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As Migalhas que Caem da Mesa: um paradigma transformador (Mt 15,21-28)

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Academic year: 2020

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AS MIGALHAS QUE CAEM

DA MESA: UM PARADIGMA

TRANSFORMADOR

(MT 15,21-28)*

MIRIAM LABOISSIERE DE C. FERREIRA**

CONHECENDO A COMUNIDADE DE MATEUS

I

nicialmente a primeira coisa a ser considerada sobre o evangelho de Mateus (escrito entre os anos 85-90 d.C.) é a sua dependência significativa de Marcos (escrito por volta do ano 70 d.C.). A perícope que trataremos o redator de Mateus a tomou como referencia em Marcos 7, 24-30.

Quando Mateus foi escrito, o Império Romano estava bem estabelecido. Na Síria e Palestina, também já haviam passado numerosos governadores e procuradores. Palestina e Galiléia eram vias de comunicação no império. A comunidade mateana fazia parte desse mundo maior de Roma. As questões de Roma afetavam a comunidade de Mateus, como os impostos a serem pagos, o trabalho na administração romana, e o fato de ser judeu

Resumo: este artigo pretende fazer uma breve introdução ao texto de Mateus 15,21-28, o qual se refere à narrativa da ‘mulher cananéia’ que vai ao encontro de Jesus pedindo pela cura de sua filha, pois ela esta endemoninhada. Veremos o contexto da narrativa mateana para compreender a situação em que se encontravam os judeus naquele momento histórico diante das autoridades políticas. O nosso intento é com-preender o grito daquela mulher, uma pagã, estrangeira, excluída num mundo regido pelo patriarcalismo. Ela aborda Jesus com insistência. Inicia-se um “acalorado e sábio embate” por parte da mulher estrangeira com Jesus, momento no qual Jesus transforma a percepção de sua missão para além do povo de Israel.

Palavras-chave: Comunidade de Mateus. Mulher cananéia. Jesus.

* Recebido em: 02.07.2014. Aprovado em: 29.07.2014.

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no mundo romano. Tais questões faziam parte da comunidade mateana, pois ela vivia no Império Romano, cuja língua, no Oriente, era o grego. Esta comunidade se reconhecia como parte deste Império, estando sob o seu domínio, envolta com episódios políticos e pressões culturais, elementos que acabaram por ajudar a estruturar a narrativa mateana (OVERMAN, 1999, p.16-17).

O cenário galileu mateano estaria próximo a um tribunal, como sugere o capítulo 5 (O Sermão da Montanha) de Mateus, onde Jesus fala da Lei, do tribunal, do Sinédrio. Percebe-se que a comunidade estaria próxima de autoridades que podiam dificultar a vida dos judeus mateanos. As discussões, as trocas de ideias, as rivalidades por causa da liderança e au-toridade, refletidas em Mateus, quando da destruição do Templo (70 d.C.), o centro cultural e religioso judaico. O Templo e todo o sistema que o conduzia, ajudava Roma a coordenar e controlar as regiões que circundavam Jerusalém. Após a destruição do Templo, regiões como a Galiléia, que antes eram controladas pelo sistema do Templo, sofrem um abalo, em sua estrutura e liderança. Isso esclarece os embates em Mateus pela liderança e autoridade neste cenário galileu (OVERMAN, 1999, p. 28).

O evangelho de Mateus carrega em si marcas do mundo em que foi criado e para o qual foi endereçado, que se dá em um tempo e lugar distinto e específico. A compreensão do contexto de Mateus nos faz perceber que o mundo “estrangeiro” merece nossa atenção, e que nos ajuda a refletir sobre nossa própria situação sócio-histórica à medida que vamos dialogan-do, interagindo com o evangelho mateano (CARTER, 2002, p. 32-33).

