Regras de Inferência para a implantação de um Sistema Especialista
aplicado à inspeção de pré-vôo em uma aeronave T-25
Daniela Gibertoni (FATEC-TQ) daniela@fatectq.com.br Carlos Alberto Ferreira Bispo (EESC-USP) cafbispo@sc.usp.br
Resumo
Este artigo é o primeiro de uma série que juntos apresentarão os passos do processo de implementação de um Sistema Especialista que pretende automatizar o manual que é utilizado para orientar as inspeções que são realizadas pelos tripulantes antes, durante e depois de cada vôo. A aeronave inicialmente escolhida foi um T-25 Universal, cujos procedimentos são mais simples e apropriados para esta fase inicial. Posteriormente, serão implementados outros sistemas especialistas para outras aeronaves mais complexas. O sistema especialista gerado será implementado em um palmtop. Este artigo cria as regras de inferência para a inspeção interna que ocorre antes do vôo. Essas regras são necessárias para a elaboração do sistema especialista, que será o próximo passo da pesquisa e alvo do próximo artigo. Este artigo pressupõe que seu leitor esteja familiarizado com os termos utilizados na aviação.
Palavras chave: Regras de Inferência, Sistemas Especialistas, Inspeção em Aeronaves.
1. Introdução
Segundo seu Manual de Vôo (Aeromot, 1984), a aeronave T-25 Universal atende as especificações da Força Aérea Brasileira - FAB - para uma aeronave de treinamento básico utilizada na formação dos cadetes aviadores da Academia da Força Aérea - AFA. Construída pela Sociedade Construtora Aeronáutica Neiva Ltda, é uma aeronave monomotor, metálica, biplace lado a lado, possui duplo comando, asa baixa, trem de pouso triciclo retrátil e empenagem convencional, é empregada na AFA para a instrução básica de vôo.
Este artigo cria as regras de inferência (Calfat (1981), Hart (1986), Jackson (1986), Mockler & Dologite (1992) Passos (1989) e Waterman (1986)) que serão utilizadas, posteriormente, na implementação de um sistema especialista que automatizará o manual que orienta a inspeção interna que é realizada antes de cada vôo. Este sistema será implementado em um Palmtop, tornando-se uma alternativa ao atual manual daquela inspeção, apresentando as seguintes vantagens aos pilotos:
- o próprio sistema conduziria os procedimentos da inspeção interna na seqüência correta, sem o perigo de esquecimento de algum passo ou a inversão de ordem de alguns passos; - a capacidade de armazenamento de dados do sistema é muito maior que a do manual
condensado, permitindo uma discriminação melhor de cada passo e descrevendo pormenorizadas todas as possibilidades de falhas as correções que os próprios pilotos poderiam realizar;
- o sistema devidamente implementado em um Palmtop teria a mesma mobilidade do manual condensado;
- a atualização do sistema é bem mais rápida e mais prática que a do manual condensado; - a possibilidade de expansão das informações, conforme a necessidade, é mais rápida e
eficiente que o manual condensado;
ele-trônico de vôo e outros procedimentos utilizados durante o vôo.
As desvantagens da implementação do sistema em um Palmtop são: a manutenção preventiva e corretiva deste equipamento e os problemas gerados quando ele apresentar falhas.
2. Os procedimentos antes, durante e após cada vôo
Segundo o Manual do Vôo da aeronave (Aeromot, 1984), por medida de segurança, diversos procedimentos devem ser tomados antes, durante e depois da realização de todo e qualquer vôo. Neste artigo, será abordado um dos procedimentos a serem tomados antes de cada vôo. Resumidamente, os procedimentos que devem anteceder cada vôo são:
- verificar todas as restrições e limitações do vôo junto aos canais competentes;
- realizar o planejamento do vôo de acordo com as normas que regem este procedimento; - realizar a inspeção externa da aeronave;
- realizar a inspeção interna da aeronave.
Neste artigo serão abordados especificamente apenas os procedimentos da inspeção interna da aeronave. Para auxiliar os pilotos neste tipo procedimento, foi criado um manual condensado (Força Aérea Brasileira, 1997), chamado “Check List”.
