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Análise da aplicabilidade do Acordo de Leniência na Ação de Improbidade Administrativa: as novas diretrizes conceituais do Controle Administrativo.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO ADMINISTRATIVO

JULLIANA LINS CÂMARA MARINHO

ANÁLISE DA APLICABILIDADE DO ACORDO DE LENIÊNCIA NA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: AS NOVAS DIRETRIZES CONCEITUAIS DO

CONTROLE ADMINISTRATIVO

NATAL – RN 2017

(2)

JULLIANA LINS CÂMARA MARINHO

ANÁLISE DA APLICABILIDADE DO ACORDO DE LENIÊNCIA NA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: AS NOVAS DIRETRIZES CONCEITUAIS DO

CONTROLE ADMINISTRATIVO

Monografia apresentada no Programa de Pós-Graduação em Direito – PPGD – do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para conclusão no curso de Especialização em Direito Administrativo. Orientador (a): Prof(a). Dra. Mariana de Siqueira.

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN. Sistema de Bibliotecas - SISBI.

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do CCSA. Marinho, Julliana Lins Câmara.

Análise da aplicabilidade do acordo de leniência na ação de improbidade administrativa: as novas diretrizes conceituais do controle administrativo/ Julliana Lins Câmara Marinho. - 2017.

61f.: il.

Monografia (Especialização em Direito Administrativo) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-Graduação em Direito. Natal, RN, 2017.

Orientador: Profa. Dra. Mariana de Siqueira.

1. Administração pública - Monografia. 2. Solução alternativa de conflito – Monografia. 3. Eficiência - Monografia. 4. Acordo de Leniência - Monografia. 5. Improbidade Administrativa - Monografia. I. Siqueira, Mariana de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Hélio e Margareth, que são meu porto seguro, meu equilíbrio emocional, minha inspiração.

Aos meus irmãos, Karoline e Leonardo, que são minhas referências, meu apoio, minha luz.

À Sofia que, com todo seu amor, ilumina-me.

A Guilherme que, a despeito de sua curta jornada, deixou-me um amor infinito. Ao meu namorado, Heitor, que é minha força, minha calma, minha base.

Aos meus avós, que, apesar de distantes fisicamente, estão sempre presentes emocionalmente.

Aos meus amigos, por todo o apoio e compreensão. A Deus, por tudo.

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RESUMO

O presente trabalho tem por escopo a análise teórica da possibilidade de inserção do instituto do Acordo de Leniência no âmbito da Ação Civil de Improbidade Administrativa. Para isso, o trabalho inicia suas bases com a evolução do Direito Administrativo frente às inovações constitucionais, principalmente no que diz respeito à seara sancionadora. É que, nos últimos anos, vem sendo dada extrema importância às novas formas de solução de conflito, principalmente diante da chamada “crise numérica” do poder judiciário e da necessidade de se conferir maior eficiência e maior razoabilidade na duração dos processos em andamento. Com isso e em razão da vedação expressa, no art. 17, §1º, da lei nº 8.429/92, de qualquer acordo, transação ou conciliação nas ações de improbidade, abre-se a discussão para a viabilidade do Acordo de Leniência – já previsto expressamente na Lei 12.846/13 (Lei anticorrupção) – nas Ações de Improbidade Administrativa. O seu conteúdo, num primeiro momento, poderia levar a uma total inflexibilidade da Lei nº 8.429/92 às soluções negociais de conflitos. Todavia, o aludido dispositivo normativo, conforme se esmiuçará, vai de encontro com toda a lógica criada pelo ordenamento jurídico em vigor. Neste pórtico, vislumbra-se a compatibilidade do instituto do acordo de leniência às ações de improbidade, não encontrando óbice no sistema administrativo contemporâneo.

Palavras-chave: Solução alternativa de conflito. Eficiência. Acordo de Leniência.

(7)

ABSTRACT

The present work intents to make a theoretical analysis of the possibility of insertion of the leniency policy institute in the ambit of the judicial claim of administrative improbity. For this, the work begins its bases with the evolution of the Administrative Law in context of the constitutional innovations, mainly with respect to the sanctioning sector. In recent years, new forms of conflict resolution have been given great importance, especially in the face of the so-called "numerical crisis" of the judiciary power and of the need to increase efficiency and reasonableness in the duration of ongoing processes. With this and due to the express prohibition, in art. 17, first paragraph, of Law number 8,429/92, of any agreement, transaction or conciliation in actions of improbity, the discussion is opened for the viability of Leniency Policy- already expressly provided for in Law number 12,846/13 (Anti-Corruption Law) in the judicial claims of administrative improbity. Its content, in the first instance, could lead to a total inflexibility of Law number 8.429/92 to the negotiated solutions of conflicts. However, the aforementioned normative device, as it will be researched, goes against all the logic created by the legal system in force. Therefore, it can be seen the compatibility of the leniency policy institute with the judicial claims of improbity, finding no obstacle in the contemporary administrative system.

Key-words: Alternative conflict resolution. Efficiency. Leniency Policy. Administrative

(8)

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...07

2. O ACORDO DE LENIÊNCIA COMO EXPRESSÃO DO DIREITO

ADMINISTRATIVO CONSENSUAL NO CONTEXTO DO

PÓS-POSITIVISMO...09

2.1. O DIREITO ADMINISTRATIVO CONTEMPORÂNEO E AS NOVAS FORMAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITO...09 2.2. DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR E A POSSIBILIDADE DE

NEGOCIAÇÃO: EXISTE UM DIREITO ADMINISTRATIVO

CONSENSUAL?...20

3. O ACORDO DE LENIÊNCIA NO DIREITO ADMINISTRATIVO

BRASILEIRO...26

3.1. O ACORDO DE LENIÊNCIA NO DIREITO ADMINISTRATIVO

BRASILEIRO...26

3.2. O ACORDO DE LENIÊNCIA COMO VETOR DA ATUAÇÃO

ADMINISTRATIVA CONSENSUAL...35

4. É POSSÍVEL A SOLUÇÃO CONSENSUAL DA AÇÃO DE IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA POR MEIO DO ACORDO DE

LENIÊNCIA?...41

4.1. O INSTITUTO DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NO CONTEXTO DO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR...41 4.2. O ACORDO DE LENIÊNCIA COMO INSTRUMENTO DO PRINCÍPIO DA

EFICIÊNCIA NA AÇÃO DE IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA...47

5. CONCLUSÃO...55 REFERÊNCIAS...57

(9)

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por escopo a análise teórica da possibilidade de inserção do instituto do Acordo de Leniência no âmbito da Ação Civil de Improbidade Administrativa.

Apesar da vedação expressa de quaisquer transações, acordos ou conciliações no âmbito da aludida ação, o surgimento de novas teorias em prol de um Direito Administrativo mais consensual abre a discussão para a viabilidade do Acordo de Leniência – já previsto expressamente na Lei 12.846 (Lei anticorrupção) – no âmbito da Ação de Improbidade Administrativa.

Como cediço, a disciplina da Delação, no âmbito do Direito Penal, consiste, basicamente, no fornecimento, pelo acusado, de informações indispensáveis à identificação de demais coautores, partícipes ou terceiros vinculados ao fato danoso, tido como crime.

Esse instituto também foi previsto na Lei 12.846/2013, que trata da responsabilização objetiva das pessoas jurídicas em face da Administração Pública.