Para uma boa interpretação de Mateus, não escapamos do conhecimento da histó-ria social dos judeus e dos seguidores de Jesus, pois a histohistó-ria de Jesus narrada pela comunida-de mateana reflete a experiência comunida-destes grupos e sua situação social. A comunidacomunida-de comunida-de Mateus não se separou do grupo judaico de forma irrevogável. Pressupõe-se que seria um grupo de identidade “cristã” que estaria em oposição à identidade judaica. A redação final de Mateus reflete com coerência um grupo judaico-cristão observante da Lei, mas interpretada à luz da tradição de Jesus, ou seja, um grupo que interpreta a Torah e ao mesmo tempo é fiel à vontade de Deus revelada por Jesus (SALDARINI, 2000, p.12-16).

Apesar de toda negatividade percebida em Mateus sobre os líderes judaicos, nenhu-ma das controvérsias ali relatadas indicam unenhu-ma rejeição generalizada para com todo o judaís-mo ou para com o povo judeu cojudaís-mo um todo, mas sim, apontam para certas interpretações e líderes judaicos da oposição – como, exemplo, os capítulos 21-22-23 de Mateus, que retratam polêmicas internas judaicas, não uma afirmação do “cristianismo” contra o judaísmo. “Quan-do “Quan-dois grupos estão em desavença um com o outro, em geral seus universos simbólicos e suas estruturas institucionais entram em conflito” (SALDARINI 2000, p. 80-81).

Overman (1997, p. 29) trata da “linguagem do sectarismo” presente em Mateus que reflete como estas comunidades sectárias se viam no mundo a sua volta. Esta linguagem revela a profundidade das divisões sociais que seriam características do período de formação do judaísmo formativo, reflete a postura dos líderes que seriam responsáveis pelo estado lasti-moso em que se encontravam o povo naquele momento. Esta linguagem também demonstra a frustração e a raiva que estas comunidades sentiam pelos que estavam no poder, revelando um ambiente competitivo e sectário. Tanto o judaísmo formativo, quanto o judaísmo de Mateus surgem neste ambiente ‘sectarista’. Mateus segue esta mesma linguagem sectária para justificar e legitimar a posição da comunidade mateana perante a influência do judaísmo formativo.

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A comunidade de Mateus tinha suas tensões e conflitos internos e um dos textos que reflete esta tensão é o texto da mulher estrangeira (a cananéia) que na sua abordagem a Jesus incomoda seus discípulos. Podemos perceber nesta perícope crises interna vivida na comunidade mateana.

AS MULHERES NO CONTEXTO DE JESUS

A tradição de Jesus esta fixada numa linguagem androcêntrica e um patriarcalismo imutável em relação às mulheres, mesmo assim, há uma múltipla participação de mulheres e também abordagens referentes ao mundo feminino, isto ocorre tanto na tradição de ditos quanto na tradição narrativa. Como postura patriarcal, podemos citar a escolha de doze ho-mens para estar com Jesus em sua missão evangelizadora. Observamos que a linguagem an-drocêntrica intencionalmente quis ‘silenciar’ as mulheres na participação do mundo mascu-lino e atrelada a isto uma compreensão dos textos bíblicos de forma androcêntrica, causando um reducionismo na história da interpretação. Porém, não podemos duvidar da existência de homens e mulheres como discípulos e discípulas, ou seja, protagonistas masculinos e femini-nos no movimento de Jesus (MERZ; THEISSEN, 2002, p.243).

Vale ressaltar a importância da presença de cinco mulheres citadas na genealogia de Jesus no primeiro capítulo de Mateus. Tamar a estrangeira, seu relato esta em Gn 38; Raab, sua narrativa em Js 2; Rute bela historia de relação entre sogra e nora em Rt 1-4; Betsabéia, esposa de Urias, 2Sm 11. Mesmo ‘esbarrando’ na lei do puro e do impuro, estas mulheres foram importantes na linhagem de Jesus. E não deixando de citar a mais importante nesta linhagem, “Maria, da qual nasceu Jesus, que é chamado o Cristo! (Mt 1,16) (FERREIRA, 2006, p. 457,458)

OS PERSONAGENS EM MATEUS

Em sua maioria, os personagens, nos diz Saldarini (2000, p.121-2), são judeus da Judéia ou galileus:

[...] estão afastados da narrativa e das personagens principais de tal maneira que a tese de que o evangelho se volta de modo predominante para uma missão gentia ou um grupo gentio é bastante improvável. Diversas referências e narrativas sobre gentios sugerem a relação apropriada deles com o grupo mateano e o jeito de eles iniciarem uma relação com Deus por intermédio de Jesus. Contu-do... a genealogia de Jesus sugere a inclusão de não-judeus em Israel (SALDARINI, 2000, p. 122).

