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A perequação financeira com referência aos municípios: dos alvores da nacionalidade à atual lei das finanças locais

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Academic year: 2020

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Universidade do Minho

Escola de Direito

António Antunes Ramalho

abril de 2017

A PEREQUAÇÃO FINANCEIRA COM

REFERÊNCIA AOS MUNICÍPIOS

Dos Alvores da Nacionalidade à Atual Lei

das Finanças Locais

Ant

ónio Antunes Ramalho

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inanças Locais

UMinho|20

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António Antunes Ramalho

abril de 2017

A PEREQUAÇÃO FINANCEIRA COM

REFERÊNCIA AOS MUNICÍPIOS

Dos Alvores da Nacionalidade à Atual Lei

das Finanças Locais

Trabalho efetuado sob a orientação do

Professor Doutor Joaquim Freitas da Rocha

Dissertação de Mestrado

Mestrado em Direito Tributário e Fiscal

Universidade do Minho

Escola de Direito

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iii

À memória dos meus pais. À minha mulher, Maria do Rosário.

Às minhas irmãs e irmão.

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v

Agradecimentos

Ao apresentar esta dissertação, não posso deixar de registar alguns merecidos agradecimentos. Tanto em termos institucionais, como pessoais.

Em primeiro lugar, à Escola de Direito da Universidade do Minho, onde fiz a pós graduação em Direito Tributário e Fiscal e onde me vou submeter a prestação de provas de mestrado.

Em segundo lugar, ao meu orientador, Professor Doutor Joaquim Freitas da Rocha, pelos ensinamentos, acompanhamento, disponibilidade e incentivo sempre dispensados.

Por último, e fora das paredes da academia, ao Dr. José Abílio Pereira Coelho pelo incentivo e pela bibliografia disponibilizada, ao Dr. Belarmino Marques Dias e à minha irmã Maria Amélia pela revisão do texto, sendo da minha exclusiva responsabilidade o registo de quaisquer gralhas, erros ou insuficiências. Ao Dr. Tiago Coelho, pela preciosa e prestimosa ajuda em termos da sua paginação e ordenamento.

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Resumo

Com a presente dissertação, visamos obter uma melhor compreensão do sistema de financiamento das autarquias locais, mormente dos municípios, no âmbito da justa repartição dos rendimentos entre o Estado e as demais entidades públicas, nos termos prescritos pelo nº 1, do artº 103º, da CRP. No fundo, vamos procurar saber em que consistem e como atuam os mecanismos perequativos, tanto na sua dimensão vertical como horizontal.

Para tanto, partiremos da configuração dos concelhos nos primórdios da nacionalidade e analisaremos a sua evolução e desenvolvimento ao longo dos séculos, registando os avanços e recuos observados em termos da sua autonomia e os reflexos daí decorrentes, sob o ponto de vista tributário.

Iremos olhar com alguma atenção para o período Liberal e para as reformas legislativas de MOUZINHO DA SILVEIRA, tanto em termos de organização administrativa, como em termos da pretensa autonomia financeira dos municípios, com especial enfoque no sistema de tributos e impostos, à luz da velha querela entre tributação direta e tributação indireta.

Não deixaremos de analisar o período histórico correspondente à 1ª República e de nos debruçarmos sobre as consequências económicas e sociais a que a entrada do País na 1ª Grande Guerra nos conduziu, com o elevado nível de depauperamento do Estado e das populações daí resultante.

Também o Estado Novo irá merecer a nossa atenção, cuja afirmação e desenvolvimento procuraremos seguir, sem descurar as relações entre o poder estadual e o poder local, nomeadamente em termos da sua autonomia ou dependência, desde logo financeira, por via da concessão de eventuais subvenções ou de outros instrumentos contributivos.

Chegados a Abril de 1974, centraremos a nossa atenção nos mecanismos perequativos e no seu modo de funcionamento, com vista a indagarmos da sua justeza, a partir dos resultados obtidos, observados estes no contexto da sua aplicação à realidade dos diferentes entes infraestaduais. Tal exercício, ajudar-nos-á a perceber até que ponto as situações de dificuldades financeiras ou de rutura financeira de alguns municípios, radicam mais em debilidades estruturais que lhe são próprias, ou numa gestão menos cuidada e rigorosa dos recursos disponíveis. Por fim, apresentaremos as nossas sugestões em jeito de contributo para o enriquecimento qualitativo do poder local.

PALAVRAS-CHAVE: Perequação Financeira; Autonomia Financeira; Mecanismos Perequativos; Poder Local.

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ix

Abstract

With this dissertation, we seek to obtain a better understanding of the financing system of the local autarquies, mostly the municipalities, in the context of the fair distribution of income between the State and other public entities, under the terms prescribed by the first item of the article 103 of the CRP. Essentially, we will try to find out what the perequation mechanisms are and how they work, both in their vertical and horizontal dimensions.

To do so, we will start from the configuration of the counties in the beginnings of nationality and analyze their evolution and development over several centuries, noting the advances and setbacks observed in terms of their autonomy and the resulting repercussions from the tax point of view.

We will throughly check the Liberal period and the legislative reorganizations of MOUZINHO DA SILVEIRA, both in terms of administrative organization and in terms of the alleged financial autonomy of municipalities, with a special focus on the taxes and taxation system, in light of the old quarrel between direct taxation and indirect taxation.

We won’t fail to analyze the historical period corresponding to the First Republic and to look at the economic and social consequences to which the country's participation in the First World War led, with the high level of impoverishment of the State and the populations that followed.

The “Estado Novo” will also earn our attention, whose affirmation and development we will seek to follow, without neglecting the relations between state power and local power, in particular in terms of their autonomy or dependency, financially, through the granting of possible subsidies or other contributive instruments.

When we get to April 1974, we will focus our attention on the perequation mechanisms and their way of functioning, in order to inquire about their correctness, based on the results obtained, observed in the context of their application to the reality of the different entities below the state. Such exercise will help us to understand the extent to which situations of financial difficulties or financial disruption in some municipalities are more due to their structural weaknesses or to a less careful and rigorous management of available resources. Finally, we will present our suggestions as a contribution to the qualitative enrichment of local power.