Contudo, no pertinente à Lei de Improbidade Administrativa, não se admite, por ora, qualquer transação ou conciliação com as pessoas físicas, agentes públicos ou não, que tenham causado dano ao Poder Público. Entende-se, portanto, pela impossibilidade de qualquer interpretação analógica aos institutos da Colaboração ou Acordo de Leniência.

Isso porque, de acordo com o regime clássico do Direito Administrativo, há total indisponibilidade dos direitos encartados na Lei 8.429/92. Em tese, não se afiguraria juridicamente possível a extensão dos benefícios do acordo de leniência aos acusados em Ação de Improbidade, em razão da lei, expressamente, vedar qualquer mitigação ao princípio da indisponibilidade do Interesse Público.

Entretanto, nos últimos anos, vem sendo dada extrema importância às novas formas de solução de conflito, principalmente diante da chamada “crise numérica” do poder judiciário e da necessidade de se conferir maior eficiência e maior razoabilidade na duração dos processos em andamento.

Tanto é assim que o Novo Código de Processo Civil, em todo seu texto, privilegia os métodos consensuais de solução de conflito, bem como prioriza a participação ativa dos litigantes na consecução do processo.

(10)

Não bastasse isso, em 2015 foi editada a lei de mediação, conciliação e arbitragem que conferiu maior liberdade aos litigantes para negociar e acordar o resultado da ação, promovendo, com isso, um processo cada vez mais dialético.

Dessa forma, considerando que as disciplinas jurídicas encontram-se inseridas em um sistema constitucional de Direito e que suas normas devem ser interpretadas de maneira sistemática, é certo que o Direito Administrativo vem buscando se adequar a esse modelo contemporâneo, fruto também do neoconstitucionalismo.

Assim, para atingir o objetivo proposto, a pesquisa foi desenvolvida em cima de três capítulos, subdivididos em dois subcapítulos cada.

Em um primeiro momento, será abordado o atual estágio constitucional vivenciado, com suas implicações e influência no direito administrativo, passando, depois, por uma breve evolução histórica administrativa, determinante para estabelecer os moldes do sistema em vigor e delineador do sistema que está se desenvolvendo.

Ultrapassado esse momento, far-se-á, em seguida, uma análise do direito administrativo consensual e sua contribuição para a eficiência das relações estatais. É que o consensualismo vem influenciando, sobremaneira, todo o sistema jurídico e vem assumindo papel importante para a efetiva resolução de conflitos.

Após, será abordada as bases teóricas do acordo de leniência, comparando-o com o instituto da colaboração premiada prevista no Direito Penal. No ponto 3.2 será dado ênfase ao contexto histórico do Acordo de Leniência e sua importância no combate aos atos de corrupção com a edição da Lei nº 12.846/13.

O último capítulo será reservado, única e exclusivamente, à análise da aplicabilidade do acordo de leniência nas ações de improbidade administrativa. Para isso, serão feitas algumas considerações sobre o instituto da Improbidade Administrativa e sua relevância para o combate à corrupção. Posteriormente, no último subcapítulo, serão esmiuçados os fundamentos para a aplicabilidade do acordo de leniência na lei de improbidade, tais como a inconstitucionalidade do art. 17, §1º e o estímulo do ordenamento jurídico às soluções alternativas de conflitos.

Frise-se que o presente trabalho não tem por objetivo esgotar o tema proposto, tampouco tem o intuito de solucionar determinados embates levantados, reservando-se sua análise à possibilidade de aplicação dos ajustes cooperativos no contexto de rigidez punitiva da Lei de Improbidade Administrativa.

(11)

2. O ACORDO DE LENIÊNCIA COMO EXPRESSÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO CONSENSUAL NO CONTEXTO DO PÓS-POSITIVISMO

2.1. O DIREITO ADMINISTRATIVO CONTEMPORÂNEO E AS NOVAS FORMAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITO

Nas últimas décadas, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, a teoria geral do direito renovou-se, especialmente na Europa, passando por algumas modificações sentidas em todos os ramos da Ciência Jurídica1, principalmente no Direito Administrativo.

A essa alteração sistemática convencionou-se chamar de “Neoconstitucionalismo”, “Pós-Positivismo” ou mesmo “Filtragem Constitucional do Direito”, caracterizada pelo desenvolvimento dos valores constitucionais protegidos pelo ordenamento jurídico, pela supervalorização dos direitos fundamentais e pela implementação do Estado Democrático de Direito2.

Para Dirley da Cunha Júnior, esse fenômeno constitucional “proporcionou o florescimento de um novo paradigma jurídico: o Estado Constitucional de Direito.”3

.

No Brasil, contudo, as modificações relevantes no cenário jurídico só ocorreram, efetivamente, após a promulgação da Constituição de 1988, ocasião em que os fundamentos pós-positivistas foram adotados.4 Sua estrutura, pois, é diferente de todas as outras já elaboradas.

A Carta Magna de 88 constitui, consoante José Afonso da Silva, um texto razoavelmente avançado e se presta a garantir a cidadania de todos os indivíduos inseridos nessa nova dinâmica constitucional5

No atual estágio constitucional houve a intensa proteção aos direitos fundamentais. Além disso, a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do

1

CUNHA JÚNIOR, Dirley. Curso de Direito Constitucional. 4ª. Ed. Salvador: Jus Podvim, 2010, p. 39.

2 SIQUEIRA, Mariana de. Interesse público no direito administrativo brasileiro: da construção da moldura

à composição da pintura. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2016, p. 109.

3 CUNHA JÚNIOR, Dirley. Curso de Direito Constitucional. 4ª Ed. Salvador: Jus Podivm, 2010. p. 39. 4 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 6ª Ed.São Paulo: Saraiva, 2011. p. 116.

5 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p.

89-90.

(12)

trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político foram elevados à categoria de fundamentos do Estado agora em vigor6.

De fato, uma das características primordiais do Estado Constitucional é a garantia de proteção dos direitos fundamentais. Com o desenvolvimento, também, de visões jurisprudenciais e doutrinárias constitucionais, em meados do século XX, os direitos fundamentais passaram a ser o sentido de todos os ordenamentos jurídicos, como valores informativos e diretivos, de sorte a compor normas de otimização do sistema jurídico7.

Contudo, nem sempre foi assim, principalmente para o Direito Administrativo.

O início da jornada administrativa, no formato atualmente conhecido, nasceu com o surgimento do Estado de Direito, posterior à Revolução Francesa8. Antes disso, nas relações entre poder e membros da sociedade haviam súditos – não cidadãos – que apenas submetiam-se às vontades do rei.

O Estado de Direito, portanto, promoveu uma nova lógica na sociedade ao firmar a submissão do Estado ao Direito e ao controlar o Poder em benefício dos administrados.

O Direito Administrativo emergiu, então, com o intuito de regular as funções do Estado e mantê-la ligada às disposições legais, evitando abusos e permitindo defender os interesses dos membros da sociedade, agora cidadãos.910.

Nesse contexto, surgem duas vertentes de pensamentos responsáveis, também, por firmar as bases ideológicas do Direito Administrativo: Montesquieu e Rousseau11.

6

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípos e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos : I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político.

