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Vista do Hibridismo em um terno de São Benedito:

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Academic year: 2021

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Hibridismo em um terno de

São Benedito: reza e fé,

sof-rimento e esperança em um

moçambique de Lorena

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Considerações Teóricas

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Cultura - imaginário - religiosidade popular - catolicismo - devoção. Palavras-Chave

o artigo pretende interpretar as variações culturais presentes em um Grupo de Moçam-bique da Cidade de Lorena. Liderados por uma figura carismática, o grupo assume uma configuração fundada em um catolicismo tradicional urbano, porém, marcado pela pre-sença de uma série de elementos oriundos de um catolicismo tradicional rural. A presença dos elementos mais jovens garante uma tran-sitoriedade e um hibridismo cultural capaz de fazer o grupo resistir por muito tempo.

resumo

A relação do homem com o mundo é sempre mediada por suas ferramentas. Ele constrói, apreende e interpreta a realidade a partir dos instrumentos que lhe são fornecidos pela cultura. Tecelão quase compulsivo de si próprio, borda sem cessar teias de significados para dar sentido ao mundo (GEERTZ, 1989:15) Essas teias, onde se misturam pontos abertos e fechados, novos e antigos, e linhas de todas as cores, formam a cultura. É a partir desse véu da cultura, dessas lentes, que vemos então as coisas, os outros, e a nós mesmos.

Cada cultura, entretanto, teria seu par de lentes próprio, ou, no máximo, um certo número de lentes utilizáveis, um certo leque de possibilidades de formas de ver o mundo. As lentes de uma sociedade nunca são as mesmas de outra (BENEDICT, 1997:19). Ainda que tenham semelhanças, são encontradas certas nuanças e particularidades. O que pode ser considerado ponto comum entre todos os homens é a armação, a existência dos óculos em si. As lentes, sempre diferentes, vão variar em espessura, cor e formato.

Uma vez vendo os outros por detrás dessas lentes, e a partir de uma visão de mundo, há uma tendência em considerar nossa forma de ver e fazer as coisas como a mais correta, ou mesmo a única

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cor-reta. Tal postura etnocêntrica consiste em tomar o que é nosso como o verdadeiro, e o que é do outro (e o que é o outro) como digno de reprovação, dando assim aos nossos valores um suposto caráter de universalidade (TODOROV, 1993: 21).

Muito se tem falado sobre religião e religiosidade popular, prin-cipalmente quando o assunto é devoção. Vamos começar com uma afirmação, a de que quando crianças somos seres sonhadores devido a enorme gama de possibilidades que possuímos. O ser humano é poten-cialmente tudo o que se pode ser. Neste momento sempre imaginamos coisas fantásticas, desde que as amemos. Amar alguma coisa é sonhar com a possibilidade de um dia poder brincar com o fruto deste sonho. Não sei ao certo o que seria de nós se não possuíssemos esta capacidade de sonhar. Às vezes me pego sonhando com o mundo, a natureza, os seres humanos e imagino tudo bem diferente. Os psicanalistas que o digam. Não somos apenas o presente, somos possibilidade de futuro, apesar das contradições e astúcias das tramas do viver.

Imagine se o mundo fosse algo acabado. Imagine se não tivésse-mos a possibilidade de transformá-lo. Viveríativésse-mos presos em uma cela existencial onde nada teria sentido. Quando penso nisto, lembro da imagem de uma criança que acaba de ganhar um brinquedo (uma bola? Sei lá algo aberto às possibilidades de criação) e uma das condições para possui-lo fosse o direito de apenas olha-la. Que chatice, não iria querer possuir ser o ganhador deste presente de grego, por mais lindo que ele fosse. Acredito ser assim com a vida, um lindo presente, um brinquedo para nos divertir e criar a partir dele.

Não quero brincar com o meu presente lembrando apenas que um dia ele vai quebrar. Pelo contrário, quero vivê-lo e eternizá-lo em cada ato de brincar. Quero sorrir e amar a cada toque, canto ou criação qualquer que nossa relação possa permitir. Tenho de torná-lo eterno em todos os momentos possíveis.

Assim são as coisas a partir dos elementos religiosos. E se Feuerbach tiver razão, se formos de fato apenas criadores de mundos diferentes e eternos? Em que tudo muda? Acredito que em nada, posto que crer é um ato de fé. Cada pessoa é uma possibilidade criadora, um ser que olha para as coisas e não as vê, muitas vezes, como elas de fato são, vemos mais, vemos além delas mesmas. É preciso que as coisas tenham um sentido para nós para que possamos percebê-las de forma mais presente. Discutir a religião é discutir o sentido das coisas, o sentido que damos á realidade que nos cerca. Na verdade “todos os dias e na vida de sempre a religião-em-nós é uma teia de pequenas lembranças e vivências a respeito e às voltas com o inefável, o infinito...”2 Somos

criadores de símbolos e inventores de sentidos, seres capazes de não reproduzir o necessário mas criar o aparentemente desnecessário por

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necessidade proposta pessoal e cultural. Homens e mulheres simples ou não, sempre procuraram explicações para suas dores, mesmo que pequenas (dizem que dor não tem tamanho, é tudo dor, sua intensi-dade não importa; importa, isso sim, extirpa-la), para sua solidão e fundamentalmente, principalmente para as pessoas mais simples e carentes, para seus desamparos. É principalmente a partir destes fa-tos que invocamos os seres protetores, coadjuvantes ou não, de seus devotos e crentes.

Em Weber encontramos idéias que nos ajudam a compreender as ações humanas na sociedade e, especificamente, em nosso caso, o agir religioso. Segundo Weber, “a religião nasce da convicção de que as imagens religiosas do mundo exercem um papel fundamental na formação das sociedades, mediante a legitimação de comportamentos

tradicionais ou inovadoras”3. Neste sentido podemos perceber que os

aspectos religioso e social interagem-se. Para Weber, as concepções religiosas constituem-se o quadro de referência da ação social dos indivíduos e grupos, tanto em nível geral da existência, como em nível das motivações para os fins imediatos do agir; de fato, elas definem os critérios do bem e do mal, oferecendo esperanças e ameaçando

puni-ções, em base ao sentido transcendente.4 O que podemos afirmar é que

diferentemente de Durkheim, Weber não reduz a religião à sociedade, porém, como sociólogo, olha a religião numa perspectiva externa da reflexão da experiência social do sagrado. É justamente neste sentido que gostaria de assumir a visão de religião de um antropólogo ameri-cano chamado Clifford Geertz.

“... uma religião é: um sistema de símbolos que atua para estabelecer poderosas, penetrantes e duradou-ras disposições e motivações nos homens através da formulação de conceitos de uma ordem de existência geral e vestindo essas concepções com tal aura de fatualidade que as disposições e motivações parecem singularmente realistas.”5

Geertz acrescenta uma densidade maior ao papel interpretativo das ciências sociais, especificamente da antropologia sobre a questão religiosa e busca no elemento interpretativo uma mior visibilidade da representatividade do simbólico nas relações comuns dos seres humanos.

Nossos devotos incorporam, em sua forma de representar a reali-dade, elementos somente ganham sentido quando relacionados com as verdades e experiências extraídas do cotidiano. O Moçambique, que ora apresentamos é obra de homens e mulheres devotos de São Benedito

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que, em nome da fé que possuem em relação ao Santo, agradecem ao mesmo as graças alcançadas e a sua presença constante nos fatos que marcam a trajetória de suas vidas.

Os fatos relatados são de sofrimento e dor e, segundo os próprios devotos, somente São Benedito pode trazer um consolo ou transformar em conforto as dores sociais e pessoais que assolam a vida de cada um destes integrantes, que dançam em função da homenagem e divulga-ção do poder e atendivulga-ção deste Santo negro, e participante do cotidiano dessas pessoas simples e lutadoras. Segundo seu Joaquim Santana, a devoção ao santo se deve também à força de intercessão que o mesmo possui diante de Deus

“O Santo é uma imagem de barro que representa aquele... Aquilo ali, o santo, a imagem dele, agora o santo, como tem São Benedito... nós não precisamos chegar aqui e pedir pro santo, pro santo me dar para mim tal coisa, não, não, não. A gente pede para ele interceder a Deus né. Por que ele tem força, por que se ele se santificou ele tem força de chegar lá...” Nas explicações sobre o poder do santo, Seu Joaquim usa um exemplo cotidiano vivido por muitas pessoas – talvez ele mesmo tenha vivido - em um país marcado pelo desemprego e, muitas vezes pela velho “jeitinho brasileiro” (LEERS, 1785).