3. O Check List
Este manual condensado possui todos os procedimentos a serem adotados antes, durante e após cada vôo, tanto para os vôos considerados normais, ou seja, livres de qualquer tipo de falha de equipamento ou de mau tempo, como para os vôos de emergência. Neste artigo, serão abordados apenas os procedimentos da inspeção interna para um vôo em condições normais, com bom tempo e no período diurno. Segundo o manual (Força Aérea Brasileira, 1997), estes procedimentos são:
1- Freio de estacionamento = Aplicar 2- Pedais e Cadeiras = Ajustar
3- Comandos de vôo = Livres e com movimentos corretos 4- Disjuntores = Comprimir todos
5- Acelerômetro = Ajustar
6- Cintos, Suspensórios, Pára-quedas e Capacete = Ajustar todos 7- Plugues do microfone e do fone = conectados
8- Válvula de descarga = Fechada e frenada 9- Seletora de emergência = Na posição neutro 10- Chave dos magnetos = Desligada
11- Interruptor da bateria = Ligar
12- Luzes de aviso = Verificar o funcionamento normal, Luzes verdes = acesas, Luz de Aviso de Despressurização = apagada
13- Amperímetro = Verificar
14- Interruptor de alternador = Desligado
15- Interruptor de bomba de reforço = Desligado 16- Interruptor de partida = Protetor baixado 17- Interruptores = Desligados
18- Luzes de aviso do trem de pouso = luzes verdes acesas, vermelhas apagadas (pressionar e checar fixação)
19- Comando dos flapes = Na posição neutro
20- Compensador do profundor = Na posição neutro 21- Velocímetro = Verificar se ponteiro indica zero 22- Horizonte artificial = checar e ajustar
23- Indicador de curva e inclinação = Verificar se o ponteiro e a bolinha estão centralizados 24- Indicador de razão de subida e descida = verificar se está indicando zero
25- Altímetro = Colocar na janela a pressão QNH em polegada de Hg
26- Relógio = Verificar seu funcionamento, dar corda e acertar, se necessário 27- Fluxômetro = Indicando zero
28- Manômetro = Verificar as marcações dos instrumentos 29- Termômetros = Verificar indicações
30- Ventilação = Ajustar conforme desejar 31- Bússola = Checar funcionamento correto 32- Rádios = Desligados
33- Interruptor dos instrumentos do instrutor = Ligar 34- Capota = Verificar
4. As regras de inferência
A partir dos procedimentos acima relatados e de entrevistas a diversos pilotos daquela aeronave, elaborou-se as regras de inferência a seguir.
Regra 1:
Exibir: “O freio de estacionamento está aplicado?”
Se freio de estacionamento = aplicado Então ir para Regra 2 Senão aplicar freio de estacionamento E ir para Regra 1 Fim Se
Regra 2:
Exibir: “Os pedais e cadeiras estão ajustados?” Se pedais e cadeiras = ajustados Então ir para Regra 3
Senão ajustar pedais e cadeiras E ir para Regra 2 Fim Se
Regra 3:
Exibir: “Os comandos de vôo estão livres e com movimentos corretos?”
Se comandos de vôo = livres e com movimentos corretos Então Ir para Regra 4 Senão abortar vôo E ir para regra 39
Fim Se Regra 4:
Exibir: “Os disjuntores estão comprimidos?” Se disjuntores = comprimidos Então ir para Regra 5
Senão comprimir disjuntores E ir para Regra 4 Fim Se
Regra 5:
Exibir: “O acelerômetro está ajustado?”
Se acelerômetro = ajustado Então ir para Regra 6 Senão ajustar acelerômetro E ir para Regra 5 Fim Se
Regra 6:
Exibir: “O cinto está ajustado?”
Se cinto = ajustado Então ir para Regra 7 Senão ajustar cinto E ir para Regra 6 Fim Se
Regra 7:
Exibir: “O pára-quedas está ajustado?”
Senão ajustar pára-quedas E ir para Regra 7 Fim Se
Regra 8:
Exibir: “Os suspensórios estão ajustados?” Se suspensórios = ajustados Então ir para Regra 9
Senão ajustar suspensórios E ir para Regra 8 Fim Se
Regra 9:
Exibir: “O capacete está ajustado?”
Se capacete = ajustado Então ir para Regra 10 Senão ajustar capacete E ir para Regra 9 Fim Se
Regra 10:
Exibir: “O plug do microfone está conectado?”
Se plug do microfone = conectado Então ir para Regra 11 Senão conectar plug do microfone E ir para Regra 10 Fim Se
Regra 11:
Exibir: “O plug do fone está conectado?”
Se plug do fone = conectado Então ir para Regra 12 Senão conectar plug do fone E ir para Regra 11 Fim Se
Regra 12:
Exibir: “A válvula de descarga está fechada?”
Se válvula de descarga = fechada Então ir para Regra 13 Senão fechar válvula de descarga E ir para Regra 12 Fim Se
Regra 13:
Exibir: “A válvula de descarga está frenada?”
Se válvula de descarga = frenada Então ir para Regra 14 Senão frenar a válvula de descarga E ir para Regra 13 Fim Se
Regra 14:
Exibir: “A seletora de emergência está posição neutro?”
