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A Verdade a Serviço da Vida: ressonâncias entre os pensamentos de William James e Friedrich Nietzsche II

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Academic year: 2020

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Arthur Arruda Leal Ferreira

A VERDADE A SERVIÇO DA VIDA: RESSONÂNCIAS ENTRE

Resumo: neste artigo, o cotejo entre os pensamentos de William James e Friedrich Nietzsche será visto em temas como a recusa à tese de representação, a relação da verdade com a vida, a relação do pragmá-tico com o genealógico, a verdade como artifício, a vontade de crer e o pluralismo. Também será vista a repercussão destes temas em alguns pensamentos atuais.

Palavras-chave: genealogia, pragmatismo, vida, verdade Artigos

OS PENSAMENTOS DE WILLIAM JAMES E FRIEDRICH NIETZSCHE II

o artigo anterior publicado nesta mesma revista (FERREIRA, 2005), foram perfilados os pensamentos de Friedrich Nietzsche e William

N

James, considerando a questão da relação entre a verdade e a vida. Se para James a vida é adaptação nos fluxos da experiência, para Nietzsche, vontade de potência, forças múltiplas em busca de afirmativa de expansão, e negativa de conservação. Mesmo com estas diferenças conceituais, a vida vai ser al-çada à categoria de valor filosófico-chave. Se a vida torna-se o único parâmetro, a verdade que pode ser predicada sobre ela não se curva mais à relação de representação. Aqui, caberiam duas estratégias para a consideração da ver-dade: de um lado pode se identificar esta exclusivamente à relação de repre-sentação; neste caso ela seria ficcional e contrária à vida (estratégia excludente). De outro lado, pode se tomar a verdade como os efeitos que o nosso conhe-cimento produz na vida (estratégia includente). James seria nitidamente includente enquanto Nietzsche teria uma postura oscilante. É nos momen-tos includentes que se torna possível uma aproximação de Nietzsche com o pragmatismo, conduzindo inclusive comentadores como Berthelot (1913) a classificá-lo como tal. Neste artigo, este cotejo será aprofundado em uma

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série de temas, como a recusa à tese de representação, a relação da verdade com a vida, a relação do pragmático com o genealógico, a verdade como artifício, a vontade de crer e o pluralismo. Além disto, será vista a relação destes temas com os propostos por alguns pensadores atuais.

NIETZSCHE PRAGMATISTA?

Caracterizar Nietzsche como pragmatista, como faz Berthelot (1913), pode ser talvez um passo demasiado, mesmo que as abordagens includentes da verdade e do conhecimento sejam palpáveis desde os primeiros escritos de 1870 até seus textos derradeiros. Mais do que um juízo derradeiro sobre a natureza do trabalho nietzscheano (incompatível com o teor deste texto) será buscada aqui uma aliança com o pragmatismo na elaboração de uma noção renovada de verdade, sem qualquer vinculação à idéia de representa-ção, mas como gestação de efeitos, de produção de mundo (e do próprio sujeito), sem cair em problemas como a busca de algo mais verdadeiro que a verdade, dilema próprio da estratégia excludente. Enfim, verdade como criação. Tragamos alguns trechos expressivos na tentativa de trazer Nietzsche para este novo front.

O Combate à Noção de Noumeno: o mundo como produção

Podemos encontrar de modo farto nos escritos de Nietzsche críticas contra a idéia de uma coisa em si (ou ao menos na sua primeira fase contra uma essência que não seja dionisíaca) e ao seu relacionamento enquanto adequação. Certamente aqui temos a forte influência de Kant e Schopenhauer. O filósofo alemão assim demole a noção de noumeno:

O que é uma palavra? A representação sonora de uma excitação nervo-sa. Mas concluir de uma excitação para uma causa exterior a nós, é já o resultado de uma aplicação falsa e injustificada do princípio de ra-zão. Como teríamos direito, se só a verdade tivesse sido determinante na gênese da linguagem, e o ponto de vista da certeza nas designações, como teríamos, pois o direito de dizer: a pedra é dura: como se [dura] fosse conhecido de outra forma, e não só como uma excitação total-mente subjetiva... a [coisa em si] (que seria precisatotal-mente a verdade pura sem conseqüências) mesmo para quem desse forma à língua, é total-mente inatingível e não vale portanto, os esforços que exigiriam. Só designa as relações das coisas aos homens com ajuda das metáforas mais

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astuciosas para a sua expressão. Primeiramente transpor uma excita-ção nervosa para uma linguagem! Primeira metáfora. A imagem de novo transformada num som articulado! Segunda metáfora! E de cada vez um salto completo de uma esfera para outra esfera para outra esfera nova e totalmente diferente (NIETZSCHE, 1984, p. 92)1.

