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A Filosofia e os Professores de Adorno e a Recusa a uma Educação para a Emancipação

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Academic year: 2020

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INTRODUÇÃO À QUESTÃO DA FINALIDADE

E

mbora tendo uma produção específica para a educação restrita, em relação à quantidade de produções gerais, Adorno desenvolve na coletânea Educação e Emancipação reflexões que trazem sua concepção sobre educação, bem como críticas à educação na sociedade administrada, considerações sobre a profissão docente e algumas sugestões de como uma educação, no seu sentido emancipador, poderia acontecer na sociedade em que ele tão fortemente denuncia. Assim, quando se fala em educação no pensamento de Adorno, a relação com a emancipação acontece, mais especificamente, pela ligação que se faz com suas reflexões expostas na referida obra.

O que este trabalho pretende destacar, todavia, é que, mesmo relacio-nando educação e emancipação, muitos têm caído no equívoco de tornar a emancipação um ideal de educação, como finalidade, destituído das consi-derações históricas e sociais necessárias ao processo educativo. Dessa forma,

Resumo: considerações sobre filosofia, educação e emancipação, em Adorno, entendidas como experiência formativa implícita nos próprios conceitos, contrariando uma finalidade exterior. Critica a redução da filosofia, ressaltando o sentido do filosofar necessário ao trabalho docente e da educação que deve se distanciar de um “para quê” instrumentali-zado e se impor como sentido e direção, ou “para onde a educação deve conduzir

Palavras-chave: educação, filosofia, finalidade, sentido, experi-ência formativa

Lenildes Ribeiro Silva

A “FILOSOFIA E OS PROFESSORES” DE ADORNO E A RECUSA

A UMA “EDUCAÇÃO PARA A EMANCIPAÇÃO”

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muitas vezes, a emancipação é tomada na sua apropriação instrumental, ideológica, servindo até mesmo como slogans comerciais de instituições de ensino, os quais aproximam-se mais da apreensão do conhecimento como mercadoria, criticado por Adorno, que do sentido de emancipação por ele desenvolvido. Essa apropriação do pensamento do autor, contraria suas reflexões que se distanciam de qualquer relação instrumental, entre meios e fins, o que é duramente criticado por ele em todos os temas trabalhados.

Essa apreensão indevida da concepção de emancipação, em sua rela-ção com a educarela-ção, corresponde a uma problemática do esvaziamento de muitos outros conceitos que, sem qualquer relação com o real, no sentido da crítica, da negação, servem antes de justificação deste, no seu caráter ide-ológico, falso, ainda que se efetivando em nome da democracia, liberdade, autonomia, emancipação, educação1. Antes da correspondência com o real

no sentido crítico, o conceito funciona como uma fórmula, aproximando de chavões e pronunciamentos, como que mágicos, na medida em que se fixa no dado relacionando-se a ele de forma imediata, garantindo assim, a legitimidade do discurso e seu aprisionamento no real. Dessa forma, “[...] a palavra, que não deve significar mais nada, fica tão fixada na coisa que ela se torna uma fórmula petrificada” (HORKHEIMER; ADORNO, 1985, p. 154). Diante desta problemática, este trabalho se faz no sentido da exposição do pensamento de Adorno sobre a relação entre educação e emancipação, que se distancia de qualquer objetivo exterior ao próprio conceito de educação, sobretudo, sem as devidas relações com a realidade, a história, sendo apresentada pelo autor como sentido e direção, não como finalidade, ou ideal.

Os textos escolhidos para este trabalho são A filosofia e os professores e Educação – para que? O primeiro texto, publicado inicialmente em 1962, origina-se de uma palestra realizada por Adorno na Casa de Estudante de Frankfurt que foi também transmitida pela rádio de Hessen em novembro de 1961. O segundo texto, em caráter de entrevista, provém de um debate realizado também na rádio de Hessen, em 1966, publicado no ano seguin-te. Ambos estão reunidos na obra Educação e Emancipação junto a outros trabalhos do autor, publicados no Brasil na década de 1990, com a tradução de Wolfgang Leo Maar (UFSCAR).