7 CUNHA, Leonardo Carneiro da. O Processo Civil no Estado Constitucional e os Fundamentos do Projeto

do Novo Código de Processo Civil Brasileiro. Revista do Processo, v. 209: São Paulo, 2012, disponível em: <

http://www.cidp.pt/publicacoes/revistas/ridb/2013/09/2013_09_09293_09327.pdf > acesso em 28 de Agosto de 2017. p. 9295.

8 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2002,

p. 40.

9 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2002,

p. 40.

10 Gustavo Binebjom, todavia, afirma que o direito administrativo não surgiu da submissão do Estado à vontade

heterônoma do legislador. Para ele, a criação de um direito especial da Administração Pública resultou não da vontade geral, mas de decisão autovinculativa do Estado. BINENBJOM, Gustavo. Da Supremacia do Interesse Público ao Paradigma da Proporcionalidade: um novo paradigma para o Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Revista de Direito Processual Geral, 2005, p.51.

11

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 41.

(13)

Para Rousseau, todos nascem livres e iguais, não subsistindo o direito inato de ninguém comandar ninguém. Contudo, seria preciso o homem ceder parte de sua liberdade a um Poder Comandante para que pudesse, enfim, viver harmonicamente em sociedade12.

Com essa ideia, houve intensa mudança de pensamento, visto que o Poder passou a ser enxergado como produto da vontade coletiva, do povo, e não mais como origem divina ou de um mero fato aleatório.

Montesquieu, por sua vez, proclama a necessidade de se controlar o poder a fim de se evitar o seu abuso. Para ele, o poder vai até onde encontra limites. E se o poder é o único que se impõe, é ele próprio quem fixará a sua regulação. Desse modo, faz-se necessário fracionar o poder para que ele, reciprocamente, contenha-se. Surge, então, a ideia de tripartição do poder, dividindo as funções de fazer a lei, executá-la e julgá-la a órgãos distintos.13.

Esse contexto histórico reacionário, fruto de uma repressão ao Antigo Regime, acaba por conferir à lei o vetor das decisões fundamentais do Estado. A legislação passa a ser suprema e os governantes só podem agir se autorizados por normativa legal.

Nesse sentido, todos estavam subordinados à lei, sendo, portanto, vedada a inovação jurisdicional. A lei, então, era vista como o produto de uma vontade declarada pelos burgueses, irrefutável.14. Os arbítrios eram constantes e a aplicação das normas constitucionais não passava de mera utopia.

Com isso, foi-se percebendo que os ideais liberalistas não correspondiam aos anseios da coletividade. A pluralidade e a “multiculturalidade” das sociedades contemporâneas tornava impossível a definição de uma vontade geral, concretizada em normas gerais e abstratas. O Direito ia se renovando, multiplicando-se e a lei não mais conseguia acompanhar o ritmo das inovações factuais da sociedade.15.

No Direito Administrativo não foi diferente, visto que esse modelo baseado apenas no princípio da legalidade legitimava os representantes do povo na elaboração das normas,

12

ROUSSEAU, Jean-Jaqcques. Do Contrato Social: princípios do direito político. São Paulo: EDIPRO, 2000, p. 35-36.

13 MONTESQUIEU. Do espírito das leis. Trad. Por Gabriela de Andrada Dias Barbosa. Rio de Janeiro:

Ediouro – Editora Tecnoprint. S.A. Tradução de De L´Espirit des Louis. P.132-133.

14 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo – Curso de Processo Civil. V. 1 – 4ª ed. rev. e

atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 43.

15 BRANDÃO, Marcella Araújo da Nova. A Consensualidade e a Administração Pública em Juízo.

Dissertação de mestrado apresentada na Fundação Getúlio Vargas. Orientador Professor Doutor Sérgio Guerra, Rio de Janeiro, 2009, p. 18.

(14)

firmava virtualmente a vontade geral da sociedade, mas não levava em conta o conteúdo e a motivação de suas disposições16.

A Administração, portanto, desde que amparada pela lei, não responderia por seus atos e estaria legitimada a praticar condutas que exorbitassem o limite do razoável. De outra banda, caso não houvesse lei expressa, o administrador deveria permanecer inerte, ainda que a situação factual exigisse ação por parte do Estado.

Nessa toada, Gustavo Binenbojm17 afirma que o Direito Administrativo clássico baseava-se em torno de quatro paradigmas: i) supremacia do interesse público sobre o particular, que serviria de fundamento e de motivação para os atos e prerrogativas da Administração; ii) a legalidade estrita, que deveria servir de fonte para o agir administrativo; iii) a intangibilidade do mérito administrativo, não permitindo o judiciário ou legislativo adentrar nas escolhas discricionárias da Administração e, finalmente; iv) o poder executivo unitário, representado nas figuras do Presidente da República, Governador e Prefeito, auxiliados, através de um sistema de subordinação hierárquica, pelos Ministros de Estado, Secretários de Estado e do Município, respectivamente.

Com o advento do constitucionalismo contemporâneo e a influência de seus ideais no Direito Administrativo, como já dito alhures, aquele modelo clássico foi sendo superado, dando lugar a uma Administração pautada nos direitos fundamentais, na principiologia constitucional e, principalmente, no sistema democrático de direito.

Dessa maneira, a Constituição, e não mais a lei, passa ser o guia de toda conduta administrativa na sociedade, condicionando a validade e o sentido do ordenamento jurídico ao seu conteúdo.

Ademais, a definição do que é o interesse público não mais se subordina ao arbítrio do administrador, devendo se submeter aos postulados da proporcionalidade e de outros valores metaindividuais consagrados pela dogmática jurídica, bem como a discricionariedade passa a ser um espaço para aplicação de técnicas previamente prescritas pela Constituição e pela Lei, a fim de conduzir o administrador à melhor escolha.18.

16 BRANDÃO, Marcella Araújo da Nova. A Consensualidade e a Administração Pública em Juízo.

Dissertação de mestrado apresentada na Fundação Getúlio Vargas. Orientador Professor Doutor Sérgio Guerra, Rio de Janeiro, 2009, p. 18.

17

BINENBOJM, Gustavo. Constitucionalização do Direito Administrativo no Brasil: um inventário de avanços e retrocessos. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 13, março/abril/maio, 2008. Disponível em: < http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp

>. Acesso em 26 de agosto de 2017, p. 07.

18 BINENBOJM, Gustavo. Constitucionalização do Direito Administrativo no Brasil: um inventário de

(15)

A Constitucionalização do Direito Administrativo, portanto, faz repensar todos os institutos administrativistas e a aplicá-lo, não mais sob a ótica do legalismo, mas a partir da juridicidade19, interligando todo o sistema jurídico e possibilitando uma íntima conexão entre as disciplinas jurídicas.20.

É dizer, o Direito Administrativo, apesar de autônomo e dotado de regras e princípios próprios, não pode ser aplicado de maneira isolada. É preciso que a aplicação de suas normas baseie-se em uma interpretação sistemática, levando-se em conta normas pertencentes à seara constitucional, cível, penal, tributária.

Mais do que isso, a administração pós-moderna precisa tomar em vista as alterações sociais, políticas e econômicas da sociedade contemporânea. O Estado, mais do que seguir as disposições formais impostas em lei, deve buscar defender os valores essenciais do cidadão, bem como controlar e repreender os abusos propiciados pela concentração de poder econômico e pela afirmação de uma sociedade de consumo.21. Apesar dessas afirmativas teóricas, é certo que esse novo administrativismo é meta e diretriz a ser gradualmente incorporado à Administração Pública. Conforme leciona Marçal Justen Filho22, “a concepção de um Estado democrático de Direito é muito mais afirmada na Constituição do que praticada na dimensão governativa”.