De igual modo que se recusa o noumeno, rejeita-se qualquer cisão original das realidades entre um mundo objetivo e subjetivo, tal como con-sagrado no dualismo cartesiano. Tanto James quanto Nietzsche, ainda que apelando a estofos diferentes, apontarão para um substrato único, um monismo do qual sujeito e objeto serão produzidos como efeitos. Desse modo é que, para o pragmatista, a realidade é produto na estratégia empirista ra-dical da repetição e eficácia dos termos, e na humanista, dos conceitos do senso-comum, operando sobre a experiência pura. Em Nietzsche, mais pró-ximo do humanismo jamesiano e do empirismo humeano, a realidade será produto de um mero hábito, de uma repetição de certas metáforas produ-zidas na linguagem. De toda maneira, a realidade nada mais seria do que um hábito, um sonho muitas vezes repetido:

Mesmo a real ação entre a excitação nervosa e a imagem produzida não é em si nada de necessário: mas quando a mesma imagem é pro-duzida um milhão de vezes, que foi herdada de numerosas gerações de homens e que enfim aparece no gênero humano sempre na mes-ma ocasião, adquire finalmente para o homem a mesmes-ma significação que teria se fosse a única imagem necessária e como se esta relação de causalidade, da mesma forma um sonho eternamente repetido seria sentido e julgado realidade pura (NIETZSCHE, 1984, p. 97). Se o lugar da ciência, da pretensa coisa em si é o da teia rígida das metáforas conceituais, o da arte é o do sonho, da teia frouxa que produzimos sem vistas a qualquer lugar mais estável para além da ilusão:

Em si, o homem desperto só tem consciência através da trama rígida e regular dos conceitos; é exatamente por isso que chego a acreditar que está a sonhar quando o tecido dos conceitos é despedaçado pela arte (NIETZSCHE, 1984, p. 100).

James, ainda que não considerando a arte, e no interior do empirismo radical, faz eco à esta visão da realidade como um sonho repetitivo e eficaz.

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Se o primeiro critério (a repetição) reforça o habitus humeano, o segundo (a eficácia) é próprio do pragmatismo:

O grupo geral de experiências que atuam [objetivas], que não só possuem suas naturezas intrinsecamente, mas usam-nas adjetiva e energeticamente, colocando-as umas contra as outras acaba inevita-velmente sendo contrastado com um grupo [subjetivas] cujos mem-bros, tendo identicamente as mesmas naturezas, falham em se manifestar de maneira energética [...] O fogo mental é o que não queimará gravetos reais: a água mental é a que não apagará necessa-riamente (embora possa) mesmo um fogo mental. As facas mentais podem ser afiadas, mas não cortarão a madeira real. Os triângulos mentais são pontiagudos, mas suas pontas não ferirão. Com os obje-tos reais, ao contrário, sempre resultam ‘conseqüências’, e desta for-ma as experiências reais são depuradas a partir das experiências mentais, as coisas a partir de nossos pensamentos delas, fantasiosos ou verda-deiros, e precipitadas juntamente como a ‘parte estável’ do caos com-pleto da experiência sob o nome de mundo físico (JAMES, 1974, p. 112; grifos nossos).

Nietzsche, ainda que tome a realidade pelo critério da estabilidade, em certos momentos também enfatiza o critério pragmático: “o que é para nós uma lei natural? Não a conhecemos em si, mas só pelos seus ‘efeitos’, isto é, nas suas relações com outras leis da natureza, que por sua vez só são co-nhecidas por nós como conjunto de relações” (NIETZSCHE, 1984, p. 98, grifo nosso). Contudo, deve-se lembrar com Durkheim (1914, p. 25) que se o filósofo alemão identifica a verdade à utilidade, a recíproca não é ver-dadeira. Se não existem fatos, “mas apenas interpretações (Fragmentos Pós-tumos, 1886 - Primavera de 1887, 7)” (MACHADO, 1984, p. 108), em Nietzsche (1984, p. 118) não há qualquer possibilidade da verdade enquan-to representação, adequação ou cópia: “Ao criador não interessa reproduzir, mas produzir o real”. Sentença que, sem dúvida, James endossaria, mas ain-da chamando esta criação de verain-dade.

O Sentido Histórico da Verdade

Seja nas variações dos escritos de James (Pragmatismo, Empirismo Radical), seja nas variações dos textos nietzscheanos (metafísica da arte, genealogia), encontramos não apenas a idéia de que o mundo é construído,

