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A LIBERDADE RELIGIOSA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988: ASPECTOS TRIBUTÁRIOS E SOCIAIS.

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RVMD, Brasília, V. 11, nº 1, p. 409-428, Jul-Dez. 2017

A LIBERDADE RELIGIOSA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988:

ASPECTOS TRIBUTÁRIOS E SOCIAIS.

RELIGIOUS FREEDOM IN THE CONSTITUTION OF 1988: TAX AND

SOCIAL ASPECTS.

Eduardo Silva Luz*1

Resumo

Este trabalho tem como principal missão investigar a evolução do tratamento constitucional despendido a liberdade religiosa. Percorrer-se-á um caminho de análise a partir do texto de 1824 até chegar-se a Constituição de 1988, nesse ponto será empregada a maior quantidade de esforços a fim de analisarmos essa expressão como direito fundamental. Será abordado ainda alguns aspectos polêmicos desse tema fazendo uso de uma imensa quantidade de ensinamentos doutrinários e de jurisprudência nessa matéria. Não se busca com esse artigo realizar a defesa de qualquer instituição religiosa, em razão de que aplicamos a expressão liberdade religiosa em sua acepção mais ampla. Ao final desse trabalho buscar-se-á entender a correlação desse direito fundamental com a imunidade tributária conferida pela Constituição aos templos religiosos de qualquer natureza, estabelecendo quais os seus requisitos e limitações. Trabalharemos ainda acerca da atuação das entidades religiosas no terceiro setor, como forma de contraprestação pela imunidade estabelecida pelo Estado.

Palavras-Chaves: Liberdade Religiosa, Direito Fundamental, Imunidade e Terceiro Setor.

Abstract

This work has as main mission to investigate the evolution of the constitutional treatment of religious freedom. We will go through a path of analysis from the text of 1824 until the Constitution of 1988, in which point we will use the greatest amount of effort to analyze this expression as a fundamental right. It will also address some controversial aspects of this subject making use of an immense amount of doctrinal teachings and jurisprudence in this matter. This article does not seek to defend any religious institution, because we apply the term religious freedom in its broadest sense. At the end of this work we will try to understand the correlation of this fundamental right with the tax immunity conferred by the Constitution to religious temples of any nature, establishing their requirements and limitations. We will

1 Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília, Bolsista pela Coordenação de Aperfeiçoamento de

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also work on the performance of religious entities in the third sector, as a form of compensation for the immunity established by the State.

Keywords: Religious Freedom, Fundamental Law, Immunity and the Third Sector.

Introdução

A liberdade religiosa muito mais que um direito fundamental, consubstancia o princípio da separação do Estado da Igreja. O respeito e princípio da não intromissão ou interferência do Estado e de seu ordenamento jurídico na religião.

A Constituição Federal de 1988 consagrou diversos direitos e garantias fundamentais, dentre estes se encontra a inviolabilidade do direito à liberdade de crença e consciência, previsto no artigo 5º, VI, do texto do constitucional. Ademais, além de estabelecer o fim, a constituição estabeleceu meios para realização deste.

Como exemplo destes meios de efetivação da liberdade religiosa tem-se a Imunidade Tributária aos “templos de qualquer culto”, que se trata de uma desoneração do pagamento de impostos a fim de evitar quaisquer embaraços que estes possam causar no exercício desse direito individual. Consiste na premissa “the power to tax involves the power to destroy” de modo que a referida imunidade destina-se a proteção de um direito e garantia fundamental, devendo ser interpretada à luz de sua ratio essendi (CARRAZZA, 2015, p. 35). É de bom alvitre salientar inicialmente que embora a liberdade religiosa possa aparentar ser um tema bastante simples, trata-se na verdade de questão bastante complexa e ampla, de tal forma que apresenta inúmeros aspectos e vários pontos controversos que não possuem uma única solução possível ou correta. Assim, dentre os diversos aspectos que se poderia abordar nesse artigo, escolhe-se tratar dos aspectos tributários e sociais que estão conectados à liberdade religiosa.

Como é a práxis em trabalhos jurídicos, iniciaremos definindo o nosso objeto de estudo, ou seja, conceituando a expressão liberdade religiosa. Posteriormente se fará uma retrospectiva histórica do tratamento constitucional desse direito nas Constituições anteriores a 1988, e por fim analisaremos o tratamento atual dispendido a este direito fundamental.

Após essas digressões, será tratado especificamente do aspecto tributário concernente a liberdade religiosa. Abordar-se-á o alcance e os limites da imunidade dos “templos de qualquer culto”. Apesar de já haver uma vasta bibliografia sobre esse tema, o estudo permanece atual e relevante em função de sua importância e indefinição de diversas

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matérias relativas à imunidade nesse caso, que se encontra constantemente sofrendo alteração jurisprudencial.

No tópico seguinte trataremos do aspecto social da liberdade religiosa. Concentrando-se brevemente a trabalharmos sobre a atuação das organizações religiosas no terceiro setor estabelecendo parcerias com o setor público, a fim de realizar serviços que inicialmente seriam prerrogativas do ente estatal.

