras que se uniram às forças militares e, recebem amplo apoio da embaixada norte-americana, articularam o golpe de Estado que ocasionaria a derrubada do governo João Goulart. Estabelece-se então o fim do populismo e da política de massas. Segundo Eduardo Galeano “a desnacionalização do Brasil implicava na necessidade de exercer com mão de ferro, uma ditadura impopular” (GALEANO, 2010). Seguiu-se um amargo período de repressão às greves e extinção dos sindicatos, onde a prisão, a tortura, as mortes, o desaparecimento de líderes e de militantes tornou-se marca desse tempo sombrio. A repressão e violência era a forma que os militares usavam para lidar com os baixos salários pagos à classe operária, procurando conter a vertiginosa inflação à custa do empobrecimento das classes populares.. 25.

(26) 1.4. O GOLPE CIVIL-MILITAR: TEMPOS DE OPRESSÃO O golpe civil-militar, deflagrado em 31 de março de 1964, provoca profundas mudanças na sociedade brasileira, com reflexos na organização política, nas relações sociais e na produção cultural. A derrota do governo Goulart, nas quais estavam representados os ideais progressistas defendidos pelos partidos nacionalistas, assim como pelos partidos comunistas e pelos diversos movimentos de esquerda, que perpassavam desde os movimentos sindicais, estudantis e até mesmo os surgidos nas comunidades eclesiais, como a Ação Popular, inspirado no humanismo cristão, trouxe um clima insegurança e medo aos militantes desses ideais (RIDENTI, 2010). O golpe de 1964 significou um rompimento com as propostas nacionalistas de desenvolvimento contidas nas Reformas de Base do governo Goulart. O governo militar optou por medidas que levaram à desnacionalização da economia e concentração de renda, permitindo a invasão do capital estrangeiro, vantagens fiscais na implantação de multinacionais, fraudes na remessa de lucros que burlavam a legislação e compra de enormes propriedades por trustes estrangeiros. A concentração de renda pelos monopólios econômicos advinha de uma política que achatava os salários da classe trabalhadora. Esse cenário tornava-se atraente aos investidores estrangeiros, enquanto uma defasagem salarial sem precedentes era amargada pelas classes populares. As desigualdades sociais impunham consequências desastrosas às condições de vida nas camadas populares, tais como: altos índices de fome e de enfermidades, aumento das favelas e da marginalidade (ARNS, 1988). O modelo de governo imposto pelos militares no Brasil exigiu drásticas alterações na estrutura legal do país, com o objetivo de legitimar o aparelho repressivo e ao mesmo tempo revesti-lo de uma “pseudo-democracia”. Isso foi notório tanto na manobra que procurou dar um ar de eleição indireta pelo legislativo à deposição do presidente João Goulart, quanto nas imposições dos decretos que caracterizaram esse período, a exemplo do Ato Institucional de 9 de abril de 1964, que legitima o golpe-militar, e que deveria ser o único, mas não foi (ARNS, 1988). Como resposta à derrota dos militares nas eleições estaduais no Rio de Janeiro e Minas Gerais, o Ato Institucional n°. 2, de outubro de 1965, dissolve o Congresso Nacional, os partidos políticos e torna indireta as eleições presidenciais. O cenário político passa a ter oficialmente apenas dois partidos o da Aliança Renovadora Nacional (ARENA) partido governista e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) partido de oposição, mas 26.