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xi

Índice

AGRADECIMENTOS. ... v

RESUMO ... vii

ABSTRACT ... ix

LISTA DAS PRINCIPAIS SIGLAS E ABREVIATURAS ... xvii

ESQUEMAS E QUADROS GRÁFICOS ... xix

I-A ORIGEM DOS CONCELHOS EM PORTUGAL ... 21

1-TESES EM CONFRONTO ... 21

2-A SUSTENTAÇÃO FINANCEIRA DOS CONCELHOS. ... 25

2.1-PRINCIPAIS RECEITAS ... 25

2.2-PRINCIPAIS DESPESAS ... 26

3-FASE DE DECADÊNCIA E DE TRANSIÇÃO ... 27

II-DO LIBERALISMO À REPÚBLICA ... 29

4-O LIBERALISMO E O SEU CONTEXTO ... 29

5-O IMPETO REFORMADOR DE MOUZINHO DA SILVEIRA ... 30

5.1-NA VERTENTE ADMINISTRATIVA ... 32

5.2-NA VERTENTE TRIBUTÁRIA E FNANCEIRA ... 34

5.3-REAÇÕES ÀS REFORMAS DE MOUZINHO ... 37

6 - ESTABILIDADE E DESENVOLVIMENTO ... 38

6.1-TRANSIÇÃO PARA A REPÚBLICA ... 39

III – A 1ª REPÚBLICA ... 43

7 - A 1ª REPÚBLICA E A SUA CIRCUNSTÂNCIA ... 43

7.1 – CONDICIONANTES DA PRODUÇÃO LEGISLATIVA ... 46

7.1.1-O CÓDIGO ADMINISTRATIVO DE 1878 ... 46

7.1.2 – O CÓDIGO ADMINISTRATIVO DE 1886 ... 47

7.2 – AS PARÓQUIAS ENQUANTO AUTARQUIAS LOCAIS ... 49

7.3 – ENTRE A CENTRALIZAÇÃO E A DESCENTRALIZAÇÃO AMINISTRATIVA ... 49

8 – AS PRIMEIRAS DIFICULDADES DA REPÚBLICA ... 51

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xii

8.1.1 –AS RESPONSABILIDADES DOS CONCELHOS OU MUNICÍPIOS... 55

8.2 - A ADMINSTRAÇÃO AUTÁRQUICA E O PODER CENTRAL ... 56

8.3- A LEI Nº 88, DE 07 DE AGOSTO DE 1913 ... 59

8.3-1 – A CÂMARA MUNICIAL ... 60

8.3.1.1 – A COMISSÃO EXECUTIVA ... 60

8.4 – RECEITAS E DESPESAS MUNICIPAIS ... 61

8.5 - A PARÓQUIA CIVIL ... 63

9- O ADMINISTRADOR DO CONCELHO E O REGEDOR DA PARÓQUIA ... 64

10- A PERMANENTE INSTABILIDADE POLÍTICA... 65

11- A 1ªGUERRA MUNDIAL ... 66

PRELÚDIOS DA DECISÃO DE PARTICIPAR NO CONFLITO ... 66

11.1 – A CONTINUIDADE DA ADMINISTRAÇÃO ... 68

12- PORTUGAL E O ESTATUTO DE PAÍS BELIGERANTE. ... 69

12.1 – EFEITOS E CONSEQUÊNCIAS DA PARTICIPAÇÃO NO CONFLITO. ... 71

13 – O SIDONISMO E A (NOVA) REPÚBLICA ... 73

13.1 – A ACELERADA DEGRADAÇÃO DO REGIME ... 74

IV - O ESTADO NOVO ... 77

FASE DE IMPLANTAÇÃO ... 77

14 - BREVE CONTEXTO ... 77

15- A FASE DE TRANSIÇÃO ... 78

15.1-PERDA DE AUTONOMIA DO PODER LOCAL ... 79

15.2-A IMPORTÂNCIA DAS COMISSÕES ADMINISTRATIVAS ... 80

15.3 - A EXTINÇÃO DAS ADMINISTRAÇÕES DOS CONCELHOS ... 80

16 - O REGRESSO DE SALAZAR ... 81

16.1- O RECENCEAMENTO ELEITORAL ... 81

17 - -A SUSTENTAÇÃO FINANCEIRA DOS MUNICÍPIOS ... 83

17.1- COMPARTICIPAÇÕES FINANCEIRAS DO ESTADO ... 84

18- O PODER PESSOAL DE SALAZAR É CADA VEZ MAIS AFIRMATIVO ... 86

19 – FASE DE CONSOLIDAÇÃO DO REGIME ... 87

19.1-A CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DE 1933 E AS AUTARQUIAS LOCAIS ... 87

ORGANIZAÇÃO DO ESTADO ... 87

20 - DIREITOS DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA ... 90

20.1- ALGUNS AFINAMENTOS EM MATÉRIA ELEITORAL ... 91

(14)

xiii

22 - OS NOVOS ORGÃOS ADMINISTRATIVOS ... 93

22.1 – AO NÍVEL DO CONCELHO ... 94

22.2 –AO NÍVEL DAS FREGUESIAS ... 95

22.3 - AO NÍVEL DAS PROVÍNCIAS ... 95

22.4 – AUSÊNCIA DE DEMOCRATICIDADE E CENTRALIZAÇÃO DO PODER ... 96

23 – COMPOSIÇÃO DOS NOVOS ÓRGÃOS MUNICIPAIS ... 97

23.1 - COMPETÊNCIAS DO CONSELHO MUNICIPAL ... 97

23.2 - COMPETÊNCIAS GERAIS DAS CÂMARAS MUNICIPAIS ... 98

23.2.1 – ATRIBUIÇÕES E COMPETÊNCIAS OBRIGATÓRIAS... 99

23.2.2 - ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS DOS CONCELHOS URBANOS ... 100

23.2.3 - ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS DOS CONCELHOS RURAIS ... 100

24 – COMPETÊNCIAS DO PRESIDENTE DA CÂMARA ... 101

24.1 – A FUNÇÃO DE ORIENTADOR E DE COORDENADOR ... 101

24.2 – A FUNÇÃO DE MAGISTRADO ADMINISTRATIVO ... 102

24.3- A FUNÇÃO POLICIAL ... 102

24-4 – IMPORTÂNCIA DA NOMEAÇÃO ... 103

25 - AUTONOMIA FINANCEIRA DOS CORPOS ADMINISTRATIVOS ... 103

AS FINANÇAS DOS CORPOS ADMINISTRATIVOS EM GERAL ... 103

25.1- O ORÇAMENTO ... 105

25.2-A CONTABILIDADE ... 107

26 – AS FINANÇAS MUNICIPAIS EM PARTICULAR ... 108

26.1 - IMPOSTOS MUNICIPAIS DIRETOS... 108

26.2 - IMPOSTOS MUNICIPAIS INDIRETOS ... 110

26.3 - RENDIMENTOS DE BENS PRÓPRIOS ... 112

26.4 - TAXAS E MULTAS ... 112

27- DESPESAS, ORÇAMENTO E CONTABILIDADE MUNICIPAL ... 114

28 –AS JUNTAS DE FREGUESIA ... 115

28.1 – COMPOSIÇÃO ATRIBUIÇÕES E COMPETÊNCIAS ... 115

29 – FASE DE MATURIDADE DO REGIME ... 116

30–AS ALTERAÇÔES À CONSTITUIÇÃO EM TERMOS DE ADMINISTRAÇÂO LOCAL ... 116

30.1 – AS ALTERAÇÕES AO CÓDIGO ADMINISTRATIVO ... 117

31 - EM SÍNTESE ... 119

V - A PEREQUAÇÃO FINANCEIRA COM REFERÊNCIA AOS MUNICÍPIOS... 121

AS LEIS DE FINANÇAS LOCAIS ... 121

32 - BREVE RESENHA DOS CAPÍTULOS ANTERIORES ... 121

(15)

xiv

34 – A EXECUÇÃO EFETIVA DOS COMANDOS CONSTITUCIONAIS ... 124

35 – ORGANIZAÇÃO POLÍTICA E ADMINISTRATIVA ... 124

35.1 – ORGÃOS REPRESENTATIVOS DAS FREGUESIAS E DOS MUNICÍPIOS ... 125

35.2 – APRECIAÇÃO ... 129

36 - A LEI Nº 1/79 ... 130

A PRIMEIRA LEI DAS FINANÇAS LOCAIS ... 130

36.1 – PRINCÍPIOS ORÇAMENTAIS ... 131

36.2 - PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS NAS RECEITAS FISCAIS ... 132

36.2.1 – CRITÉRIOS DE REPARTIÇÃO ENTRE OS MUNICÍPIOS ... 134

36.3 – OUTRAS RECEITAS MUNICIPAIS... 135

36.4 – PARTICIPAÇÃO DAS FREGUESIAS ... 136

37 - O DECRETO-LEI 98/84 ... 136

2ª LEI DAS FINANÇAS LOCAIS ... 136

38 – A LEI Nº 1/87 ... 139

3ª LEI DAS FINANÇAS LOCAIS ... 139

39 – A LEI 42/98 ... 141

4ª LEI DAS FINANÇAS LOCAIS ... 141

40 – A LEI Nº 2/2007 ... 143

5ª LEI DAS FINANÇAS LOCAIS ... 143

41 – A LEI Nº 73/2013 E OS MECANISMOS PEREQUATIVOS ... 149

6ª LEI DAS FINANÇAS LOCAIS ... 149

41.1- CARATERÍSTICAS E FUNDAMENTOS DE TAIS MECANISMOS ... 150

41.2-OS DIFERENTES PLANOS DA AUTONOMIA FINANCEIRA ... 151

41.3-O PARADIGMA CONSTITUCIONAL E A ESTABILIDADE DA RECEITA FISCAL ... 154

42.-A OPERATIVIDADE DOS MECANISMOS PEREQUACIONAIS ... 157

42.1-OS INSTRUMENTOS ESSENCIAIS ... 158

42.2-EM RESUMO ... 161

43-AS LEIS DE FINANÇAS LOCAIS E A GESTÃO FINANCEIRA DAS AUTARQUIAS ... 163

44 - GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DA AUTONOMIA MUNICIPAL ... 166

45 - GARANTIAS DA CARTA EUROPEIA DA AUTONOMIA LOCAL ... 169

46 – O PODER E A LEGITIMIDADE PARA TRIBUTAR ... 172

47 –A DISTRIBUIÇÃO DE RECURSOS PELOS ENTES INFRAESTADUAIS ... 175

47.1- RECEITAS EM GERAL DOS MUNICÍPIOS E DAS FREGUESIAS ... 177

47.1.1 – AS RECEITAS DOS MUNICÍPIOS ... 179

47.1.2 – AS RECEITAS DAS FREGUESIAS ... 182

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xv

O FUNDO SOCIAL MUNICIPAL ... 183

49 - AS REGRAS ORÇAMENTAIS ... 187

50 - O ENDIVIDAMENTO MUNICIPAL ... 188

51-OS MECANISMOS DE APOIO FINANCEIRO MUNICIPAL ... 192

52 - A LEI 53/2014, DE 25 DE AGOSTO ... 195

O FUNDO DE ASSISTÊNCIA MUNICIPAL ... 195

O PROGRAMA DE AJUSTAMENTO MUNICIPAL ... 195

53 –A PEREQUAÇÃO FINANCEIRA COMO GARANTE DA AUTONOMIA E DA TRANSPARÊNCIA ... 202

VI- APRECIAÇÃO FINAL E SUGESTÕES ... 205

54 – APRECIAÇÂO FINAL ... 205 55-SUGESTÕES ... 210 Bibliografia ... 215 Livros ... 215 Revistas ... 217 Sites ... 219