Nesse contexto para cumprir os objetivos estabelecidos nesse trabalho de explorar os aspectos tributários e sociais da liberdade religiosa, far-se-á uso do método dedutivo, de forma a permitir a interpretação sistemática das normas jurídicas em conjunto com a doutrina majoritária e minoritária sobre o tema em estudo.

Ademais, não trata-se de missão deste trabalho acadêmico em nenhuma hipótese, realizar a defesa de determinada entidade religiosa face à outra. Ao contrário levando em consideração o próprio texto constitucional que preconiza liberdade religiosa e a defesa do Estado Laico em nosso país, os objetivos anteriormente definidos tem como única e exclusiva finalidade realizarem uma abordagem crítica e acadêmica sobre tal direito fundamental.

1. Conceitos fundamentais da liberdade religiosa

A definição de liberdade religiosa e religião não pode ser algo restritivo, devendo assim ser o mais aberto possível. Dessa forma, não se poderia excluir aprioristicamente esta ou aquela manifestação religiosa da proteção constitucional, não podendo assim ter caráter discriminatório, característica não desejável a um Estado que se apresenta como Democrático de Direito.

No século XIX, o que entendia-se como religião estava ligado intimamente à um caráter teísta. Conectado assim de forma restritiva em termos ocidentais com os temas de divindade, moralidade e adoração à um Deus em específico. Já no século XX, o conceito de religião se tornou uma ideia muito mais pluralista, principalmente com o reconhecimento da existência de mais 250 de grandes organizações religiosas (TRIBE, 1988, p. 1179-1181).

Com essa virada de entendimento mais pluralista do século XX, temos como exemplo paradigmático o caso Thomas v. Review Board decidido pela Suprema Corte dos Estados Unidos. Neste leading case buscava-se definir se seria possível determinar critérios objetivos sobre o que é crença ou prática religiosa. A decisão final nas palavras do Chief Justice Burger foi no sentido que não caberia ao judiciário ou a percepção judicial de critérios

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do que levaria a ser uma crença ou prática religiosa, dessa forma, as convicções religiosas não precisam ser aceitáveis, lógicas, coerentes ou compreensíveis para os outros.

No Brasil principalmente com o texto constitucional de 1988 a religião é entendida como a crença ou manifestação desta no poder divino ou sobrenatural. Baseia-se unicamente na fé, ainda que haja utilização de conceitos científicos em sua doutrina. Ressalta-se ainda que para caracterização como religião não será necessária uma organização sistemática ou estrutura hierárquica, e ainda a existência ou vinculação a um determinado líder, como no caso da Igreja Católica. Esta prescindibilidade justifica a proteção constitucional para as diversas crenças como o candomblé, o espiritismo, o islamismo, o budismo, dentre outras (TERAOKA, 2011, p. 45).

Contudo, ainda que reconheça-se que o termo religião deve ser interpretado de forma ampliada a fim de abarcar todo o tipo de manifestação espiritual, este não pode ser confundido com ideologia, crenças políticas ou outro tipo de manifestação intelectual. A religião deve estar intimamente conectada a ideia de sobrenatural e fé. Nesse diapasão quando a Constituição da República estabelece a liberdade de crença e estabelece imunidade aos templos e mesmo assistência religiosa aos militares, está restrita aos vocábulos religião, templo, ensino e assistência religiosos, não abarcando outro tipo de crença filosófica ou ideológica.

Afirmou-se inicialmente que o conceito de religião é algo amplo e fluído e dessa forma não se sujeitaria ao controle por órgãos estatais. Entretanto no direito comparado é possível encontrar jurisprudência que admite o controle da “sinceridade” religiosa. Esta seria a possibilidade de uma pessoa alegar uma crença religiosa para objetar uma prestação de serviço obrigatório, a exemplo de uma prestação de serviço militar (BROWNSTEIN, 1991, p. 25).

Existem diversas decisões do Tribunal Constitucional de Portugal que buscam estabelecer critérios acerca da sinceridade religiosa. O mesmo tribunal já decidiu que a lei pode estabelecer requisitos para viabilidade da objeção de consciência com a finalidade de evitar sua banalização e ainda certificar-se acerca sinceridade alegada pelo objetor.2 Em outra decisão o tribunal afirmou que para o direito de escusa de consciência ou sinceridade religiosa

2 Tribunal Constitucional de Portugal. 2ª Seção, Acordão 5/96, Processo 534/94, Relator Bravo Serra.

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poder ser alegado, o mesmo deve passar por um procedimento administrativo, a fim de d verificar o cumprimento dos requisitos estabelecidos em lei.3

Neste mesmo diapasão a Suprema Corte da Nação Argentina já decidiu que “o reconhecimento do direito de ser excluído do serviço de armas (militar) por objeções de consciência terá que ser resultado de uma acabada análise e escrutínio dos ditos motivos; quem o invoque deverá fazê-lo com sinceridade e demonstrar que a obrigação de se armar produz sério conflito com suas crenças religiosas ou éticas contrárias a todo enfrentamento armado” (ARGENTINA, 1989).

Então esse é o único parâmetro de controle que encontramos na jurisprudência comparada acerca da liberdade religiosa e do conceito de religião. Restringindo-se a analisar a sinceridade e a boa-fé de quem opõe a sua liberdade religiosa para a realização de alguma prestação obrigatória.