(27) que não deveria contestar o regime militar. No seguinte ano, o Ato Institucional n°. 3, também torna indireta as eleições para governadores estaduais. Em 1966, sob o governo do general Costa e Silva, há um enrijecimento ainda maior do regime. Em 1967, é estabelecida uma nova Constituição, juntamente com a Lei de Segurança Nacional e a Lei de Imprensa, empoderando excepcionalmente o chefe do Poder Executivo. Ainda assim, a oposição vai se articulando e manifestações surgem nas ruas, nas fábricas e nas escolas, enfrentando o clima repressivo. A violência policial, uma marca contundente desse período, torna conhecida uma de suas primeiras vítimas em 1968, ao matar um estudante secundarista durante uma manifestação, o que desperta manifestações públicas em protesto por todo país. A crescente onda de manifestações de rua, as denúncias contra o regime, sustentadas pelo partido oposicionista e o surgimento de grupos de resistência armada serão os argumentos dos militares para a instauração do Ato Institucional n°. 5, em 13 de dezembro de 1968. Esse cenário leva a nova cassação de parlamentares e outros políticos, incluindo o governador do Rio de Janeiro, Carlos Lacerda, um dos principais articuladores do golpe civil-militar, ao lado dos governadores Adhemar de Barros, de São Paulo, e Magalhães Pinto, de Minas Gerais, juntando-se às centenas de políticos que tiveram o seu mandato cassado pelo governo militar desde sua implantação (ARNS, 1988). Ao mesmo tempo em que se segue um tenebroso período de repressão, censura, tortura, minando as forças de oposição, o governo militar promove o que diversos autores classificam como modernização autoritária. Esse período marca o surgimento de poderosas empresas que passaram a controlar os meios de comunicação, como a TV Globo e a Editora Abril. Progressivamente a televisão vai se constituindo o principal meio de comunicação nacional, que sob a tutela da ideologia da Segurança Nacional se torna um dos principais instrumentos de controle pelo Estado autoritário (ORTIZ, in: SACHS, WILHEIM e PINHEIRO, 2001). Rapidamente consolida-se uma indústria cultural, que influencia diretamente as culturas locais e regionais. Arbitrariamente ocorre uma inculcação de que o popular, não é mais o que se liga à cultura tradicional ou ao folclore, mas àquilo que está associado aos produtos veiculados pela indústria cultural brasileira. Na década de 1960 vários movimentos atribuíam ao conceito de “cultura popular” uma conotação claramente política. Conteúdo que seria reinterpretado pelas diversas correntes políticas que se enfrentaram na arena brasileira: ele é reformista para os intelectuais do Instituto Superior de Estudos Brasileiros; marxista para os Centos Populares de Cultura; católico de esquerda para o Movimento de Cultura Popular (ORTIZ, in: SACHS, WILHEIM e PINHEIRO, 2001, p. 203). 27.

(28) Nesse período o conceito de cultura popular está muito vinculado ao anseio de transformações sociais presentes em propostas políticas fomentadas pela utopia de superação do status quo. O método Paulo Freire insere-se nessa perspectiva, pois idealiza uma educação popular que oriente as pessoas na construção de outro modelo de sociedade, que supere a estratificação social e permita relações humanizadas e igualitárias. Essa perspectiva nacional-popular também influenciou teatrólogos e cineastas na concepção de seus trabalhos, que procuravam refletir seu engajamento com as questões sociais. Assim podemos conceber um movimento de cultura popular que procurava levar às classes populares uma consciência crítica, buscando a superação dos problemas sociais que os assolavam (ORTIZ, in: SACHS, WILHEIM e PINHEIRO, 2001). Surge ainda, um período marcado pela resistência armada que, através da prática de sequestros, passam a exigir a libertação de presos políticos. Embora os diversos grupos que compunham as esquerdas brasileiras não fossem unânimes quanto ao uso das armas, ou quanto ao tipo de organização que levaria à revolução, compartilhavam da compreensão de que tais organizações compunham a vanguarda fomentadora da revolução brasileira. Entre as esquerdas armadas brasileiras havia o consenso de que as guerrilhas no campo eram imprescindíveis à revolução, assim como a participação de operários e das massas urbanas em ações armadas nas cidades, visando conseguir recursos para financiar a guerrilha no campo e para manter a organização dos grupos. As esquerdas concordavam que o processo de estagnação da economia brasileira, que impossibilitava o desenvolvimento do país, era consequência da subserviência ao imperialismo que financiou o golpe de 1964 e agora apoiava a ditadura militar. A missão revolucionária consistia em derrubar a ditadura e expulsar os imperialistas e seus aliados, responsáveis pelo subdesenvolvimento e desigualdades sociais (RIDENTI, 2005). A reação dos militares como punição à resistência, baseada na Lei de Segurança Nacional, adotou desde o banimento à pena capital. Em 1969 assume a presidência o general Emílio Garrastazzu Médici, seu governo será marcado pelo mais duro período de repressão, de cerceamento de liberdades civis e de abuso da violência. “Até o final do mandato Médici, seguirá crescendo a imagem do Brasil no Exterior como um país de torturas, perseguições, exílios e cassações” (ARNS, 1988, p.63). Nem mesmo as igrejas, que com seus setores conservadores apoiaram a deposição de Goulart, vão escapar dos atos repressivos; tanto sacerdotes e bispos, como pastores, freiras ou líderes de juventude, amargaram tanto prisões, como perseguições, tortura, vigilância e morte. Esse período foi 28.