Neste artigo tratamos especialmente do personagem da cananéia, uma mulher estran-geira de presença marcante. Não teria como passar pelo texto (Mt 15, 21-28) sem ter um olhar expressivo para esta figura importante, em sua representatividade pagã, de súplica, de grande fé, naquele momento do seu diálogo com Jesus. Uma mulher que, diante destas qualidades, dá mostras de conhecer a esperança do povo de Israel, quando reconhece em Jesus o Messias espe-rado, a partir da sua primeira frase no diálogo com Jesus: “Senhor, filho de Davi” (Mt 15,22).

O texto de Mateus coloca a mulher estrangeira como “cananeia”, diferente da nar-rativa de Marcos que a coloca como “siro-fenícia” 1. Os cananeus ocupavam a Palestina antes

da conquista pelo povo israelita (sec. XIII a.C.), era um povo que constituía ameaças ao mo-noteísmo de Israel (LANCELLOTTI, 1985, p.147).

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A mulher Cananéia poderia fazer parte da comunidade mateana como sugere Over-man (1999, p. 251-2) em sua análise da história e das imagens:

O sentido da história e as imagens parecem bastante claras. Os filhos representam Israel, e os cachorrinhos, os gentios. Contudo, creio que as palavras postas na boca da mulher – os títulos de Jesus, sua submissão a ele, o ato de “prostrar-se” (15,25; prosekunei) e sua súpli-ca por ajuda – tudo isso a colosúpli-ca como membro fiel da comunidade. Quer dizer, esta gentia se dirige a Jesus e assume de todas as maneiras o comportamento esperado dos membros. Só em Mateus há a exclamação: “Mulher, grande é a tua fé!” Embora gentia, ela é judia mateana em boas graças. Comporta-se e crê conforme as regras comunitárias.

Os gentios que ali (nos evangelhos) aparecem ocasionalmente estão colocados à margem da narrativa, não são personagens permanentes. Assim como surgem, desaparecem rapidamente, provavelmente não há uma relação continuada com Jesus ou com seus seguido-res. Quanto à mulher cananéia, o seu lugar social esta vinculado à periferia, onde habita os marginalizados. Ela, mulher, pobre, estrangeira ligada ao povo cananeu, que eram mal visto pelos judeus por toda a sua cultura idólatra. Na narrativa de Mateus 15, 21-28 podemos per-ceber a tensão e conflito entre a cananéia, Jesus e seus discípulos, por não aceitarem a presença desta mulher na comunidade mateana.

EXPERIÊNCIA E REPRESENTAÇÃO DA CANANÉIA

A importância do protagonismo das mulheres no evangelho de Mateus, particu-larmente o texto da cananéia é uma das tradições centrais da participação de mulheres neste evangelho. Uma mulher pobre, estrangeira, se faz parceira de Jesus em um diálogo, onde sua insistência com capacidade argumentativa e sua perseverança, demonstram uma mulher de grande fé, como diz Jesus em Mt 15,28. Esta fé é um paradigma para a comunidade e tam-bém para todos os gentios em torno da comunidade mateana, os não-judeus. No texto, esta mulher não tem nome, o que a caracteriza é um apelido “geográfico-étnico” – uma mulher de origem não judaica, que pede por sua filha, impulsionada pela fé judaica. Naquele momento não importava sua nacionalidade, sua etnia (RICHTER REIMER, 1997, p.158-9).

