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Oficina iniciação à Química na cozinha e as concepções de natureza da ciência de estudantes do Ensino Fundamental

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Academic year: 2020

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126 REnCiMa, v. 9, n.4, p. 126-138, 2018

OFICINA INICIAÇÃO À QUÍMICA NA COZINHA E AS CONCEPÇÕES DE

NATUREZA DA CIÊNCIA DE ESTUDANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL

WORKSHOP OF INITIATION TO CHEMISTRY IN THE KITCHEN AND THE CONCEPTIONS OF SCIENCE NATURE OF ELEMENTARY STUDENTS

Gisele Soares Lemos Shaw

Universidade Federal do Vale do São Francisco/ Colegiado de Ciências da Natureza/ giseleshaw@hotmail.com

Geraldo Soares da Silva Junior

Instituto Federal de Educação Ciências e Tecnologia Baiano /IF Baiano/ gyjunior_14@hotmail.com

Resumo

Estudos têm apontado que o ensino difundido nas escolas tem gerado concepções simplistas de natureza da ciência. Investigamos a potencialidade da Oficina Pedagógica Interdisciplinar Iniciação à Química na Cozinha para o desenvolvimento das Concepções de Natureza da Ciência (CNC) de onze estudantes do Ensino Fundamental. Essa oficina buscou trabalhar o desenvolvimento de habilidades científicas junto aos estudantes. Os dados foram coletados por meio de questionário com afirmativas em escala de Likert (1932), aplicado no início e ao final da oficina. Observamos que houve evolução nas CNC da maioria deles. Verificamos que esse avanço se deu principalmente nas questões que tratavam sobre como é produzido o conhecimento científico, além de numa questão que tratava da confiabilidade do conhecimento científico.

Palavras-chave: Habilidades Científicas. Interdisciplinar. Oficina. Natureza da Ciência. Abstract

Investigations have pointed out that the teaching broadcast in schools has generated simplistic conceptions of the nature of science. We investigated the potentiality of the Interdisciplinary Pedagogical Workshop Initiation to Chemistry in the Kitchen for the development of Conceptions of the Nature of Science of eleven students of Elementary School. This workshop pretended to development of scientific skills among students. We collected the data by means of a questionnaire with affirmations on a Likert scale (1932) applied at the beginning and at the end of the workshop. We observed that there was evolution in the Conceptions of the Nature of Science of most of them. We verified that this advance was mainly in the questions that dealt with how the scientific knowledge is produced, besides in an issue that dealt with the reliability of the scientific knowledge. Keywords: Scientific skills. Interdisciplinary. Workshop. Nature of Science.

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Introdução

Os avanços da Filosofia da ciência levaram ao conhecimento da inadequação de visões empírico-indutivistas de natureza da ciência. Entretanto, estudos têm apontado que o ensino que tem sido difundido nas escolas tem gerado concepções da natureza da ciência (CNC) empírico-indutivistas (GIL PÉREZ et al., 2001), pois foi encontrada inadequação dessas concepções tanto entre professores, quanto entre estudantes (LEDERMAN, 1992; HARRES, 1999).

Na perspectiva empírico-indutivista o conhecimento científico é obtido da natureza. Nessa abordagem o cientista utiliza o método científico para conseguir obter o conhecimento. De acordo com a perspectiva empírico-indutivista o conhecimento adquirido é verdadeiro e se encontra disponível aos sentidos humanos (CHALMERS, 1993).

Segundo Gil Perez et al. (2001), é preciso ajudar os professores a tomarem consciência de suas CNC errôneas, para que possam desenvolver visões mais adequadas. As visões inadequadas de ciência dos professores são ensinadas aos estudantes, que também passam a adquirir concepções simplistas de natureza da ciência. Para Gil Perez et al. (2001), CNC docentes mais complexas podem gerar modelos de ensino de ciências menos transmissivos e que tenha uma participação mais efetiva dos estudantes.

Durante o desenvolvimento da oficina interdisciplinar Iniciação à Química na Cozinha realizada por um grupo de licenciandos, professores e pesquisadores, buscamos verificar as potencialidades dessa experiência para o desenvolvimento de concepções de natureza da ciência de onze estudantes do sétimo ano do Ensino Fundamental. Para isso, utilizamos um questionário VNOS tipo C, aplicando-o no início e ao final da oficina. Também coletamos dados referentes a três questões respondidas pelos participantes referentes à avaliação da oficina pelos mesmos. A pesquisa teve natureza quali-quantitativa e utilizamos a estatística e a análise de conteúdo para analisar os dados. Esperamos que o desenvolvimento de estratégias que fomentem a educação científica possa auxiliar no desenvolvimento de concepções de natureza da ciência mais adequadas, tanto em professores quanto em estudantes.