A recusa de Adorno a uma finalidade para a educação que a conduzisse a uma relação direta com um ideal exterior, se apresenta, explicitamente, no título da obra e do último capítulo: Educação e Emancipação. No texto Educação – para quê? ele introduz a discussão esclarecendo o sentido do para que educação, o que demonstra a preocupação do autor em compreender o

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conceito de educação em si, implicando formação e emancipação, e seguida-mente, acrescenta em que medidas esse para que precisa ser pensado para evitar sua apropriação no sentido instrumental e ideológico, separado das relações com a materialidade social e a história o que torna a educação fetichizada, imune à crítica e, por tanto, distante do seu sentido emancipador. Nota-se, nesse sentido que, no decorrer deste e de outros textos da coletânea, somente onde o autor esclarece o sentido do para que, o termo é utilizado. Em outros momentos, a emancipação é relacionada à educação como objetivo, sentido e direção, e até como sinônimo.

Nesse raciocínio, ao buscar perfazer a reflexão proposta, este texto fará menção ao A filosofia e os professores, no item A filosofia e o trabalho do filósofo em Adorno, ressaltando os pontos relevantes para essa discussão e a relação deste com o texto que será trabalhado no segundo item, a saber, O sentido da educação e a pergunta ‘para que’, e assim, evidenciar em que pontos a filosofia se confunde com a própria educação e, desse modo, se distancia da especialização, da finalidade, do para que na sua apreensão restrita e imediata.

A FILOSOFIA E O TRABALHO DO FILÓSOFO EM ADORNO O texto A filosofia e os professores foi elaborado por Adorno a partir de suas observações sobre a prova geral de filosofia para professores das escolas superiores do estado de Hessen, Alemanha, na década de 1960. Indignado com o sentido da avaliação dos candidatos, o autor revela alguns pontos em que pauta sua crítica ao referido modelo de prova, especialmente, a fragmentação de assuntos e temas que revelam a incoerência entre o sentido exposto na regulamentação da prova e sua efetivação. Na regulamentação da referida prova, o objetivo era exposto na intenção de verificar se o candidato teria apreendido o “sentido formativo” e o “potencial formativo” e ainda de desenvolver-se dirigindo às “questões essenciais para a formação viva atual” sem ater-se às questões relativas à filosofia profissional. Entretanto, o que se verificou no desenvolvimento das provas não correspondeu a esse objetivo, ou seja, a preocupação com a especialização de temas e assuntos, o desen-volvimento do candidato diante destes, retirou do processo aquilo que, para Adorno, é essencial ao desempenho da filosofia, isto é, pensar a profissão e a si mesmos e, sobretudo, as relações que se estabelecem entre o trabalho e a totalidade social. Diferencia, dessa forma, o que seria um profissional e um intelectual e expõe como necessária à formação filosófica a liberda-de, a autonomia, e, essencialmente, a formação cultural, entendida como experiência formativa.

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Nesse raciocínio, convém destacar algumas considerações sobre o que o autor compreende como formação e experiência. Para Adorno, o que caracteriza o exercício intelectual, que compreende o trabalho do filósofo, é a formação, constituída no exercício da experiência formativa, que não se detém, restritamente, à frequencia de cursos específicos, tampouco à apro-priação de términos filosóficos e seus respectivos autores, o que destitui a possibilidade do sujeito, da liberdade, intrínsecos ao filosofar no seu sentido verdadeiro. A formação é, assim, formação cultural, em que o sujeito apro-pria-se da cultura, como produção humana e, conforme a especificidade da discussão aqui necessária, dos conceitos e particularidades relativas ao saber filosófico, não como afirmação e reprodução da realidade, mas, interrogação de uma realidade que não se deixa apreender de maneira fixa, imediata, buscando compreender suas mediações que só se evidenciam no exercício do pensamento feito pelo sujeito que não se prendeu aos moldes da filosofia estritamente profissional, sendo assim, a experiência daquilo que pode erigir como possibilidade de uma outra realidade. Compreendendo a cultura no seu sentido amplo, emancipador, Adorno afirma que “[...] La formación no es outra cosa que la cultura por el lado de su apropriación subjetiva” (ADORNO, 1972, p. 142-3), de outra forma, ou ainda, onde a emancipação não estiver relacionada à essa apropriação subjetiva, converte-se no seu contrário, ou seja, o sujeito nega-se a si mesmo onde mais pensa existir e, por sua vez, a cultura retira de si o caráter emancipador que a constitui, direcionado-se à justificação e à continuação daquilo que já existe. Numa das suas defini-ções sobre o conceito de formação relacionada ao trabalho do professor de filosofia, Adorno expõe que,