“E eis que uma mulher” (Mt 15,22). Esta frase recorda as mulheres judias favoreci-das pelas ações de curas (Mt 9,20-22) de Jesus. Ela exige o mesmo tratamento, e como outras personagens, ela também é anônima. Nela, não percebemos sinal de relação de pertença a um marido, irmão ou pai. Podemos conjecturar que sua condição poderia ser de viúva, órfã, ou poderia nunca ter-se casado, ou até mesmo não pertencer a uma família. Podemos compará-la a Raab, que está na genealogia mateana de Jesus (Mt 1,3-5), uma pagã que também cruzou as fronteiras étnicas, buscando um espaço junto ao Deus de Israel (CARTER, 2002, p. 408).

Uma mulher audaciosa quando vai ao encontro de Jesus, transpassando os limites fronteiriços da etnia, buscando ajuda junto a um mestre itinerante de outra etnia, um judeu. Não se sabe ao certo de onde ela surgiu, como ela ouvira falar de Jesus, e nem se escandalizou com Jesus. Segundo Carter (2002, p. 409), ela seria a primeira mulher a falar no evangelho, ela aborda Jesus clamando por sua filha (Mt 15,22). Ela também chama Jesus de “Senhor”, uma forma usada somente pelos discípulos, dada em reconhecimento pelo seu poder e autoridade so-bre os demônios (Mt 4,1-11; 17,15). Ela também se dirige a ele chamando-o de “filho de Davi”, a exemplo dos dois cegos (Mt 9,27-28; 20,30). Neste último título, podemos reconhecer os vínculos de Jesus com a casa de Israel, com a herança davídica, em favor dos oprimidos (Sl 72).

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A postura da cananéia nos parece “submissa”, mas por detrás dela, há muito mais, pois em sua petição transparece algo que desafia a identidade e missão de Jesus, fazendo vir à tona o imperialismo israelita, de tal forma que ela exige, com seus brados, a mesma dispo-nibilização que os pertencentes ao povo de Israel recebem, ela quer o favor do Deus de Israel para libertar a sua filha (Mt 15,22). Em seu clamor, ela pede pelo exorcismo de Jesus – e que o Reino de Deus se manifeste também a ela e sua filha. Ao final do diálogo, em Mt 15,28, se dá o exorcismo de Jesus. No texto, não se percebe onde estaria a filha, com ela ou em casa, importando saber que Jesus a atendeu (CARTER, 2002, p.409).

O texto reflete claramente uma situação sócio-cultural de exclusão étnica, de classe, de gênero, situações semelhantes à realidade de hoje. Temos uma mulher/mãe que vai ao encontro de Jesus pedindo pela cura de sua filha. Ela chega gritando, ‘incomodando’. Jesus primeiramente não lhe dá atenção, no texto percebemos três negativas implícitas, que Souza (2007, p.51) reflete da seguinte fora:

Perceberemos que o texto apresenta três negativas. A primeira é o silêncio de Jesus diante do pedido de ajuda de uma mulher estrangeira (Mt 15,23); a segunda negativa é uma resposta indireta, pois Jesus responde aos discípulos que foi enviado para os da casa de Israel (Mt 15,24), insinuando uma exclusividade salvífica somente aos judeus. A terceira negativa é bem clara e humilhante, embora alguns comentaristas tentem amenizar o termo cachorrinho (Mt 15,26; Mc 7,27). Contudo o texto iguala a mulher a um cão, não a um filho. [...] Acentuando uma imagem cruel e humilhante usada em quase todas as culturas do Oriente Médio.

A estrangeira é persistente diante dos “nãos” de Jesus, não se da por vencida, grita, e consegue ser ouvida. Abre-se então um dialogo entre Jesus e a cananéia, como que, algo ‘brilhante’ a sua capacidade de replicar e ao mesmo tempo argumentativa diante de Jesus e dos seus que o cercavam naquele momento, e pediam que Jesus a despedisse. A conduta daquela excluída con-vence Jesus, o tira do status quo das leis/tradições judaicas. Ela quer participar da ceia destinada aos judeu-cristãos, quer se alimentar quer comida, mesmo que para isto lhe restem as migalhas.