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Lista das Principais Siglas e Abreviaturas

Al – Alínea

ANAFRE – Associação Nacional de Freguesias

ANMP – Associação Nacional dos Municípios Portugueses AR – Assembleia da República

ART - Artigo

ATA – Autoridade Tributária e Aduaneira BCE – Banco Central Europeu

CA – Código Administrativo

CCF – Conselho de Coordenação Financeira

CDO – Compensação por Desigualdade de Oportunidades CEAL –Carta Europeia da Autonomia Local

CEE – Comunidade Económica Europeia CEP – Corpo Expedicionário Português CF – Compensação Fiscal

CIMI – Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis CIMT – Código do Imposto Sobre Transação de Imóveis

CIRC – Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas CIRS – Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares CIS – Código do Imposto de Selo

CIVA – Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado CIUC – Código de Imposto Único de Circulação CMM – Capitação Média Municipal

CMN – Capitação Média Nacional

DGAL – Direção Geral das Autarquias Locais DGS – Direção Geral de Segurança

DR – Diário da República

EFTA – Associação Europeia de Livre Comércio FAM – Fundo de Apoio Municipal

FBM – Fundo de Base Municipal FCM – Fundo de Coesão Municipal FEF – Fundo de Equilíbrio Financeiro

FFF – Fundo de Financiamento das Freguesias FGM – Fundo Geral Municipal

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FMI – Fundo Monetário Internacional FRM – Fundo de Regularização Municipal FSM – Fundo Social Municipal

ICF – Índice de Compensação Fiscal

IDO – Índice de Desigualdade de Oportunidades IDS – índice de Desenvolvimento Social

IMI – Imposto Municipal Imobiliário

IMT – Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis IRC – Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas

IRS – Imposto Sobre Rendimento das Pessoas Singulares IS – Imposto de Selo

IUC – Imposto Único de Circulação IVA – Imposto sobre o Valor Acrescentado

LCPA – Lei dos Compromissos e Pagamentos em Atraso LFL – Lei das Finanças Locais

LP – Legião Portuguesa MP – Mocidade Portuguesa OGE – Orçamento Geral do Estado OP CIT – Obra Citada

P – Página

PEC – Programa de Estabilidade e Crescimento PAEL – Programa de Apoio à Economia Local PAM – Plano de Ajustamento Municipal

PIDE – Polícia Internacional de Defesa do Estado PP – Páginas

PPTH – Plano de Pagamento a Tempo e Horas

PREDE – Programa de Regularização Extraordinária de Dívidas ao Estado PVDE – Polícia de Vigilância e Defesa do Estado

RAA – Região Autónoma dos Açores RAM – Região Autónoma da Madeira

SIIA -. Sistema Integrado de Informação Autárquica TdC – Tribunal de Contas

UE - União Europeia UN – União Nacional

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xix

Esquemas e Quadros Gráficos

Esquema Explicativo do Funcionamento dos Mecanismos Perequacionais…………..………157.

Quadro gráfico relativo aos Municípios que recorreram ao FAM………193.

Quadro gráfico retirado do Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses do ano de 2015, referente à evolução da sua situação financeira nos últimos anos……….…..207.

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I - A ORIGEM DOS CONCELHOS EM PORTUGAL

1 - TESES EM CONFRONTO

Não há unanimidade por parte dos autores quanto à origem dos concelhos em Portugal. Todavia, as suas posições são, por regra, convergentes, no que tange ao reconhecimento da sua vetustez e antiguidade.

Para ALEXANDRE HERCULANO1, a origem do concelho ou município português radica no município romano [ ]“a mais bela instituição que o mundo antigo deixou ao mundo moderno”, diz-nos o autor, que a seguir acrescenta: “grandes destinos lhe estão reservados no porvir: ao menos é dela que esperamos a regeneração do País, quando de todo se rasgar o véu, já tão raro, das ilusões deste século”. Por aqui se vê a importância que HERCULANO atribuía ao municipalismo e a confiança que depositava no seu contributo para o almejado desenvolvimento da Nação. Ele via nesta instituição uma espécie de reserva moral, capaz de se constituir em trave mestra da afirmação de um Estado moderno.

Embora o seu otimismo e entusiasmo, para o tempo, nos pareçam exagerados, não podemos, hoje, deixar de lhe dar razão. De facto, esta quase profecia ou premonição herculaniana teve a sua confirmação, mais de um século depois, é certo - mas teve-a - com a Revolução de 25 de abril de 1974.

Não estamos certos de que o País se tenha regenerado ou dado o salto qualitativo, em termos cívicos ou morais, no sentido em que, a nosso ver, HERCULANO apontava. Mas, de uma coisa não duvidamos: com o 25 de Abril de 1974, os municípios assumiram um protagonismo e uma importância social de tal ordem que, sem o seu inegável e decisivo contributo, a sociedade portuguesa estaria muito longe de atingir o nível de desenvolvimento e de bem-estar de que as populações atualmente desfrutam. Diferentemente, para MARCELLO CAETANO2, o concelho ou município, derivam do concilium [ ]”a assembleia dos vizinhos de uma povoação para tratar dos seus interesses comuns”.

1-HERCULANO, ALEXANDRE- História de Portugal, livro VIII (o concelho). Lisboa: Edição do Círculo de Leitores (As melhores obras de Alexandre Herculano), 1987, p. 9.

2-CAETANO, MARCELLO – História do Direito Português, Volume I – Fontes – Direito Público (1140-1495), Editorial Verbo, Lisboa. Lisboa, junho de 1981, p.219..

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CAETANO, ao mesmo tempo que nega a influência do município romano na criação dos concelhos, invocando que aquele se extinguira por completo durante a monarquia visigótica, defende que o surgimento destes teve caráter local ou vicinal e surgiu como natural associação de vizinhos para [ ]”proverem por si certos interesses só seus, a que os reis e os senhores, envolvidos na guerra, não podiam dar atenção”. E acrescenta: “Assim, enquanto o Rei e os senhores se reservam a chefia militar, essencial para a perduração da cristandade, as comunidades locais tomariam para si a resolução dos problemas correntes de administração, nomeadamente dos tocantes à vida económica”.3

Sem termos a pretensão de ajuizar da intrínseca valia de cada uma das teses em confronto, empresa para a qual nos falece, de todo, competência e autoridade, propendemos, no entanto, para atribuir um maior peso à de MARCELO CAETANO, por nos parecer mais próxima das necessidades e da realidade quotidiana das pessoas, ou seja – mais próxima da vida.

De facto, numa sociedade medieva e arcaica em que as populações só podiam contar com elas próprias para a satisfação das suas necessidades coletivas, essenciais à sua subsistência, como sejam o arroteamento de terras, a apascentação de gados, a abertura de veredas e caminhos, a gestão da água, com a inerente abertura de regueiras e a construção de poças e açudes, bem como as necessidades de defesa contra invasores e intrusos, requeriam cooperação e esforço coletivo. Daí a nossa maior adesão à perspetiva defendida por aquele autor.

Como quer que seja, de uma coisa não duvidamos: a tradição municipalista (ou concelhia) tem raízes fundas em Portugal. Na verdade, tanto HERCULANO4 como MARCELLO CAETANO5 e na esteira deles vários outros autores, como VASCO VALDEZ6, em obra recente, nos dão notícia da existência de 19 concelhos anteriores à própria nacionalidade, cujo número já atingia os 57 no final do reinado de D. AFONSO HENRIQUES.

Constata-se, de todo o modo, que os nossos primeiros reis imprimiram grande dinamismo à criação de concelhos, o que traduz a existência de uma delineada estratégia de ocupação do espaço físico e de enquadramento político das respetivas populações. O que bem se compreende, dado tratar-se duma fase de conquista e alargamento do território, a que também não seria alheio por parte dos soberanos, o objetivo de restringir, de alguma forma, os

3-CAETANO, MARCELLO – Manual de Direito Administrativo (Notas Históricas), Vol. I, 10ª edição, 4ª reimpressão, Coimbra. Coimbra, Almedina, 1990, p. 318.

4-HERCULANO, ALEXANDRE – História de Portugal, op. Cit. p.44 5-CAETANO, MARCELLO, Manual de Direito Administrativo Op. Cit. p 318..

6-VALDEZ, VASCO – AUTONOMIA TRIBUTÁRIA DOS MUNICÍPIOS – Uma Proposta para Portugal à Luz da Experiência Brasileira e Espanhola. Porto: Vida Económica, 2014, p.203.

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23 poderes senhoriais ou dominiais de ordem secular ou eclesiástica, que se assumiam como concorrentes7, com vista a obstar a que estes, em alguma circunstância, pudessem questionar a sua autoridade.

O instrumento jurídico utilizado pelos diversos monarcas, para o reconhecimento destas associações, foi o Foral ou Carta de Privilégios, através do qual o Rei, para além de reconhecer a existência e autonomia dessas comunidades lhes outorgava uma série de direitos e privilégios, mas também um repositório de obrigações, essencialmente de caráter tributário, a que ficavam adstritas.