A formação cultural é justamente aquilo para o que não existem à dis-posição hábitos adequados; ela só pode ser adquirida mediante esforço espontâneo e interesse, não se pode ser garantida simplesmente por meio da frequencia de cursos [...] e justamente esta tentativa e não um resultado fixo que constitui a formação cultural (Billdung) que os candidatos devem adquirir, [...] que os futuros professores tenham uma luz quanto ao que eles próprios fazem, em vez de se manterem desprovidos de conceitos em relação à sua atividade. As limitações objetivas que, bem sei, se abatem sobre muitos, não são invariáveis. A auto-reflexão e o esforço crítico são dotados por isso de uma possibilidade real, a qual seria precisamente o contrário daquela dedicação férrea pela qual a maioria decidiu. Esta contraria a formação cultural e a filosofia, na medida em que de antemão é definida pela apropriação de algo previamente existente e válido, em

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que faltam o sujeito, o formando ele próprio, seu juízo, sua experiência, o substrato da liberdade (ADORNO, 1995, p. 69).

Num outro trabalho, Adorno (1995b) define experiência como experiência de pensamento, ou seja, do pensamento que não se prende à utilidade exigida pela racionalidade instrumental, ou à realidade existente, como confirmação do estado do mundo, o que implicaria no problema da práxis também identificada, ou seja, falsa práxis2. Nesse sentido, a experiência

é diferente de experimentalismo, ou do experimentado, na medida em que busca sair da repetição daquilo que existe e pode ser medido, quantificado. O pensamento, assim, não se reduz à formalização, à apropriação imediata do real, antes o excede, refletindo sobre si mesmo e a própria realidade em suas múltiplas relações. A experiência, desse modo, distancia-se do empírico e se aproxima da capacidade de diferenciação.

A ausência dessa formação é, para o autor, aquilo que o exame deixa transparecer quando a maioria dos candidatos se prende às terminações, temas e autores específicos sem a devida relação com seu trabalho e com a realidade social. Formação que, para além do que é exigido à filosofia estritamente profissional, torna o filósofo um intelectual, sendo assim, “necessária a quem pretende ser um formador” (ADORNO, 1995a, p. 63). Fato polêmico se estabelece no decorrer das críticas feitas por Adorno quando afirma, conforme exposto anteriormente, que essa formação não se restringe, nem se relaciona diretamente, à frequência de cursos específicos de filosofia, nem à disciplina específica. Muitas vezes, a formação é exercida de maneira autônoma, livre, o que a caracteriza como exercício espontâneo e constante, não apenas, como tem sido apropriada recorrentemente, como frequência a cursos de filosofia ou aquisição do diploma de filósofo. O autor não nega a importância da formação específica, o que ressalta nas suas reflexões é que esta é uma parte do processo, podendo contribuir ou não para o exercício da experiência formativa. Assim retoma a diferenciação entre o intelectual – a que também refere-se como pessoa de espírito3 – e o profissional no sentido de que,

Se alguém é ou não é intelectual, esta conclusão se manifesta sobretudo na relação com seu próprio trabalho e com o todo social de que esta relação forma uma parcela. Aliás, é essa relação, e não a ocupação com disciplinas específicas, tais como teoria do conhecimento, ética ou até mesmo história da filosofia, que constitui a essência da filosofia. Esta é a formulação de um filósofo a quem dificilmente se negará qualificação nas disciplinas filosóficas específicas (ADORNO, 1995a, p. 54-5).