O principal dispositivo de constitucional que regula a liberdade de crença ou liberdade religiosa é o artigo 5º, inciso VI, da Constituição de 1988, “ é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”(BRASIL, 1988).

Da inteligência do referido artigo é possível fazer duas distinções básicas que o dispositivo apresenta. Sendo a liberdade de consciência e liberdade de crença. Se interpretamos de maneira holística poder-se-ia confundir consciência e entender que esse abrange o termo crença. Entretanto, em um sentido mais estrito, os conceitos são diferentes, em razão de que consciência pode determinar-se em não ter crença alguma (BASTOS, 2010, p.190).

Neste mesmo sentido Jorge Miranda (2000, p.172), Gilmar Mendes (2008, p.412) dissertam que a liberdade de consciência é mais ampla que a liberdade de ter ou não ter religião não se esgotando neste aspecto, compreendendo ainda a liberdade de convicções de natureza filosóficas e não religiosas, sendo por definição uma questão de foro individual ao contrário da liberdade de crença que possuí marcadamente uma dimensão social.

Em termos jurídicos, a liberdade de consciência retrata a faculdade do indivíduo de formular ideias a respeito de si mesmo e do mundo que o cerca. Enquanto que a liberdade de crença trata-se de um aspecto ligado à liberdade religiosa, e no entendimento deste trabalho está intimamente conectada a ideia de religião e religiosidade.

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Interessante notar que a Constituição Federal não consagra expressamente o termo “liberdade religiosa” que acaba sendo tutelada de forma reflexa pelos conceitos de liberdade de consciência e de crença. Percebemos isso pelo fato de que o próprio conceito de crença é muito mais amplo que a ideia de crença religiosa, no caso pode-se vislumbrar a existência de crenças ideológicas, políticas, filosóficas, etc.

Contudo, a doutrina majoritária constitucionalista tem preferido relacionr o direito de crença ao aspecto interior ou interno da liberdade religiosa (BASTOS, 2010, p. 191; RIBEIRO, 2002, p. 34; SILVA, 2001, p. 251). Seguindo esse entendimento a liberdade de crença interliga-se com a religião seja para concordar com ela ou mesmo para nega-la ao escolher o ateísmo, é nesse sentido que falamos em liberdade religiosa.

Expressasse ainda que a liberdade de crença é protegida tanto em seu aspecto externo e interno, compreendendo assim a liberdade culto. Embora essa afirmação possa parecer óbvia ressalta-se que durante a vigência da Constituição de 1824, embora houvesse a liberdade de crença, não havia o direito ao culto as religiões não católicas. O culto é a manifestação externa da crença, em reuniões públicas, sendo assim direito inerente a liberdade religiosa que não se limita ao âmbito particular ou individual.

2. Liberdade religiosa no Brasil

De início deve-se frisar que assim como toda a construção jurídica no Brasil e em outros Estados, a liberdade religiosa não foi algo já posto de maneira inquestionável e absoluto, pelo contrário se deu a partir de uma construção histórico-social. Cabe destacar que durante o período do Brasil Colonial (1500-1822), seguia-se indiscutivelmente as normas da metrópole e mesmo sua religião. Dessa forma, a religião oficial nas terras brasileiras deveria ser a mesma de Portugal, que ao momento tratava-se da religião Católica Apostólica Romana. Dessa maneira durante esse período histórico nacional vivenciou-se inúmeras perseguições religiosas a aqueles que não professavam da crença oficial (TERAOKA, 2010, p.25).

Entretanto ainda no período colonial o direito a liberdade religiosa começou a dar seus primeiros passos. Esse fato ocorre principalmente com a vinda da Coroa Portuguesa para o Brasil e a consequente abertura dos portos para o comércio com as diversas nações. Nesse sentido, Cláudio Araújo da Silva escreve:

No mês de Janeiro de 1808 com a chegada da família real ao Brasil, antes mesmo da primeira carta constitucional (1824), foi decretado pelo Príncipe Regente João a abertura dos portos às nações amigas e em Novembro do mesmo ano, um novo decreto concedeu amplos privilégios a imigrantes de qualquer nacionalidade ou religião. (SILVA, 2011, p. 23)

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Assim percebe-se que mesmo antes da outorga da Constituição de 1824, houve um avanço no direito a liberdade religiosa. Entretanto, esse início esteve muito mais conectado a questões de abertura comercial. Seja por pressão da Inglaterra ou mesmo pela vinda de imigrantes em conjunto com os portugueses que fugiam das guerras napoleônicas.

2.1 A Constituição de 1824

Esse texto constitucional outorgado por Dom Pedro I oficializando o Império Brasileiro, já trazia em seu preâmbulo a expressão de que este havia sido feito e outorgado em nome da Santíssima Trindade (BRASIL, 1824). Embora, fosse garantido e autorizado a realização dos diversos credos, estes deveriam ocorrer de forma doméstica, restrito ao ambiente familiar (RAMOS, 1987, p. 200).

Dessa forma o texto constitucional de 1824 estabelecia que a religião oficial do Império era a religião Católica Apostólica Romana. Esta imposição possuía efeitos políticos bastante pragmáticos. Com esta oficialização só poderiam ingressar na carreira política como Deputados, Conselheiros e entre outros cargos, aqueles que professassem a religião católica. Com isso a religião católica correspondia efetivamente a uma condição sine qua non para o exercício de direitos políticos (SARMENTO, 2004, p. 120).