As Cartas de Foral foram, assim, um importante instrumento usado pelos diversos soberanos, em termos de povoamento do território e consolidação da sua autoridade, tendo-se de tal modo generalizado a sua atribuição, que se descuidou o rigor do seu número e do seu conteúdo, em termos de escaparem, ao menos em parte, ao controlo da Coroa.

Daí que D. MANUEL I, no final do século XV e início do século XVI, tenha sentido necessidade de ordenar a recolha de todos eles, com vista à sua reformulação e harmonização, dando origem aos denominados forais novos, por oposição aos primeiros ou primitivos, que ora assumiram o estatuto de forais velhos.

A autonomia outorgada aos concelhos tende, no entanto, a sofrer um certo esvaziamento, dados os avanços do poder real sobre as suas áreas de intervenção. Embora o ímpeto centralizador já se viesse a manifestar desde os séculos XIII e XIV8, por via da nomeação dos juízes de fora e de outros oficiais régios, cremos que foi verdadeiramente com as Ordenações Manuelinas, publicadas nos primeiros anos da segunda década de quinhentos e a recolha e reformulação dos Forais, iniciada antes, mas concluída alguns anos mais tarde, que se verificou aquilo que hoje poderemos considerar uma primeira compressão séria da autonomia dos concelhos ou municípios.

A sua organização e capacidade decisória sofre um significativo revés, dado o reforço da intervenção do Rei na sua administração, exercida por intermédio dos seus representantes, com particular incidência no âmbito da aplicação da justiça e da cobrança de tributos, em detrimento da autonomia local e da autoridade dos seus executores. Daqui decorre a sua erosão e a progressiva perda de influência, que se vai prolongar até ao advento do Liberalismo no primeiro quartel do século XIX.

7-HISTÓRIA DE PORTUGAL – RAMOS, Rui (Coordenador), SOUSA, Bernardo Vasconcelos, MONTEIRO, Nuno Gonçalo, 3ª Edição, Lisboa. Lisboa, Esfera dos Livros, p.47.

8-CAUPERS, JOÃO – A ADMINISTRAÇÃO PERIFÉRICA DO ESTADO. Estudo da ciência da administração periférica do Estado, Lisboa , Editorial Notícias, 1994, p.p. 352 a 354. ,

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A recolha dos Forais visou, na opinião de prestigiados autores, entre eles MARCELLO CAETANO9, mais do que obter uma maior sistematização e clareza do seu conteúdo, regulamentar matéria tributária, com as questões de âmbito administrativo a serem remetidas para outros instrumentos normativos.

Temos, pois, que tanto os novos forais, ou antes, os velhos forais ora reformados ou reformulados, como os demais normativos produzidos pela Corte, passaram a representar uma visão muito mais centralista e utilitarista em favor do monarca, que se reservava o poder de nomear magistrados ou representantes seus para os concelhos que, ao fim e ao resto, era quem aí exercia o governo efetivo, quer diretamente, quer indiretamente, por via do seu ascendente sobre as autoridades locais, de que constitui um bom exemplo o juiz de fora, que dispunha de particular autoridade em termos da gestão dos assuntos correntes do concelho, em contraponto com o juiz da terra, escolhido pelas respetivas populações, mas colocado numa situação de subalternidade.

Com a perda de autonomia que cada vez mais se foi acentuando, em favor da centralização do poder e do controlo régio, os concelhos entraram numa fase de letargia ou adormecimento, que de algum modo e sem grandes oscilações se prolongou até ao dealbar do Liberalismo, nos anos vinte do séc. XIX. Nesse sentido, e com referência a esse período histórico, diz-nos FREITAS DO AMARAL10:“o Estado afirma o seu domínio, abolindo as donatarias e a jurisdição senhorial. Quanto à vida municipal, apaga-se e vegeta”.

Contudo, não obstante a situação referida e as múltiplas vicissitudes do tempo – de cada tempo – os municípios, enquanto órgãos de poder e de administração local, apesar dessa perda de importância, desempenharam uma função, ainda assim, certamente não despida de interesse. Ora mais relevante, ora menos relevante, o reconhecimento da sua utilidade por parte das populações, permitiu-lhes resistir e sobreviver até aos nossos dias, constituindo hoje, atentas as suas múltiplas atribuições e responsabilidades no âmbito da administração e da vida económica e social, um pilar fundamental da sociedade portuguesa.

9-CAETANO, MARCELLO – Manual de Direito Administrativo, op. Cit. p.320, onde nos refere: “Os forais velhos foram, um por um, substituídos pelos forais novos ou reformados que se limitavam a indicar o que cada concelho tinha de pagar periodicamente à Coroa. Toda a restante matéria dos antigos ficou a ser objeto das leis gerais…” – itálico no original.

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2 - A SUSTENTAÇÃO FINANCEIRA DOS CONCELHOS.

Eram parcas as receitas arrecadadas pelos concelhos, essencialmente pelos pequenos concelhos rurais do interior – concelhos imperfeitos11 - ao longo deste período histórico. Mas também não seriam muito significativas as respetivas despesas, não deixando, mesmo assim, de constituir encargo pesado para as depauperadas populações, pois para além da necessidade de sustentar uma pequena máquina burocrática, ainda lhes cabia a obrigação de pagar tributos à Coroa e o vencimento dos representantes do poder régio.

Pouco sobrava aos pequenos concelhos, se é que sobrava alguma coisa, mesmo para pequenas obras, como a manutenção de edifícios públicos, o pagamento de encargos com algumas serventias e prestações públicas, como as referentes a prisões e orfanatos, assistência a desvalidos e a proteção e sustento dos enjeitados.

2.1 - PRINCIPAIS RECEITAS

As principais receitas, nesta altura, provinham da participação nos impostos régios, nomeadamente nas sisas, desde 1387, as quais constituíam a principal receita interna do reino, visto tratar-se de “tributos sobre tudo que se vende e se compra”12, cujos sobejos, por sua vez, satisfeito o cabeção, isto é, a parte destinada à Coroa, representavam receita municipal, vindo a traduzir-se também para os concelhos, a partir de certa altura, em importante, por vezes mesmo na mais importante, fonte de rendimentos.

Havia, contudo, outros impostos, como era o caso do real de água, que tributava os consumos de carne e de vinho, também eles, pelo menos numa primeira fase, receita municipal13, além dos que se encontravam previstos nas Cartas de Foral14, nos quais para além

11-MONTEIRO, NUNO GONÇALO – História dos Municípios e do Poder Local (Dos Finais da Idade Média à União Europeia). Apartado: A sociedade local e os seus protagonistas. Direção de César Oliveira, Círculo de Leitores, Março de 1996, p. 30.

12-MAGALHÃES, JOAQUIM ROMERO – Concelhos e organização municipal na Época Moderna, Coimbra. Imprensa da Universidade de Coimbra, março de 2011, p.13.

13-MONTEIRO, NUNO GONÇALO – HISTÓRIA DOS MUNICÍPIOS E DO PODER LOCAL…, apartado: O espaço político e social local, op. Cit. p.p. 121 a 136.

14-Sobre os conceitos de Foral ou Cartas de Privilégio, veja-se em termos mais desenvolvidos o Manual de Direito Administrativo de MARCELLO CAETANO, na parte relativa ao concelho, p.p. 315 e segs, para quem o “foral é a carta que regula as relações entre o conjunto de povoadores ou habitantes de certa área, cujas terras serão consideradas daí por diante propriedade plena dos membros da coletividade, e a Coroa ou o senhor a que essas terras dantes pertenciam”. A liberdade dos habitantes é garantida pela fixação de normas segundo as quais (não) serão para o futuro exigíveis pelo senhor quaisquer prestações tributárias, devidas pelas pessoas, pelos atos que pratiquem ou pelos bens que possuam”, in Manual de Direito Administrativo, Vol. 1, 10ª Edição, 4ª reimpressão, Coimbra. Coimbra, Almedina 1990, p.318 – itálico no original; o vocábulo (não) colocado entre parêntesis e a negrito, não consta do texto citado, sendo, por isso, da nossa responsabilidade.

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do município, por regra, a Coroa também participava, a que acresciam os regulados pelas Ordenações, tanto as Manuelinas de 1512, como pelas Filipinas de 1603.

Todavia, neste plano, e não apenas neste plano, tal como hoje ainda acontece, a estrutura económica dos concelhos apresentava enormes desequilíbrios entre os grandes municípios urbanos – concelhos perfeitos - e os pequenos municípios do interior – concelhos imperfeitos - com os consequentes reflexos nas receitas tributárias arrecadadas por uns e por outros. Enquanto para aqueles, a maior fatia de receita tributária resultava de impostos sobre o consumo, para estes, essa tributação era muito pouco expressiva, como refere, a este propósito, Nuno Gonçalo Monteiro15.