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No lugar do pensamento, da experiência, a especialização da filosofia estritamente como disciplina específica e a formação como profissionalização tende à prisão aos dogmas científicos que impedem o exercício da autonomia. Estabelece nesse ponto, uma crítica acirrada à concepção de ciência moderna, cuja validade conferida ao rigor do método científico, à comprovação e quanti-ficação, retira de si o elemento crítico essencial ao filósofo que se quer mais que um especialista, ou seja, a liberdade e a autonomia. No lugar da consciência, instaura-se o aprisionamento aos termos filosóficos, aos chavões, cristalizando a consciência coisificada que erige como “[...] um consciente que rejeita tudo o que é conseqüência, todo o conhecimento do próprio condicionamento, e aceita incondicionalmente o que está dado” (ADORNO, 1994, p. 41). Dessa forma explicita que, “A crença no fatual do profissional especialista [...] é complementar à crença nas palavras de prestígio e nas reviravoltas mágicas do repertório jargão da autenticidade”, e mais adiante, “onde falta a reflexão do próprio objeto, onde falta o discernimento intelectual da ciência, ins-tala-se em seu lugar a frase ideológica” (ADORNO, 1994, p. 62). Contra isso a filosofia deveria se levantar, pois, a especialização, sua fixidez a clichês estabelecidos, é aquilo que a condiciona para longe do pensar que é intrín-seco a seu próprio conceito, distanciando-se assim, da reflexão sobre o objeto. Essa forma de pensar é o que Adorno denuncia ao afirmar que “as pessoas acreditam estar salvas quando se orientam conforme regras científicas” e, nesse sentido, ao invés do trabalho intelectual, “a observação científica converte-se num substituto da reflexão intelectual do factual” (ADORNO, 1994, p. 70). É potencial da própria filosofia levantar-se contra os jargões que retiram de si qualquer caráter filosófico, especificamente nas filosofias profissionais.

Convém ressaltar que Adorno não se opôs de maneira imediata aos temas filosóficos específicos, mas alertou para aquilo que deve se fazer presente ali mesmo onde a fragmentação persiste em ocorrer, a reflexão sobre o objeto, sobre o trabalho e a realidade. Muitas vezes a preocupação concentrada em dominar términos filosóficos específicos, a insegurança diante do risco, entre outros, retiram do candidato aquilo que lhe seria essencial como filósofo, a saber “o conhecimento da transformação do ob-jeto” (ADORNO, 1994, p. 61). Nesse sentido, estabelece, mais uma vez, a diferenciação entre o que caracteriza o filósofo, intelectual, e o profissional, especialista, ou seja, a “disposição aberta, à capacidade de se abrir à elementos do espírito, apropriando-os de modo produtivo na consciência, em vez de se ocupar com os mesmos unicamente para aprender, conforme prescreve um clichê insuportável” (p. 64). Relacionando-se a estes, a educação e a emancipação também se apresentam, no pensamento do autor, ligadas à

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liberdade, formação cultural e consciência, conforme seguem-se as reflexões do próximo item.

O SENTIDO DA EDUCAÇÃO E A PERGUNTA PARA QUE?

A mesma fragmentação denunciada por Adorno no ensino de filosofia que tende à contraposição daquilo que é intrínseco ao ato de filosofar é, todavia, estendida à apreensão de educação, que se compreende como uma das instâncias de experiência formativa. Assim, o que caracteriza a educação é, sobretudo, a formação, assim como o que é imprescindível ao trabalho do filósofo. Como já foram feitas algumas considerações sobre o conceito de formação, formação cultural e experiência formativa, destacam-se aqui, algumas passagens do texto Educação – para que? em que Adorno relaciona, especificamente, educação, emancipação e formação, trazendo, entretanto alguns pontos já mencionados no item anterior que contribuem como ponto de ligação entre os dois textos.