“Com São Benedito é assim, mas aí fica mais fácil por que eu tenho de ver aqui, se eu mandar um currículo para um firma para pedir emprego, às vezes o currículo tá mal, mas ele tem um cartucho né, ele tem lá um cartucho, “entra por aquela porta ali”. Um coitado que fez um currículo bem feitinho, que trabalhou em mais de quinhentas firmas é dispensado. ....um encarregado em uma firma que hoje é a furukawa né, uma pessoa ligava lá e tal e tal, um cartuchinho ali e sssss. Assim é o santo, o santo vê a nossa necessidade, ele vê por que ora se Deus não olhar por nós dificilmente o material aqui na terra é difícil, aí São Benedito ou qualquer outro santo intercede ao Pai: ‘Olha, aquele filho está precisando mesmo senhor daquela coisa.’”

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ex-plicar a questão religiosa falamos sobre essas coisas que ficam evidentes quando analisamos a fala (MONTENEGRO, 1992: 38) dos entrevistados com mais cautela: “...por que eu tenho de ver aqui...” Texto de seu Joaquim Santana para explicar a intermediação. O transcendente possui relações e as mesmas não podem ser pensadas fora de um esquema de relações humanas (GEERTZ,1989:143). O que acontece aqui, acontece lá e não pode ser diferente tendo em vista conhecer apenas o que vive-mos. Segundo seu Joaquim, “...o santo vê a nossa necessidade..” isso nos coloca em contato com a idéia de conforto para os problemas, isso nos acalma, nos tranqüiliza diante das dificuldades da vida cotidiana. Nossas carências são relatadas por Seu Joaquim quando ele afirma “ele vê por que ora se Deus não olhar por nós dificilmente... o material aqui na terra é difícil”. A fala se completa quando o mesmo anuncia a intercessão com certa intimidade entre o Santo que tem força (São Benedito) diante de Deus: “Olha, aquele filho está precisando mesmo senhor daquela coisa”. A intercessão é garantida e é por isso que se deve ao santo, porém, as coisas não acontecem segundo a vontade dos devotos:

“E não vem quando a gente quer não: “Olha São Benedito eu quero aquilo amanhã”, não é assim, não é assim, é a paciência, ai tem que bancar Jô, né tem que bancar Jô... a paciência... é assim o São Benedito. A gente, a gente dança, alegra, fica satisfeito, toma chuva, fica pingando, empurra carro no meio do barro, mas o coração tá firme. Não faz mal pra gente, não dá dor de cabeça, não da resfriado...”

Os valores vividos na devoção são os valores do dia-a-dia, da vida. Geertz afirma que “a religião nunca é apenas metafísica, são rodeadas por uma profunda seriedade moral em seus veículos e cultos; se pré possui um sentido de obrigação (implicação prática e não apenas emo-cional e/ou intelectual. Neste sentido, não é apenas moralmente ética; fundamenta as exigências da ação humana no contextos da existência6..

Os santos ou seres sobrenaturais educam e transmitem os valores do grupo. Daí a importância do elemento religioso na estruturação dos

costumes das pessoas e na ordenação do mundo social.7 Aqui podemos

lembrar a eficácia Durkheimiana que está no caráter coletivo (auxiliado pelo estado psicológico criado pelas reuniões e festas): “A postura de Durkheim leva ao debate dos limites do fato religioso... a definição da religião como coletiva e como expressiva do social leva, de modo apa-rentemente paradoxal, a privilegiar os critérios negativos de definição. Ela arrisca-se, com efeito, tanto a entender pelo termo religião uma

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realidade bastante vasta e com fronteiras consideravelmente esfumadas ...”8 Assim sendo, Durkheim afirma ser a religião um sistema de crenças

coletivas: “A religião é assim concebida como uma realidade coletiva e expressiva. Coletiva, estende-se ao conjunto de crenças que, por sua vez, ‘pressupõem uma classificação das coisas reais ou ideais que os homens representam, em duas classes ou em dois gêneros opostos, definidos geralmente por dois termos distintos - bastante bem traduzidos pelas

designações de profano e sagrado’.”9

Durkheim coloca a religião no campo da prática “sua principal função é suscitar atos”. Por detrás das crenças existem forças e os soci-ólogos devem demonstrá-las. Essas forças possuem duas características em relação ao crente: o domina (são superiores), mas ao mesmo tempo o sustenta, ou seja, fazem com que o crente participe delas (de sua superioridade). O afluxo de vida proposto pela religião vem de uma fonte superior ao indivíduo. A redução traz o fenômeno para o campo da natureza e, por isso, podem ser estudadas. Ao afirmar a natureza como ponto de partida do fenômeno religioso, Durkheim propõe um reducionismo ontológico. Por sua vez, o reducionismo histórico leva as forças religiosas (que impulsionam o homem; forças que possuem caráter dinamogênico) a serem oriundas do social: “Ora, na natureza, no mundo observável, as únicas forças que são superiores àquelas de que dispõe o indivíduo enquanto indivíduo são aquelas produzidas pela coalescência e a fusão de uma pluralidade de forças individuais numa mesma resultante: são as forças coletivas. As únicas consciências que estão acima da consciência do indivíduo são as consciências dos grupos... somente a sociedade pode exercer esta ação dinamogênica que caracteriza a religião”10

O postulado e a conclusão de Durkheim apontam para a perspec-tiva de que a divindade é a própria sociedade transfigurada. Embora reconhecendo a função religiosa, o sociocentrismo Durkheimiano chega ao extremo: “Posto que os deuses nada mais são do que ideais coletivos personificados, o enfraquecimento da fé testemunha que o próprio ideal coletivo se enfraquece; é inevitável que os povos morram quando os deuses morem, visto que os deuses nada mais são do que os povos pensados simbolicamente”. Assim sendo, a necessidade da religião está ligada à sua função orientadora da conduta moral do homem na sociedade. Mas este fato não deve ser único. Embora com perspectivas teóricas totalmente opostas e embora não trabalhe com uma redução sociocêntrica, Geertz fala de forma similar quando afirma que uma religião é um sistema de símbolos que atua para estabelecer

poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens... vestindo essas concepções com tal aura de fatualidade

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Aqui, percebemos um conceito que não se fecha em uma postura que privilegie a estrutura social e, por outro lado, trabalhe o simbólico de forma interpretativa porém, as motivações são centradas no sujeito – como em Weber, que parte da perspectiva da interpretação das ações. As coisas não acontecem agora, como eu quero, dou uma interpretação alternativa e revisto a mesma de uma fatualidade tal que realidade e fantasia se confundem e se fundem numa única realidade.

Sobre o Moçambique. Segundo Maynard, não sabemos muito a respeito das origens do Moçambique. É uma dança muito antiga, que pode ter sido praticada pelos Mouros na Península Ibérica. O canto é um louvor a São Benedito. Ainda segundo Maynard, da dificuldade de se delimitar as origens desta dança surge a “lenda” de que foi este santo quem inventou a dança com o objetivo de alegrar os devotos. Maynard descreve uma quadrinha recolhida no meio popular sobre tal afirmação:

“Esta dança é de São Benedito São Benedito foi quem dançou ele dançou e subiu pro céu hoje dançamos nós pecadores”.

Na verdade, o Moçambique é um bailado composto por várias danças com denominações religiosas (Escada de São Benedito, Estrela da Guia...). Os participantes usam bastões de madeira que manejam como espadas e com os quais, muitas vezes, fazem desenhos no chão, dançando sobre eles. O acompanhamento é feito com vários instru-mentos, de acordo com as possibilidades do grupo. O grupo que aqui mostramos se apresenta com instrumentos de percussão acompanhados por um acordeom.

O Vale do Paraíba é marcado pela presença de numerosos grupos de Moçambique (congadas), por conta de uma religiosidade tradicional onde a devoção por São Benedito é notória, nas festas feitas em ho-menagem ao mesmo nas cidades de Guaratinguetá e, principalmente, Aparecida. O caso de Aparecida ser mais evidente é explicado pela tradição religiosa da cidade que tem em Nossa Senhora Aparecida a grande figura de proteção do povo brasileiro – Padroeira do Brasil.

O grupo que apresentamos a vocês (Grupo de Moçambique da Vila Hepacaré – Lorena/SP) foi fundado e é coordenado pelo Sr. Alcides João da Cruz. Sua liderança é logo notada por sua voz de comando no grupo, fruto de um “acordo silencioso” existente entre os componentes do mesmo. Tradição e autoridade se encontram para garantir a preser-vação deste arranjo tradicional de fé e práticas fundadas na gratidão

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e, principalmente, na seriedade do trato com o Sagrado.