É que a atividade administrativa, nos mais das vezes, continua refletindo concepções não democráticas provenientes do passado, em que o governante prefere impor sua vontade

de Direito Público, nº 13, março/abril/maio, 2008. Disponível em: < http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp

>. Acesso em 26 de agosto de 2017, p. 07. 19

Preleciona Edilson Nobre Júnior: “Atenta aos reflexos da norma constitucional, Raquel Carvalho vislumbra a existência de um princípio da juridicidade, a traduzir vinculação da Administração não só à lei, formal e materialmente considerada, mas igualmente a outras dimensões do direito. Isso decorre, segundo minudencia, da alteração das tarefas estatais que, no liberalismo clássico, resumiam-se à garantia da ordem e paz pública, de maneira que, com o fim de evitar indevidas intromissões na esfera individual, cabia à lei definir o campo e os limites de atuação administrativa. Toda vez que a ação administrativa implicasse invasão à esfera de liberdade dos indivíduos, indispensável prévia lei de habilitação.” E, mais a frente, arremata: “Não se quer com isso afirmar que a lei não desempenhe função de garantia dos direitos fundamentais. Porém, tal é desenvolvido, com maior intensidade, pela Constituição. Por isto, verifica-se alteração de natureza da lei que agora passa a compor uma parte (e não o todo) do princípio da juridicidade.” JÚNIOR, Edilson Nobre. Princípio da Legalidade. Da Dogmática Jurídica à Teoria do Direito. In BRANDÃO, Cláudio. CAVALCANTI, Francisco. ADEODATO, João Maurício. (coord). Administração Pública, Legalidade e Pós-Positivismo. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 214.

20

SIQUEIRA, Mariana de. Interesse público no direito administrativo brasileiro: da construção da moldura à composição da pintura. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2016, p. 122.

21 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 3ªEd. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 19. 22 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 3ªEd. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 20.

(16)

pessoal como critério de validade do ato administrativo a ter que pautar sua conduta por critérios técnicos e objetivos23.

Além disso, pontua Mariana de Siqueira24, a Administração, em muitas situações, não tem a iniciativa de aplicar os princípios e de modernizar suas decisões a um caso concreto, provocando o judiciário a construir entendimentos administrativistas contemporâneos em torno de questões atinentes à res pública.

Atentos a essa realidade, doutrinadores como Marçal Justen Filho25 advogam pela necessidade de evolução do Direito Administrativo.

E para haver essa evolução, entre outras pontuações, diz Marçal que é preciso considerar o ser humano como protagonista do Direito, proteger as minorias e seus interesses, processualizar as atividades do Estado, além de fomentar a participação popular nas decisões administrativas.26.

Assim, nesse contexto constitucional global27 e democrático de direito, surgem teorias contemporâneas que visam flexibilizar os institutos jurídicos a fim de pôr em prática os ditames pós-positivistas, priorizando, mais do que qualquer outra coisa, a dignidade da pessoa humana.

Dentre essas teorias, as soluções consensuais de conflitos parecem coadunar-se com os valores protegidos constitucionalmente. Assim, nos últimos anos, vem sendo dada extrema importância às novas formas de solução de conflito, principalmente diante da chamada “crise numérica”28

do poder judiciário, da necessidade de se conferir maior eficiência nos atos

23

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 3ªEd. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 20.

24

SIQUEIRA, Mariana de. Interesse público no direito administrativo brasileiro: da construção da moldura à composição da pintura. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2016, p. 123.

25 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 3ªEd. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 20. 26

SIQUEIRA, Mariana de. Interesse Público no direito administrativo brasileiro: da construção da moldura à composição da pintura. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2016, apud JUSTEN FILHO, Marçal. O direito administrativo de espetáculo. In: ARAGÃO, Alexandre Santos; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo (Coord.). Direito Administrativo e seus novos paradigmas. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 78-82.

27 O fortalecimento do papel desempenhado pelo consensualismo no direito administrativo é comumente

associado ao movimento de globalização/mundialização iniciado no século XX. Diogo de Figueiredo Moreira Neto pontua que a mundialização trouxe consigo uma demanda por eficiência, que só poderia ser atingida por meio de soluções consensuais”. PINTO, José Guilherme Bernan Corrêa. Direito administrativo consensual, acordo de leniência e ação de improbidade. Fórum Administrativo [recurso eletrônico] : Direito Público. Belo Horizonte , v.16, n.190, dez. 2016. Disponível em: < https://dspace.almg.gov.br/retrieve/112197/140987.pdf >. Acesso em: 26 de agosto de 2017, p. 04.

28

TAKAHASHI, Bruno. A solução consensual de controvérsias e o art. 17, §1º, da Lei de Improbidade Administrativa. Revista dos Tribunais, v. 102, n. 927: São Paulo, 2013. Disponível em: < www.tre-rs.gov.br/arquivos/Takashi_Solucao_consensual.PDF > . Acesso em 26 de agosto de 2017, p. 24.

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administrativos e maior razoabilidade na duração dos processos e procedimentos em andamento.

Tanto é assim que o Novo Código de Processo Civil, em todo seu texto, privilegia os métodos consensuais de solução de conflito, bem como prioriza a participação ativa dos litigantes na consecução do processo.

Não bastasse isso, em 201529 foi editada a lei de mediação, conciliação e arbitragem (Lei nº 13.140/2015) que conferiu maior liberdade aos litigantes para negociar e acordar o resultado da ação, promovendo, com isso, um processo cada vez mais dialético.

Nesse sentido, conforme se esmiuçará abaixo, a Administração vem buscando se adequar a esse modelo contemporâneo, passando a aceitar o consensualismo como forma de satisfação dos interesses sociais do cidadão.30.

É que, com o advento dos ideais pós-positivistas, a partir do século XX, as noções de direitos fundamentais e de democracia passaram a representar a viga mestra da moralidade política na sociedade.

Para Gustavo Binenbojm31, foi a partir do que se convencionou chamar de “virada Kantiana” que o Direito voltou a se reaproximar da ética, ressurgindo conceitos sobre a razão prática, a fundamentação moral dos direitos fundamentais e sobre a teoria da justiça, elevando a dignidade da pessoa humana à condição de princípio jurídico mor, fundamento de todos os demais direitos.

Nesse sentido, a democracia passou a consistir um projeto de governo coletivo, no qual os cidadãos deixaram de ser apenas destinatários para assumir o controle direto das condutas estatais.

29 Dispõe o art. 1º da Lei 13.140/2015: Art. 1º - Esta Lei dispõe sobre a mediação como meio de solução de

controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. Parágrafo único. Considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia.

30

ARAGÃO, Alexandre Santos. A consensualidade no Direito Administrativo: acordos regulatórios e contratos administrativos. Revista de Informação Legislativa, v. 42, n. 167: Brasília, 2005. Disponível em: < http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/850 > Acesso em 26 de Agosto de 2017, p. 01 – 04.

31 BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do Direito Administrativo: Direitos fundamentais, Democracia e

(18)

Dentro desse cenário, de participação e diálogo com a sociedade, o consensualismo no ordenamento jurídico passou a consistir uma grande aposta para a solução efetiva de problemas e para a concretização da democracia participativa na sociedade. 32.