Na primeira resposta à pergunta elaborada por Becker, Adorno enfatiza formação e educação como sinônimos e já antecede o sentido que confere à emancipação, como direção e não finalidade: “Quando sugeri que nós conversássemos sobre: ‘Formação – para quê? Ou ‘Educação – para quê?, a intenção não era discutir pra que fins a educação ainda seria necessária, mas sim: para onde a educação deve conduzir?” e continua expondo a problemática evidenciando a emancipação como objetivo educacional, o que se sobressai aos seus campos e veículos ou seja, “[...] tomar a questão do objetivo educacional em um sentido muito fundamental, ou seja, que uma tal discussão geral acerca do objetivo da educação tivesse preponderância frente à discussão dos diversos campos e veículos da educação” (ADORNO, 1994, p. 140)4.

Adorno ressalta, entretanto, que, ao interrogar: Educação para quê?, isto deve se dar de tal modo a não vincular-se a um ideal a ser perseguido, ou seja, sem as relações que se estabelecem entre o próprio conceito de educação e deste com a realidade exterior, da qual a educação não se desvincula. Assim, “no instante em que indagamos: ‘Educação – para quê?’, onde este ‘para quê’ não é mais compreensível por si mesmo, ingenuinamente presente, tudo se torna inseguro e requer reflexões complicadas” (p. 140). Dessa forma, torna-se atual o pensamento de Adorno para o qual a imposição de um ideal exterior para a educação não ocorre naquilo que foi perdido, ou seja, suas promessas de emancipação que, ao atender ao exigido pelo presente, não se cumprem, e, “sobretudo uma vez perdido este ‘para quê’, ele não pode ser

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simplesmen-te restituído por um ato de vontade, erigindo um objetivo educacional a partir do seu exterior” (p. 140). É o que ocorre, por exemplo, no interior das chamadas sociedades democráticas em que a organização do mundo exerce uma pressão tamanha sobre as pessoas que tende a desviar qualquer sentido emancipador. Nesse caso, a autonomia cede lugar à heterononia, à adaptação ao existente, ainda que em nome de liberdade, emancipação, ou mesmo democracia, correspondendo ao “momento autoritário, o que é imposto do exterior” (p. 141). O autor acrescenta, nesse sentido, que, a democracia só se faz possível, efetivamente, com pessoas emancipadas. Daí, sua preocupação com a educação emancipadora no seu sentido político, o qual demanda conscientização e racionalidade.

Expostas as considerações sobre os riscos que se corre ao estabe-lecer para a educação qualquer finalidade exterior, Adorno apresenta uma concepção de educação para a qual se impõe intrinsecamente o conceito de consciência. Assim, no mesmo sentido que ele interroga sobre o conceito de filosofia, relacionada com a consciência, e sua apropriação restrita e ideoló-gica, a educação não seria uma “modelagem de pessoas” ou “transmissão de conhecimento” mas “a produção de uma consciência verdadeira” (p. 142). Consciência que não se desvincula da emancipação, da razão, conforme as palavras do autor quando afirma que: “emancipação significa o mesmo que conscientização, racionalidade” (p. 143). Assim, emancipação, racionalidade e consciência estão imbricadas na própria concepção de educação elaborada pelo autor, – o termo “produção” retira qualquer relação de exterioridade e se apresenta como inerente ao desenvolvimento da própria educação. Di-ferenciando consciência do pensamento que se dá nos moldes científicos, ou “capacidade formal de pensar”, o autor explicita que,

[...] aquilo que caracteriza propriamente a consciência é o pensar em relação à realidade, ao conteúdo – a relação entre as formas e estruturas de pensamento do sujeito e aquilo que este não é. Este sentido mais profundo de consciência ou faculdade de pensar não é apenas o desenvolvimento lógico formal, mas ele corresponde literalmente à capacidade de fazer experiências. Eu diria que pensar é o mesmo que fazer experiências intelec-tuais. Nesta medida e nos termos que procuramos expor, a educação para a experiência é idêntica à educação para a emancipação (p. 151). A consciência assim, difere-se da consciência coisificada, presa à or-ganização do mundo, cujos processos contribuem não para a formação no sentido aqui exposto, mas para uma falsa formação conforme sua adequação

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irrefletida à essa organização. Essa consciência coisificada, torna-se pseudo-consciência ao não buscar compreender a realidade em suas contradições. Antes, a realidade apresenta-se como clara e legítima, não permitindo ao indivíduo pensar para além do já estabelecido, destituindo-o assim, da possibilidade de diferenciar-se e, portanto, de fazer experiência intelectuais. Para Adorno, a capacidade de fazer experiências intelectuais não se reduz às formalidades do pensamento científico, antes se faz na reflexão sobre o conteúdo, a realidade e suas contradições. Assim, o sentido da consciência, da capacidade de pensar, relaciona-se à “capacidade de fazer experiências intelectuais” o que traz a compreensão de que “a educação para a experiência é idêntica à educação para a emancipação” (ADORNO, 1995, p. 151).