Devotos de São Benedito. A religiosidade de um povo não se mede apenas pelas presentes construções e edificações das grandes religiões e interpretá-las é ir além do imediatamente observável.11

Em suas raízes, a religiosidade popular carrega consigo elementos de tradição que a preservam diante das mudanças que toda sociedade enfrenta. Porém, uma coisa que me preocupa, pois se confronta com essas raízes, é o avanço da “modernidade”,12 geradora de urbanização.

Ela acaba afastando o homem da rural de seu meio e, muitas vezes, de sua cultura. Faz-se, portanto, mister o estudo desta religiosidade, que pode se perder no tempo com todo o seu universo simbólico dotado de importância para as raízes antropológicas de seu povo. Por mais que constatemos avanços no campo da modernidade, sempre encontrare-mos perspectivas de resistência dessas variadas formas de apresentação da religiosidade popular.

Conversando com muitos participantes deste grupo de Moçam-bique, percebemos a relação entre fé e vida existente nesta forma de expressar a devoção. Esta religiosidade é fruto de uma cultura “rural”, própria deste universo simbólico. Tal universo é marcado pelas práticas de auxílio mútuo, pelas atividades lúdico-religiosas.

Além disso, este universo simbólico é marcado, no campo religioso, pela presença fragmentada de elementos católicos aliados às crenças do Sagrado em sua perspectiva rural (presença marcante da natureza o que remete a explicações religiosas no relacionamento do homem com a mesma para fins de uma convivência harmônica). O universo católico popular se faz presente em um contexto lúdico, onde as festas são importantes. Seu Joaquim afirma sobre o gostar de participar e a relação com as graças da devoção: Eu adoro viu. E a gente não faz isso em vão não. A gente tem a recompensa viu. Tem a recompensa sim...

São Benedito é, para este grupo, o Santo que está presente nas dificuldades e na vida de cada um desses devotos. Um caso interessante relatado por Seu Alcides ocorreu em 1967, quando o grupo sofreu um acidente:

“... o caminhão tombou com nós numa serra (...) inclusive um morreu mesmo, né. (...) eu mesmo fui desenganado, o médico deu 12 (doze) dias de vida para mim, porque quebrei as costelas todas... Mas eu, com uma intenção muito forte, eu pensava que só Deus é que sabe da minha vida e eu tinha fé que São Benedito ia me levantar o mais rápido possível”.

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A grande maioria dos participantes do Moçambique que seu Al-cides coordena é devoto do Santo e o próprio seu AlAl-cides faz questão de frisar:

“Precisa ter vocação; se não tiver vocação não adianta, daí, pega mesmo...”. Acrescenta: “Da minha turma, todos eles já receberam bênçãos na congada. Por isso que eu digo: tem que ser pessoas humildes, sérias e levar aquilo ali com bastante respeito, bastante carinho que alcança...”

A idéia de proteção possui laços profundos no imaginário destes devotos. D. Tereza, esposa de Seu Joaquim Santana, relata um milagre marcado por sofrimento e emoção vivido pela mesma quando ainda nova. O milagre está ligado a uma antiga relação conjugal na qual São Benedito a protegeu contra as possíveis agressões de seu ex-companheiro. Vamos colocar a fala na íntegra para que se perceba uma relação existencial onde o racional e o emocional não se separam na realidade popular. Pode-se perceber também a presença do sofrimento e do desamparo que acaba gerando o amparo sobrenatural. Lembra a descrição de Geertz onde as concepções adquirem uma aura de fatu-alidade que gera motivações realistas:

“Agora tem uma coisa que você falou de milagre, que um milagre a gente não recebe na hora, que a gente tem que esperar amanhã ou depois, mas isso depen-dendo do assunto que a gente esta precisando. Por que eu recebi um milagre de São Benedito e eu já contei isso para várias pessoas e tem gente que não acredita... E eu casei nova, boba, sem saber nada e depois eu engravidei desse primeiro filho e engravidei de duas crianças. E o meu marido não aceitava entrar ninguém, e ele pegou, e naquele tempo a porta de casa não tinha tranca, não tinha nada, aí então a gente usava pregar um prego assim na porta de casa e saía e amarrava a porta como uma cordinha para o lado de fora, aí ele pegou e quando ele viu que eu estava sentindo mal mesmo de verdade, que eu não estava agüentando mais, aí ele pegou e saiu. Amarrou a porta pelo lado de fora e falou assim para mim: “ Se você der um gemido aí e alguma pessoa escutar e entrar por que você está gemendo, a hora que eu chegar aqui eu te mato!”. Pois eu me apeguei com São Benedito e ganhei essas duas

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crianças sozinha (lágrimas), ... o parto, eu não sabia nem como é que trocava uma fralda, nem como dava um banho e que eu nunca na minha vida tinha eu tinha tido um nené, eu fui a caçula da minha mãe, então eu, não fazia nada disso e fui criada na enxada também, não sabia como que mexia com nené, e eu ganhei os dois nené e sozinha eu mesmo cortei o umbigo, eu dei banho, eu fiz tudo...o nené para enrolar e eu não tinha pano, então nós dormia assim, um japonês que era patrão nosso...um japonês que era patrão nosso dava aqueles caixotes velhos prá gente quebrar pra lenha, não tinha fogão de gás era fogão á lenha né, aí eu colocava uma carreira de caixotes assim no meio do quarto e, forrava aqueles caixotes com pedaço de esteira e dormia ali, que nem porco.

E daí, e eu só tinha um pedaço de coberta só, não era uma coberta, era um pedaço só de coberta, não tinha uma cama... não tinha nada. Aí eu peguei aqueles dois nenezinhos, dei banho e coloquei os dois juntos naquele pedaço de coberta e pus em cima da esteira os caixotes e peguei o balde e fui buscar água em uma cacimba lá no fundo do quintal e... e eu fui lá peguei o balde de água, enchi o balde de água, tirei da cacimba, puxava uma corda pus pra dentro e não fazia uma hora que eu tinha ganhado nené. Mas tudo eu pedindo para o São Benedito. Desde que eu comecei a sofrer já me apeguei com São Benedito e todas as coisas pra mim era o São Benedito. E o São Benedito me ajudou, e eu fiz tudo, ele me ensinou a fazer e me acudiu eu na hora. Até parece que eu não sofri tanto. Agora... parece que aquilo passou tudo, como se fosse uma trovoada que veio forte mas acabou, por que aí depois que essas crianças estavam, por que aí, quando eles viram, os vizinhos viram que... escutou o choro do neném disse “A Dona Tereza ganhou neném”. Aí já saíram tudo correndo. Já ia tomar banho, aí a minha vizinha falou assim : “Ué, mas onde que tem criança chorando?”, eu falei: “tá lá dentro”. Aí entraram lá para ver, ficaram tudo assustado, e disse: “Você vai morrer por que onde já se viu fazer isso! Você sair na chuva agora, você não podia pegar peso, você não podia fazer não sei o que “, eu disse: AH, acho que eu posso

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fiz tudo o que eu podia fazer.” Aí eu sei que pegaram, então tinha uma mulher que dona um armazém lá, falou assim pra mim: “Eu quero pegar um neném”. Eu disse “Só se você pegar os dois então por que os dois estão enrolados juntos”, ela falou “mas por que?”, eu falei: “ Por que eu não tenho, não tenho que jeito que eu vou arrumar eles, não tem roupa, não tem nada.” Aí ela foi na casa dela e trouxe uma caixa de papelão, desse tamanho aqui, cheia de roupinha, fralda, manta, sapatinho, que ela guardava das crianças dela, que cresceu e ela foi guardando. Aí ela foi lá, trouxe, deu prá mim, aí eu arrumei o lugar deles coloquei as rou-pinhas, os sapatinhos e arrumei e coloquei em cima dos caixotes. Aí ela pegou, aí foi, ele chegou, chegou o revolver na minha cabeça e falou assim: “Eu vou te matar, por que eu falei para você que eu matava você se você deixasse gente entrar aqui. E quem foi que abriu a porta?” Falei: “quem abriu a porta foi a Dona Dita que ela me escutou chorando.... falei que você tinha saído... aí foi a Dona Dita que escutou o choro e achou que eu estava... foi lá abriu a porta e entrou. Aí ele chegou o revólver na minha cabeça e falou “eu vou matar você”. Aí eu falei para ele assim: “Então você mata três por que eu não deixo, eu não quero deixar meus filhos. Ou você mata três ou você não mata nenhum.” Aí ele desistiu. Não sei o que deu no homem que ele desistiu eu coloquei o nome deles de Benedito e Benedita.