Leciona Ada Pellegrini Grinover que, atualmente, já se pode falar em uma “cultura de conciliação”, não apenas como forma de participação na administração e na gestão dos interesses públicos, mas também como instrumento de conscientização política33.

Já Diogo de Figueiredo Moreira Neto afirma que o consensualismo, na literatura sociopolítica, foi fundamental para a construção de sociedades livres, em substituição a sistemas que priorizavam instituições de comando. 34.

Antes, nos modelos políticos antigos, não havia abertura para o consenso na sociedade. Acreditava-se que era preciso existir um poder concentrado e supremo, capaz de impor comportamento e assegurar convergências por intermédio da coerção.35.

Esse pensamento serviu de fonte para a criação do Estado moderno e remanesceu com o tempo, enfraquecendo suas bases com os acontecimentos drásticos ocorridos na Segunda Guerra Mundial.36 É que esse fato acabou por unir o Estado e os cidadãos em prol de um fim único, o bem estar social.

A Administração pública, por sua vez, ainda manteria seus laços atrelados à imperatividade e à coercibilidade37 ao firmar suas bases principiológicas na supremacia do interesse público e na indisponibilidade.

32

BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do Direito Administrativo: Direitos fundamentais, Democracia e Constitucionalização. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 51.

33

GRINOVER, Ada Pellegrini. Os Fundamentos da Justiça Conciliativa. Revista da Escola Nacional de Magistratura, v. 02, n. 05: Brasília, 2008. Disponível em: < http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/21448> acesso em 28 de agosto de 2017, p. 23.

34

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novos institutos consensuais da ação administrativa. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 231, p. 129-156, jan. 2003. ISSN 2238-5177. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/45823>. Acesso em: 28 Ago. 2017, P. 04.

35 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novos institutos consensuais da ação administrativa. Revista de

Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 231, p. 129-156, jan. 2003. ISSN 2238-5177. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/45823>. Acesso em: 28 Ago. 2017, p. 05.

36 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novos institutos consensuais da ação administrativa. Revista de

Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 231, p. 129-156, jan. 2003. ISSN 2238-5177. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/45823>. Acesso em: 28 Ago. 2017, p. 06.

37 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novos institutos consensuais da ação administrativa. Revista de

Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 231, p. 129-156, jan. 2003. ISSN 2238-5177. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/45823>. Acesso em: 28 Ago. 2017, p. 06.

(19)

Todavia, no século XX e no século XXI surgiram movimentos de globalização que trouxeram consigo demandas múltiplas, inéditas, e que exigiam do Administrador maior eficiência e maior flexibilidade para conduzir as situações postas ao seu domínio.38.

Seria, então, necessário redefinir o conceito de supremacia do interesse público e o papel do Estado na efetivação dos direitos dos cidadãos, privilegiando mais aos fins do que aos meios formais.

De acordo com Gustavo Binenbojm39, com a constitucionalização da definição de interesse público, a ideia de preponderância do coletivo sobre o particular foi sendo superada. Nesse modelo, qualquer juízo de preferência deve passar, necessariamente, por uma análise de ponderação40 entre os interesses, abrindo, com isso, portas para que o administrado negocie com o administrador a melhor solução para o caso concreto.

Importa ressaltar, contudo, que essa ideia de superação do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular não é unânime. Respeitados doutrinadores, como José dos Santos Carvalho Filho e Edilson Pereira Nobre Júnior continuam a afirmar que o aludido princípio segue vigente e com aplicabilidade em nosso ordenamento, devendo apenar passar por uma releitura, e não por uma desconstrução4142.

De toda forma, independente da discussão acerca do mencionado princípio, o fato é que o consensualismo vem ganhando força no direito administrativo.

Assim e em decorrência, segundo pontua Odete Medauar43, da não exclusividade da Administração no estabelecimento do interesse público; da mitigação da discricionariedade

38

PINTO, José Guilherme Bernan Corrêa. Direito administrativo consensual, acordo de leniência e ação de improbidade. Fórum Administrativo [recurso eletrônico] : Direito Público. Belo Horizonte , v.16, n.190, dez. 2016. Disponível em: <https://dspace.almg.gov.br/retrieve/112197/140987.pdf>. Acesso em: 26 de agosto de 2017. p. 04.

39

BINEBOJM, Gustavo. Constitucionalização do Direito Administrativo no Brasil: um inventário de avanços e retrocessos. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 13, março/abril/maio, 2008. Disponível em: < http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp >. Acesso em 26 de agosto de 2017, P. 12.

40

BINEBOJM, Gustavo. Constitucionalização do Direito Administrativo no Brasil: um inventário de avanços e retrocessos. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 13, março/abril/maio, 2008. Disponível em: < http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp >. Acesso em 26 de agosto de 2017, p. 12.

41

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27ª Edição. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2014, p. 34.

42 NOBRE JUNIOR, Edilson Pereira. Direito Administrativo Contemporâneo: temas fundamentais.

Salvador: juspodvim, 2016. P. 55-56.

43 MEDAUAR, Odete. O Direito Administrativo em Evolução. 2. ed. São Paulo: Revista dos tribunais,2003.

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administrativa, atenuando-se a prática de decisões unilaterais e arbitrárias; e da criação de atividades de mediação para resolução de conflitos, os movimentos negociais vão assumindo papéis cada vez mais relevantes no cenário administrativo.

Para Diogo de Figueiredo Moreira Neto:

É inegável que o consenso como forma alternativa de ação estatal representada para a Política e para o Direito uma benéfica renovação, pois contribui para aprimorar a governabilidade (eficiência), propicia mais freios contra os abusos (legalidade), garante a atenção de todos os interesses (justiça), proporciona decisão mais sábia e prudente (legitimidade), evitam os desvios morais (licitude), desenvolve a responsabilidade das pessoas (civismo) e torna os comandos estatais mais aceitáveis e facilmente obedecidos (ordem).44.

Dito isso, nos últimos anos, vários instrumentos de negociação foram sendo incorporados nos diversos ramos do Direito.

No âmbito processual civil, por exemplo, o Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) normatizou diversos mecanismos de solução consensual de conflito. É o caso dos negócios jurídicos processuais, da valorização do princípio da cooperação logo em seus primeiros artigos, da previsão de audiências de conciliação em todo o andamento do processo45.

Ademais, em 2015 foi criada a lei de mediação, conciliação e arbitragem, que conferiu maior liberdade aos litigantes para negociar e acordar o resultado da ação, promovendo, com isso, um processo cada vez mais dialético.

Com relação à seara Administrativa, Diogo de Figueiredo Moreira Neto defende que há dois tipos de atuação consensual, dependendo se a atuação do particular é coadjuvante ou determinante em relação ao Poder Público46.

Na atuação coadjuvante, o particular é ouvido pela Administração e negocia a melhor solução para a questão específica, contudo, o gestor público continua detendo a plenitude da decisão. Nesse caso, o consenso apenas complementa e orienta a decisão administrativa, mas

44

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novos institutos consensuais da ação administrativa. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 231, p. 129-156, jan. 2003. ISSN 2238-5177. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/45823>. Acesso em: 28 Ago. 2017. p 17.

45

Lei nº13.105/15. Art. 1º [...] § 3o A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

46 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novos institutos consensuais da ação administrativa. Revista de

Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 231, p. 129-156, jan. 2003. ISSN 2238-5177. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/45823>. Acesso em: 28 Ago. 2017. p. 19.