As dificuldades que se impõem à educação para a experiência são expostas no sentido de que trata de algo que se relaciona tanto com a objetividade como com a subjetividade, ou seja, no que se refere à organização total do mundo que tende a impedir a emancipação, à constante necessidade de adaptação imposta pela realidade e, da mesma forma, a resistência do próprio indivíduo à experiência do diferente. Assim, uma educação direcionada à emancipação precisa direcionar-se à produção da aptidão para a experiência relacionada à individuação, à produção do eu forte, à conscientização. É nesse sentido que Adorno refere-se à Kant evidenciando que, a causa da menoridade – ausência de autonomia – não se relaciona simplesmente às imposições exteriores, mas também à resistência do próprio indivíduo, ou seja, “a falta de decisão e de coragem de servir-se do entendimento sem a orientação de outrem” (p. 169) destituindo-se a si mesmos da possibilidade da experiência, da emancipação. Dessa forma, a emancipação, mais uma vez é concebida pelo autor como um exercício formativo, implícito no processo educativo, que extrapola qualquer ideal exterior, que por assim o ser, já encerra em si o pressuposto da heteronomia desviando-se do sentido emancipador e formativo aqui exposto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: SOBRE A RELAÇÃO ENTRE FILOSOFIA E EDUCAÇÃO

A junção dos dois textos nessa discussão se faz, primeiramente, pela busca do autor em indagar o sentido, desde o interior, daquilo que é filoso-fia, da mesma forma que interroga a educação, para assim, relacionar com as apreensões ideológicas e especializadas que acontecem com ambos os conceitos e que, na atualidade, correspondem à exigência da especialização cada vez mais presentes no que tende às relações de utilidade e fragmentação

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contínua cada vez maior no âmbito da produção do conhecimento, arti-culado às especializações também no mundo do emprego. A relação entre filosofia e educação apresenta dois pontos essenciais nas reflexões do autor, a saber, a relação entre teoria e prática, evidente quando o autor relaciona a educação, como formação, o que refere-se também como educação política, com a reflexão filosófica, social e histórica. O outro ponto chave na discus-são entre filosofia e educação é a dialética, presente nos dois conceitos no que diz respeito às suas ambigüidades, apropriações e seu sentido mesmo. Dessa forma, a denúncia se faz, não apenas no que diz respeito à realidade social, mas também à própria filosofia que busca pensar essa realidade e a educação nas suas promessas de emancipação, mudança, e constituição de um mundo mais humano. Concebe assim, as crises por quais perpassam o ato de pensar e os processos educativos nessa sociedade, suas contradições, determinações e possibilidades o que é, para o autor, essencial para o sentido do filosofar e do educar defendidos por ele.

Distante de defender a existência de educações e, nesse sentido, estabelecer finalidades diferentes a cada uma delas, Adorno ressalta existir no próprio conceito de educação uma ambigüidade. Ou seja, não há uma educação que sirva a adaptação no mundo, à consciência coisificada, ou à falsa formação, o que se verifica é que o sentido formador da educação pode acontecer na mesma realidade em que ocorre a adaptação, a justificação constante do mundo, convertendo-se em autocrítica permanente. Dessa forma, a desmitificação do conceito de educação se faz ao compreender que, mesmo na compreensão da educação relacionada à emancipação, seu contrário pode ocorrer se não observadas as determinações que se impõem para a própria educação e os sujeitos desta. Assim, expõe-se o pensamento de Adorno nas seguintes palavras:

A educação seria impotente e ideológica se ignorasse o objetivo de adap-tação e não preparasse os homens para se orientarem no mundo. Porém ela seria igualmente questionável se ficasse nisso, produzindo nada além de well adjusted people, pessoas bem ajustadas, em conseqüência do que a situação existente se impõe precisamente no que tem de pior. Nestes termos, desde o início existe no conceito de educação para a consciência e para a racionalidade uma ambigüidade (p. 144).