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mas igualmente a idéia de que esta construção não é tributária de categorias a priori de um sujeito universal. Para este ponto de chegada, é necessário enten-der um pouco do ponto de partida, quais sejam os projetos destes pensadores. Segundo Machado (1984), o grande alvo de Nietzsche é a transvaloração, ou a revaloração de todos os grandes valores. Para dissecar, avaliar e revalorar os grandes valores é necessário uma nova escala. Que poderia ser designada como extramoral no sentido desta não se confundir com a moral avaliada. Esta es-cala nos escritos finais de Nietzsche é a sua própria genealogia, como instância apta a avaliar os valores através de seus efeitos de vida. O pragmatismo, em seu sentido mais amplo, igualmente marca-se como instrumento de avaliação, não apenas de valores (John Dewey), mas do significado (Charles Peirce) e da verdade (James), através de seus efeitos práticos. Se em Peirce e Dewey, tais efeitos serão descritos em um conjunto de operações, hábitos intersubjetivamente permutáveis, James tomará tais conseqüências na vida, nos ecos produzidos no interior da experiência pura. Nesse aspecto, James se postará como elo entre Nietzsche e os demais pragmatistas. A diferença é que James avalia a verdade, e num critério mais amplo possível de vida: desde a conservação até a expansão. Nietzsche avalia os valores, a partir do extramoral da vida, ou ao menos de uma parte da vida (vontade de potência), excluindo tudo o mais (a conservação), indigno de ser chamado de tal, e sim de morte. A vontade de potência, em Nietzsche, enquanto ápice da vida, institui uma sintaxe pragmática que permite avaliar os demais valores pelo seu efeito, desde os graus mais altos da expansão (até a explosão), até o grau zero da con-servação e morte. Os mais altos graus caracterizarão a moral do senhor, os mais baixos, do escravo: “Que forças ela [uma determinada moral] favorece, que forças ela reprime? Torna ela mais sadio, mais doente, mais corajoso, mais ávido da arte, etc.? [Fragmentos Póstumos, Outono de 1886,1]” (MACHADO, 1984, p. 67). Se as forças ativadas indicam uma ativação local, imanente, potente, trata-se de uma moral dos ‘mestres’. Se em caso contrário, cede-se a inatividade, ao quietismo, e ao ressentimento aos fortes e ser redimido em um mundo para além, a moral é dos escravos, devidamente justificados em sua impotência. Esta avaliação vital é designada como fisiológica ou psicológica (por exemplo, Fragmentos Póstumos, Outono de 1886).

Contudo, a genealogia nietzscheana possui, além desta dimensão pragmática, uma outra, arqueológica, aonde se pergunta pela origem dos valores. Aqui, busca-se demonstrar seu caráter ficcional, enquanto invento, artifício: “Em que condições o homem inventou os juízos de valor bom e malvado? E que valor eles tem? (Genealogia Moral, prefácio, § 6)” (MA-CHADO, 1984, p. 68). Apesar do pragmatismo representar a atitude “de

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procurar pelas últimas coisas, frutos, conseqüências, fatos” (JAMES, 1979, 1907, p. 21), James, especialmente em seu humanismo, ao demonstrar o caráter construtivo da realidade e da verdade, irá consagrar uma visão his-tórica destas. É desta maneira que James, em consonância com Nietzsche recai em um certo kantismo, afirmando que o conhecimento e a realidade são tecidos por categorias do nosso entendimento. A questão presente nestes dois filósofos é se tais categorias, a priori, são necessárias, conforme Kant, ou se são históricas, conforme diriam mais tarde Michel Foulcault (1976), Latour (2001) e outros. Podem-se registrar ambas posturas em ambos auto-res: uma arqueologia programática e um kantismo biológico. Quanto ao apriorismo biológico,

o acordo incondicional entre o lógico e o matemático não indica um cérebro, um órgão diretor que se destaca anormalmente – uma ra-zão? Uma alma? – É o perfeitamente ‘subjetivo’ em virtude do qual somos ‘homens’. É a herança amalgamada que cabe a todos nós (NIETZSCHE, 1984, p. 106).

Cada concepção científica é, primeiro que tudo, uma variação espon-tânea no cérebro de qualquer pessoa. Pra uma que se mostre útil e aplicável, há mil que morrem por sua utilidade. ‘A sua gênese é estri-tamente afim da poesia e das sentenças espirituosas às quais as instá-veis vias do cérebro dão igualmente origem’. Mas ao passo que a poesia e o engenho... encontram a sua própria explicação no fato de existi-rem e de não correr o risco de outros testes, as concepções científicas têm de provar seu valor pela verificação. Este teste, contudo é a causa de sua preservação, mas não de sua produção (JAMES, 1890, p. 1173; grifo nosso).

Quanto ao apriorismo histórico,

o que nos separa mais radicalmente do platonismo e do leibzianismo é não acreditarmos mais em conceitos e termos, em valores eternos, em almas eternas; a filosofia, na medida em que é científica e não dogmática, é para nós uma maior extensão da noção de ‘história’. A etimologia e a história da linguagem nos ensinaram a considerar todos os conceitos como advindos, muitos dentre eles como ainda em devir [Fragmentos Póstumos, Junho-Julho de 1885,38] (MA-CHADO, 1984, p. 66).

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Minha tese agora é essa, ‘que as nossas maneiras fundamentais de pensar a respeito das coisas são descobertas de ancestrais incrivelmente remotos, que foram capazes de preservar-se ao longo da experiência dos tempos subseqüentes’, formam um grande estádio de equilíbrio no desenvolvimento do espírito humano, a fase do senso comum [...]. O espaço cósmico e o tempo cósmico, longe de serem as intuições que Kant disse que eram, são construções tão patentemente artifici-ais quanto quartifici-aisquer outras que a ciência possa apresentar. A grande maioria da raça humana jamais fez uso dessas noções, mas vive em tempos e espaços plurais (JAMES, 1907, p. 61-4).

Portanto, tanto a genealogia quanto a pragmática são instrumentos de avaliação que perpassam a linha temporal, a segunda ao longo do eixo prospectivo, a primeira englobando igualmente o eixo arqueológico ou his-tórico. Contudo, tanto genealogia quanto pragmatismo, enquanto méto-dos, corredores do conhecimento, conduzem ao exame dos cômodos da verdade. Esta é a passagem do pragmatismo que James realiza e que Nietzsche opera, fazendo a genealogia da vontade de verdade, o exame do que nela haveria de vontade de potência. Aqui as paralelas que reúnem estes pensa-dores se desviam no conceito de vida.