Se seletora de emergência = posição neutro Então ir para Regra 15
Senão colocar a seletora de emergência na posição neutro E ir para Regra 14 Fim Se
Regra 15:
Exibir: “A chave dos magnetos está desligada?”
Se chave dos magnetos = desligada Então ir para Regra 16
Senão colocar a chave dos magnetos na posição desligada E ir para Regra 15 Fim Se
Regra 16:
Exibir: “O interruptor de bateria está desligado?”
Se interruptor de bateria = desligado Então ir para Regra 17
Fim Se Regra 17:
Exibir: “As luzes de aviso estão com funcionamento normal?” Se luzes de aviso = funcionamento normal Então ir para Regra 18
Senão abortar o vôo E ir para regra 39 Fim Se
Regra 18:
Exibir: “A luz de aviso de despressurização está apagada?”
Se luz de aviso de despressurização = apagada Então ir para Regra 19 Senão abortar o vôo E ir para regra 39
Fim Se Regra 19:
Exibir: “O amperímetro está marcando zero amperes?”
Se amperímetro = marcando zero amperes Então ir para Regra 20 Senão abortar o vôo E ir para regra 39
Fim Se Regra 20:
Exibir: “O interruptor do alternador está desligado?”
Se interruptor do alternador = desligado Então ir para Regra 21
Senão colocar interruptor do alternador na pos. desligado E ir para Regra 20 Fim Se
Regra 21:
Exibir: “O interruptor da bomba de reforço está desligado?”
Se interruptor da bomba de reforço = desligado Então ir para Regra 22
Senão colocar interruptor da bomba de reforço na pos. desl. E ir para Regra 21 Fim Se
Regra 22:
Exibir: “O interruptor de partida está com o protetor baixado?” Se interruptor de partida = protetor baixado Então ir para Regra 23
Senão colocar o protetor do interruptor de partida na posição baixado E ir para
Regra 22
Fim Se Regra 23:
Exibir: “Todos os demais interruptores estão desligados?” Se todos interruptores = desligados Então ir para Regra 24
Senão colocar todos os interruptores na posição desligado E ir para Regra 23 Fim Se
Regra 24:
Exibir: “As luzes verdes do aviso de trem de pouso estão acesas?”
Se luzes verdes do aviso de trem de pouso = acesas Então ir para Regra 25 Senão abortar o vôo E ir para regra 39
Fim Se Regra 25:
Exibir: “As luzes vermelhas do aviso de trem de pouso estão apagadas?”
Se luzes vermelhas do aviso de trem de pouso = apagadas Então ir para Regra 26 Senão abortar o vôo E ir para regra 39
Fim Se Regra 26:
Exibir: “O comando dos flapes estão na posição neutro?” Se comando dos flapes = posição neutro Então ir para Regra 27
Senão colocar o comando dos flapes na posição neutro E ir para Regra 26 Fim Se
Regra 27:
Exibir: “O compensador do profundor está na posição neutro?”
Se compensador do profundor = posição neutro Então ir para Regra 28
Senão colocar o compensador do profundor na pos. neutro E ir para Regra 27 Fim Se
Regra 28:
Exibir: “O velocímetro está marcando zero nós?”
Se velocímetro = marcando zero nós Então ir para Regra 29 Senão abortar o vôo E ir para regra 39
Fim Se Regra 29:
Exibir: “O horizonte artificial está com o funcionamento normal?” Se horizonte artificial = funcionamento normal Então ir para Regra 30
Senão abortar o vôo E ir para regra 39 Fim Se
Regra 30:
Exibir: “O indicador de curva e inclinação está com o funcionamento normal?” Se indicador de curva e inclinação = funcionamento normal Então ir para Regra 31
Senão abortar o vôo E ir para regra 39 Fim Se
Regra 31:
Exibir: “O indicador de razão de subida está marcando zero?”
Se indicador de razão de subida = marcando zero Então ir para Regra 32 Senão abortar o vôo E ir para regra 39
Fim Se Regra 32:
Exibir: “O altímetro está com o funcionamento normal?” Se altímetro = funcionamento normal Então ir para Regra 33
Senão abortar o vôo E ir para regra 39 Fim Se
Regra 33:
Exibir: “O relógio está com o funcionamento normal?” Se relógio = funcionamento normal Então ir para Regra 34
Senão abortar o vôo E ir para regra 39 Fim Se
Regra 34:
Exibir: “O fluxômetro está marcando zero?”