2.2 A Constituição de 1891

Com a proclamação da república em 1889, no ano seguinte será oficializado a separação total entre Igreja Católica e o Estado brasileiro bem como a efetivação da plena liberdade de culto. Esta oficialização se dará por meio do Decreto n; 119-A editado pelo governo provisório de Deodoro da Fonseca. O presente Decreto em seu artigo 2º garantia que todas as confissões religiosas tinham faculdade de exercer seu culto e regerem-se sem a interferência do Estado ou de particulares (BRASIL, 1890).

No mesmo sentido do Decreto 119-A de 1890, a Constituição da República promulgada um ano depois, em seu artigo 72 parágrafo terceiro, afirmava que “todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições comuns” (BRASIL, 1891). Assim o texto de 1891 cuidou de separar a Igreja Católica do Estado, bem como tentou impedir que essa causasse qualquer embaraço para o exercício dos demais cultos religiosos. Importante ressaltar que no preâmbulo daquela Carta, não havia qualquer referência a Deus ou a Santíssima Trindade como no caso da anterior.

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2.3 A Constituição de 1934

Esse texto constitucional trouxe poucas alterações quanto ao direito de liberdade religiosa garantida pela Carta anterior. Mas, ao contrário em seu preâmbulo fazia referência a Deus. Trouxe ainda expressamente que não era permitida a União e os Estados estabelecessem ou subvencionassem o exercício de cultos religiosos (JORGE; NETO, 2008, p. 45).

A Constituição de 1934 trouxe ainda a previsão de que poderia haver a assistência religiosa em expedições militares, entretanto, nessas explorações os sacerdotes somente poderiam prestar amparo aos brasileiros natos. Outra inovação foi o fato que tornou-se facultativo a previsão de educação religiosa facultativa (BRASIL, 1934).

2.4 A Constituição de 1937

A Carta constitucional do Estado Novo Varguista de 1937, manteve praticamente todas as disposições quanto a liberdade religiosa. As alterações mais significativas se deu com a retirada da palavra “Deus” do preâmbulo. E acrescentou os Municípios na disposição que tratava acerca da proibição de causar embaraços ou mesmo subvencionar o exercício de cultos religiosos (NETO, 2007, p. 34).

Nessa Constituição as disposições referente a liberdade religiosa estavam dispostas no artigo 122, § 4° que prescrevia, “todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum, as exigências da ordem pública e dos bons costumes” (BRASIL, 1934). Essa disposição final do texto constitucional trazia alguns embaraços para as religiões de matriz africana e mesmo indígenas que por vezes eram consideradas contrárias aos bons costumes.

2.5 A Constituição de 1946

Essa Constituição manteve praticamente todas as disposições dos textos anteriores. Entretanto, foi a primeira a conceder imunidade tributária aos tributos para os templos de qualquer religião, desde que as rendas do culto ou confissão religiosa fossem empregadas integralmente e aplicadas no Brasil para a consecução dos respectivos fins religiosos (BRASIL, 1934).

Ademais, além da previsão da imunidade tributária, Manoel Jorge e Silva Neto apresentam as seguintes inovações do texto constitucional de 1946:

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i)a recusa, por convicção religiosa, quanto ao cumprimento de obrigação a todos imposta não implicaria a perda de qualquer direito, exceto se o individuo se eximisse também de satisfazer obrigação alternativa prevista em lei, e por outro lado; ii) direito a prestação religiosa nos estabelecimentos de internação coletiva, como os presídio (JORGE; NETO, 2008, p.55)

2.6 A Constituição de 1967 e a Emenda de 1969

Essa Constituição apesar de ser outorgada durante um regime autoritário de ditadura civil-militar garantia à liberdade religiosa, e vedava assim como anteriormente que os Municípios, Distrito Federal, Estados e União estabelecessem ou subvencionassem o exercício de cultos religiosos. O texto constitucional trouxe ainda a possibilidade cooperação entre Estado e organizações religiosas nas áreas de educação e assistência a hospitalar, abrindo espaço assim para atuação social dessas entidades. (BRASIL, 1967).

Cumpre registrar que a Constituição de 1967 acrescentou ainda o credo religioso nas disposições que assim como gênero, raça e trabalho (§ 1°, art. 153) vedavam o estabelecimento de desequiparações fortuitas no caso fundado em opção religiosa.

2.7 A Constituição de 1988

Apenas duas Constituições, 1891 e 1937, não invocaram o nome de Deus ou Santíssima Trindade, em seu preâmbulo. Assim o texto de 1988 seguirá o padrão majoritário das anteriores com a invocação de Deus pelo poder constituinte originário.

A Constituição de 1988 não consagra diretamente a expressão “liberdade religiosa”. Porém, em diversas passagens no corpo de seu texto faz referência a “culto”, “religião e “crença”. Assim, podemos considerar que estas três palavras são as formas como se constituem esse direito fundamental e sua amplitude no texto constitucional: a liberdade de crença, liberdade de culto e a liberdade de organização religiosa. Nesse sentido vale citar José Afonso da Silva:

Na liberdade de crença entra a liberdade de escolha da religião, a liberdade de aderir a qualquer seita religiosa, a liberdade (ou o direito) de mudar de religião, mas também compreende a liberdade de não aderir à religião alguma, assim como a liberdade de descrença, a liberdade de ser ateu e de exprimir o agnosticismo.