A Verdade como Artifício

Não existem dois textos que forneçam melhor vizinha entre James e Nietzsche do que o Pragmatismo e verdade e mentira no sentido extramoral. O ponto nodal anterior à bifurcação destas teses é o pressuposto da verdade, não como uma propriedade das coisas, ou de um mundo para além, mas certamente como um pequeno artifício, um brinquedo humano. É neste sentido que ambos autores são construtivistas, não por estabelecer o homem como centro do univer-so, mas por descentra-lo de sua pretensão mais divina: ser o avatar, o descortinador da verdade. Apontam-nos, denunciam-nos mesmo como inventores de nossos próprios valores, de nossos próprios saberes. Diverso de elevar-nos à condição de demiurgo, próprio de muito construtivismo, este rebaixa o homem, o ser e os deuses à sua mera potência de artifício. Trata-se de um construtivismo histórico, em que as verdades vão se depositando como camadas arqueológicas sobre o ‘i-mundo’ da experiência pura, do singular, no qual, todo conceito trata-se de uma ficção. Contra o sólido esteio dos universais, o mais profundo singular repousa em suas entranhas, contrariando-o, subvertendo-o. Além deste construtivismo ser histórico, ele é igualmente nominalista: todo universal é um artifício.

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Cumpre pontuar neste vértice nodal este construtivismo em sua ar-queologia e seu nominalismo. O construtivismo, ou a tomada do homo enquanto faber, apto a moldar o mundo e os valores “à sua imagem e seme-lhança”, pode assim ser visualizado2:

Pode-se muito bem, aqui, admirar o homem como um poderoso gê-nio construtivo, que consegue erigir sobre fundamentos móveis ‘e como que sobre água corrente’ um domo conceitual infinitamente compli-cado – sem dúvida, para encontrar apoio sobre tais fundamentos, tem de ser uma construção como que de fios de aranha, tão tênue a ponte de ser carregada pelas ondas, tão firme a ponto de não ser despedaçada pelo sopro de cada vento. Com gênio construtivo o homem se eleva, nessa medida, muito acima da abelha: esta constrói com cera, que recolhe da natureza, ele com a matéria muito mais tênue dos concei-tos, que antes de fabricar a partir de si mesmo. Ele é, aqui, muito ad-mirável – mas só que não por seu impulso à verdade, ao conhecimento puro das coisas. Quando alguém esconde uma coisa atrás de um ar-busto, vai procurá-la ali mesmo e a encontra, não há muito que gabar neste procurar e encontrar: é assim que se passa com o procurar e encontrar da verdade no interior do distrito da razão. Se forja a defi-nição de um animal mamífero e em seguida declaro, depois de inspe-cionar um camelo: Vejam, um animal mamífero, com isso decerto uma verdade é trazida à luz, mas é de valor limitado, quero dizer é ‘cabal-mente antropomórfica, e não contém um único ponto que seja ‘verda-deiro em si’, efetivo e universalmente válido, sem levar em conta o homem’. O pesquisador destas verdades procura, no fundo, apenas a metamorfose do mundo em homem luta por um entendimento do mundo como uma coisa à semelhança do homem e conquista, no me-lhor dos casos, um sentimento de assimilação [...]. ‘Seu procedimento consiste em tomar o homem por medida de todas as coisas imediata-mente’, como objetos puros diante de si. Esquece, pois, as metáforas intuitivas de origem, como metáforas e as toma pelas coisas mesmas (NIETZSCHE, 1984, p. 95-6; grifos nossos).

Quanto a James (1979, p. 88, 93), o embasamento de seu construti-vismo recorre ao humanismo de Schiller:

as leis e as línguas, de qualquer modo, são vistas assim como sendo coisas de feitura humana. Schiller aplica a analogia às crenças, e

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pro-pões o nome de ‘Humanismo’ para a doutrina que, em extensão incalcu-lável, nossas verdades são também produtos de feitura humana. Os mo-tivos humanos aguçam todas as nossas questões, as satisfações humanas ocultam-se em todas as nossas respostas, todas as nossas fórmulas tem um traço humano.

é idêntica à nossa concepção pragmatista [referindo-se também á fi-losofia de Lotze]. Acrescentamosparte da realidade tanto ao sujeito quanto ao predicado. O mundo oermanece realmente maleável, es-perando receber os toques finais de nossas mãos. Como o reino dos céus, sofre a violência humana prazenteiramente. Os homens engen-dramverdades para ele.