Além de impostos, os municípios cobravam taxas várias, ainda que de pequena monta, pela ocupação de espaços em feiras e mercados, aferição de pesos e medidas, licenças de portagem, de porta aberta, de estalajadaria e alquilaria, de comercialização de pescado e de animais para açougue, de circulação de diligências e outros veículos, entre mais, de que nos dá nota JOÃO CAUPERS16, isto sem embargo de poderem dispor de outros rendimentos, resultantes, nomeadamente, do aforamento de baldios ou da cedência por concessão ou arrendamento de outros direitos reais.

2.2 - PRINCIPAIS DESPESAS

Tal como se verificava em termos de receitas, também no que concerne às despesas, a estrutura e composição destas variava muito de concelho para concelho, com a linha de demarcação a passar entre os grandes municípios do litoral, ou dele próximos – em que a receita arrecadada permitia algum investimento - e os pequenos municípios rurais do interior, cujo sufoco financeiro era permanente, mal permitindo a sua subsistência enquanto entidades autónomas.

As despesas de funcionamento e com pessoal administrativo absorviam grande parte do respetivo orçamento, sempre mais de dois terços do seu montante17, nada restando, ou restando muito pouco, pelo menos ao nível das pequenas municipalidades, para obras e equipamentos, mesmo de baixo valor.

Tais despesas consistiam, essencialmente, para além da manutenção do aparelho administrativo, na conservação de edifícios públicos, como prisões e outros edifícios municipais,

15-MONTEIRO, NUNO GONÇALO – HISTÓRIA DOS MUNICÍPIOS PORTUGUESES, OP. CIT. P. 132. 16-CAUPERS, JOÃO – ADMINISTRAÇÃO PERIFÉRICA DO ESTADO, op. cit.. pp 352 a 373. 17-MONTEIRO, NUNO GONÇALO – HISTÓRIA DOS MUNICÍPIOS E DO PODER LOCAL, op. Cit.p.132.

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27 manutenção e recuperação de ruas, caminhos, pontes e fontes, pagamento a amas, a médicos e boticários e prestação de assistência aos desvalidos e expostos.

Talvez a despesa mais significativa decorresse mesmo do sustento destes excluídos da sociedade – e tantos eram - e de quem os criava. Um encargo pesado que, desde as Ordenações Manuelinas, aos concelhos competia suportar18, podendo mesmo lançar fintas para esse efeito19. Todavia, revelava-se cada vez mais problemática a sua aceitação por parte dos contribuintes, atingindo o seu ponto crítico na fase do Liberalismo, dado o número crescente de nascituros que eram deixados nas rodas ou à porta de outras instituições para serem acolhidos, como veremos posteriormente ao tratar deste período histórico.

3 - FASE DE DECADÊNCIA E DE TRANSIÇÃO

Na fase da reconquista e de afirmação da nacionalidade, foi patente a preocupação dos nossos primeiros reis na criação de concelhos e no seu reconhecimento através da outorga das Cartas de Foral, sendo pacífica a ideia de que os mesmos constituíram, nesta fase, entes dinâmicos e transformadores, visto emergirem como novos protagonistas no seio de um corpo social dominado por grandes senhores terra-tenentes, de ordem laica ou clerical, avessos a qualquer evolução que pudesse colocar em risco os seus interesses e estatuto. Com a crescente intromissão da Coroa na vida dos concelhos, esse dinamismo foi-se gradualmente perdendo, entrando estes numa fase de certa letargia ou adormecimento, visto encontrarem-se totalmente manietados pelas magistraturas régias, sem capacidade de iniciativa e menos ainda de realização.

Foi a partir do reinado de D. AFONSO III – século XIII20 - que os representantes da Coroa nos concelhos, como já antes referimos, começaram a proliferar, com funções paralelas e por vezes sobrepostas no seio dos próprios, e entre estes e os responsáveis locais, com especial destaque para as funções de aplicação da justiça e da coleta de impostos21.

18-VALDEZ, VASCO – AUTONOMIA TRIBUTÁRIA DOS MUNICÍPIOS, op. Cit. p. 208. 19-Ordenações Manuelinas – Livro I, Título LXVII, 335.

20-CAUPERS, JOÃO – A ADMINISTRAÇÃO PERIFÉRICA DO ESTADO, op. Cit. p.p. 352 a 354.

21-Ver: MATTOSO, JOSÉ – OBRAS COMPLETAS – Identificação de um País Composição, Círculo de Leitores, Volume 3, março de 2001, pp. 32 a 66, especialmente a p. 66 .O autor dá-nos conta, nestas páginas, das várias representações régias atinentes à arrecadação dos tributos a favor da Coroa, com agentes locais, desde os «mordomos» ou «vigários» – «mordomos das eiras», «das terras», etc., passando pelos recebedores, que recolhiam as rendas nos celeiros e nos entrepostos régios, até aos almoxarifes, cuja importância se afirmou à medida que se foram desenvolvendo os pagamentos em dinheiro, tarefa facilitada pela alteração do sistema monetário por D. AFONSO III, ao adotar a libra, moeda usada na Europa, em detrimento do maravedi ouro de inspiração muçulmana. Segundo o autor, é também nesta fase que se começa a desenhar

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Porém, é a partir de finais do século XIV que a Coroa começa verdadeiramente a apertar o cerco e a exercer um maior controlo sobre os concelhos, através da nomeação e atribuição de novos poderes a essas magistraturas. Desde logo, os chamados juízes de fora, a partir de 139122, que não só exerciam as funções mais importantes, em sobreposição ou em concorrência com os órgãos locais escolhidos ou eleitos no seio da comunidade, como controlavam a arrecadação dos tributos cobrados a favor do tesouro régio. As Ordenações Manuelinas (1512-1514) e a reforma dos Forais iniciada no final do século XV e concluída no final do primeiro quartel da centúria de quinhentos (sec. XVI), constituem o corolário lógico dessa nova matriz de relacionamento político e administrativo.

O decurso do tempo e as dinâmicas geradas em cada época impuseram, certamente, diferentes abordagens e comportamentos no relacionamento entre o poder real e o poder municipal, visto ser o rei, através dos seus representantes, a única autoritas de reporte dos concelhos, pois como nos refere ROMERO DE MAGALHÃES23, estes não dependiam hierarquicamente doutras circunscrições administrativas, nomeadamente doutros concelhos ou cidades de maior dimensão.

Nessa medida, na opinião de avalizados historiadores, desde as Ordenações Manuelinas até ao surgir do Liberalismo, a vida política e administrativa dos concelhos não sofreu grandes abalos ou sobressaltos no seu modo de funcionamento e de relacionamento com o poder central. A este propósito, NUNO GONÇALO MONTEIRO, a quem damos a palavra, escreve o seguinte: “[ ] pode dizer-se, sem exagero, que nesta matéria entre o século XVI e o início do século XIX, a continuidade prevaleceu largamente sobre a mudança”24. Trata-se, de resto, de uma posição comum a vários autores.

Depois de um período de manifesto imobilismo, tão dilatado no tempo, não é de estranhar a amplitude das reformas estruturais que o Liberalismo pretendeu introduzir no funcionamento dos municípios, matéria de que nos ocuparemos no próximo apartado.

a separação entre o poder do Rei enquanto senhor (feudal ou senhorial) e aquele que deriva da sua dignidade régia, assim se começando a esboçar os contornos do Estado moderno.

22-MONTEIRO, NUNO GONÇALO – HISTÓRIA DOS MUNICÍPIOS E DO PODER LOCAL, op. Cit. p.p. 31 e 82.

23-MAGALHÃES, JOAQUIM ROMERO – Concelhos e Organização Municipal na Época Moderna, op. Cit. p. 122. 24-MONTEIRO, NUNO GONÇALO-HISTÓRIA DOS MUNICÍPIOS E DO PODER LOCAL, op. Cit. p.29.

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II - DO LIBERALISMO À REPÚBLICA

4 - O LIBERALISMO E O SEU CONTEXTO

A Revolução Liberal de 1820 transpôs para Portugal as ideias que há muito vicejavam além Pirenéus, a que a Revolução de 1789, em França, deu corpo. Tratava-se de uma nova filosofia política e administrativa, baseada nos princípios da igualdade, da liberdade e da fraternidade, que constituíram a bandeira daquele movimento revolucionário, consubstanciados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, cujos efeitos se fizeram sentir por toda a Europa Continental.

Princípios e ideais de aplicação restrita, já que proclamados, essencialmente, em benefício da elite económica e letrada da altura, onde pontificava a burguesia ascendente, ligada ao comércio e aos negócios, cansada do domínio do clero e da alta nobreza e a reclamar para si um papel mais interventivo na sociedade. Do reconhecimento destes valores, continuava arredada a maior parte da população, desde logo as mulheres, os iletrados, o operariado e todos aqueles que não dispunham de réditos para ascenderem a esse novo estatuto que ora se reclamava – o estatuto de eleitor – condição primeira para se sentirem representados e participarem na nova ordem social.