As observações feitas por Adorno no que corresponde ao ensino de filosofia e à educação não se restringem à década em que tais problemas foram tratados pelo autor, tampouco tratam de uma realidade restrita ao

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ensino alemão. Transpondo tais reflexões para a atualidade, verifica-se que, a cada vez mais, a tendência da fragmentação imposta pelo modelo neoliberal, evidenciada nas políticas de descentralização, na recorrência de termos como flexibilidade, multiplicidade, diversidade, dentre outros, pronunciados na política, na cultura, na economia, do mundo do emprego, cada vez mais fragmentado.

Da mesma forma que o autor defende uma filosofia que – não exclui ou coloca em segundo plano – todavia, se estende muito além dos conheci-mentos específicos, a educação foge das especialidades, concebida pelo autor na sua universalidade, como educação do ser humano. De outra forma, renderia ao discurso que tende a invocar as mais diferentes educações, a saber, educação para a autonomia, democracia, formação profissional, assim como educação para rico, pobre, negro, branco, para o nordeste, sudeste, para países desenvolvidos, ou para aqueles em desenvolvimento, para a adap-tação, a transformação social, tudo funcionando conforme as necessidades imediatas do cliente, consumidor dessa ou daquela educação.

Sem as devidas relações que se estabelecem entre o saber e a realidade social, entre as especificidades que compreendem o saber filosófico e a vida, o trabalho daquele que se quer filósofo e a totalidade social, a filosofia perde seu sentido e torna-se vazia diante das disciplinas cujo pragmatismo e a relações entre meios e fins já aparecem de antemão, a filosofia é, nesse sentido, “perce-bida como um peso morto que dificulta a aquisição de conhecimentos úteis, seja na preparação das disciplinas principais, prejudicando o progresso nessa área, seja na aquisição de conhecimentos profissionais” (p. 69). Nesse sentido, não se trata de desfazer a filosofia ou a educação que se articula com o mundo do trabalho apresentando outras com caráter puramente emancipador, o que, dentro das (im)possibilidades da sociedade atual seria igualmente ideológico, mas trata-se antes de tudo, criticar a filosofia e a educação desde seu interior e fazer com que elas mesma atentem-se aos objetivos imanentes ao seu sentido, isto é, a emancipação, a resistência, a consciência.

Notas

1 Outros autores do Instituto de Pesquisa Social do qual Adorno fez parte durante aproximadamente três décadas, refletiram sobre o esvaziamento dos conceitos na sociedade industrial. Horkheimer, em Eclipse da Razão, afirma que, no trajeto da formalização da razão, o que ele vem denominar de razão instrumental, os conceitos foram instrumentalizados, “[...] acrodinamizados, racionalizados, tornaram-se instrumentos de economia de mão-de-obra. É como se o próprio pensamento tivesse se reduzido ao processo industrial, submetido a

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um programa estrito, em suma, tivesse se tornado uma parte e uma parcela da produção” (HORKHEIMER, 2000, p. 30). Ainda tratando da administração dos conceitos pela lógica da sociedade administrada, Marcuse (1967) expõe em Sociedade Unidimensional, a afirmação de que “Na expressão desses hábitos de pensar, a tensão entre aparência e realidade, fato e fator, substância e atributo, tende a desaparecer. Os elementos de autonomia, descoberta, demonstração e crítica recuam diante da designação, asserção e imitação. Elementos mágicos, autoritários e rituais invadem a palavra e a linguagem. A locução é privada das mediações que são as etapas do processo de cognição e avaliação cognitiva. Os conceitos que compreendem os fatos, e desse modo transcendem estes, estão perdendo sua representação lingüística autêntica. Sem tais mediações, a lingua-gem tende a expressar e a promover a identificação imediata da razão e do fato, da verdade e da verdade estabelecida, da essência e da existência, da coisa e de sua função” (MARCUSE, 1967, p. 93)