O Nominalismo

O nominalismo de ambos os filósofos se expressa na tomada de um estofo de realidade dado na corrente caótica e singular de nossas experiên-cias sensórias. Manifesta-se também na consideração dos universais com os inventos e jamais rótulos, ou etiquetas de coisas em si. Considerá-los nominalistas, é igualmente pô-los no desenrolar de uma linha filosófica inaugurada, ao menos por Pedro Abelardo, Guilherme de Ockam e Duns Scott. Examinar tal linha é considerá-la igualmente em sua bifurcação; entre uma tendência que se basta no desmonte dos universais, na afirmação univer-sal dos particulares, e outra que toma os universais, não como fantasmáticos, mas como geradores de efeitos, de corpos. No primeiro caso, de orientação cética, pode-se vislumbrar, por exemplo, os desmontes humeanos do sujei-to, da substância e da causalidade. No segundo, um nominalismo materia-lista – na designação de John Rajchman (1987, p. 66-7) –, em que o universal, longe de ser necessário, cria sua necessidade, enquanto efeito historicamen-te datado, ao gerar práticas e dar a forma dos universais produzidos no sin-gular da história. Aqui, vislumbramos o pragmatismo de James e a genealogia de Foucault. Nietzsche oscila entre a denúncia cética (excludente) e o nominalismo materialista (includente). Visualizemos o nominalismo, ao menos o que irmana ambos filósofos. Primeiramente, Nietzsche (1984, p. 93-5):

toda palavra torna-se logo conceito, justamente quando não se deve servir, como recordação para a vivência primitiva, completamente in-dividualizada e única, à qual deve seu surgimento, mas ao mesmo tempo tem de convir a um sem-número de casos, mais ou menos

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seme-lhantes, isto é, tomados rigorosamente, nunca iguais, portanto a casos claramente desiguais. Todo conceito nasce por igualação do não-igual [...]. A desconsideração do individual e efetivo nos dá o conceito, assim como nos dá também a forma, enquanto que a natureza não conhece formas nem conceitos, portanto também não conhece espécies, so-mente um X, para nós inacessível e indefinível. Pois mesmo nossa oposição entre indivíduo e espécie é antropomórfica e não provém da essência das coisas, mesmo se não ousamos dizer que não lhe corresponde: isto seria com efeito uma afirmação dogmática e como tal tão indemonstrável quanto seu contrário.[...]

Tudo o que se destaca o homem do animal depende desta aptidão de liquefazer a metáfora intuitiva em um esquema, portanto de dissolver uma imagem em um conceito. Ou seja, no reino daqueles esquemas, é possível algo que nunca poderia ter êxito sob o efeito das primeiras impressões intuitivas: edificar uma ordenação piramidal por castas e graus, criar um novo mundo de leis, privilégios, subordinações, demar-cações de limites, que ora se defronta ao outro mundo intuitivo das primeiras impressões como ‘o mais sólido, mais universal, o mais co-nhecido, o mais humano, e por isso como regulador imperativo’. Enquanto cada metáfora intuitiva é individual e sem igual e, por isso, sabe escapar a toda rubricação, o grande edifício dos conceitos ostenta a regularidade rígida de um columbário romano e respira na lógica aquele rigor e frieza, que são da própria matemática (grifo nosso). Em James (1943, p. 15):

Se o meu leitor pode abstrair-se de toda interpretação conceitual e volver para dentro de sua imediata vida sensível neste mesmo mo-mento, verificará que isto é aquilo a que alguém chamou uma grande e viçosa confusão zumbidora, tão livre de contradição no seu con-junto, como se aí se acha tão ativa e evidentemente. É desta massa aborígene e sensível que a atenção esculpe objetos, que a concepção depois nomeia e identifica para sempre.

As Velhas Verdades

Se a verdade representa uma ordem conceitual inventada a partir do fluxo perceptual, ela enquanto tecnologia se acumula, assim como nossos artefatos materiais, na tomada igualmente de outros utensílios existentes

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enquanto sua matéria pura. Ou seja, as nossas verdades se produzem a par-tir, não apenas de perceptos naturais, mas igualmente de outras verdades já manufaturadas e recicladas. Ou seja, como afirma James (1979, p. 91), tal “matéria pura” da percepção seria quase um limite. Ou seja, na construção da verdade enquanto forma, outras verdades antigas poderiam servir de fundo. Isto tudo numa acepção arqueológica, ou porque não dizer, genealógica. Como já visto, à suposição de sua invenção historicamente localizada, riva-liza-se a hipótese de sua hereditariedade. Contudo as indicações da primeira suposição são majoritárias em ambos os autores. Vejamos inicialmente em Nietzsche (1984, p. 94-5):

O que é a verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, meto-nímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas e engata-das, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esquecem o que são: metáforas que se tornam gastas e sem força sensível, moedas que perde-ram sua efígie e agora só entperde-ram em consideração como metal e não mais como moedas [...]. Quem é bafejado por esta frieza (das mate-máticas) dificilmente acreditará que até mesmo o conceito ósseo e octogonal como um dado é tão fácil de deslocar quanto este, é so-mente resíduo de uma metáfora, e que a ilusão da transposição arti-ficial de um estímulo nervoso em imagens, se não é a mãe, é pelo menos a avó de todo e qualquer conceito.