Em uma análise sistémica e estrutural do texto constitucional, a primeira menção ao tema está contido no artigo 5º, VI, que dispões “ser inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” (BRASIL, 1988).

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Destoando das anteriores, a Constituição de 1988 não condiciona o exercício do direito a liberdade religiosa ao fato de não ser “contrário à ordem pública e aos bons costumes.” Não impondo nenhum requisito ou condição que vise causar objeções ao exercício dessa liberdade individual.

Segundo o artigo 5º, VIII, tem-se a previsão de assistência religiosa aos militares e nas entidades de internação coletiva, essa disposição já estava contida em textos anteriores, entretanto limitava-se a assistência à condição de brasileiro nato ou naturalizado, na Carta de 1988 este requisito tratou-se de ser suprimido. Adotou-se ainda no atual texto constitucional assim como em 1946, a possibilidade de a lei prever a “escusa de consciência” consistente na impossibilidade de alguém ser privado de seus direitos por motivos de crença religiosa ou convicção político-ideológica ou filosófica, exceto no caso de as invocar para objetar o cumprimento de obrigação legal a todos impostas e recusar-se de cumprir prestação alternativa.

Seguindo uma tradição iniciada em 1891, a Constituição de 1988, vedou a possibilidade de o Estado estabelecer, subvencionar ou embaraçar o funcionamento de cultos religiosos ou igrejas. Sendo contato possível o trabalho conjunto e cooperativo no caso de interesse público, o que justifica diversas organizações religiosas começaram a atuar socialmente, integrando um grupo denominado de terceiro setor. É previsto ainda constitucionalmente no artigo 210, a possibilidade de matrícula facultativa em matérias de ensino religioso nas escolas públicas. Possibilitou-se ainda que os casamentos religiosos tivessem efeitos civis no artigo 226, parágrafo segundo.

Garantiu ainda a Constituição imunidade tributária aos templos de qualquer culto no tocante aos impostos, esse tema é um dos focos do trabalho, e que será bastante desenvolvido em um tópico seguinte, já que trata-se de uma consequência direta do direito fundamental a liberdade religiosa.

3. Aspectos tributários da liberdade religiosa.

3.1 Natureza Jurídica da Imunidade Tributária

Em uma primeira análise a partir do vernáculo Imunidade, podemos precisar que essa advém do radical Imunitas, que significa exoneração de múnus, indicando dispensa de carga, de ônus, de obrigação e até mesmo de penalidade (PAULSEN, 2009, p. 235). Nesse

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sentido a imunidade seria uma forma de dispensa do pagamento do tributo decorrente de uma relação jurídica tributária entre contribuinte e Estado.

As imunidades tributárias encontram-se contidas na Constituição Federal, no capítulo “Das limitações do poder de tributar”. Dessa forma, tem-se entendido que esses institutos são formas de supressão da competência tributária da União, Estados, Distrito Federal e dos Municípios que não poderiam instituir ou cobrar tributos sobre as hipóteses ali elencadas. A competência tributária é fixada pelo texto constitucional, entretanto essa mesma Carta pode estabelecer exceções a obrigatoriedade de realizar o recolhimento de tributos.

Corrobora com o nosso entendimento de pensar as Imunidades como uma forma de supressão ou exceções constitucionais ao poder de tributar, Roque Carraza:

A imunidade tributária é um fenômeno constitucional. As normas constitucionais que, direta ou indiretamente, tratam do assunto fixam, por assim dizer, a incompetência das entidades tributantes para onerar, com exações, certas pessoas, seja em razão de sua natureza jurídica, seja porque coligadas a determinados fatos, bens e situações (CARRAZA, 2006, p. 682).

No mesmo sentido, mas com um entendimento diverso, Paulo de Barros Carvalho não entende as imunidades como uma forma de supressão da competência tributária, ao contrário as define de forma expressa como hipóteses de incompetência das pessoas políticas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) de criar regras instituidores de tributos que tendam a alcançar as situações previstas na Constituição (CARVALHO, p.179).

Assim entenderemos as imunidades nesse trabalho, como limitações constitucionais ao poder de tributar do Estado, que consagram regras de incompetência (ou supressão de competência tributária). Distinguindo-se assim dos benefícios fiscais como isenção, anistia ou remissão, em razão do status constitucional que possuem.

3.2 Imunidades dos templos de qualquer culto

Inicialmente é importante ressaltar que a Imunidade sobre os templos não trata-se de uma criação tupiniquim. Essa espécie de desoneração tributária estava presente desde o Império Romano no Código Teodosiano. Este trazia regras que desobrigavam a Igreja Católica de prestação de serviços obrigatórios ou mesmo de imposição de tributos, o descumprimento dessa regra impunha as mesmas penalidades dos crimes de sacrilégio (HILLGARTH, 2000, p. 64).