Todavia, nem por isso a proclamação destes ideais deixou de provocar profundas alterações e convulsões sociais e políticas na época, dando origem a verdadeiras transformações e mudanças de regime político, no sentido da transposição de monarquias absolutas para monarquias constitucionais, com a eleição de assembleias representativas, agora legitimadas pelo “voto popular”, ainda que censitário, donde passavam a emanar os governos nacionais.

Foi um avanço muito significativo e de iniludíveis consequências práticas, pois significou um corte definitivo com o Antigo Regime, que se projetou em todos os domínios da sociedade e que não obstante alguns solavancos de percurso, não mais seria a mesma. Liberta do espartilho do que até então constituía a única autoridade, a quem todos deviam obediência e vassalagem – o Rei – cuja governação, até então, era exercida em estreita aliança com o alto clero e a alta nobreza, cujos interesses, por regra, se revelavam confluentes, a nova sociedade emergente reclamava novos equilíbrios e novos arranjos aos mais diversos níveis de governo da Nação.

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Os princípios da legitimação do poder através do voto, transportavam na sua génese os ideais de descentralização e de autonomia, numa perspetiva de reconhecimento da capacidade de autogoverno por parte das comunidades, ainda que sob balizas e orientações do poder central, que a ideia de separação de poderes, entre deliberativo, executivo e judicial, fundamento da nova ordem, em si, também já traduzia. Porém, nem sempre o que se anuncia em termos programáticos e de praxis política, se revela passível de aplicação no concreto exercício do poder e da gestão administrativa, situação que em períodos de instabilidade se torna mais evidente, dada a correlação de forças existentes em cada momento e a conflitualidade sempre latente, que então vem ao de cima e se torna necessário aplacar.

E, de facto, assim aconteceu em Portugal.

Num quadro de incerteza constante, em que a própria ordem constitucional a cada passo era subvertida e os normativos de enquadramento da atividade e das competências municipais alterados, com substanciais mexidas nas regras de tributação e arrecadação de receitas, os municípios viviam numa situação de grande instabilidade, com a definição dos seus poderes e competências gizados a nível central a revelarem-se inaplicáveis na prática, por mais razoáveis e funcionais que se apresentassem aos olhos dos seus autores, pois, quase sempre, as soluções idealizadas colidiam com o endémico problema da escassez de recursos e da fraquíssima capacidade de os gerar. Uma das razões, entre outras, por que, nesta fase, tudo era efémero.

Não foi fácil a vida dos concelhos ao longo do século XIX, como não foi a do País, especialmente na sua primeira metade, até à Regeneração, em 1851, dada a autêntica “dança” de cadeiras que se verificou no exercício do poder, entre Absolutistas e Liberais de várias matizes, com sucessivas revoltas e contra revoltas e a consequente mudança de protagonistas, cada qual com o seu ideário político e visão própria da organização social. De cariz mais liberal e descentralizador uns, mais conservadores e centralistas outros, com os inerentes reflexos na produção legislativa e na gestão da coisa pública, não era fácil encontrar uma linha de rumo que a todos satisfizesse. Todavia, o ponto de equilíbrio vai surgindo gradualmente, à medida que as novas reformas legislativas se vão consolidando e o aparelho administrativo as vai absorvendo, representando o Código Administrativo de 1836 o primeiro marco nesse sentido.

5 - O ÍMPETO REFORMADOR DE MOUZINHO DA SILVEIRA

Com sucessivos avanços e recuos, como é normal em épocas de transição, é questão pacífica no seio dos historiadores, que o verdadeiro estado moderno em Portugal apenas surge

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31 com o Liberalismo e o seu principal obreiro foi, sem sombra de dúvida, MOUZINHO DA SILVEIRA, um incontornável vulto da causa Liberal.

Este funcionário superior da Administração Púbica, que havia desempenhado altos cargos com inegável brilho e dedicação, exilara-se em França em 1828, na sequência da guerra civil desencadeada nesse ano entre Liberais e Miguelistas, aí permanecendo e certamente estudando em profundidade a organização política e administrativa francesa, até 1832.

Nesse ano, juntou-se às tropas do regente D. PEDRO, em Angra do Heroísmo, Açores, onde em 2 de março tomou posse como Ministro e/ou Secretário de Estado de várias pastas, integrando, depois, o grupo expedicionário que em 8 de julho seguinte, desembarcou nas proximidades da praia do Mindelo, a curta distância da cidade do Porto, com vista à recuperação da Coroa para a infanta Dª MARIA - a favor de quem seu pai, D. PEDRO IV, abdicara - e à reposição da Carta Constitucional, de 29 de Abril de 1826, que D. MIGUEL havia jurado aquando do seu regresso do exílio. Todavia, não tardou em ostracizá-la, ao dissolver a Câmara de Deputados e abrir caminho à convocação dos três estados do Antigo Regime, para aí ser aclamado Rei absoluto, originando, assim, uma luta fratricida entre Absolutistas e Liberais a que só a vitória destes últimos e a assinatura da convenção de Évora Monte em 1834, pôs termo.

MOUZINHO, trabalhou certamente com afinco durante o seu exílio em França, na preparação das reformas que veio a protagonizar, pois no pouco tempo que permaneceu nos Açores, obteve a promulgação de mais de duas dezenas de Decretos e uma Portaria, nomeadamente os famosos Decretos nºs 22, 23 e 24, que viram a luz do dia em 16/05/183225 e que reformaram de alto a baixo a administração portuguesa, nas suas áreas chave da administração fiscal, da administração púbica e da administração da justiça.

No que aos concelhos diz respeito, as suas reformas tiveram grande repercussão tanto na vertente administrativa como na vertente financeira e tributária, dados os novos princípios reformistas e o correspetivo enquadramento legislativo, que apontavam no sentido da racionalização de meios e da maior responsabilização dos concelhos pelos seus próprios orçamentos, em paralelo com um maior controlo político e administrativo por parte do poder central, através dos provedores ou administradores do concelho.

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5.1 - NA VERTENTE ADMINISTRATIVA

Certamente com dificuldades, como sempre acontece nas grandes empresas, no conjunto das reformas então encetadas, a redução do número de concelhos afigura-se-nos de grande significado e importância. Embora a aplicação desta medida tenha pertencido a PASSOS MANUEL26 e o famoso Decreto nº 23, de MOUZINHO, de 16/05/1832, não previsse grandes mexidas a este nível, acreditamos, mesmo assim, que lhe pertence parte desse mérito, por corresponder ao seu pensamento e ter resultado da irradiação do seu espírito reformador a outros atores políticos.

Tratou-se de uma medida de racionalização muito importante, que julgamos ter sido de difícil implantação, atentos os múltiplos interesses que não podia deixar de beliscar, ao nível dos pequenos ou grandes poderes burocráticos e administrativos locais. Todavia, cremos que só a grande proliferação de entidades concelhias, em alguns casos verdadeiramente atomísticas, em termos de território e/ou de população explica, que tão drástica redução do seu número, ainda que com algumas oscilações de permeio, tenha sido possível. De 826 concelhos para 351, numa primeira fase, e para 268 depois, como nos referem, entre outros, MARCELLO CAETANO27 e FREITAS DO AMARAL28, é algo de muito significativo, o que compara com os atuais 308.

Foi, sem dúvida, obra de vulto, reconheça-se.

Mas foi muito mais amplo, como veremos, o ímpeto reformador de MOUZINHO DA SILVEIRA, o que tão prolífera e abrangente produção legislativa bem atesta. Com efeito, a Constituição de 1822 fixou a divisão do território nacional em distritos e concelhos, sendo a representação do Estado exercida a nível distrital por intermédio de um administrador de nomeação régia,29 coadjuvado por uma junta administrativa (artº 212º), cuja autoridade se estendia a todo o distrito. Os concelhos, por sua vez, eram geridos pela vereação municipal eleita, presidida pelo vereador mais votado (artº 220º).

Todavia, através do Decreto nº 23, de 16 de maio de 1832, que tratava desenvolvidamente da reorganização da administração pública, a divisão e administração territoriais passavam a revestir um novo figurino, com três níveis de circunscrições: províncias (perfeitos), comarcas (subperfeitos) e concelhos (provedores), cada qual com o seu corpo administrativo, eleito por via indireta e um representante do Governo central. O corpo

26-OLIVEIRA, CÉSAR – HISTÓRIA DOS MUNICÍPIOS PORTUGUESES E DO PODER LOCAL. Op Cit. p. 208. 27-CAETANO, MARCELLO – Manual de Direito Administrativo, op. Cit. P. 321.

28-AMARAL, DIOGO FREITAS – Curso de Direito Administrativo, Volume I, 4ª Edição, 2015, op. cit. pp. 463 a 465. 29-CAUPERS, JOÃO – A ADMINISTRAÇÃO PERIFÉRICA DO ESTADO, op. Cit. P.360.