James (1979, p. 20) trata de opor o “desgaste da moeda” em metal ao caráter vivo da verdade garantido pelo seu “valor de compra prático”, de conduzir-nos novamente ao lastro de nosso fluxo de experiência. Quanto à origem empírica de nossos conceitos, posição assumida por Nietzsche, o pragmatista a endossará mais em seu empirismo radical. Na posição pragmaista entenderá a corrente sensorial mais como um limite (quase impossível) de ser atingido, de caráter extremamente flexível, a ser moldado pelos constantes rearranjos da verdade que, em seu caráter vivo, deve sempre conduzir (mais do que ser conduzido por) àquela, o seu derradeiro “valor de compra”. James (1979, p. 60-1) assim se manifesta em sua arqueologia:

Remendamos e consertamos mais do que renovamos. A novidade se infiltra; tinge a massa antiga; mas é também tingida pelo que a absor-ve. Nosso passado percebe e coopera; e no novo equilíbrio em que

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termina cada passo dado no processo de aprendizagem, acontece relativamente raro que o novo fato seja acrescentado como que ‘cru’.

A mais das vezes deposita-se cozinhando, como se poderia dizer, ou guisado no molho dos fatos antigos.

Novas verdades, assim, resultam de novas experiências e de velhas ver-dades combinadas, e que se modificam entre si. E visto que esse é o caso nas mudanças de opinião que ocorreu hoje em dia, não há razão para supor que não tenha sido assim por todas as épocas. Segue-se que modos de pensar muito antigos podem ter sobrevivido através de todas ulte-riores mudanças nas opiniões dos homens. Os mais primitivos meios de pensamento não podem ser, todavia, completamente expurgados. Como nossos cinco dedos, os ossinhos do ouvido, o apêndice caudal rudimentar, ou outras peculiaridades ‘vestígio’, podem permanecer como indícios indeléveis de acontecimentos na história da espécie humana [...]. Pode-se enxugar a garrafa, mas não se pode tirar de uma vez para sempre o gosto do remédio ou da bebida que primeiro nela estiveram contidos. Compare-se, enfim, com esta citação de Nietzsche (1984, p. 99): Tal como a abelha trabalha simultaneamente na construção dos favos e no preenchimento destes com mel, também a ciência trabalha sem cessar neste grande columbário dos conceitos, no sepulcro das intui-ções, e constrói incessantemente degraus novos e mais favos, dá for-ma, limpa, renova os favos velhos, e esforça-se sobretudo por encher esta frágil armação monstruosamente alteada e aí arrumar todo o mundo empírico, ou seja, o mundo antropomófico.

Vontade de Verdade, Vontade de Crer: conhecimento e fé

O que Nietzsche e James compartilham é este ponto comum em que a verdade é tomada como ficção, produto da vida enquanto criação, ainda que em sua potência mais fraca, qual seja a de negar o seu poder criador. Portanto a verdade é uma simples crença, não fazendo sentido a distinção entre doxa e episteme, proposta pelos inventores da verdade. É uma crença instalada na vida, possuindo força e desejo, como as demais formas vivas, ainda que seu desejo possa ser de superação ascética de todo querer. Nesta ecologia das crenças, a verdade, no seu sentido clássico insurgiria contra a própria força criadora, cometendo um certo suicídio em vida. É por tal que Nietzsche a renega e James a reinventa.

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Por tais razões, a verdade revela uma vontade de crença (James), ou uma vontade de verdade (Nietzsche), mas embutida atrás destas semelhan-ças, uma diferente estratégia de combate. Se Nietzsche quer mostrar que a verdade é um desejo, uma vontade de potência, ainda que fraca, James irá demonstrar que esse desejo, em sua potência expressa de fé, produzirá rea-lidades. Um, tomará a ‘vontade de verdade’ na sua militância própria contra o pathos, os valores e os instintos presentes na vida. Por negar a própria vontade, trata-se de uma vontade fraca. O outro invocará na ‘vontade de crer’ a força deste componente que é vital a toda verdade, para torná-la mais viva ainda. Não é à toa que James designa como crença uma hipótese viva. Passemos aos dois autores, a começar por Nietzsche (1984, p. 105):

Depois da supressão destes elementos, a enunciação da verdade será ainda possível enquanto puro dever? Análise da crença na verdade: pois toda a posse da verdade é, no fundo apenas uma convicção de possuir a verdade. ‘O pathos, o sentimento do dever, vem desta fé’ e não da pretendida ‘verdade’. A fé pressupõe no indivíduo uma capacidade de conhecimento incondicionada, assim como a convicção de que nenhum ser cognoscente poderia alguma vez ir mais longe; logo a obrigação para toda extensão dos seres cognoscentes. A relação suprime o pathos da crença, a limitação do humano, pela aceitação céptica de que talvez todos nós laboremos em erro [...] (grifos nossos).

Mas até o ceticismo contém em si uma fé; a fé na lógica. O caso ex-tremo é, portanto, o abandono da lógica, o ‘credo quia absurdem’, dúvida da razão e desmentido desta. Como isto se produz em conseqüência da ascese, ninguém pode viver sem lógica, tal como não se pode viver na ascese pura. Observe-se nesta citação que Nietzsche, assim como James supõe que a fé subjaz à verdade, mas não a recíproca. Somente o pragmatista alimen-tará a tese de que fé é um caso exemplar da verdade na produção de efeitos. Se, ao considerar a fé, os inimigos de Nietzsche estão espalhados nas mais diversas metafísicas, os de James estão dentre aqueles que as negam, inver-tem-nas, criando um ceticismo e um ascetismo pelas avessas; tratam-se dos positivistas:

Há, então, casos onde um fato não pode vir de todo, a não ser que exista uma fé preliminar em sua vinda. ‘E onde a fé em um fatopudesse criar’ o fato, seria um lógico insano quem dissesse que a fé correndo

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na qual o ser pensante pode cair. Contudo, essa é a lógica pela qual nossos absolutistas científicos pretendem regular nossas vidas (JAMES, 1896, p. 248).