Os Estados Unidos também adotarão essa desoneração tributária, mas não como imunidade, e sim como isenção. Instituto que foi questionado na Suprema Corte no início dos

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anos 70. Grupos de contribuintes ateus alegavam que se tratava de um desrespeito a neutralidade estatal e tributária, e acabava por onerar ainda mais estas pessoas face às organizações religiosas. O caso foi chamado Walz v Tax Commission4, o entendimento nesse caso foi que não procedia a argumentação de violação ao princípio da neutralidade tributária, o Chief Justice Burger afirmou que a isenção de tributos não equivale a transferência de recursos públicos às organizações religiosas e nem como forma de onerar aqueles que não possuem nenhuma espécie de credo.

No Brasil a Constituição Federal no seu artigo 150, VI, “b”5, estabelece a

imunidade tributária sobre “templos de qualquer culto”. Entende-se que a finalidade primordial do Constituinte Originário ao colocar essa norma no corpo do texto constitucional fosse impedir que o Estado por meio da tributação causasse algum embaraço ou limitação à liberdade religiosa constituída como direito fundamental.

Embora essa disposição seja chamada de Imunidade “tributária”, é entendimento pacífico, que a Constituição desonerou apenas a instituição de impostos (CAMPOS, p. 52). Vale ressaltar que impostos é espécie do gênero tributo, sendo que este além do primeiro compreende também, taxas, contribuições sociais, empréstimos compulsórios e contribuições de melhoria. Assim, os templos de qualquer culto não possuem proteção quanto da incidência das demais espécies tributárias.

Outra questão encontra-se contido no §4º do dispositivo acima citado, a imunidade recairá exclusivamente sobre o patrimônio, renda e serviços. Dessa forma, a partir de uma interpretação sistemática, não são todos os impostos excluídos pela Constituição, mas apenas aqueles previstos no próprio parágrafo do artigo, que sejam Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU, Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores - IPVA, Imposto de Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ, Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN .

Assim, em razão do dispositivo constitucional não estariam excluídos da incidência operações de importação, exportação e circulação de mercadoria e transferência de patrimônio. Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho considera que os atos de aquisição de

4 Suprema Corte dos Estados Unidos, Walz v Tax Comission of City of New Yorfk, 397 U.S. 664 (1970). 5 Artigo 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à união, aos Estados, ao

Distrito Federal e aos Municípios: (...)

VI. instituir impostos sobre: (...)

b) tempos de qualquer culto. (...)

§ 4º. As vedações do inciso VI, alíneas b e c, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades nela mencionadas.

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propriedade pelas organizações religiosas também encontrar-se-iam protegidos pela imunidade, ao contrário dos atos de alienação de propriedade sob o qual deveria recair a instituição de impostos (SARAIVA FILHO, 1996, p. 63).

Realizado as observações acima acerca da Imunidade, cabe agora definirmos o significado da palavra “templo” para fins tributários. Trata-se de uma questão de absoluta importância pelo fato de que determinará a amplitude e os limites do objeto. Ressalta-se que não são necessariamente os templos, mas sim as organizações religiosas as detentoras dos templos a serem titulares da imunidade tributária prevista na Constituição decorrente diretamente da liberdade religiosa.

Esse fato decorre de que a relação jurídica obrigacional tributária não se dá entre Estado e o “templo”, mas sim entre Estado e as pessoas jurídicas em geral, no caso as organizações religiosas, este entendimento é relevante principalmente para definirmos na sequência a amplitude de tal imunidade.

Existem três interpretações possíveis para a amplitude da expressão “templos de qualquer culto” contido na constituição. São essas o templo-local, templo-conjunto de bens e atividades essenciais e templo-entidade. Entretanto em todas essas acepções deve-se ter em mente que a relação jurídico-tributária ocorre com pessoa e não coisas, ou seja organização religiosa e não templo como local físico (CAMPOS, p. 44-53).

A primeira intepretação da imunidade, templo-local, remete-nos ao local físico onde acontece o culto. Fundamenta-se nessa caso na análise literal da expressão presente no texto constitucional. O objeto da imunidade compreende exclusivamente ao local de realização da cerimônia religiosa.

A segunda interpretação, templo-conjunto de bens e atividades essenciais, é uma forma mais extensiva, mas limita a imunidade a aquelas práticas relacionadas essencialmente à prática religiosa. Esse é o entendimento seguido por Roque Carraza (2009, p. 719) e Hugo de Brito Machado (2006, p. 249-250). Dessa forma consideram-se abarcados pela imunidade, os templos e o conjunto de bens anexos (casas pastorais, seminário, convento, abadia, etc.) e as atividades que são desenvolvidas no templo (celebração de missas, cultos, realização de batismo). Nesse entendimento as rendas provenientes de aluguéis ou exploração de estacionamentos por não serem atividades essenciais ou conectadas as finalidades da prática religiosa deveriam ser tributadas.

A imunidade não se estende às rendas provenientes de alugueres de imóveis, da locação do salão de festas da paróquia, da venda de objetos sacros, da exploração comercial de estacionamentos, da venda de licores, etc., ainda

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que os rendimentos sejam assim obtidos em benefício do próprio culto (CARRAZA, 2009, p. 719).