Mas eu recebi o milagre de São Benedito na hora, por que para você ver, eu era menina, por que eu estava com 17 anos eu não sabia nada. Agora as meninas com 10, 12 anos agora sabe de tudo da vida, a gente com 17 anos eu não sabia nada por que como é que eu tive o Dom para saber tudo o eu que eu não sabia, foi São Benedito”.

Quando da gravação da narrativa percebia-se a emoção tomando conta da pessoa de D. Tereza. O passado era presente e o fato de ter sido revisitado o fez atual. Essa atualização mantém a devoção e o compromisso com a participação no cotidiano do Moçambique. Em-bora já idosa, o que poderia ter apagado – apesar de sua importância

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existencial na memória de D. Tereza – as raízes de obrigação, o fato é sempre reatualizado e sempre é pertinente. A pertença é gerada pela obrigação que se tem para com o Santo. São Benedito possui na prática de sua devota, não apenas uma obrigação mas a gratidão pela vida e pelo momento de proteção. Aqui me recordo da célebre frase de Marx onde o mesmo afirma ser a religião o suspiro da criatura oprimida... o coração de um mundo sem coração.

“É a pessoa até pode pensar que é ‘mitologia’, mas é verdade, São Benedito... A fé remove montanhas, não é?” Seu Joaquim Santana

Porém, muitas vezes a devoção caminha independente da institui-ção. Isso mantém a autonomia que gera a sobrevivência do grupo. Existe um discurso que lembra muito a idéia de uma religiosidade mínima brasileira (DROOGERS, 1987). Um discurso onde o fundamento do ele-mento religioso é colocado na prática de fé do devoto em contraposição à obediência aos dogmas e leis de uma instituição religiosa.

“A religião pode ser batista, ser o que for na vida, ou católico... A religião da gente ela não salva a gente e nem cura por que a religião, o que manda é a fé da pessoa. A nossa religião católica ou o que for, seja lá o que for na vida, não tem nada a ver com salvação, a salvação nossa é o nosso coração, a nossa igreja melhor no mundo é o coração por que é daqui que sai tudo quanto você quer sai daqui, do coração, né. Se o meu coração não tiver bom, tiver ruim, de maldade, a igreja não vai endireitar eu, por que o mestre da igreja é um só. É um só, o mestre da igreja é um só, agora, é Jesus né, o filho de Deus. Agora, o santo gente, ... o crente, nos não estamos fazendo uma entrevista...”

Do sonho de criança à realidade. O grupo que apresentamos a vocês foi fundado e é coordenado pelo Sr. Alcides João da Cruz. Sua liderança é logo notada por sua voz de comando no grupo, fruto de um “acordo silencioso” existente entre os componentes do mesmo. Tradição e autoridade se encontram para garantir a preservação deste arranjo tradicional de fé e práticas fundadas na gratidão e, principalmente, na seriedade do trato com o Sagrado. Já pequeno, ainda criança, Seu Alcides tinha sonhos preocupantes com a figura de São Benedito:

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daí ele aparecia no meu sonho. Eu não era nada na vida, (...) eu nem sabia que era ele, eu sabia que ele era preto. Era um homenzinho pequenininho e pretinho. Ele aparecia e ensinava uma série de coisas: ensinava a rezar o terço, a dançar, ensinava o manejo e também como é que fazia os cânticos. (...) eu não sabia nada da vida dele, não sabia nada. Mas eu ficava com medo, isso eu ficava. Depois isso foi me entrando na cabeça até que fundi de uma vez”.

A experiência do sonho muitas vezes precede a dedicação per-sistente da pessoa a uma obra. Em várias descrições semelhantes, o Sagrado revela as suas vontades e as pessoas, ao fazerem esta leitura, assumem o fato de terem recebido uma missão. Lembro-me ainda, durante as entrevistas, da emoção de Seu Alcides ao falar deste tempo, apesar do medo que sentia diante destes fatos incomuns para uma criança. Quem entendia “dessas coisas” era seu pai. Quando ele afir-ma “... depois foi me entrando na cabeça até que fundi de uafir-ma vez”, percebe-se a idéia de assumir o projeto:...fundi de uma vez, talvez passe a idéia de me tornei meu próprio sonho, ou seja, assumi o mesmo em sua totalidade. É um discurso fundador, ou seja, essa história dá ao grupo um caráter ainda mais místico pois o mesmo não começa de forma simples ou simplesmente de uma promessa feita. Essa narrativa possui um caráter extraordinário que fomenta e amplia no imaginário o campo sagrado de origem do grupo de Moçambique, bem como sua liderança inconteste.

Seu Alcides fala com orgulho de seu passado. Seu início na dança religiosa se deu em Cunha. A tradição foi herdada de seu pai. Após sair de Cunha, já em Lorena, depois de seis anos dançando em outros grupos, veio a decisão: “... eu achei que o certo era a gente ter o grupo da gente...” Em 13 de abril de 1975 o grupo foi fundado. Diferente-mente dos grupos de Congada que encontramos, a aprovação deste Moçambique veio da própria Igreja, como revela seu Alcides:

“... o começo não foi muito fácil, porque quando ele - D. João Hipólito, então Bispo da Diocese de Lorena - me autorizou lá, eu tinha um pessoal que eu ia atrás deles, pra mode a gente começar o grupo, então eles tinham medo, tinha medo de vir a dançar e depois não dar certo, precisava parar, então eu falava não gente, que que é isso? Eu tenho autorização da igreja. Dom João autorizou, assinei um certificado; ele também assinou

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pra gente um outro certificado. Eu tenho assinatura no livro da igreja da diocese.”

A presença do universo cultural religioso popular pode ser fruto de uma resistência de auto-preservação nas relações com a cultura hegemônica: esses grupos religiosos não se confrontam com o catoli-cismo oficial, pois parte do seu poder é oriundo de fortes símbolos do catolicismo. A Igreja Católica, durante um grande período, tornou-se veiculadora destas expressões religiosas. Esta suposta veiculação nos permite entender as dificuldades da Igreja Católica: a presença de duas religiosidades distintas, uma intelectualizada e outra popular, implica na dificuldade de uma Igreja organizar os seus fiéis no seio de um mesmo universo simbólico. A hegemonia clerical - representante da ortodoxia - encontra-se ameaçada por esta postura heterodoxa (nasce de um referencial de tradição católica mas possui raízes profundas em um universo simbólico fragmentado que interpreta o real sem as dimensões lógicas da oficialidade religiosa) na medida em que não consegue pre-encher os espaços do “popular” através da doutrinação oficial. Sendo assim, o fenômeno religioso estudado possui uma “formação híbrida de compromisso”, que o preserva com suas particularidades dentro de um contexto religioso mais amplo e no qual a Igreja Católica se encon-tra. Mesmo que os devotos não tenham uma participação cotidiana no universo sacramental da Igreja, a identidade católica mantém os vínculos, inclusive institucionais.

Abençoada pela relação com o Institucional, o grupo caminha de forma independente, com sua própria autonomia e cresce. Isso aqui é uma coisa séria, diz Seu Alcides.

“Vamo tocá pra frente que isso aqui não tem problema não. Isso aqui é uma coisa séria. Mesmo assim eles tinham medo. Mas no primeiro dia de ensaio, nós já dançávamos com 18 componentes. No segundo de ensaio, já saímos pra atender um convite de aniver-sário. E daí pra frente não parou mais. Aí nós chega-mos num ponto que fochega-mos até pra 60 elementos na congada”.

Sobre “Coisa Séria”, perguntei ao Seu Alcides o que era sério no Moçambique. Sua resposta é fundada em experiências anteriores que ele não queria repetir em seu grupo. A seriedade está presente na própria institucionalização do Grupo de Moçambique. O aval religioso, como já falamos anteriormente, é o primeiro passo de seriedade. Não se monta um grupo religioso, e o Moçambique é um grupo religioso sem a autorização de quem histórica e culturalmente determina a realidade católica no país: a Igreja.