James ao centrar fogo sobre o positivismo está recusando esse ideal excludente de verdade, ao mesmo tempo que cético, ascético e asséptico, onde tudo o que não fosse oriundo de uma prudência e objetividade expe-rimentais, jamais mereceria o crivo de verídico. Jogando o terreno da ‘vão metafísica’, tudo o que a vida pudesse ‘obrar’ em nome da fé, uma série de verdades relevantes (justamente as mais relevantes, porque vitais) seriam eliminadas deste mundo. Sob a tirania do cientificismo, viveríamos segun-do James, num munsegun-do glacial, aonde crer, quansegun-do não respaldasegun-do pelo cabedal de saberes científicos, redunda por princípio num erro. Este zero de vida também não escapou ao termômetro “potente” de Nietzsche que reúne ao positivismo àqueles que tanto recusa:

Alguns ainda têm necessidade da metafísica, mas também este impetu-oso ‘desejo de certeza’ que irrompe hoje nas massas sob forma científico-positivista, esse desejo de quererpossuir alguma coisa absolutamente estável [...]. Tudo isso ainda é a prova da necessidade de um apoio, de um suporte, em suma, do instinto de fraquezaque não cria, mas conserva as religiões, as metafísicas, e de todo tipo de convicção [Gaia Ciência, § 347]. A religião falsificoua concepção da vida: a ciência e a filosofia sempre foram ancillædesta doutrina [Fragmentos Póstumos, Novembro de 1887-março de 1888, 1] (MACHADO, 1984, p. 90).

Pluralismo e Empirismo Radical: um mundo sem andaimes

Para que a criação e não a representação se instale como o melhor dos intercâmbios com o mundo, é preciso que este ganhe nova textura: plural, móvel, finito e imanente. Sem cair no risco de se transformar em mais uma metafísica inflacionada. Não mais um monólito, e sim massa de modelar, convidando-nos a criar: a ser artista, como em Nietzsche, a ser “engenheiro da fé”, em James. É neste sentido que estes pensadores revertem o platonismo; invertendo não apenas o ideal de conhecimento, os valores, mas o próprio sentido do Ser. Nosso mundo não é mais uma silhueta, a sombra de um princípio luminoso e estático, e sim o fluir sem sentido ou direção de um amálgama de seres parciais, a ganhar ordem somente na intervenção parcial de um criador, que não é mais de caráter divino. Esta crença na potência da

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criação leva Nietzsche, especialmente em sua primeira fase, a supor uma essência, um fundo dionisíaco, contra toda a superfície, toda aparência do universo. A esta crença na ‘metafísica da arte’, segue-se segundo Machado (1984), a dissolução do contraste “aparência e essência” e a tomada de um mundo mais à feição do “empirismo radical” jamesiano. Durkheim (1914, p. 25) assim se manifesta:

é certo que em determinados períodos da sua vida, Nietzsche negou a existência de um substrato que se encontrará oculto sob as experi-ências e admite ele que só estas existiam. O papel do artista consis-tiria então em libertar-se e criar um lugar delas, um mundo de imagens móveis, variadas, e que se desenvolveriam de uma maneira autôno-ma, e o pensamento uma vez quebrado em seu substrato lógico, poderia também se desenvolver livremente.

Nas fases posteriores dos escritos de Nietzsche, também é levado em consideração que “é a razão [...] a causa de falsificarmos o testemunho dos sentidos (e que) mostrando o devir, o perecer, a mudança, os sentidos não mentem [Crepúsculo dos Ídolos – ‘a razão na filosofia’ § 2] (MACHADO, 1984, p. 105).

É que o mundo aqui ganha nova imagem em Nietzsche (apud MACHADO, 1984, p. 117):

o caráter de toda eternidade, o caos, em virtude, não da ausência de necessidade, mas de ausência de ordem, de articulação, de forma, de beleza, de sabedoria e quaisquer que sejam nossas categorias huma-nas estáticas [Gaia Ciência, § 109].

De modo, pois, semelhante a James pode-se reconhecer em Nietzsche, tanto um empirismo radical, quanto uma concepção pluralista do mundo. A concepção monista do cosmos, presente na massa dos metafísicos, é para Nietzsche um invento moral (próprio dos escravos), enquanto James reco-nhecerá aí um invento para produzir formas de vida, marcadas no caso pelo quietismo, ou pelo frenesi (caso ameace-se perecer tal ordem). Tal mundo seria em James apenas apto a nos fazer seguros na turbulência da vida.