A terceira interpretação, templo-entidade, a qual nos filiamos, é ainda mais ampla que a segunda. Neste caso considerar-se-ão imunes tanto os templos, atividades vinculadas a estes, e ainda a própria pessoa jurídica (organização religiosa), de forma integral em todas as suas atividades.

O próprio Supremo Tribunal Federal tem seguido essa linha interpretativa ao dar um sentido bastante amplo a imunidade dos “templos de qualquer culto”. A jurisprudência firmada neste tribunal é de que, “ a imunidade prevista no artigo 150, IV, ‘b’, da Constituição do Brasil, deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também o patrimônio, as rendas e os serviços relacionados com as atividades essenciais das entidades nela mencionadas.”6

Seguindo essa interpretação ampliativa o Supremo Tribunal Federal entende que há imunidade de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) aos prédios alugados que sejam de propriedade de organização religiosa.7 Em 2008 o STF seguindo a mesma linha de raciocínio reconheceu a imunidade tributária aos cemitérios pertencentes às organizações religiosas, equiparando aos “templos de qualquer culto”.8

Dessa forma, nos estritos termos dessa interpretação da Constituição, o limite dessa imunidade encontra-se conectada na destinação dos recursos obtidos pela organização religiosa para custeio de suas finalidades essenciais. Não limitada às atividades desenvolvidas religiosas ou não, para arrecadação dos recursos. Nesse sentido Hugo de Brito Machado (p.250) e Ives Gandra Martins (2010, p.79) afirmam que para ter direito a imunidade tributária prevista no texto constitucional, nenhum requisito pode a lei estabelece, bastando que se trate de culto religioso, a fim de não causar nenhum embaraço a liberdade religiosa.

4. Aspectos Sociais: Atuação no Terceiro Setor

Após ter analisado os aspectos tributários do direito a liberdade religiosa, especificamente a imunidade concedida pela Constituição Federal aos “templos de qualquer natureza”. Nesse tópico trataremos da atuação social das Organizações ou Entidades Religiosas, principalmente como membros atuantes do Terceiro Setor.

6 STF, 2ª Turma, AI-AgR nº 651138/RJ, Rel Min. Eros Grau, DJ 17/08/2007.

7 STF, Pleno, RE nº 325822/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, Rel p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, DJ 14/05/2004 8 STF, Pleno, RE nº 578562/BA, Rel. Min. Eros Grau, DJ 12/09/2008.

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Antes de esclarecermos como está se dando essa atuação das entidades religiosas no Terceiro Setor é de extrema relevância esclarecer alguns conceitos. Dessa forma identificamos que junto com o Estado (Primeiro Setor) e com o Mercado (Segundo Setor), existe um Terceiro Setor que seria responsável por mobilizar um grande volume de recursos humanos e materiais com a precípua finalidade de impulsionar iniciativas voltadas para o desenvolvimento social, nessa seara incluem-se as sociedades civis sem fins lucrativos, as associações civis, fundações de direito privado, organizações religiosas e todas entidades de interesse social.

O terceiro setor não se enquadra como pertencente à seara pública ou privada, porém guarda com estes uma relação simbiótica de cooperação. Esse fato decorre da conjugação de métodos de atuação de uma área ou de outra, dedicadas à consecução de objetivos sociais ou públicos. Nesse sentido José Eduardo Sabo Paes, em artigo publicado na Revista de Direito Internacional, Econômico e Tributário, conceitua o Terceiro Setor como:

Podemos, assim, conceituar o Terceiro Setor como o conjunto de organismos, organizações ou instituições sem fins lucrativos dotados de autonomia e administração própria que apresentam como função e objetivo principal atuar voluntariamente junto à sociedade civil visando ao seu aperfeiçoamento (SABO PAES, 2009, p. 10)

A antropóloga Ruth Cardoso, afirma que o conceito de “Terceiro Setor” demonstra “um espaço de participação e experimentação de novos modos de pensar e agir sobre a realidade social” (1997, p.5). Ademais, rompe com a dicotomia “Estado x Mercado”, abrindo um “novo” campo de atuação de um domínio que é público, mas não-estatal.

O movimento do Terceiro Setor tem início com uma força massiva no Brasil, principalmente na década de 90, quando as empresas iniciaram seus programas filantrópicos, buscando associar o investimento em ações sociais com retorno em imagem pública. Entretanto muito antes do setor privado descobrir essa forma de atuação, as organizações religiosas já atuavam nessa seara, principalmente por meio das Santas Casas (CARDOSO, 1997, p. 8).

Destaca-se que nos últimos anos verificou-se um estímulo ao aumento progressivo de grupos religiosos participando ativamente no Terceiro Setor, principalmente em causas sociais. Esse fato tem acarretado uma reavaliação das funções sociais da religião e uma ressignificação do papel do Estado no que se refere exclusivamente às políticas públicas. Joanildo Burity (1997) constatou uma alta incidência de iniciativas religiosas principalmente nas áreas de assistência social junto ao imenso contingente de pobres na população bem como

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uma presença massiva de motivações religiosas nos empreendimentos de ONGs. Segundo o autor essa participação ativa das organizações religiosas tem dado uma amplitude maior as suas funções, e um novo sentido a “religião” que deixa de atuar apenas no campo das convicções íntimas para atuar em um campo de direitos difusos e coletivos, e não se restringe mais a uma esfera institucional compreendida pela igreja em sentido físico do templo.