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33 administrativo da província era a junta geral da província, da comarca, a junta de comarca e do concelho, a câmara municipal.

Tratava-se de um modelo centralizador, inspirado na legislação francesa, dado que o poder executivo municipal se encontrava depositado nas mãos dos representantes régios, enquanto os corpos eletivos apenas tinham poder consultivo e deliberativo e podiam mesmo ser objeto de dissolução por parte do prefeito, representante da Coroa ao nível da província e titular de amplas competências em todas as áreas da administração pública, em cuja circunscrição a respetiva governação lhe cabia30.

Porém, não foi pacífica a implementação desta divisão administrativa, pelo que houve necessidade de proceder à revisão do Decreto nº 23, o que foi feito três anos depois, por Carta de Lei de 25 de Abril de 1835, regulamentada pelo Decreto de 18 de Julho desse mesmo ano31.

Na sequência das alterações introduzidas por esta nova legislação, o território foi dividido em distritos, concelhos e freguesias, cada uma destas entidades com um representante do Governo, designados, respetivamente, de governadores civis, administradores de concelho (antes provedores) e comissários de paróquia, mais tarde regedores.

Apesar desta divisão administrativa ter chegado aos nossos dias, não foi linear a sua afirmação ao longo de todo o século XIX, pois as sucessivas revisões do Código Administrativo, a partir da sua primeira edição, em 1836, com exceção dos concelhos, provocaram-lhe algumas intermitências existenciais, já que ora feneciam ora revivesciam, por mera ação da pena do legislador, com igual sorte reservada aos cargos que lhes correspondiam e a quem os exercia.

A nomeação dos provedores, mais tarde denominados administradores do concelho, que o Decreto nº 23 instituiu e resistiram até ao início dos anos quarenta do século XX, revelou-se fonte de conflitos e de acérrimas disputas políticas e pessoais a nível local, dado que os referidos magistrados, para além de representarem o poder central, com a eventual carga negativa que lhes estava associada, ipso facto, eram quem detinha localmente o poder executivo, funcionando as câmaras municipais, órgãos eleitos, “como meros poderes de iniciativa e de consulta”32. A acrescer a isto, o facto dos administradores do concelho serem remunerados e os elementos das câmaras não o serem, contribuía, também, para gerar algumas tensões.

Por outro lado, o reduzido número de membros das elites locais em condições de acederem aos cargos de topo da administração, traduzia-se no seu exercício pelos mesmos indivíduos durante largos anos, saltando de um cargo para outro, ora de administrador do

30-Idem, p.p. 363 e 364. 31-Idem. p.365.

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concelho para presidente da câmara, ora o inverso, com os respetivos protagonistas a tomarem as posições mais díspares em função do cargo que no momento desempenhavam, transformando-o, muitas vezes, no mais exacerbado instrumento de guerrilha política e disputa pessoal, como se verificava, permitam-nos o exemplo, no município de Póvoa de Lanhoso, concelho donde somos naturais e residentes, situação que certamente não seria estranha, antes algo comum a muitos outros33.

Não devemos esquecer, neste contexto, a criação das freguesias como nova entidade territorial e administrativa, paralela e coincidente em território com a paróquia religiosa, cuja existência já vinha muito de trás. Todavia, a sua importância e influência eram francamente diminutas, pois carecia de prestígio e recursos para poder exercer qualquer intervenção junto da comunidade, para além de, durante muitos anos, ter ficado sob a alçada do poder clerical.

O município ou concelho, em termos locais, era, na prática, o único órgão político e administrativo com significado. As freguesias, verdadeiramente, só depois da Revolução do 25 de abril de 1974 ganharam poder, prestígio e influência.

5.2 - NA VERTENTE TRIBUTÁRIA E FNANCEIRA

Foram muito profundas as alterações tributárias e financeiras introduzidas pela legislação mouziniana, com direta incidência no governo dos concelhos, já que a mesma representava um novo paradigma da gestão municipal, deslocando para os próprios municípios uma maior responsabilidade pela elaboração do seu orçamento, a ser construído com base na arrecadação de receitas próprias, em montante suficiente para assegurar a sua sustentação financeira ou, pelo menos, uma parte bem mais significativa dos seus encargos.

33-FREITAS, PAULO A. RIBEIRO – A PÓVOA DE LANHOSO NO LIBERALISMO. O Administrador do Concelho na Revolução da Maria da Fonte. Tese de Mestrado apresentada na Universidade do Minho em 2010 e publicada pela Câmara Municipal de Póvoa de Lanhoso em 2015, onde o autor analisa os efeitos da Revolução Liberal em termos locais, nomeadamente na vertente politico/comportamental do administrador concelho José Joaquim Ferreira de Melo e Andrade, personalidade absolutamente incontornável da política local durante cerca 30 anos, em que ora exerceu os cargos de administrador do concelho ora de presidente da câmara, com predominância para o primeiro, mas sem perder o controlo do segundo, pois quando tal não acontecia, logo tentava derrubar – e conseguia - quem se lhe opusesse. Curiosas, são as suas propostas de redução dos réditos do administrador do concelho, invocando dificuldades financeiras do município, quando era seu presidente e o cargo de administrador era exercido por algum dos seus rivais, e a imediata exigência do aumento desses réditos quando passava ele a exercer o referido cargo e a presidência da câmara se encontrava nas mãos dos seus opositores. Do mesmo autor, em parceria com JOSÉ ABÍLIO COELHO, diretamente correlacionada com esta temática, as ATAS DA CÂMARA MUNICIPAL DA PÓVOA DE LANHOSO – 1837-1858 - publicadas pela Câmara Municipal de Póvoa de Lanhoso, em 2015.

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35 Com base neste entendimento, como nos relata ANTÓNIO PEDRO MANIQUE34, procedeu-se a uma significativa alteração em matéria de cobrança de tributos, tendo em vista, no caso das autarquias, o seu auto financiamento que, em grande medida, deveria ser suportado através do aumento da receita dos bens municipais, e quando esta não se revelasse suficiente deviam recorrer ao lançamento de fintas ou derramas, o que se traduzia num sistema de tributação direta, visto como mais justo e equitativo, por ter em conta os maiores ou menores rendimentos dos contribuintes.

O novo paradigma de arrecadação de receitas por parte do Estado e das autarquias, idealizado por MOUZINHO e vertido na legislação por si elaborada, desloca-se, assim, do predomínio do sistema de impostos indiretos para um maior pendor do sistema de impostos diretos.

Era reconhecido, nesta altura, o atraso de Portugal relativamente aos seus congéneres europeus, onde a revolução industrial já ia avançada no seu caminho, enquanto no nosso País mal dava os primeiros passos. Para além da influência nefasta sobre o desenvolvimento da nossa indústria, que muitos atribuíam aos tratados comerciais celebrados com a Inglaterra, que já vinham de trás, MOUZINHO, diferentemente, considerava que o problema radicava mais no anquilosado sistema de impostos, impeditivo do livre comércio e da livre circulação de mercadorias que, no seu entender, tolhia o desenvolvimento da indústria e justificava o marasmo e a falta de competitividade da agricultura, pelo que urgia a sua transformação.

Assim, para animar a economia, eliminou uma série de impostos que impediam ou dificultavam as trocas comerciais, como as portagens, os relegos, as posturas e os impostos foraleiros, a par de um conjunto de direitos, como os pequenos morgadios e os direitos banais, a que igualmente pôs termo, de modo a desafetar a terra e as suas utilidades de certos vínculos, que via como peias ao desenvolvimento do território e ao emergir de um capitalismo dinâmico e saudável, capaz de retirar o país do marasmo e da apatia em que se encontrava.

Elucidativo desta nova filosofia programática foi a abolição das sisas gerais, dado o seu peso no âmbito geral da receita pública, tanto ao nível central como ao nível local através dos respetivos sobejos, que representavam em muitos casos, a principal fonte de receitas dos municípios, dado tributar as transações de maior valor, como era o caso dos imóveis e dos móveis e semoventes. MOUZINHO considerava, no entanto, que se tratava de um tributo obsoleto e mesmo impeditivo da formação do mercado nacional.

34-MANIQUE, ANTÓNIO PEDRO – Liberalismo e Finanças Municipais: Da Extinção das Sisas à proliferação de tributos concelhios. Penélope. Fazer e Desfazer História (Revista de História e Ciências Sociais), nº 3, junho de 1989, pp 22-31.