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não, necessariamente, vincula o Poder Público. Aqui, portanto, não há necessidade de previsão legal, visto que a competência administrativa permanecerá incólume. 47

Já na atuação determinante, a Administração e o particular negociam a melhor solução para o problema, vinculando o Poder Público à decisão que vier prevalecer do acordo firmado. Nessa hipótese, ao contrário da atuação acima, deve haver previsão em lei, visto que a decisão será criada a partir do consenso, modificando a competência administrativa. Fato esse que só pode ocorrer por intermédio de lei.

É certo, contudo, que tanto em uma atuação como na outra, a Administração deverá buscar sempre ouvir previamente os interessados, manter o diálogo e a negociação, motivando sempre suas razões caso sua decisão esteja em confronto com os anseios do particular.48.

O Direito Administrativo, nesses casos, poderá se valer de instrumentos como a audiência pública, o debate público, as assessorias, as mediações, as transações, conciliações, não apenas como forma de solucionar conflitos, mas também como alternativa de prevenção.

A legislação, a seu turno, previu também alguns institutos consensuais a ser utilizados pela Administração Pública na consecução de suas atividades. Vide, por exemplo, o art. 10 do Decreto-lei n. 3.365/41, que possibilita a efetivação da desapropriação mediante acordo; o §6º do art. 5º da Lei de Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), que prevê o termo de ajustamento de conduta; as Leis n. 8.666/93, 8.987/95, 11.079/04 e 11.107/05, que normatizam os acordos no âmbito da execução dos contratos administrativos e autorizam dirimir conflitos por intermédio da arbitragem; o art. 53 da Lei nº 8.884/94 que autoriza a realização de compromisso de cessação de prática ilícita sob investigação do CADE.

Apesar dos avanços consensuais no âmbito do Direito Administrativo, é certo que tal evolução ainda é bastante tímida quando o assunto é o Direito Administrativo Sancionador.

Isso porque, conforme será visto mais a frente, esse ramo do Direito Administrativo possui uma maior rigidez normativa, em decorrência, principalmente, do temor à impunidade e da cultura repressiva que a administração tradicionalmente apresenta49. Fato esse, portanto, que retrai a possibilidade de substituir sanções administrativas por acordos, como é o caso da

47

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novos institutos consensuais da ação administrativa. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 231, p. 129-156, jan. 2003. ISSN 2238-5177. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/45823>. Acesso em: 28 Ago. 2017. p.19.

48

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novos institutos consensuais da ação administrativa. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 231, p. 129-156, jan. 2003. ISSN 2238-5177. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/45823>. Acesso em: 28 Ago. 2017, p. 20.

49 PALMA, Juliana Bonarcosi de. Atuação Administrativa Consensual: Estudo dos acordos substitutivos no

processo administrativo sancionador. Dissertação de mestrado apresentada na Faculdade de Direito de São Paulo. Orientador Professor Doutor Floriano de Azevedo Marques Neto, Rio de Janeiro, 2009. p. 287.

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Lei de Improbidade Administrativa – objeto do presente trabalho – que veda, expressamente, a realização de transações e acordos no âmbito de suas ações50.

Todavia, em 2013, foi editada a lei 12.846 – que dispôs sobre a responsabilização administrativa e civil das pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública – e previu, em seus artigos 16 e 17, a possibilidade de celebração de acordos de leniência entre as empresas acusadas e a Administração Pública, permitindo a redução ou mesmo afastamento das penalidades impostas em lei.

Essa abertura consensual, de modo a substituir a sanção administrativa pela conciliação, fez inflamar a discussão doutrinária sobre a possibilidade de flexibilização dos princípios e regras atinentes ao Direito Administrativo Sancionador como um todo, indagando-se: os institutos consensuais da Lei Anticorrupção se restringem apenas aos casos submetidos à sua tutela ou abarcariam todos os ramos de aplicação sancionadora? As ações de improbidade administrativa, por exemplo, ante as transformações constitucionais e o crescimento do consensualismo no Direito (que vem ocorrendo após a edição de sua lei), poderiam se valer dos acordos de leniência para consecução de suas finalidades?

Antes, contudo, de buscar responder esses questionamentos, faz-se necessário, primeiramente, tecer considerações sobre a influência do consensualismo na aplicação das sanções administrativas, bem como, posteriormente, estudar o acordo de leniência e suas implicações na seara administrativa.

2.2. DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR E A POSSIBILIDADE DE NEGOCIAÇÃO: EXISTE UM DIREITO ADMINISTRATIVO CONSENSUAL?

Por Direito Administrativo Sancionador entende-se como o conjunto sistematizado de princípios, regras e atos administrativos, que preveem condutas infratoras, averiguam sua realização, bem como aplicam sanções no exercício da função administrativa. 51

Mencionado Direito é autônomo, corresponde à expressão do jus puniendi Estatal, mas não se confunde com a esfera penal. Apesar de Nelson Hungria52 defender a inexistência de

50

Lei nº 8.429/92. Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar. § 1º É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput.

51 FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas: entre direitos fundamentais e democratização da ação

estatal. Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 12, n. 12, p. 167-185, julho/dezembro de 2012. Disponível em: < revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/download/309/280 > Acesso em 30 de agosto de 2017. p. 176.

52 Hungria, Nelson. HUNGRIA, Nelson. Ilícito administrativo e ilícito penal. Revista de Direito

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diferença ontológica entre sanções penais e administrativas, argumentando que entre elas haveria apenas uma distinção com relação ao grau das infrações – reservando-se o Direito Penal às infrações mais graves – é certo que, nos dias atuais, as esferas jurídico-penal e administrativa são independentes e autônomas entre si53.

Contudo, ambas constituem e retratam o poder punitivo estatal e, apesar de independentes, são ramos próximos, aplicando-se, sempre que possível, os princípios e regras do direito penal e processual penal à esfera administrativa sancionadora.

Desde meados do século XX, tem-se espalhado a ideia de que as sanções administrativas seriam uma manifestação específica do jus puniendi estatal e que, por essa razão, tutelariam qualquer valor relevante para a sociedade, transcendendo a mera função de polícia e se estendendo, por exemplo, às funções administrativas regulatórias.54

Desse modo, verificar-se-ia a necessidade de se prever um sistema principiológico capaz de tutelar e limitar o poder punitivo estatal, seja decorrente da esfera penal ou administrativa.

É que, com o advento da Constituição da República de 1988, foi assegurado aos cidadãos um conjunto de princípios e regras garantidores da contenção do poder punitivo estatal, de maneira genérica, devendo ser necessariamente observado pelo gestor na aplicação da sanção administrativa.

Assim, princípios como o devido processo legal, na sua faceta substancial55, o princípio da legalidade56, da irretroavidade57, da intranscendência da pena58, da ampla defesa

<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/8302/7076>. Acesso em: 19 Jul. 2017. doi:http://dx.doi.org/10.12660/rda.v1.1945.8302. p. 24-25.

53 PINTO, José Guilherme Bernan Corrêa. Direito administrativo consensual, acordo de leniência e ação de

improbidade. Fórum Administrativo [recurso eletrônico] : Direito Público. Belo Horizonte , v.16, n.190, dez. 2016. Disponível em: <https://dspace.almg.gov.br/retrieve/112197/140987.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2017. p. 06.