Sua persistência em face das obstruções de Jesus, seu desafio às barreiras étnicas, de gênero, religiosas, políticas e econômicas, sua confiança no poder dele, e seu reconhecimento da autoridade dele sobre os demônios compreendem sua fé (ver 8,10; 9,2.22.29). Em con-traste com sua falta entre os líderes religiosos, e a “pouca fé” dos discípulos (6,30; 8,26; 14,31; 16,8), ela é como o centurião pagão (8,10) mostrando grande... fé, a única vez que este adjetivo é usado para descrever fé no evangelho. Como o centurião esta mulher chama Jesus de Senhor (8,6), o empenha em um dialogo (8,8-10), o surpreendente com sua fé (8,10) e põe em execução um (à longa distancia?) milagre dele (8,13). Ambos estão incluídos no povo salvo não pela raça, mas pela fé em Jesus (cf. 1,21) (CARTER, 2002, p. 412).

Ao ler esta perícope (Mt 15,21-28) nos assustamos com a postura de Jesus, e sua atitude diante da mulher estrangeira que nos causa estranheza. Ali Jesus defende a postura teológica judaica. O seu silencio inicial diante do sofrimento humano (vv. 24-26), sendo que, Jesus sempre mostrou um modo de agir diferente, de acolhida, de solidariedade, de inclusão. Provavelmente Mateus quis demonstrar com esta passagem a superação do mal vencida pela ‘grande fé’ daquela mulher pagã - um exemplo para os seus discípulos fracos na fé, como um incentivo para os gentios e exemplo para nós hoje. Mas que atentemos para não cairmos no fanatismo ou fideísmo, pois o fato da cananeia por sua fé ter sido atendida, não que dizer necessariamente que teremos o mesmo resultado sempre (OLIVEIRA, 1995, p. 108-9).

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As mulheres, mesmo anônimas e excluídas do sistema patriarcal, fazem parte da missão de Jesus e seu ministério. A história desta mulher faz parte da missão de Jesus e, ao mesmo tempo, é herança de mulheres, homens e crianças que fizeram parte do discipulado de Jesus. Também, esta história é tomada como paradigma, no processo de inclusão de homens, mulheres, pobres. Essa passagem bíblica promove o resgate à vida de pessoasque muitas vezes tem apenas as migalhas como fonte inspiradora de esperança e sobrevivência, a exemplo da mulher cananéia, que apostou no último farelo do pão que caía da mesa, motivo de esperança e oportunidade para ela e a filha. A importância desta estrangeira e o seu comportamento necessitam ser recuperados nas práticas sócio-políticas, pastorais e teológicas atuais, poissua fé nos estimula a construir uma realidade inclusiva, solidária, acolhedora (RICHTER REI-MER, 1997 p.161-2).

Contudo, esta mulher não se dá por vencida diante dos ‘nãos’. Ela continua insis-tindo, pois quer a cura para a sua filha. Mesmo diante desta ideologia excludente, a cananéia lança seu desafio. Ela clama por inclusão, e o seu ponto forte para isto é a sua fé, é o meio, o acesso que ela tem para alcançar a bênção de Deus do povo de Israel. Neste momento Jesus a elogia: “grande é tua fé” (Mt 15,28), e sua filha ficou curada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos perceber que o discurso colocado na narrativa mateana entre Jesus e a cananéia, inicialmente nos deixa ‘atônitos’ pelo comportamento de Jesus diante da mulher estrangeira. Talvez percebamos nela (a narrativa) o ‘encobrimento’ de Jesus pelo personagem da cananéia, que desponta naquele momento com sua sagacidade nas respostas dadas a Jesus, com base na sua “grande fé” e o desejo da cura da filha. É provável que, através de seu “grito” ela tenha feito parte da ceia, tornou-se visível aos olhos de Jesus e da comunidade de Mateus, e foi atendida. E muito além, ela foi um referencial transformador na comunidade mateana, superando as fronteiras religiosas e étnicas. Quantos sinais podem ser percebidos nesta perí-cope, de forma especial, as questões de gênero, etnia, social, inclusão, saúde, pois a mulher pedia por sua filha. Ao mesmo tempo o texto trás a visibilidade daquela mulher estrangeira, num contexto patriarcal e androcêntrico.