2 Para Adorno, a perda da experiência do pensamento que se prende ao real incide diretamente na questão da práxis, assim, “o que, desde então, vale como o pro-blema da práxis, e hoje novamente se agrava na questão da relação entre teoria e práxis, coincide com a perda de experiência causada pela irracionalidade do sempre-igual. Onde a experiência é bloqueada ou simplesmente já não existe, a práxis é danificada e, por isso, ansiada, desfigurada, desesperadamente superva-lorizada. Assim, o problema da práxis está entrelaçado com o do conhecimento” (ADORNO, 1995b, p. 204).

3 Ao utilizar a expressão pessoa de espírito, referindo-se ao intelectual, Adorno ressalta no texto em questão uma ambigüidade dos termos, como também relativo a “estupidez ou integridade moral superior” (p. 54). Essa reflexão é melhor desenvolvida no ensaio Contra os que têm resposta pra tudo no qual de-monstra que “há um espírito que é anti-humano: sua marca é a superioridade bem informada” (HORKHEIMER; ADORNO, 1985 p. 195). Refere-se assim, a estupidez em forma de inteligência, a exemplo dos nazistas, em que, aquela pessoa dotada de uma espécie de ignorância transvestida de uma inteligência arrogante, impede o reconhecimento do outro, e a mediação do conhecimento, dessa forma, se dá pelo poder e a relação de concessão. “São os juízos bem in-formados e perspicazes, os prognósticos baseados na estatística e na experiência, as declarações começando com as palavras: ‘Afinal de contas, disso eu entendo’, são os statements conclusivos e sólidos que são falsos” (p. 195).

4 No texto intitulado Educação e emancipação da mesma coletânea, Adorno expõe, mais uma vez, a emancipação como direcionamento, condução. Para ele, “a única concretização efetiva da emancipação consiste em que aquelas poucas pessoas interessadas nesta direção orientem toda a sua energia para que a educação seja uma educação para a contradição e para a resistência” (p. 183). Mais adiante, o autor confere educação à “tentativa séria de conduzir a sociedade à emanci-pação”, assumindo evitar, propositalmente, o termo educar naquele momento

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(p. 185). Sobre a relação entre educação e a incapacidade de experiência num mundo dominado pela técnica, Adorno, ao para aliar educação e conhecimentos relacionados à psicologia expõe a educação como “uma educação efetivamente procedente em direção à emancipação” (p. 149).

Referências

ADORNO, W. T. A filosofia e os professores. In. Educação e Emancipação.São Paulo: Editora Paz e Terra, 1995.

ADORNO, W. T. Educação – para quê?. In. Educação e Emancipação.São Paulo: Editora Paz e Terra, 1995.

ADORNO, W. T. Educação e Emancipação. In. Educação e Emancipação. São Paulo: Paz e Terra, 1995.

ADORNO, W. T. 1972.

ADORNO, W. T. Palavras e sinais: modelos críticos 2. Tradução de Maria Helena Ruschel. Petrópolis: Vozes, 1995b.

Abstract: considerations about philosophy, education and emancipation, in Adorno, understood as formative experience implicit in the own concepts, thwarting an external purpose. Critical of the reduction of the philosophy, pointing out the sense of philosophi-zing necessary to the educational work and of the education that should distance if of one “ for something “ in its instrumental aspect, and to impose as sense and direction, or “ for where the education should lead “.

keywords: education; philosophy; purpose; sense; formative experience

Elaborado a partir da comunicação do trabalho Adorno: Filosofia e educação – para quê? No Simpósio de ensino de filosofia – SIMPHILO, em dezembro de 2007, na Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP

LENILDES RIBEIRO SILVA

Doutoranda Filosofia, História e Educação pela Universidade Estadual de Campi-nas (Unicamp). Mestre em Educação pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Pedagoga. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDÉIA). E-mail: lenildesribeiro@hotmail.com

Referências

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