54

NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. GARCIA, Flávio Amaral. A principiologia no direito administrativo sancionador. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 37, janeiro/fevereiro/março de 2014. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-37-JAN-2014-FLAVIOAMARAL- DIOGO-NETO.pdf>. Acesso em: 30 de novembro de 2017. P. III-2.

55 Para Flávio Amaral e Diogo de Figueiredo Moreira Neto, “o princípio do devido processo legal está

intimamente conectado ao princípio da proporcionalidade/razoabilidade. Afinal, é por meio dele que se pode aferir a razoabilidade/proporcionalidade dos comandos normativos emanados do Poder Público. Nesse cenário, o princípio do devido processo legal se destina a proteger valores e direitos fundamentais dos administrados, preservando, dentro da lógica do razoável, seu direito à propriedade e à liberdade, no momento da criação e aplicação de normas sancionatórias. [...]No campo do Direito Administrativo Sancionador, a norma deve, obrigatoriamente, estabelecer tipos delitivos que guardem correlação lógica com a aplicação de sanções que sejam proporcionais aos ilícitos administrativos cometidos ou, expresso de outra forma, tipos que correspondam a condutas que efetivamente revelem desconformidade com bens jurídicos merecedores de proteção. Dito em outros termos: não está o legislador inteiramente livre para definir a gravidade da conduta ilícita e da cominação da correspondente penalidade, uma vez que deve observar a proporcionalidade/razoabilidade interna da norma sancionatória.” – NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. GARCIA, Flávio Amaral. A principiologia no direito

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e do contraditório59, devem reger e orientar toda a atuação estatal sancionadora, como forma de limitar o poder punitivo do Estado.

Porém, durante muito tempo, essa não foi a lógica adotada pela Administração Pública Clássica.

De acordo com Juliana Bonacorsi60, em sua dissertação de mestrado, o Direito Administrativo clássico, principalmente na sua esfera sancionadora, é marcado por uma cultura repressiva. Essa cultura, segundo pontua, é decorrente de alguns fatores.

Primeiro o fato histórico, no qual a Administração nasceu autoritária e arbitrária, restringindo direitos e liberdades dos particulares com fundamento no Poder de Polícia. A Administração moderna, surgida após a Revolução Francesa, supera um pouco essas arbitrariedades ao eleger a lei como fator de controle da atividade estatal. Contudo, permanece na ideia de que o Estado de Polícia é essencial para o exercício da função coercitiva do Administrador61.

O Direito Administrativo – apesar de sua evolução e transformação com o passar do tempo – ainda carrega consigo a ideia de que sua estrutura caracteriza-se como um poder centralizado, capaz de exercer coercitivamente o seu poder estatal, aplicar sanções, bem como impor medidas de polícia unilateralmente.62 Tudo isso fruto do seu legado histórico, da razão que fez o povo se unir em sociedade e criar uma estrutura de Estado organizada.

administrativo sancionador. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 37, janeiro/fevereiro/março de 2014. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-37-JAN-2014-FLAVIOAMARAL- DIOGO-NETO.pdf>. Acesso em: 30 de novembro de 2017. P. III -4.

56 Dispõe o art. 5º, XXXIX, da Constituição da República, que não haverá crime sem lei anterior que o defina.

No Direito Administrativo, deve-se fazer uma interpretação constitucionalizada para entendê-lo como a impossibilidade de cominação de sanção sem que o Direito, como um todo, o defina. Parte-se, aqui, não mais do princípio puro da legalidade, mas do princípio da Juridicidade. (BRASIL, 88).

57

Prevê o art. 5º, XL, da Constituição da República, que a lei não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.

58 O art. 5º, XLV, da Constituição da República, dispõe que a pena não passará da pessoa do condenado. 59

O art. 5º, LV, da Constituição da República, prevê que será assegurado, a todo e qualquer litigante, em processo judicial ou administrativo, a ampla defesa e o contraditório.

60 PALMA, Juliana Bonarcosi de. Atuação Administrativa Consensual: Estudo dos acordos substitutivos no

processo administrativo sancionador. Dissertação de mestrado apresentada na Faculdade de Direito de São Paulo. Orientador Professor Doutor Floriano de Azevedo Marques Neto, Rio de Janeiro, 2009. P.302

61 PALMA, Juliana Bonarcosi de. Atuação Administrativa Consensual: Estudo dos acordos substitutivos no

processo administrativo sancionador. Dissertação de mestrado apresentada na Faculdade de Direito de São Paulo. Orientador Professor Doutor Floriano de Azevedo Marques Neto, Rio de Janeiro, 2009. p. 304.

62 PALMA, Juliana Bonarcosi de. Atuação Administrativa Consensual: Estudo dos acordos substitutivos no

processo administrativo sancionador. Dissertação de mestrado apresentada na Faculdade de Direito de São Paulo. Orientador Professor Doutor Floriano de Azevedo Marques Neto, Rio de Janeiro, 2009. p. 304.

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O segundo fator levantado por Juliana Bonacorsi63 diz respeito à prerrogativa sancionatória como poder-dever inescusável. É dizer, a Administração Pública, ao verificar o descumprimento de suas normas, é obrigada a impor medidas repressivas, sob pena de, não o fazendo, também incorrer em responsabilidade. Essa sistemática justifica-se para evitar a temida impunidade daquele que praticou uma infração administrativa.

Para José dos Santos Filho, a aludida prerrogativa, ao mesmo tempo que confere poder ao Administrador para agir, obriga o seu exercício e veda-lhe a inércia. É que a inércia, mais do que produto da ineficiência, atinge, em última instância, a coletividade, real destinatária do poder.64.

O terceiro e último fator, por sua vez, compreende a valorização dos efeitos da sanção administrativa. A sanção, portanto, como forma de prevenir novas infrações. Por essa sistemática, quanto mais restritiva é a conduta do gestor, maior os efeitos simbólicos da penalidade, acreditando-se, com isso, que os administrados passariam a não mais infringir as normas administrativas com o temor da intensidade da repressão.

É, pois, esse cenário, de Administração autoritária, que impede o desenvolvimento dos instrumentos consensuais no Direito Administrativo Sancionador. É, então, por essa cultura de repressão que o art. 17, §1º, da Lei 8.429/92 previu, expressamente, a impossibilidade de qualquer acordo ou transação no âmbito das Ações de Improbidade.

O Direito Penal, historicamente, também seguiu essa cultura.

O sistema sancionador clássico era visto como um instrumento de força do Estado capaz de repreender as ações e energias daqueles que viessem a delinquir suas normas. Esse era o contexto do Código de Processo Penal de 1941, em sua forma original.

É que este código foi criado em meio a um perfil antidemocrático e policialesco65, com influências do sistema italiano fascista. Havia, pois, uma forte influência do sistema inquisitivo, o processo era muito mais burocrático e moroso, além de ver na prisão o método principal de repressão estatal.

De acordo com Bruno Lacerda Bezerra, a prisão surgiu como instrumento para atender a necessidades voltadas à vigilância, contenção e extração da força de trabalho de uma

63 PALMA, Juliana Bonarcosi de. Atuação Administrativa Consensual: Estudo dos acordos substitutivos no

processo administrativo sancionador. Dissertação de mestrado apresentada na Faculdade de Direito de São Paulo. Orientador Professor Doutor Floriano de Azevedo Marques Neto, Rio de Janeiro, 2009. p. 304.