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“O trabalho sério que eu falo é assim, pessoas que se dedicam e que ele vai fazer na dança. Ele tem que fazer uma dança séria, e com bastante atenção pra não entrar no meio, para não entrar outras pessoas no meio. Que dizer, o trabalho perfeito que eu digo é que se ele sai com São Benedito, ele tem que ir

com respeito, né, manter o respeito. Lá não era assim,

eles levavam o negócio meio a brincadeira, eles bebiam pinga, eles discutiam. Então isso não é certo, o certo mesmo é que já que tá seguindo uma procissão, uma religião, eu acho que tem que respeitar, não é mesmo? E esse era alguns casos. Qualquer coisa errada eu não aceitava. Eu era, porque nossa, esse grupo que eu tinha, pra gente juntar ele eu tive a autorização do Bispo, eu não fui assim formando de qualquer jeito, como os outros fazem, não, eu fiz uma confissão com o Bispo João e ele me autorizou num livro assinado e foi por isso que eu formei o grupo”.

As origens do Grupo de Moçambique da Vila Hepacaré, que Seu Alcides coordena, carregam uma história de sofrimento e devoção. Conta Seu Alcides que em 1967 o grupo sofreu um acidente. Seu Alci-des narra os resultados da fé que superou a tragédia. S. Benedito não abandona seus fiéis em um momento trágico:

“Foi em 67. ...nós tivemos hospitalizados lá, eu fiquei lá uns 13 dias, aí saíram nervosos , saiu todo mundo quando foi quando fazia 20 dias do acidente nós tava dançando de novo. Tinha comprado todos os instrumentos... Não tinha ninguém com defeito, tudo perfeitinho, parece uma brincadeira, se falar assim, não é qualquer um que acredita , mas estou eu né, não sinto nada, meus companheiros que inchou as pernas desengatou as pernas eu mesmo as minha pernas virou tudo pra traz , vai ver se agora tão tudo assim. Meu rosto, o rosto arrancou essa parte assim.... tirou essa parte assim e ficou tudo pra baixo assim. ...as orelhas, pode olhar aí, tá tudo perfeitinho, nem sinal de nada eu não tenho, curaram assim, no ato, por isso que a gente acredita. Foi doloroso.”

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no interior do Moçambique vem de família, é principalmente o caso dos mais velhos que contam histórias que remontam a uma herança cultural familiar. Neste sentido seu Joaquim Santana narra sua visão sobre a participação no Moçambique:

“É uma questão muito certa, desde criancinha. O meu avô era um senhor português, todos os dois, português mesmo, e a minha avó materna era mais tostada que a minha senhora aqui.. . Então, ela já tinha religião, já tinha um São Benedito de pau, um santo deste tamanho aqui – mede o santo com a mão - de pau, madeira, mais coisa mesmo né? E o São Benedito tinha um buraco por baixo dele, uma rosquinha assim que tirava e rosqueava e ela guardava o dinheirinho dela ali. E era lenda dela, era verdade, ela ponhava um dinheirinho ali e quando chegava numa necessi-dade, ela ia lá e tinha o suficiente pra manter aquela necessidade, aquela devoção que ela tinha por São Benedito. E a congada então é isso, uma pessoa pra viver da congada como eu, tem que ter a tradição do meu avô, do meu pai, da outra avó paterna, tudo... e na roça todo mundo.”

O discurso de Seu Joaquim fala da tradição: “... uma pessoa, pra viver a congada como eu, tem que ter a tradição do meu avô, do meu pai, da outra avó paterna, tudo... e na roça todo mundo”. Seu Joaquim se confessa herdeiro não só da tradição familiar mas também de uma cultura religiosa rural. Porém, não reduz a participação ao Moçambique somente às pessoas da tradição religiosa e/ou rural. Ele diz: “... pra viver a congada como eu...” Isto é inconteste pelo fato de o mesmo Moçambique possuir a presença de muitos jovens em seu meio. Em outra fala de sua entrevista o mesmo revela a importância de ser família, ou seja, espaço de acolhimento de outros membros. Esses membros são também jovens e, muitas vezes, não trazem consigo a tradição mencionada. Sobre a acolhida

“É família, é família, é parente, é família, é estranho, tem jovem .... nós tem na congada nossa, na nossa congada que tava jogado aí, que tava no mundo, no mundo das droga ... jogado, já entrando no mal caminho, tá na congada, porque eles fica a semana inteira na guarda. Nós vamos dançar, quebra o galho, cada um quebra o galho. Aquela vontade de dançar

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passear né? Então junta aquele copo de vontade com

a vontade de sair, porque fica aqui não tem aonde passear, se sai para passear, é a pura verdade, numa festinha de, ... os coitados... menor, não tem serviço, tem que ficar estudando, não tem dinheiro, o pai e que tá colaborando com eles. Agora vai com nóis na congada, come, bebe o que quiser aí né? ... se não tem comida o Seu Alcides dá um lanche, a gente, eu e a Tereza somos pobre, se a gente tiver uns 10 contos a gente reparte com a pessoa, é assim que nóis faz. Eles gosta, eles gosta, e costuma com aquilo e acha bonito e vem e quer também.”

No depoimento de Seu Joaquim as motivações aparecem como elementos lúdicos e a acolhida é fundamental para a sobrevivência do Grupo de Moçambique. A realidade social também aparece como um elemento motivador para a participação. Muitas cidades do Vale do Paraíba não oferecem oportunidades para seus jovens e suas econo-mias não registram oferta de empregos para essa geração. A idéia de partilha acompanha o imaginário do grupo representado na fala de Seu Joaquim. Gostam e acabam se acostumando com o Moçambique. É a possibilidade de um grupo social que abre as portas para coisas até então impossíveis como, por exemplo, passear e conviver fora de Lorena.

Tradição e juventude se unem na preservação do grupo de Moçam-bique. Porém Seu Alcides possui critérios e metodologia para analisar a possibilidade de participação dos pretendentes no grupo:

“Olha, eu sou assim, eu não fico perto das pessoas, eu fico de longe e deixo ele no lugar dele e daqui eu estou observando ele. Se ele é uma pessoa séria, se ele é um cara que respeita a família dos outros, se ele é um cara que não gosta de estar entrando em bar... beber não deixo, não aceito isso... então se ele não entra num bar pra beber, se ele no momento em que a gente para no intervalo ele fica todo juntinho e não sai desviando pensamento com os outros, fica tudo junto ali, esse me serve. Agora, se ele for uma pessoa que gosta de freqüentar bar, e gosta de ‘improvocância’ ele gosta de fazer bonito ou de desfazer do próprio companheiro, pra mim, já não serve.... ‘vamos deixar você de lado um pouco e você vai descansar, depois se der tudo certo, você volta, o seu lugar tá aí’. É assim

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que eu faço, quer dizer não tem diferença se a pessoa sair numa boa, agora quando as pessoas são todas humildes, pessoas assim, seria porque nós somos uma família, o grupo de são Benedito somos uma família, então nós temos que ter um respeito total um com o outro e nós não só temos homem como mulher na família também mulher vindo no grupo.

Na qualidade de coordenador do grupo Seu Alcides administra e tem o respeito do mesmo. A capacidade de estabelecer critérios é fruto não somente de um moralismo pessoal, mas também de sua experiência ao ter dançado por vários grupos antes de fundar o seu. Nestas “an-danças”, Seu Alcides pode separar “o que serve do que não serve”, ou seja, o que ajuda um grupo a caminhar organizado e o que dispersa e não deixa o grupo se articular em torno da dança, das representações e da atenção ao comando do mestre, além da própria cantoria durante a apresentação. Porém, segundo Seu Joaquim o grupo orienta, mas não proíbe. Seriedade se faz no trato com os outros e com as coisas do santo, depois...

“Adilson, no nosso grupo o mais pingaiada era eu, quando bebia né! Mas agora graças ao bom Deus, né? O nosso grupo não tem pingaiada. Nóis não acei-tamos pingaiada não vamos proibir beber não, não é isso não!!! Mas depois que nóis vem embora, pode encharcar que ele vem jogado no bondão, mas vem embora né? Mas não faz isso não.”

Um Moçambique atuante. Segundo Seu Alcides, importa a serie-dadade, a determinação e a dedicação dos componentes do Grupo de Moçambique. A fé em São Benedito aponta caminhos e abre espaço para um Moçambique sério, diz ele: “... se ele sai com São Benedito, ele tem que ir com respeito..”.

O grupo de seu Alcides é conhecido em várias cidades do Vale do Paraíba e já se apresentou fora da região. É aceito inclusive no meio acadêmico e tem um bom contato com as instituições de ensino (in-clusive superior – FATEA/UNISAL) de Lorena.

Sobre as saídas do grupo para apresentações, pesa muito o carisma do seu presidente. Segundo seu Alcides, isto é fundamental: “olha, eu sou muito franco de dizer a você que a gente sai mais porque eu sou ‘muito dado’ com as pessoas (...) do jeito que eu converso com você, converso com todo mundo”.

