Controvérsias em matéria de aval
cambiário de título em branco
Oponibilidade da excepção de preenchimento abusivo
Efeitos da cessão de quotas sobre a vinculação
cambiária do cedente
Carolina Cunha
Professora Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
D
UPLA SUBSCRIÇÃO EM BRANCO
POR AVALISTA E AVALIZADO
•
Como defenderia o avalista-pai de um locatário
financeiro-avalizado a quem a sociedade de locação
financeira, portadora de uma livrança em branco por ele
emitida, executou para pagamento de 10.500 euros
quando, nos termos que resultam do acordo de
preenchimento, só estão em dívida pelo locatário 7.000
euros?
Posição de alguma
jurisprudência
•
Tendência para a aplicação do art. 17º LU
•
Dificuldades na identificação de relações imediatas entre
avalista e credor portador do título
•
Ao ponto de negarem a sua existência mesmo quando
avalista subscreveu acordo de preenchimento (critério da
sequência e não da ligação extracartular)
•
Mais grave: ignoram a solução legal decorrente da LU: a
subscrição em branco tem um regime especial no art.
10º (totalmente alheio ao conceito de relações imediatas)
Solução da Lei Uniforme:
art 10º
•
Art. 10º:“Se uma letra incompleta no momento de ser
passada tiver sido completada contrariamente aos
acordos realizados, não pode a inobservância desses
acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este
tiver adquirido a letra de má fé́ ou, adquirindo-a, tenha
cometido uma falta grave.
Estrutura da norma
•
O subscritor em branco suporta o risco do
preenchimento abusivo
•
A menos que haja má-fé ou falta grave do portador
Ónus da prova do
subscritor em branco
•
Prova de que o preenchimento é desconforme com a
vontade manifestada pelo subscritor
Interpretação da expressão “acordos realizados”: vontade de
preenchimento é sempre reconstituível (arts. 236º e 239º CCiv.)
se houve emissão voluntária
•
Prova de que o portador adquiriu o título de má-fé ou
cometendo falta grave
Conhecimento ou cognoscibilidade patente da vontade
manifestada
A simplicidade da prova quando o título não circula
Pode avalista invocar
desconformidade reportada ao acordo
de preenchimento celebrado entre
credor e avalizado?
•
Sim
•
Se também subscreveu o acordo de preenchimento:
a sua vontade foi expressamente manifestada (facilita a 1ª prova exigida)
o credor-portador estará certamente de má-fé (2ª prova)
•
Se não subscreveu o acordo de preenchimento:
Ainda assim podemos reconstruir objectivamente a suavontade de preenchimento - doutrina da impressão do destinatário
reforçada pelo art. 32ºI LU (1ª prova)
Haverá, pelo menos, cognoscibilidade patente (2ª prova)
Mas pode avalista em branco
manifestar vontade diferente da do
avalizado no que toca ao
preenchimento da letra?
•
Sim, em particular limitando a sua responsabilidade a
certo montante (art. 30ºI LU)
•
A questão é a cognoscibilidade dessa manifestação de
vontade pelo portador (ou seja, sobretudo a 2ª prova)
•
Jurisprudência: o “caso da inscrição da limitação a
lápis”
Tipos de preenchimento abusivo e suas
consequências
•
Preenchimento injustificado
Afastamento da pretensão cambiária
Extinção total da execução (art 732º, 4, 1ª parte, CPCiv.)
•
Incorrecta configuração das menções:
Redução/reconfiguração da pretensão cambiária (art. 238º, 2,
CCiv. )
Extinção parcial da execução (art 732º, 4, 2ª parte, CPCiv.)
Efeitos da cessão de quotas sobre
as vinculações cambiárias em
branco
•
Como aconselharia o sócio de uma sociedade por quotas que
se prepara para ceder a sua participação social e que em
tempos avalizou uma livrança em branco emitida pela
sociedade “para garantia de quaisquer responsabilidades
contraídas ou a contrair perante o Banco”?
•
Como poderia o Banco defender-se (ex post e ex ante) perante
uma eventual “desresponsabilização” desse sócio?
•
A solução seria a mesma se a livrança garantisse o pagamento
das rendas de um contrato de locação financeira ainda em
vigor? Porquê?