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Todavia, ao nível dos municípios, o resultado desta medida foi quase desastroso. As receitas caíram drasticamente, levando muitos concelhos a uma situação de default, incapazes de cumprirem as suas obrigações mais elementares, nomeadamente as respeitantes ao pagamento às amas-de-leite e à geral sustentação dos expostos35, cuja responsabilidade, à época, cabia aos municípios e representava uma significativa fatia do seu orçamento, tal era a percentagem daqueles no cômputo geral dos nascituros36. A situação era de tal modo grave, que os pagamentos em atraso, em certos casos, []”acumulavam dívidas de dois ou três anos”37

35 -Embora a partir de 1836, a competência quanto à localização e fiscalização das rodas de expostos tenha passado para as juntas gerais de distrito, que também procediam à distribuição dos encargos por todos os municípios pertencentes à circunscrição distrital, a sua sustentação passou a ser assegurada por um imposto direto sobre todos os munícipes – a contribuição dos expostos - o que explica, a nosso ver, a feroz perseguição feita e a humilhação a que eram submetidas as mães solteiras, já que as vereações se confundiam, na maioria das vezes, com os proprietários mais abastados e, nessa medida, acabavam por ser eles os grandes onerados com o dito imposto, a que logo procuravam escapar. Chamemos à liça, a este propósito, e uma vez mais, o concelho de Póvoa de Lanhoso, cujos dados, não podendo ser extrapolados para o todo nacional, nos dão uma ideia, certamente aproximada, da realidade vivida nesta época. A primeira ata de reuniões da câmara municipal fisicamente existente, visto que todas as anteriores desapareceram por razões não inteiramente esclarecidas, data de 05 de maio de 1837 e trata da tomada de posse de uma nova câmara. A terceira ata, datada de uma semana depois, 12/05/1837, dá “Instruções para as juntas de paróquia fiscalizarem sobre a gravidez de prostitutas, para serem comunicadas prontamente à câmara através de um mapa mensal”, o que viria a ser reiterado em reuniões posteriores. Nas atas subsequentes, o tratamento deste tema é recorrente, com sucessivas denúncias de gravidezes de um considerável número de mulheres (prostitutas sempre), com o seu chamamento à câmara para assinarem termo de responsabilidade pela criação dos nascituros, ou para as inquirirem, quando também se verificavam denúncias nesse sentido, se tinham deixado determinada criança em tal roda, com vista a ser-lhe devolvida para a criar.

Para além disso, o pagamento das Amas era feito sempre com grandes atrasos, pois as verbas recolhidas nunca se revelavam suficientes, havendo assim necessidade de, muito frequentemente, lançar mão de derramas, o que também não resolvia os problemas, que cada vez mais se agravavam. A título de exemplo, peguemos na Ata de 16/06/1839, que aprova o orçamento para o 2º semestre desse ano. Temos uma previsão de receita de 160.500 reis e uma previsão de despesa (sem os expostos) de 266.415 reis. Juntando-lhe o montante de 314.045 reis, correspondente ao “rateamento que lhe coube para administração dos expostos”, verificamos que existe um défice de 419.960 reis. Mas a situação era ainda mais grave, pois o montante de débitos acumulados às amas atingia, em 31/12 do ano anterior, a importância de 1.215.955 reis, o que nos dá a ideia da gravidade do problema e da situação de miséria em que certamente viviam não só os expostos mas também as Amas e as famílias que os criavam. In atas da Câmara Municipal da Póvoa de Lanhoso, de 1837 a 1854, edição da Câmara Municipal da Póvoa de Lanhoso, ano de 2015, compilação de PAULO A. RIBEIRO DE FREITAS E JOSÉ ABÍLIO COELHO.

36-COELHO, José Abílio, em comunicação apresentada no Seminário Internacional “Do silêncio à ribalta: os resgatados das margens da história (séculos XVI-XIX), realizado em Braga, Universidade do Minho, em 28 e 29 de Maio de 2015, com o título «Reações dos contribuintes com os “expostos”. O caso do município da Póvoa de Lanhoso (1837-1857)». Cópia gentilmente cedida pelo autor, mas já disponível na Internet, no endereço: http://docslide.com.br/documents/reacoes-dos-contribuintes-as-despesas-com-os-expostos-o-caso-do-municipio.html, consulta efetuada em 25/11/2015, indica-nos a percentagem de expostos no cômputo geral dos nascituros, no que respeita à freguesia de Fontarcada, freguesia sede do concelho, na altura, no tocante aos anos de 1841 a 1850, que representam um valor superior a 30% dos nascituros daquela freguesia. Em 610 nascimentos registados, 188 são expostos. Todavia, no ano de 1846, ano da Revolta da Maria da Fonte, essa percentagem atinge os 45%, já que em 83 nascituros, 37 são expostos. Por aqui se vê a gravidade do problema e como a pressão – e mesmo a humilhação a que as mulheres solteiras grávidas eram submetidas – não o resolveu.

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37 5.3 - REAÇÕES ÀS REFORMAS DE MOUZINHO

Tão abrupta queda de receitas, decorrente do princípio enformador da reforma, aliás meritoso, baseado na ideia de maior justiça fiscal, que o sistema de tributação direta melhor representava, conduzia à necessidade de deitar mão de fintas, derramas ou outros impostos, capazes de responderem àquela insuficiência. Acontece que o lançamento destes impostos, porque afetavam principalmente quem dispunha de rendimentos mais elevados que era, ao mesmo tempo e de um modo geral, quem fazia parte das vereações camarárias ou quem mais facilmente as conseguia influenciar, foi objeto de grande contestação por parte das câmaras municipais, que enalteciam as vantagens dos impostos indiretos, em contraponto com os malefícios dos impostos diretos, forçando assim as correspondentes alterações legislativas.

A referida reação à legislação de MOUZINHO, traduziu-se na concessão de rédea larga às câmaras municipais em matéria de lançamento de impostos, que passavam a poder optar por impostos diretos, indiretos ou mistos. Acontece que os grandes contribuintes, em regra dois por freguesia,38 tinham a incumbência de emitir parecer sobre a matéria. Sendo eles os principais onerados com os tributos, eram também os primeiros a opor-se ao seu lançamento, pelo que o pretendido alívio da tributação indireta não se verificou, sendo antes de considerar ter ocorrido o seu progressivo agravamento.

De tal modo que, segundo PEDRO MANIQUE39, a quem novamente recorremos, no ano económico de 1851-52, apenas 30% das contribuições municipais eram receitas diretas, enquanto 70% eram indiretas, o que é bem elucidativo da resistência por parte das classes mais influentes (e possidentes) do regime, às novas formas de tributação.

Aqui chegados, convém notar que, grande parte das soluções propugnadas por MOUZINHO, especialmente na área da fiscalidade, não vingou em termos da sua aplicação prática. Ou porque não chegaram a ser tentadas, ou porque a sua aplicação foi de tal modo contestada que, ou foram revogadas, ou de tal modo descaraterizadas na sua essência e modo de aplicação, que deixaram de corresponder ao pensamento e às soluções arquitetadas por aquele eminente espírito reformador.

O próprio MOUZINHO, dado o nível de contestação de que passou a ser objeto, viu-se demitido das suas funções governativas em dezembro de 1832, tendo-se mantido apenas nove

38-Idem, p.32 39-Idem. p.41

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meses no seu desempenho, continuando, no entanto, a defender o seu legado com denodo na Câmara dos Deputados, para a qual foi eleito em várias legislaturas.

Todavia, a prova mais concludente da importância da sua intervenção reformadora, reside no facto de ao longo de todo o século XIX - e não só - as diversas reformas, ou tentativas de reforma, então levadas a efeito, terem tido como referência, fosse no sentido da sua defesa, fosse no sentido da sua contestação, a produção legislativa saída da sua incansável e ilustre pena.

6 - ESTABILIDADE E DESENVOLVIMENTO

Depois das revoltas da Maria da Fonte e da Patuleia, com Convenção de paz de Gramido em 1847, surge o movimento da Regeneração em 1851, que vem trazer algum desanuviamento e acalmia ao relacionamento entre as várias sensibilidades políticas, surgindo, finalmente, um período de pacificação e estabilidade que vai manter-se por vários anos.

Foi a oportunidade para uma fase de desenvolvimento e progresso, através da abertura de estradas e caminhos-de-ferro, da criação de serviços públicos e da atração e fixação de algumas indústrias, o que se traduziu num aumento geral da população40, sobretudo ao nível das cidades maiores e mais próximas do litoral.

Tratou-se, como nos dá conta CÉSAR DE OLIVEIRA, da denominada «política de melhoramentos materiais», que outra coisa não traduzia senão a criação de condições para a lenta, sinuosa, complexa e tardia implantação do capitalismo em Portugal41”. Foi a fase do fontismo, onde FONTES PEREIRA DE MELO, então ministro das obras públicas e mais tarde primeiro-ministro, desempenhou relevante papel.

A governação neste período, foi exercida alternadamente pelos dois partidos que emergiram da Regeneração, os Renovadores e os Históricos, tendo a vida cívica e política decorrido sem grandes perturbações durante quase duas décadas. Porém, em breve se alteraria, como a seguir se verá.

40-OLIVEIRA, CÉSAR – HISTÓRIA DOS MUNICÍPIOS E DO PODER LOCAL, op. Cit. pp. 186 e 187. 41-Idem p.. 184.

Referências

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