Se fluxômetro = marcando zero Então ir para Regra 35 Senão abortar o vôo E ir para regra 39
Regra 35:
Exibir: “O manômetro está com o funcionamento normal?” Se manômetro = funcionamento normal Então ir para Regra 36
Senão abortar o vôo E ir para regra 39 Fim Se
Regra 36:
Exibir: “Os termômetros estão com o funcionamento normal?” Se termômetros = funcionamento normal Então ir para Regra 37
Senão abortar o vôo E ir para regra 39 Fim Se
Regra 37:
Exibir: “A bússula está com o funcionamento normal?” Se bússula = funcionamento normal Então ir para Regra 38
Senão abortar o vôo E ir para regra 39 Fim Se
Regra 38:
Exibir: “Os rádios de comunicação estão desligados?” Se rádios de comunicação = desligados Então
Exibir: “A inspeção interna do pré-vôo está concluída!” Senão desligar rádios de comunicação E ir para regra 38
Fim Se Regra 39:
Se vôo = abortado Então
Exibir: “O vôo foi abortado;” Exibir: “Rever o Plano de Vôo;”
Exibir: “Relatar a(s) deficiência(s) no Relatório de Vôo;” Exibir: “Avisar a equipe de manutenção;”
Exibir: “Avisar a equipe de controle dos vôos;”
Exibir: “Aguardar a solução da equipe de controle dos vôos;”
Exibir: “Após a solução do problema, reiniciar todos os procedimentos desta
inspeção.”
Fim Se
Diversas regras quando recaem no “Então” solicitam uma ação corretiva e depois retornam à própria regra. Para alguém que não está acostumado com a rotina de inspeções em aeronaves pode causar alguma estranheza este tipo de procedimento ou achá-lo desnecessário, porém, é desta forma que se assegura que há plena certeza (100%) de que todos os passos dessa rotina foram cumpridos rigorosamente.
Também, outras regras quando recaem no “Então” conduzem quem está inspecionando a aeronave a abortar o vôo e ir para a Regra 39. Nesta regra estão listados os passos necessários quando existe uma abortagem do vôo. Os itens envolvidos nestas regras, caso não estejam funcionando absolutamente corretamente, comprometem o vôo e oferecem risco tanto para o perfeito funcionamento da aeronave como para a integridade física dos tripulantes.
5. Considerações finais
As regras de inferência acima foram submetidas à apreciação de 10 pilotos do T-25 para a validação das mesmas. Houve unanimidade em afirmar que as regras, embora abordem apenas uma das etapas de todo o procedimento de inspeção na aeronave anteriormente a qualquer vôo, estão corretas e confiáveis.
Todos os pilotos entrevistados manifestaram interesse em conhecer o produto final, ou seja, o sistema especialista devidamente implementado em um palmtop. Manifestaram-se ainda favoráveis a testar o equipamento em situações reais e simuladas de vôo até comprovarem sua eficácia, eficiência, precisão, confiabilidade e compatibilidade com as necessidades destes pilotos.
Os pilotos entrevistados elogiaram a iniciativa deste trabalho e incentivaram a continuidade das pesquisas até a geração do produto final, ou seja, o sistema especialista com todos os procedimentos contidos no manual de vôo daquela aeronave (AEROMOT, 1984).
Com as regras de inferências mostradas neste artigo, será possível avançar na elaboração do sistema especialista proposto. O próximo passo será criar as regras de inferência para a inspeção externa da aeronave que ocorre antes de cada vôo em condições normais de vôo diurno.
Espera-se que a publicação deste trabalho, além de servir de base para quem está iniciando a elaboração de sistemas especialistas, também possa incentivar a elaboração destes tipos de sistemas para situações práticas e de emprego imediato.
Referências
AEROMOT - AERONAVES E MOTORES LTDA. (1984) - Manual de Vôo do T-25. Brasil, Ordem Técnica 1T-25-1.
CALFAT, R. A. (1981) - Um Sistema Especialista de Apoio na Seleção de Técnicas de Sequenciação.
Dissertação de Mestrado. Escola Politécnica - USP.
FORÇA AÉREA BRASILEIRA. (1997) - Manual Condensado de Verificação do T-25 Universal - Check List. Brasil, Ordem Técnica 1T-25-1A.
HART, A. (1986) - Knowledge Acquisition for Expert Systems. S.l., McGraw-Hill. JACKSON, P. (1986) - Introduction to Expert Systems. Great Britain, Addison-Wesley.
MOCKLER, R. J.; DOLOGITE, D. G. (1992) - An Introduction to Expert Systems. Macmillan Publishing Company, New York.
PASSOS, E.L. (1989) - Inteligência Artificial e Sistemas Especialistas ao alcance de todos. São Paulo, LTC. WATERMAN, D. (1986) - A Guide to Expert Systems. S.l., Addison-Wesley.