Identificação dos casos em que deve ser
reconhecida uma faculdade de
desvinculação unilateral do acordo de
preenchimento ao sócio avalista
•
Só quando exista um aval omnibus válido
•
Não nos restantes casos
V.g., aval em branco sobre título que garante locação financeira ou mútuo simples
Aí tudo que o cedente pode fazer é regular a questão da responsabilidade no plano interno, com o cessionário
Mas permanece responsável perante o credor enquanto avalista
mesmo que já não seja sócio
Aval omnibus sobre título em branco:
condições de validade
• Terá de se justificar (tal como a fiança omnibus) à luz do princípio de
ordem pública de protecção que torna inadmissíveis as garantias de extensão inabarcável pelo garante
formulação típica: garantia de “todas e quaisquer dívidas, emergentes de
relações actuais ou a constituir no futuro” perante um certo credor
• Condições de admissibilidade:
Garante esteja em condições de controlar o fluxo de endividamento (sócio maioritário ou gerente)
Ou então aposição de um limite máximo à responsabilidade
• Controlo faz-se sobre o acordo de preenchimento e não, obviamente, do título depois de preenchido
Se for de reputar nulo, qualquer preenchimento será abusivo e permite afastar execução
Justificação da faculdade de
desvinculação do avalista omnibus
•
Pressupostos:
Indissociável ligação entre a qualidade de sócio e a prestação do aval
Seja inexigível que continue a garantir a devolução de
financiamentos societários cuja concessão não lhe foi dado
apreciar, controlar ou sequer conhecer e dos quais não
beneficiou minimamente
Mas, mesmo que se desvincule, responde sempre por dívidas constituídas até à sua saída da sociedade
Condições de exercício da faculdade de
desvinculação do avalista omnibus
•
Qualificação jurídica
Faculdade de resolução do acordo de preenchimento por justa causa
objectiva (ideia de inexigibilidade)
Não parece adequado ver aqui uma denúncia ad libitum
•
Modo de exercício
Declaração (de preferência, escrita) ao credor garantido/parte no
acordo de preenchimento
Produz efeito à data da sua recepção (art. 224º CCiv.)
Opera ex nunc
•
Consequências sobre eventual futura execução baseada no
título
Extinção total ou parcial contra aquele executado
Consoante abranja apenas dívidas posteriores ou também anteriores à desvinculação
[Auto]-tutela dos interesses do credor
•
Banco credor tem diversos expedientes ao seu dispor para
defender os seus interesses
•
Ex ante
Pode prever no formulário do acordo de preenchimento as
consequências de uma desvinculação
•
Ex post
(não esquecer que a perda de garantia apenas se projecta para o futuro) Reduzir o plafond da abertura de crédito
Exigir a prestação de garantia adicionais
Resolver o contrato
Alcance da fixação de jurisprudência
pelo AUJ STJ n.º 4/2013
•
AUJ (só) vem estabelecer a inadmissibilidade da
denúncia do aval pelo sócio-avalista que cede a sua
quota
•
Ora não há qualquer denúncia
O que há é resolução com justa causa
•
E não incide sobre o aval
A desvinculação é produzida em face do acordo de
preenchimento extracambiário (e não do negócio jurídico
unilateral cambiário)
À data da cessão da quota não existe sequer aval uma vez que não estamos perante um título completo (arts. 2º e 76º LU)
Bibliografia
• CUNHA, Carolina, Letras e livranças: paradigmas actuais e recompreensão de um regime,
Almedina, Coimbra, 2012
• CUNHA, Carolina, “Vinculação cambiária de sociedades: algumas questões”, Nos vinte
anos do Código das Sociedades Comerciais - Homenagem aos Prof. Doutores A. Ferrer Correia, Orlando de Carvalho e Vasco Lobo Xavier, vol. I, “Congresso Empresas e Sociedades” Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 361-393.
• CUNHA, Carolina, “Pluralidade de avalistas e direito de regresso” anotação ao Acórdão de
Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2012, de 5.6.2012, Cadernos de Direito Privado, n.º 40, Outubro/Dezembro 2012
• CUNHA, Carolina , “Cessão de quotas e aval: equívocos de uma uniformização de
jurisprudência”, Direito das Sociedades em Revista, ano 5, vol. 9, março 2013, pp. 91-114
• CUNHA, Carolina, “Nulidade do contrato garantido e aval em branco – anotação ao
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19 de Fevereiro de 2013”, Revista de
Legislação e de Jurisprudência, ano 143º, Setembro/Outubro 2013, n.º 3982, p. 53-80
• CUNHA, Carolina, Lições de letras e livranças (em curso de publicação)