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Em qualquer grupo é necessário que se estabeleça um feixe de relações políticas para que o projeto do grupo se expanda, crie um leque de opções de atuação que consiga divulgar o trabalho. Neste sentido pudemos perceber que o trabalho de “relações públicas” do grupo surpreende. Como diz seu Alcides:

“... estou pronto para qualquer hora, não tenho preguiça, gosto de bater papo, gosto de dar uma explicação, então as pessoas querem isso, amizade, pessoa disposta, porque quando a pessoa é disposta não tem preguiça nenhuma e qualquer hora é hora, né mesmo?”

“O pessoal procura muito a gente, sabe, essas coisa, e por todos os lugares que nós vamos, olha, nós vamos no meio de grupos, muitos grupos, de 20, 30, 40 gru-pos aí e nós somos escolhidos, nós somos chamados pra frente, lá... Pra mim isso é uma felicidade. Porque é difícil geralmente a pessoa chega porque tem mais coisas, mais bonito, mais grã-fino, porque tem muito dinheiro e eu não ligo para essas coisas. Meu grupo, não. Se você já viu direitinho o nosso grupo é simples, mais cheio de amor de São Benedito... mais sabe como a graça de Deus. Simplezinho mesmo, mas pega

direitinho, dança direitinho, sai e não sai pra brincar.

Sai pra fazer aquilo que é necessário. Então por isso que eu trabalho para São Benedito! Guaratinguetá nós que fazemos toda a obrigação da festa. Procissão do mastro, buscar o festeiro, buscar as coisas, buscar tudo, participar de reza, participar da missa.”

Esse leque de relações é amplo, de pessoas simples a autori-dades e políticos que constantemente auxiliam o grupo de seu Alcides. Essas relações contribuíram na construção da sede própria do grupo de Moçambique. É nesta sede que acontecem as reuniões periódicas do grupo. Nessas reuniões o grupo revê constantemente sua atuação, conversa e resolve problemas internos. E mais: confraterniza-se, en-saia, reza e se reestrutura diante dos desafios que sempre aparecem no decorrer do processo. Todos estes fatos articulados geram muitos convites.

“E bem recebidos graças a Deus, quer dizer, nós esta-mos prontos para ir pra qualquer lugar. Agora mesmo, nós recebemos um fax vindo lá de são João Del Rei.

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Minas nós já andamos pra todo e qualquer canto de Minas. Esses tempos atrás estivemos em Caxambu. São Paulo, já ficamos dois a 3 dias alojados lá fazendo apresentações lá no SESC... estivemos lá em Guarulhos, tivemos em muitos cantos aqui na região, já andamos pra esses cantos. Chamou, nós estamos indo.” Um outro fato importante, mesmo havendo critérios – como já foi falado anteriormente, é a acolhida a novos integrantes do grupo. Tradição e renovação convivem nos elementos que compõem o grupo. A tradição é marcada pela presença dos mais velhos que possuem a sabedoria e a ciência sobre o assunto enquanto que a renovação dos elementos do grupo é vista na presença de muitos jovens atuando no Moçambique da Vila Hepacaré. Acolher é uma ciência. Quem improvisa seus versos, acolhe com simplicidade e isto se percebe na fala de S. Alcides:

“Tem vocação sim... a São Benedito, porque às vezes eu nem tô sabendo que tanto o pessoal gosta ou quer. Quando eu vejo, às vezes, bate aí na porta e “aquele de lá ficou com vergonha e tal”, não conhece a gente né? Eu digo “Ah, vamo entrar pessoal” e diz “como é que eu faço pra entrar na congada? Eu acho bonito, quero entrar, eu tenho muita fé em São Benedito, re-cebi muitas graças de São Benedito e queria entrar”. Eu digo “tudo bem, venha... então eu marco o dia de sábado, você vem e gente ensaia aí”. Aí eles vem, continuando a dança e por aí fica. Precisa ter vocação, se não tiver vocação não adianta. E daí pega mesmo... de cada lado, fica mesmo. Agora, se tiver vocação ele vai até o fim e recebe muitas maravilhas.”

Para o grupo, o importante é ter vocação. Uma pré-disposição para aprender e se integrar às regras e processos de relação do grupo, além da própria disponibilidade para acompanhar o grupo e faze-lo cuprir suas obrigações para com São Benedito. Seu Joaquim também fala da importância da presença dos jovens:

“Nóis tem só gente no nosso grupo. Coisa linda!!! Gente desde 14 anos até 80 que é o seu Marcelino.” Mas a presença dos jovens e o sucesso do Moçambique não se deve somente aos fenômenos de relação em sua acolhida

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e fala “Ó Alcides, eu não vou mais, por isso, por isso e por isso, não vou mais participar da congada, vou me afastar...” chega e avisa nós em um Sábado ou quando termina a congada em uma tardinha. Quando é na Sexta feira da próxima semana, tem cinco seis lá né mesmo? E a congada está firme lá, é coisa divina sabe, quarenta e tantos anos e a congada está firme lá ...”

Estruturas do grupo. Pelos relatos de Seu Alcides as coisas nem sempre foram fáceis. Quando visitei pela primeira vez sua casa e demonstrei a intenção de começar uma pesquisa sobre o Moçambique que ele coordena ele me recebeu e, com orgulho, me levou a uma cons-trução atrás de sua casa. Eu estava conhecendo a sede daquele grupo de Moçambique. A sede serve para abrigar os membros do Moçambique durante suas reuniões e/ou durante as festividades de arrecadação do grupo, ou mesmo ainda quando dos encontros dos irmão de Moçambi-que Moçambi-que constantemente acontecem na sede reunindo componentes de grupos de Moçambique de algumas cidades da região. Sobre a história da construção da sede, Seu Alcides narra o seguinte

“...eu mesmo batalhei porque eu quando formei a congada eu falei: ‘bom, dentro de uma casa de família não tem como, não tem como fazer reunião, não cabe ninguém, dentro da casa não cabe ninguém, então claro tem que Ter uma sede’. Então eu pensava ‘meu Deus, onde é que eu vou fazer essa sede?’ Porque no quintal lá que eu tenho umas casas até em baixo, o quintal era grande mais não tinha jeito, porque as vezes numa conversa, numa concentração uma criança passa correndo, o outro lá conversa, o outro chama o outra lá, quer dizer desvio o pensamento da gente, então muda tudo, não tem uma concentração certa, aí eu comecei a pensar...”

Seu Alcides demonstra preocupação quanto a institucionalização da Congada. Era necessário dar uma estrutura ao movimento para que a credibilidade fosse maior. Neste sentido, em nome de São Benedito, não se intimida e

“aí quando o Arthur Ballerini candidatou-se a primeira vez eu fui atras dele e ele é muito bonzinho, o Arthur Balllerini, aí fui atras dele com um terreno para

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cons-truir a sede para a congada, ele era muito chegado, ele falava: “ a congada é nossa, né Alcides?”. Falava ‘E a conga é nossa e dos irmãos aí’, isso que eu falava com ele. Ele falava: ‘Como é que você cuida desse grupo de gente tudo lá na sua casa?’ e eu falava assim ‘é com bastante dificuldade, mas não é o certo’”.

Seu Alcides procurou separar o espaço privado (seu espaço familiar e pessoal) do espaço do grupo e colocou uma série de pro-blemas. O grupo caminhava para um processo de profissionalização do devocional que daria ao Moçambique uma aparência muito mais institucional

“É, na minha casa, lá embaixo, na outra casa, mas não é certo porque tem alguma coisa errada no meio que atrapalha a reunião. Não podia fazer uma coisa séria, um outro chegava, um grito pra lá, outro pra cá, então não era certo, aí eu conversei com ele.”

A resposta veio rapidamente, lógico, com uma condição: a reelei-ção

“Ele disse ‘o Alcides, eu estou saindo da Prefeitura, mas se eu me candidatar de novo e for Prefeito eu vou te dar uma força para você, vou doar um terreno para você, mas pra você. Eu disse ‘tudo bem’ pra você fazer uma sede. Eu disse ‘beleza’. Então aí quando ele candidatou-se de novo e ele era muito legal eu arrumei uma turma pra ele, né, então vão votar pra ele eu tam-bém, minha família, aí ele falou assim: ‘Se eu ganhar aí no próximo dia você vai na minha casa que nós vamos marcar, pode escolher’. E foi. E ele foi eleito, aí eu fui na casa dele e a dona Inês, esposa dele falou assim: ‘Você já escolheu o terreno?’, eu falei ‘já’. ‘Aonde?’. Aí eu falei onde que era o terreno, ele disse que queria dar um lá pra baixo. Daí eu falei ‘lá eu não quero, eu quero lá em cima, perto da minha casa’. Aí ele falou assim ‘vamos lá ver’. Eu falei ‘vamos’. Até pegamos a bicicletinha e viemos nessa área aqui.”