Contudo, se este mundo de forças e fluxos é o que permite a apologia da criação e da invenção, James e Nietzsche divergirão quanto ao extrato, o estofo deste mundo. Se para o pragmatista trata-se de um fluxo permanente e inconclusivo de seres parciais em relações tanto intrínsecas (ordem)

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quan-to extrínsecas (desordem), para o genealogista, trata-se da luta permanente de forças no afã de se afirmar e subjugar as demais. Se para James, nem a desordem, nem a ordem do mundo tornam-se regras (ordens) é porque nele há sempre componentes em mutante ordem e desordem. Em Nietzsche, toda ordem é um invento, uma criação moral de uma vida menor. Contudo, o que é muito diferente de supor uma ordem, o filósofo alemão apela à ima-gem do “Eterno Retorno”, como possibilidade de recombinação do jogo de forças, sempre finito. James considerará por sua vez toda repetição como impossível, pois assim como no rio heraclitiano é impossível banhar-se duas vezes na mesma água, duas vezes não será possível tomar o mesmo fluxo da consciência: será a mesma experiência mais todo o caudal que se seguiu à ela. CONCLUSÃO

Mais do que proceder uma simples comparação entre James e Nietzsche,

ou encontrar um pragmatismo de fundo neste, o que se buscou aqui foi delinear um novo campo de questões sobre a vida, a verdade e a sua relação. A vida seria adaptação ou expansão? A verdade seria representação ou pro-dução? Algo efetivo ou uma mentira alienante perante a vida? Estas ques-tões, de um modo ou de outro ainda estão presentes nos trabalhos de alguns pensadores contemporâneos como Foucault (mais próximo de Nietzsche) e Latour (mais próximo de James). Assim, no primeiro podemos encontrar uma história da verdade dada na sua relação com o poder (que ele batiza de genealogia), além de um tipo especial deste na sua relação com a vida, o ‘biopoder’ (FOUCAULT, 1976). No segundo podemos encontrar uma concepção da verdade como construção e descobrimento, e mais próxima do empirismo radical de James, ou seja, enquanto produzida por diversas conexões (LATOUR, 2001). Sua concepção de vida e corpo, assim como a de conhecimento vai se definir por estas relações ou acréscimos, revelando um sabor spinozista (LATOUR, 2003). Nenhum destes trabalharia com uma noção excludente da verdade (talvez a concepção excludente conduza a um abandono puro da questão do conhecimento em prol dos epistemólogos). Todos estes combates em torno da vida e da verdade, clássicos e re-centes, são fundamentais na oposição às concepções de mundo estático e pronto para sempre. Presentes nas metafísicas tradicionais e nos naturalis-mos recentes. Mundos dos quais nada nos restaria a fazer senão copiá-lo e nos curvarmos perante o peso da sua realidade, tal como enunciada por seus profetas e avatares. Contra tudo isso é que ainda podemos buscar ferramen-tas de combate (o martelo, o ramo de oliveira) em Nietzsche e James.

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Notas

1 Alguns trechos deste texto foram substituídos pela edição de Os Pensadores (São Paulo, abril, 1983)

por se julgar a tradução mais apurada.

2 A citação de Nietzsche é longa, mas vale a pena se reproduzir por sua beleza.

Referências

BERTHELOT, R. Un romantisme utilitaire. Paris: Fèlix Alcan, 1913. V. I. DURKHEIM, E. Pragmatismo y sociologia. Buenos Aires: Schapire, 1914.

FERREIRA, A. A. L. A verdade a serviço da vida: ressonâncias entre os pensamentos de William James e Friedrich Nietzsche. Fragmentos de Cultura, v. 15, n. 11, p. 1679-1694, 2005.

FOUCAULT, M. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1976. JAMES, W. Princípios de psicologia. Buenos Aires: Glem, 1945.

JAMES, W. A vontade de crer. In: BLAU, J. (Org.). Pragmatismo e outros ensaios. Rio de Janeiro: Lidador, 1967.

JAMES, W. A consciência existe? São Paulo: Abril, 1974. (Col. Os Pensadores). JAMES, W. Pragmatismo. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Col. Os Pensadores).

JAMES, W. Alguns problemas de filosofia. In: KALLEN, H. M. (Org.). A filosofia de William James. São Paulo: CEN, 1943.

LATOUR, B. A esperança de Pandora. Bauru: Edusc, 2001.

LATOUR, B. How we can talk about the body? Disponível: <www.ensmp.fr/~latour/articles/ 2003.htm>. 2003. Acesso em: 2003.

MACHADO, R. Nietzsche e a verdade. Rio de Janeiro: Rocco, 1984.

NIETZSCHE, F. Sobre a verdade e a mentira no sentido extramoral. In: Livro do filósofo. Porto: Rés, 1984.

Abstract: in this article the relation between William James’ and Friedrich Nietzsche’s philosophies will be explored in a collection of themes as the refuse of representation, relation truth – life, the relation between pragmatic and genealogy, truth as an invention, will to believe and pluralism. And to conclude it will be presented the relation between these themes and the philosophical nowadays ones.

Key words: genealogy, pragmatism, life, truth

ARTHUR ARRUDA LEAL FERREIRA

Doutor em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade de São Paulo. Pesquisador financiado pela FUJB e pela Faperj. E-mail: arleal@superig.com.br

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