(29) marcado pelo total desrespeito aos direitos humanos e às leis estabelecidas pelo próprio regime. Deve-se destacar a importância do trabalho oposicionista tanto no Congresso Nacional, quanto nos movimentos sociais que corajosamente denunciavam as violações dos direitos humanos cometidas pelos militares (ARNS, 1988). O final dos anos 1970 marca o início de ações do denominado terrorismo de direita, considerado o “braço clandestino da repressão”. As mudanças na conjuntura política, conjugadas com a pressão da opinião pública e órgãos internacionais, impulsionaram ações repressivas na clandestinidade. É nesse contexto que diversas ações atribuídas ao terrorismo de direita aconteceram, como os atentados a bomba em importantes sedes como: a Ordem dos Advogados do Brasil, a Associação Brasileira de Imprensa, o Centro Brasileiro de Planejamento e outras entidades consideradas progressistas em diversas regiões do país. O mais conhecido foi o frustrado atentado no Rio Centro, durante o show musical em comemoração ao dia do Trabalho, em 1°. de maio de 1981, cuja bomba explodiu no carro matando um dos “terroristas” e ferindo outro, ambos identificados como militares. Ainda assim, uma nova conjuntura surgia onde se fortaleciam as lutas populares levando ao surgimento de Comitês Brasileiros de Anistia (CBAs) por todo país, que lutavam pela anistia dos presos e exilados, denunciavam as duras condições carcerárias que lhes eram impostas, e ainda tornaram-se uma importante força na denúncia de torturas, de assassinatos e de desaparecimentos políticos (ARNS, 1988). Enquanto isso, na economia procurava-se propagar a ideia do “milagre econômico”, marcado por grandes obras nacionais como a ponte Rio-Niterói e a rodovia Transamazônica, intensamente divulgadas pela imprensa a serviço do governo. Na década de 1970, o desenvolvimento econômico brasileiro aumentou significativamente o número de exportações industriais que registraram 1,44 bilhão de dólares em 1972, 6 bilhões de dólares em 1978 e 17,9 bilhões em 1984. Entretanto esse cenário não impediu o estrangulamento externo da economia, agravada na década de 1980, pela crise do endividamento externo. O surgimento do neoliberalismo no final da década de 1970 trouxe consequências desastrosas para o Brasil, que demorou a se adaptar a este novo paradigma. A crise do petróleo alcançou os brasileiros em 1974, levando o governo a lançar o Próálcool e outros programas visando substituir importações e equilibrar pagamentos. Nesse período os bancos privados facilitaram empréstimos ao Brasil e a consequência foi a expansão acentuada da dívida externa, experiência partilhada por muitos outros países “subdesenvolvidos”. A inflação crescente a partir de 1974, advinda da alta do petróleo, 29.