O terreno apenas não garantia muita coisa, era o começo. Seu Alcides garantiu a planta – que também foi doada:

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“Depois, veio o engenheiro de lá, veio e marcou tudo certinho por conta deles né, aí eu peguei e comecei a comprar o material e colocar no meio do mato, aqui era um matagal danando, colocando aí, eu já trabalhando, fazendo valeta, eu trabalhava até as 9:00hs da noite, mas abri valeta, fazendo tudo, fazendo a massa em pé, colocando, e metendo bronca mesmo.”

Nem sempre Seu Alcides tinha coragem de pedir ajuda a seus companheiros de Moçambique porém, diz ele:

“Eu tinha um cumpadre que já faleceu, o José Alber-to, ele era um homem que era pobrezinho, simples de tudo, mais muito caridoso, pegou firme comigo na fundação. Eu fiz a fundação toda, daí na hora de levantar as paredes eu dei um grito e aí juntei tudo e fomos trabalhando naquele sol... ...uma turminha, eu trabalhava sempre na frente, né, nas marcações, medindo, correndo atrás do material eu colocava num lugar para não deixar faltar, né. ...um Sr. que já faleceu também, o Raimundo Eugênio, trabalhou com caminhão pra gente de graça, puxando pedra lá de Piquete para fazer os alicerces para mim, mas daí com pouco tempo eu levantei a Sede, aí faltava as telhas, aí eu falei “nossa, e agora?”, comprar telha de que jeito, né? E pensando como é que eu ia fazer para comprar as telhas. Pedi pra ninguém eu não queria, era demais também...

(...)Eu tinha umas “mixarias” guardada, pedi algumas coisas, uns cabos, daí um dia eu fui lá na fábrica de Guaratinguetá, comprei esse telhado, aluguei cami-nhão, fui lá busquei fiz tudo e cobri sozinho. Trabalhava de dia no Santa Tereza e de noite aqui na Sede. Cobri tudo. Podia estar molhando água, estar do jeito de tivesse, eu tava aí tinha dia que eu descia da sede de madrugada, e quando era quatro e pouquinho eu ia pro Santa Tereza, porque era o horário de eu pegar era quando faltava 10 pras 5 da manhã. Eu tinha que trabalhar né?

(...) eu batia cartão as 10 para as 5 da manhã. Então nesse horário dormindo ou não eu tinha que estar lá,

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então, eu cobri tudo, reboquei tudo e foi desse jeito, com sacrifício, mas eu banquei. Banquei e graças a Deus, eu dei conta do recado. Depois fiz tudo, fiz o piso dela tudo, caquinho não foi piso especial não, caquinho. Mas tá lá até hoje, tá bom. Então daí a gente foi se abrindo. Aí pra cá, aqui eu construi essa casinha, aí eu com barraco mais quebra o galho né, só pra olhar a sede aí, mas estão a gente está até hoje e eu fiz tudo com dificuldade. Eu tinha o pessoal falava “porque que você não fala com fulano de tal, ele dá material, ele dá lajota, eu dizia “eu não quero. Um dia pode jogar na cara, né? Eu sacrifico mais eu compro tudo. Eu gastei uma porção de dinheiro, de lajota, bloco, bastante coisa. Aí fui atrás da SABESP pra fazer a ligação da água, da LIGHT, pra fazer a ligação da luz, deu tudo certo.

(...) Quando o dinheiro entrava, eu corria e contava. Agora, eu agradeço muito o fornecedor, o Paulo da fornecedora, porque o Paulo me ajudou muito. Não é que ele me desse nada, ele não me deu nada, mas só de ele confiar em mim, já foi grande coisa. Porque quando eu me apertava, que eu não tinha dinheiro, daí eu corria lá. De lá vinha lajota, vinha cimento, vinha tudo e depois eu ia lá pagando e assim levando eu terminei tudo e até hoje, dessa época até hoje eu gasto com eles lá. Nunca fiquei devendo, graças a Deus, um tostão pra eles lá. Devo muita obrigação.”

Quando perguntei a Seu Alcides se São Benedito, de vez em quando botou a mão na massa, ele, meio incrédulo com a pergunta que tinha ouvido, me respondeu:

“São Benedito, também caminhou na minha frente, eu tenho certeza!!!! Com certeza ele caminhou na minha frente, porque se eu caminhasse só na minha caminhada eu não conseguia nada.

Até hoje tudo o que eu vou fazer pra São Benedito primeiro eu peço: “Me dá uma força! Abra o meu caminho, me dá uma força e que eu consiga tudo isso que eu tô querendo”. E eu consigo. Quando eu peço eu vou e enfrento porque eu sei que vai dar certo.”

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A sede do Moçambique é o abrigo que ajuda a dar estabilidade ao grupo quando de suas festas, encontros com outros grupos e/ou reuniões periódicas dos membros. As reuniões são periódicas e sempre é dita uma palavra sobre os evangelhos, bem como se lê pedaços da história de São Benedito e/ou ouve-se depoimentos sobre a relação com o santo.

Os membros do Moçambique. O Moçambique de Seu Alcides é formado por um grupo relativamente jovem. A presença de jovens em seu grupo é marcante e isto se deve, provavelmente, à própria estrutura organizativa do grupo com suas freqüentes viagens de apresentação devido ao reconhecimento do trabalho desenvolvido. Podemos afirmar que 7% dos participantes são crianças e/ou pré-adolescentes entre 10 e 15 anos, 39% do grupo possui entre 16 e 25 anos, 19% estão entre os 26 e 40 anos, 7% entre 41 e 50 anos e, entre 51 e 60 encontramos outros 7% e acima de 61 anos 21% do total de membros do grupo. Fato interessante é que o grupo oscila de forma tranqüila entre a animação dos jovens, a experiência dos adultos e a sabedoria dos mais velhos. Este grupo de idosos possui uma característica interessante pois forma um subgrupo com muita voz dentro do grupo de Moçambique.

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Gráfico 01

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Em muitos grupos encontramos um certo grau, e elevado, de rotatividade. Nem sempre as pessoas conseguem conciliar o cotidiano de uma cidade e as atuações que geram compromissos que demandam tempo para organizar eventos bem como cumprir os mesmos, inclusi-ve passando finais de semana fora da cidade na qual moram. Com o Moçambique de Seu Alcides as coisas não ocorrem totalmente desta forma pois nota-se uma longa participação no processo de construção de pertença ao grupo – conforme descrito no gráfico abaixo.

Gráfico 03

Existe um número significativo de pessoas que participam a menos de um ano, o que é natural em um grupo jovem que se renova e cresce constantemente, porém se computarmos o percentual de membros que freqüentam o grupo a mais de 10 anos – o que é significativo – poderemos notar que o mesmo é elevado, 47% do total. Isto nos leva a crer que os mais jovens permanecem bastante tempo no grupo e, boa parte dos que entraram, o fizeram muito cedo.

O que motiva um grupo a crescer e ter uma perda relativamente pequena de seus membros é a dinamicidade do processo de organi-zação e estruturação do mesmo diante das necessidades cotidianas. Estes fatos percebemos no grupo quando da consulta aos membros sobre o que mais gostavam nas reuniões e/ou atividades do grupo de Moçambique. O que mais apareceu foi o fato de o grupo estar unido em torno de um projeto religioso de forma lúdica, ou seja, o grupo se

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configura a partir de relações de fraternidade e participação – o que não exclui a existência de problemas e/ou sérias tensões, mesmo porque os mesmos aparecem em proporção maior onde existem relações mais profundas e constantes. Confira o gráfico abaixo:

Gráfico 04

Se observarmos o gráfico acima podemos perceber que boa parte dos que freqüentam o grupo o fazem inspirados em uma participação onde o que mais conta são a capacidade de o grupo abrir um espaço para o lúdico. Amizade e alegria somam um total de 42% do total de intenções sobre o que mais se gosta no Moçambique. Em contra partida, outros 42% se encontram vinculados à idéia de organização e discipli-na. Elementos diferentes que coabitam o mesmo grupo. A garantia da harmonia fica por conta de uma liderança carismática e leiga que possui em Seu Alcides a personificação dos ideais do grupo.