Esta mulher sem nome, denominada de cananéia, quer o seu espaço, quer ser ouvi-da, que ser introduzida na comunidade, quer partilhar da mesa do pão, deseja que o milagre aconteça. O que esta para além das migalhas é o que buscamos encontrar nesta narrativa mateana, um sentido e desejo inclusivo que abarcar a todos nas relações humanas. A parir do “grito” de uma mulher estrangeira (cananéia) se desvelou a possibilidade de ceia, de pão, de comida que alcança as necessidades do humano. Através do “grito” desta mulher os margina-lizados e excluídos foram ouvidos.

THE CRUMBS THAT FALL FROM THE TABLE: A PARADIGM THAT HAVE THE POWER TO MAKE CHANGES (Mt 15,21-28)

Abstract: this article intends to give a brief introduction to the text of Matthew 15:21-28, which

refers to the narrative of ‘Canaanite woman’ who meets Jesus asking for the cure for her daughter, because she is demonized. We will see the context of the Matthean narrative to comprehend the Jews situation in that historical moment before the political authorities. Our intent is to understand the

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cry of the woman, a pagan, foreign, excluded in a world ruled by patriarchy. She addresses Jesus insistently. A “heated and wise confrontation” with Jesus is introduced by the foreign woman, a moment in which Jesus changes the perception of his mission to beyond the people of Israel.

Keywords: Matthew’s Community. Canaanite woman. Jesus. Nota

1 Merz e Theissen (2002, p. 245) fazem a seguinte referencia à siro-fenícia (Mc 7,24-30): “...supera a resistência de Jesus marcada por preconceito nacionalista. É o único apotegma no Novo Testamento no qual Jesus não domina a argumentação, mas acaba convencido”.

Referências

BÍBLIA DE JERUSALÉM. Direção editorial de Paulo Bazaglia. São Paulo: Paulus, 2002. CARTER, Warren. O Evangelho de São Mateus: comentário sociopolítico e religioso a partir das margens. Tradução de Walter Lisboa. São Paulo: Paulus, 2002 (Grande comentário bíblico). FERREIRA, Joel Antônio et al. O Messias de Quelle, Marcos e Mateus. Revista Fragmentos

de Cultura, Goiânia, v.16, n.5/6, p.457-458, 2006.

LANCELLOTTI, Angelo. Comentário ao evangelho de Mateus. 2. ed. Tradução de Antonio Angonese; Ephraim F. Alves. Petrópolis, RJ: Vozes, 1985.

OLIVEIRA, Ralfy Mendes de. O evangelho em nossa vida: reflexões litúrgico-catequéticas sobre os Evangelhos dominicais. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

OVERMAN, J. Andrew. O Evangelho de Mateus e o judaísmo formativo: o mundo social da comunidade de Mateus. Tradução de Cecília Camargo Bartalotti. São Paulo: Loyola, 1997. (Coleção Bíblia Loyola).

OVERMAN, J. Andrew. Igreja e comunidade em crise: o evangelho segundo Mateus. Tradução de Bárbara Theoto Lambert. São Paulo: Paulinas, 1999.

REIMER, Ivoni Richter. “Não temais... Ide ver... e anunciai”, Mulheres no Evangelho de Mateus. Em RIBLA. Petrópolis - São Leopoldo: Vozes-Sinodal, n. 27 – 1997/2, p.149-166. SALDARINI, Anthony J. A comunidade judaico-cristã de Mateus. Tradução de Barbara Theo-to Lambert. São Paulo: Paulinas, 2000. (Coleção: Bíblia e história)

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