(30) com a busca dos reajustes salariais, levou ao aumento dos preços e de 1979 a 1981 a inflação chegou a atingir os três dígitos, a divida externa aumentou exageradamente, levando a economia à recessão e ao desemprego em massa (SINGER, in: SACHS, WILHEIM e PINHEIRO, 2001).. 1.5. ASPECTOS DA CONJUNTURA TEÓRICA, IDEOLÓGICA E CULTURAL DOS ANOS 50 A 70 A compreensão das décadas de 1950 a 1970 ficaria incompleta se o foco de análise considerasse apenas fatores políticos e econômicos desse período. Vimos anteriormente que as marcas desse período desenvolvimentista não surtiram o efeito proclamado pelos que defendiam a ideologia de que os países subdesenvolvidos alcançariam através dos surtos de industrialização o caminho suave do desenvolvimento. Antes, foi se constituindo um processo de conscientização de que o empobrecimento dos países latino-americanos tinha uma relação direta com a transferência de riquezas aos países do Primeiro Mundo, que empreendiam um vasto processo exploratório na América Latina e em outros países empobrecidos do mundo. Essa percepção vai estruturar, mais tarde, a teoria da dependência formulada por Enzo Faletto e Fernando Henrique Cardoso (1981), apoiada por diversos estudos da Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL). As duras realidades de miséria, injustiça e desigualdade social tornam a América Latina um terreno fértil para o surgimento de diversos movimentos de protesto, perpassando pelos movimentos estudantis, políticos, agrários, sindicais até a revolução armada. Também deve-se levar em consideração que as décadas em análise, são marcadas por movimentos de contracultura e plurais ideologias de esquerda, profundamente marcadas por um clima de voluntarismo, que procura despertar o indivíduo ao engajamento e ser agente da revolução social e cultural no anseio de alcançar a emancipação humana e promover construção de novas realidades. Uma das marcas desse momento histórico concretiza-se na Revolução Cubana, em 1959, e projeta mundialmente as figuras de Fidel Castro e “Che” Guevara, permitindo que suas ideias revolucionárias encontrem acolhimento, inspirem diversos movimentos latino-americanos e ecoem também em outras partes do mundo.. 30.

(31) No panorama ideológico e cultural mundial devem-se destacar alguns episódios marcantes desse período que culminaram no histórico ano de 1968, consequência de uma efervescência política-social sem precedentes. O memorável Maio de 1968 na França, advindo dos protestos estudantis e do proletariado contra as forças hegemônicas do regime gaullista e sua histórica greve geral (BIHR, 2008); a importante Primavera de Praga, que se caracterizou pela busca de um autêntico socialismo, constituem dois grandes movimentos sociais e políticos deste referido ano. Certamente impulsionaram movimentos posteriores como o Janeiro de 1969 na Itália, marcados por protestos estudantis, com ocupação de universidades e greves de trabalhadores. Tais movimentos estudantis, inclusive no Brasil, levantavam a bandeira da ação direta, da democracia participativa, a valorização da coragem e do voluntarismo. Esses elementos caracterizaram, em diversas partes do mundo, essa conjuntura intelectual (ARAUJO, 2008). As origens desse período de contestação em escala mundial remetem ao pósSegunda Guerra Mundial, que foi marcado por uma intensa mobilização e organização do proletariado em muitos países, outros fatores históricos a serem considerados foram o surgimento de inúmeras lutas de libertação nacional e intensos movimentos operários no leste europeu que se rebelaram contra ditaduras burocráticas stalinistas. Ainda deve-se levar em consideração a influência da Revolução Comunista Chinesa (1949-1962), que perpassa esse período, no estímulo de lutas contra o colonialismo, revelando a necessidade de reformas sociais. Mas sem dúvida a América Latina recebeu o maior impulso com a vitória da Revolução Cubana, em 1959 (PONGE, 2009). A figura na qual os principais ideais revolucionários latino-americanos se encarnam, sem dúvida, é Che Guevara. Segundo Michel Löwy, a herança teórica deixada por Che Guevara, ao lado de outros grandes nomes do marxismo, contribui tanto para interpretação como para transformação do mundo (LÖWY, 2005). Che Guevara tem seus primeiros contatos com as ideias marxistas no meio dos anos 50, não em um ambiente intelectual e acadêmico, mas junto à constatação das condições de miséria e opressão do povo latino-americano, fruto de suas viagens pelas aldeias do continente. Surge então em Che uma compreensão antidogmática do marxismo, que segundo Löwy é compreendido como “uma nova ciência que se pode e deve se desenvolver em função da transformação própria da realidade” (LÖWY, 2005, pp. 26,27). Neste sentido o pensamento de Che vai permitir a superação de limites impostos pela burocracia stalinista, e na América Latina, se tornará num dos referenciais de renovação revolucionária, a partir de sua compreensão do marxismo. 31.

Referências

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