Palavras finais sobre este texto. O presente trabalho nos leva à busca teórica de um dos primeiros formuladores do estudo da sociologia da religião no Brasil. Cândido Procópio Camargo escreveu duas obras fundamentais no início da década de 70. A primeira, Igreja e Desen-volvimento, publicada em 1971 pelo CEBRAP, a segunda, Católicos, protestantes, espíritas, publicada em 1973 pela editora Vozes - ele deve ter outro título este ano lançado pela mesma editora ou pela Paulus em comemoração aos 30 anos de publicação de tão importante obra para a sociologia das religiões. Mas o leitor deste artigo se pergunta qual a importância do meu comentário para o presente artigo. Bom, Procópio criou uma tipologia para entender o catolicismo brasileiro e nesta, dividiu-o em dois blocos: o catolicismo tradicional e o catolicismo internalizado. No campo do catolicismo tradicional, o subdividiu em

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urbano e rural. Se observarmos o comportamento dos componentes deste Moçambique à luz da tipologia de Procópio, perceberemos um comportamento fundamentado na tipologia do catolicismo tradicional. Segundo Procópio a tipologia tradicional se funda nos costumes legiti-mados pela tradição, na relativa inconsciência dos valores religiosos que organizam as normas e os papéis sociais. Na relativa ausência de uma explicação racional – em termos de meios e fins – da conduta religiosa e do comportamento social legitimado pela religião, na relativa con-fusão entre valores e normas da sociedade e na sacralização e rigidez da conduta religiosa e da conduta social com legitimação religiosa (PROCÓPIO, 1971: 7). O objetivo básico do grupo é religioso e, como tal, é entendido no campo social de acordo com a moral tradicional do catolicismo que foi recebido dos antigos. O comportamento do grupo deve espelhar valores de conduta que não permitam denegrir a imagem do mesmo diante das autoridades constituídas e da sociedade. Seu Alcides é o líder e sua liderança se funda nas idéias de seriedade, sobriedade e disciplina. Nenhum valor propagado pelo catolicismo tra-dicional pode ser desconsiderado. Não existe, no grupo, a consciência da necessidade de um trabalho de caráter social bem como de uma vinculação dos elementos do grupo a uma agregação dos elementos políticos geradores de cidadania como, por exemplo, o da participação política. A moral cristã e a devoção ao santo – São Benedito – são causas únicas de reunião e festejo. A liderança religiosa é leiga e carismática, desvinculando-se das normas burocráticas de condução do elemento religioso geradas pela estrutura eclesial. Apesar da participação de vá-rios devotos às celebrações católicas, não existe um vínculo paroquial que faça do devoto um membro efetivo de uma comunidade religiosa católica específica. A prática devocional está acima, embora nem sem-pre se admita isso, da prática comunitária religiosa e de seu cotidiano. Quando da presença de elementos em reuniões costumeiras, percebe-se que a liderança leiga carismática se faz presente pela prédica fundada no imaginário devocional a São Benedito, nas rezas ao mesmo, na or-ganização das danças devocionais ao santo e na oror-ganização das festa que acontecem na sede do Moçambique. A vida religiosa do grupo se expressa pelo conteúdo da disposição moral e pela fé. A dimensão religiosa não exclui a idéia mágica nas relações com o sagrado pois existe uma ênfase nas promessas, entendidas como processos onde se procura garantir a obtenção de favores, bênçãos e graças. Em muitas reuniões percebemos uma dimensão fatalista do tipo “Deus quis”, “ti-nha que ser”, “o que tem de ser será” etc. Porém, percebe-se o outro lado deste processo que é a esperança providencialista. Deus fará por intermédio do Santo.

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tradicional, percebemos neste grupo de Moçambique a influência de um catolicismo tradicional rural ainda existente neste grupo que vive e se organiza nomeio urbano. O fato pode ser explicado pela origem de boa parte da liderança do grupo que se encontra fundada na perspectiva rural. A grande maioria, principalmente entre os mais velhos, vem do interior e ainda carrega os valores e a ideologia de um mundo rural ar-raigado na tradição. Nos mais jovens, porém, percebe-se a influencia de um catolicismo tradicional urbano onde nem sempre encontra-se uma estreita relação entre valores religiosos e conduta. Muitos se encontram no grupo pela possibilidade de conhecerem realidades novas, pessoas diferentes, conviverem e viajarem juntos. Existe uma espécie de ética leiga fundada nos valores “profanos” característicos de uma sociedade competitiva. Segundo Procópio, na medida em que a realidade religiosa de pessoas oriundas do meio rural convive com o elemento urbano, este catolicismo rural perde, paulatinamente, suas raízes e, muitas vezes as mesmas se tornam disfuncionais em um mundo estruturalmente diferente. A prática religiosa católica não dá lugar a uma presença diferente dentro do Moçambique no que concerne aos seus membros mais velhos. Porém, entre eles esta prática, quando acontece, se faz por uma obediência à tradição onde se estabelece uma participação por obrigação. Como diz Procópio: “Funciona , dessa forma, a obediência, como um substituto de outros valores e motivações que justificam e legitima a adesão ao catolicismo” (PROCÓPIO, 1973: 20).

O que dissemos em tantas palavras quer apenas interpretar o universo simbólico de um grupo que tem sua organização na prática de pessoas que possuem uma religiosidade sobre a qual muito já se falou neste país. Muitas vezes justificando as práticas demagógicas de setores religiosos, outras vezes criando um discurso pseudo-crítico sobre o tema, porém, nunca aprofundando o objeto de pesquisa para chegar a alguns raízes dessa prática devocional. Sei que há muito ainda para se falar sobre o tema e, especificamente, sobre este Moçambique. Porém, para o momento o texto tem a intenção de apenas introduzi-los no assunto. Este artigo representa a crença na partilha do trabalho com nossos alunos e na possibilidade de se formar pesquisadores para a cidade e região. Espero que tenhamos conseguido apresentar uma interpretação de uma realidade cultural complexa do meio popular fundada em uma compreensão onde o sonho é sinônimo de possibi-lidade, plausibilidade que é clara quando se conhecem os sonhos dos meninos. Acreditem.

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1 Este artigo tem suas origens em uma proposta de pesquisa que

en-volveu um grupo de alunos decididos a procurar respostas sobre a complexidade de um grupo de Moçambique da cidade de Lorena. A princípio pretendíamos pesquisar um Moçambique e uma folia de reis, porém, com o passar do tempo resolvemos nos concentrar mais sobre o primeiro. Este artigo é o terceiro elemento que completa a pesquisa elaborada por nós. Já foram entregues um CD-room e um vídeo documentário sobre a pesquisa. Além do mais, o trabalho rendeu uma matéria exibida em outubro de 2003 no programa “Telefanzine” – veiculado pela TV SETORIAL.

2 Carlos Rodrigues Brandão. O Mapa dos Crentes. In Nuevos Movimientos

Religiosos, Iglesias y “sectas”. P.p. 23-49.

3 Ibid., p. 76. 4 Ibid., p. 85.

5 Clifford Geertz. A Interpretação das Culturas, pp. 104-105.

6 Clifford Geertz, A Interpretação das Culturas, p.143. “Ainda segundo

Geertz, “o ethos de um povo é o tom, o caráter e a qualidade de sua vida, seus estilo moral e estético, sua disposição; atitude em relação a ele mesmo e as seu mundo que a vida reflete”.

7 Emile Durkheim, Formas Elementares da Vida Religiosa. 8 Marc Augé. op. cit. p. l82

9 id. ibid p. 181.

10 Emile Durkheim. Sobre a Religião in Revista Religião e Sociedade n.

02, 1977.

11 Carlos Rodrigues Brandão. Os deuses do Povo: um estudo sobre a

realidade populares.

12 Gostaria de deixar claro que o termo modernidade possui uma enorme

complexidade embutida em seu conceito. O que queremos trabalhar é a perspectiva de a modernidade ser produto de uma evolução histórico-cultural complexa. Dentro dessa complexidade encontramos características como: a substituição da perspectiva cosmocêntrica e teocêntrica pela antropocêntrica onde tudo é pensável tendo como ponto de partida o ser humano (sua racionalidade e subjetividade) agora, sujeito de sua ação no mundo; alteração do primado metafísi-co para o gnosiológimetafísi-co onde a razão técnica supera a razão teórica e introduz a perspectiva da industrialização gerando a “imanentização” do sujeito e a imanentização do infinito ao sujeito pensante que de-senvolve um saber que se propõe absoluto.

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