64 FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27ª Edição. São Paulo: Editora Atlas S.A.,

2014. P. 46-47.

65 NUNES, Walter. Reforma Tópica do Processo Penal. 2ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. P. 24-25.

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categoria social tida por indesejável. A pena assumia apenas um caráter de punição, não almejando qualquer outro objetivo. 66

Contudo, com a Constituição de 1988, as esferas penal e processual sofreram reformas profundas em seus panoramas, abrindo portas para um modelo mais condizente com os valores sociais de um Estado Democrático de Direito67.

O poder punitivo estatal, então, passa a ser visto como instrumento de tutela dos direitos essenciais da pessoa humana, deixando de lado o perfil ditatorial e policialesco, com o intuito de se adaptar ao Estado Constitucional.

Assim, no processo penal, por exemplo, começa-se a adotar com mais afinco o sistema acusatório, em substituição ao sistema inquisitivo; passa a ver o processo de maneira mais simples, com menos burocracia, adotando-se o princípio da oralidade e concentração dos atos processuais; contempla os direitos de participação, audiência, bem como eleva o princípio da duração razoável do processo como forma de solucionar mais rapidamente o problema levado ao judiciário.

Ademais, esse modelo privilegia métodos processuais alternativos de combate ao crime (como o é a colaboração premiada, por exemplo), buscando na eficiência o fundamento de ação estatal.

Logo, se o próprio sistema penal, que é a ultima ratio do direito, flexibilizou-se, abrindo portas para soluções menos formais, mais qualitativas e possibilitando a participação mais ativa dos atores processuais – e da própria sociedade – com mais razão, ainda, deve o Direito Administrativo adaptar-se a essa nova realidade, seja em qualquer atividade que for atuar.

Nesse sentido, os métodos consensuais de conflito não podem ser vistos como instrumento de abrandamento da atuação estatal. Pelo contrário, eles devem servir para garantir uma atividade mais eficiente, pautada na concretização dos seus fins públicos.

Ademais, no Direito Administrativo Sancionatório Moderno, a sanção não se caracteriza como o único meio para consecução dos fins públicos. Pelo contrário, a penalidade deve ter caráter instrumental, deve servir como última ratio, a fim de evitar o descumprimento

66 FERNANDES, Bruno Lacerda Bezerra.Direitos fundamentais como limites ao dever-poder de punir do

estado: um novo paradigma na execução penal brasileira. Dissertação apresentada no programa de Mestrado da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-Graduação em Direito. Natal/RN: 2016. P. 55.

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de obrigação administrativa. Logo, havendo alternativas mais rápidas e céleres para se atingir o fim almejado, deve-se optar, primeiro, por elas. 68

E é aí que entra o Acordo de Leniência na esfera administrativa. Inicialmente previsto na Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 12.529/2011)69, o Acordo de Leniência veio como instrumento de ajuste cooperativo nos processos administrativos sancionadores. A sua aplicação era restrita às infrações contra a ordem econômica e cabia ao CADE negociar os acordos com os particulares.70.

Todavia, com as ondas de corrupção e as convulsões sociais crescentes, principalmente na última década, foi criada a Lei Anticorrupção, em 2013, que previu expressamente o supramencionado acordo, permitindo a negociação processual entre a pessoa jurídica infratora e o Estado, a fim de desvendar o complexo de ilícitos administrativos e todos os seus envolvidos.

Esse acordo de leniência, como instrumento de combate à corrupção, possui íntima ligação com as colaborações premiadas no âmbito do direito penal, razão pela qual vem ganhando destaque no cenário jurídico, exigindo dos doutrinadores um estudo mais aprofundado sobre sua natureza jurídica e a sua aplicabilidade no Direito Administrativo como um todo.

68 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. FREITAS, Rafael Véras de. A Juridicidade da Lei Anticorrupção

– Reflexões e interpretações prospectivas. Fórum Administrativo: FA, Belo Horizonte, v. 14, n. 156, p. 9-20, fev. 2014. Disponível em: < http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/72681 >, no dia 04 de dezembro de 2017. P. 15.

69 Dispõe o art. 86 da Lei 12.429/2011: Art. 86. O Cade, por intermédio da Superintendência-Geral, poderá

celebrar acordo de leniência, com a extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de 1 (um) a 2/3 (dois terços) da penalidade aplicável, nos termos deste artigo, com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem econômica, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que dessa colaboração resulte: I - a identificação dos demais envolvidos na infração; e II - a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação.

70

MARRARA, Thiago. Acordos de leniência no processo administrativo brasileiro: modalidades, regime jurídico e problemas emergentes. São Paulo: Revista Digital de Direito Administrativo, 2015. Disponível em: < http://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/99195 > no dia 04 de dezembro de 2017. P. 520.

(28)

3. O ACORDO DE LENIÊNCIA NO DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO

3.1. O ACORDO DE LENIÊNCIA NO DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO

Por Acordo de Leniência entende-se como o ajuste firmado entre o Estado e o particular infrator, no qual o primeiro recebe do segundo colaboração probatória determinante para desmantelar uma conduta infratora em troca de suavização ou mesmo extinção da sua pena71.

Esse instrumento, próprio do Direito Administrativo, possui as mesmas bases conceituais da colaboração premiada, instituto do Direito Penal.

Desta feita, faz-se necessário tecer considerações sobre o instituto da Colaboração Premiada a fim de que se entenda a natureza jurídica do Acordo de Leniência e como o Direito Administrativo pode melhor utilizá-lo.

De acordo com Cibele Benevides72, a Colaboração Premiada é uma técnica de investigação especial que tem por finalidade estimular a delação do autor ou partícipe do crime com relação aos demais, em troca de imunidade ou redução da pena.

Para o autor Walter Nunes, essa colaboração poderia ser enquadrada, em muitos casos, como hipótese de perdão judicial, em qualquer crime, desde que preenchidos os seguintes requisitos: a) identificação dos demais co-autores; b) localização da vítima com sua integridade preservada; c) recuperação total ou parcial do produto do crime; d)

circunstâncias favoráveis do delator73.

Aludida Colaboração, no Direito Penal e Processual Penal Brasileiro, foi sendo incorporada aos poucos. Num primeiro momento, o Código Penal, em seu art. 65, III, incentivou, apenas, a confissão espontânea, atenuando a pena do acusado caso este prestasse esclarecimentos sobre a sua participação no crime. Aqui, seria dispensável a revelação de participação de outrem na infração. Confessando sua conduta, o agente seria beneficiado74.

Posteriormente, o legislador previu, no art. 6º da Lei 9.034/95, a redução de um a dois terços da pena, no caso do acusado levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria, no caso de organizações criminosas. Percebe-se que, nesse caso, a colaboração já possuía o

71 MARRARA, Thiago. Acordos de leniência no processo administrativo brasileiro: modalidades, regime

jurídico e problemas emergentes. São Paulo: Revista Digital de Direito Administrativo, 2015. Disponível em: < http://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/99195 > no dia 04 de dezembro de 2017.P. 512-513.

72 FONSECA. Cibele Benevides Guedes. Colaboração premiada. Belo Horizonte: Del Rey, 2017. p. 86. 73

SILVA JÚNIOR. Walter Nunes. Curso de Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 764.

Referências

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