Essa atuação de forma cooperativa das Organizações Religiosas com o Estado é possível em decorrência do artigo 19, I da Constituição Federal, que embora determine que é vedado ao poder público estabelecer cultos religiosos ou igrejas ou mesmo subvenciona-las, permite ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público. Assim, a regra permanece a da neutralidade estatal e da inexistência da subvenção. Contudo a colaboração é possível decorrente de relevante interesse público não religioso a ser tutelado. E em um Estado de dimensões continentais como o Brasil, é impossível ou inviável que o aparelho estatal chegue a todos os lugares, sendo totalmente necessário e viável a celebração de acordos de cooperação sem que haja o privilégio de uma organização religiosa sobre a outra.

Neste cenário em que uma sociedade civil organizada e grupos sociais visam estimular uma auto-organização comunitária e coordenar os meios e os empreendimentos que proponham soluções para a omissão do Estado no campo social, lança-se mão de uso de um vocabulário de solidariedade, dádiva e voluntariado, que se redefine através de condições contemporâneas projetos de ampliação da cidadania e combate à exclusão. Assim as religiões ,ou melhor, as organizações religiosas tem ganhado espaço, através de distintas intervenções. Essa atuação se dá principalmente de forma bastante heterogênea, decorrente das múltiplas correntes teológicas de crenças religiosas com participação no campo da ação social.

Dessa forma, percebe-se que o direito a liberdade religiosa tem aspectos tanto tributário como sociais, e pela garantia de imunidades as organizações religiosas, tem se possibilitado e aberto uma porta para a atuação social de forma a garantir direitos sociais para todos independente de credo e que não tem um caráter proselitista.

5. Considerações Finais

Diante do que foi exposto neste trabalho percebe-se que a separação entre o poder político e o religioso se trata de algo bastante recente na história. A liberdade religiosa como compreendemos atualmente decorre da reforma protestante, com a consequente divisão do cristianismo europeu. Esta cisão fez com que o poder estatal não fosse capaz de controlar as

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diversas divisões e subdivisões cristãs. Dessa forma, para manter uma paz social os Estados consagraram a tolerância entre as religiões o que ocasionou em nosso entendimento moderno de liberdade religiosa.

No Brasil observamos que apenas com a Proclamação da República, com o Decreto n. 119-A, de 07 de janeiro de 1890, a liberdade religiosa foi reconhecida em nosso Estado. Posteriormente foi inscrito na Constituição de 1891, e em todos os textos constitucionais que se seguiram previam esse direito individual.

Embora devamos interpretar a liberdade religiosa como um direito amplo, duas vertentes se apresentam de formas proeminentes que, sejam o não estabelecimento de uma religião (trata-se da neutralidade estatal) e o livre exercício dos cultos religiosos. Esse direito fundamental garantido pela Constituição de 1988, termina por realizar uma influência sobre todos os ramos do Direito, por vezes indicando caminhos a serem tomados pelos intérpretes e legisladores.

No decorrer desse trabalho observou-se que na análise da liberdade religiosa, devem ser considerados diversos dispositivos constitucionais (dentre estes cita-se: artigos 5º, VI, VII e VIII; 19, I; 143, § 1º; 150, IV, “b”; 210, §1º; 226, § 2º) em conjunto com tratados e documentos internacionais que versem sobre a matéria e incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro.

Para os objetivos principais desse trabalho foram relevantes os dispositivos constitucionais que versassem sobre o aspecto tributário e de atuação social decorrente da liberdade religiosa.

No campo tributário tratamos especificamente da imunidade consagrada no artigo 150, IV, “b” da Constituição, que desonera da tributação de impostos os “templos de qualquer culto”. A ratio essendi desta imunidade não reside na ausência de capacidade contributiva, pelo contrário, consubstancia-se em uma proteção a liberdade de crença e culto, sendo que tal valor deve ser considerado para interpretar este instituto.

Quanto ao alcance da imunidade, é uníssono na jurisprudência o entendimento de que imunidades que protegem direitos e garantias fundamentais devem ser interpretadas de forma extensiva, buscando cumprir a vontade do constituinte ao positivar no texto constitucional o desembaraço tributário de tais entidades.

O aspecto social abordado por último nesse texto reside na percepção de uma nova função pelas organizações religiosas, que encontraram um novo campo de atuação em que podem realizar seu objetivo de ajudar ao próximo. A colaboração de interesse público

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compreende uma única exceção possível para mitigação da separação Estado e Religião. Esse trabalho consiste nos estabelecimento de parcerias com o setor público para a consecução de atividades fundamentais e necessárias para a sociedade, nesse ponto destacamos a atuação das entidades religiosas como membros ativos e participativos do terceiro setor, como fato decorrente da liberdade religiosa garantido no texto constitucional. Dessa forma, percebe-se que tal direito fundamental tem acepções bastante amplas, mas como todos os demais direitos, não deve ser interpretado de forma absoluta, sendo cabível em alguns casos restrições. Entretanto o tema estudado nesse trabalho não esgota todas as lições que se podem firmar da expressão “liberdade religiosa” direito e princípio fundamental para o Estado Democrático de Direito.

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