Concepções de natureza da ciência e a aprendizagem em ciências

Estudos demonstram que o ensino desenvolvido atualmente nas escolas tem traduzido visões empírico-indutivistas de ciência e que essas visões trazem uma imagem inadequada de como o conhecimento científico é produzido (GIL PÉREZ et al., 2001). De acordo com Praia et al. (2002) trabalhos também apontam que professores de ciências costumam ter visões de ciência de cunho empírico-indutivista. Essa perspectiva de ciência dos professores se reflete em sala de aula num ensino transmissor de conhecimentos pré-elaborados, sem que sejam considerados os saberes e a participação do estudante na aula (GIL PÉREZ et al., 2001).

De acordo com Chalmers (1993) a Concepção da Natureza da Ciência (CNC) empírico-indutivista envolve as ideias de que:

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Conhecimento científico é conhecimento provado. As teorias científicas são derivadas de maneira rigorosa da obtenção dos dados da experiência adquiridos por observação e experimento. A ciência é baseada no que podemos ver, ouvir, tocar etc. Opiniões ou preferências pessoais e suposições especulativas não têm lugar na ciência. A ciência é objetiva. O conhecimento científico é conhecimento confiável porque é conhecimento provado objetivamente (CHALMERS, 1993, p. 17).

Entretanto, Chalmers (id.) afirma que os avanços da filosofia da ciência mostram que a ciência não é fundada somente por meio da observação e da realização de experimentos. Ele também destaca que não existe um método científico que possibilite que as teorias científicas sejam provadas verdadeiras. Hodson (2006) afirma, ainda, que as teorias são estruturas complexas e que se relacionam à atividade científica que as produziram - ou seja, ainda existem pontos que possam não ter sido revelados numa teoria. O mesmo autor coloca, ainda, que as teorias podem ser mantidas, mesmo que existam observações falsificadoras, e que a própria observação é dependente da teoria. Para a rejeição de uma teoria, uma observação não é suficiente, é preciso de uma nova teoria que traga evidências para a rejeição da anterior (HODSON, 2006).

Além disso, Karl Popper inaugurou o falsificacionismo (método hipotético-dedutivo), apresentando a provisoriedade do conhecimento científico. Em seu livro A lógica da pesquisa científica, Popper (1972) argumenta que todo conhecimento é considerado verdadeiro até que seja falseado. Isso gerou reflexões acerca da confiabilidade do conhecimento científico e também da rigidez da verdade envolvida nele.

Numa investigação, Gil Pérez et al. (2001) evidenciaram a importância de (re)conhecer as visões deformadas dos professores sobre o trabalho científico, para que eles possam se conscientizar e modificar as suas próprias concepções epistemológicas acerca da natureza da ciência e da construção do conhecimento científico. Numa pesquisa realizada junto a docentes (em formação inicial e contínua), esses autores investigaram as CNC dos professores e evidenciaram que essas possuíam deformações. No processo, os grupos refletiram sobre práticas que evidenciaram deformações nas CNC e, depois, esses docentes analisaram artigos que tratavam das CNC. Como resultados, eles observaram que a análise bibliográfica estudada pelos mesmos coadunou com “conjecturas” formuladas pelo grupo de professores e com a validade das suas reflexões. Algumas deformações encontradas:

• Concepção empirico-indutivista e ateórica;

• Visão rígida (algorítmica, exata, infalível);

• Visão aproblemática e ahistórica (portanto, dogmática e fechada);

• Visão exclusivamente analítica;

• Visão acumulativa de crescimento linear dos conhecimentos científicos;

• Visão individualista e elitista da ciência;

• Imagem descontextualizada, socialmente neutra da ciência.

Especificamente em relação aos estudantes, Harres (1999) aponta que CNC inadequadas mais encontradas incluem, entre outros aspectos:

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[...] a consideração do conhecimento científico como absoluto; a ideia de que o principal objetivo dos cientistas é descobrir leis naturais e verdades; lacunas para entender o papel da criatividade na produção do conhecimento; lacunas para entender o papel das teorias e sua relação com a pesquisa; incompreensão da relação entre experiências, modelos e teorias (HARRES, 2005, p.2).

Também para Praia et al. (2002) a epistemologia está implícita nos currículos de ciências e dela parte os modos de ensinar. O conhecimento da epistemologia, para esses autores, faz com que os professores conheçam mais sobre os conhecimentos que ensinam e os ajudam a planejar situações de aprendizagem. Para Mathews (1995) “[...] deve ser estranho imaginar um bom professor de ciências que não detenha um conhecimento razoavelmente sólido da terminologia de sua própria disciplina, causa, lei, explicação, modelo, teoria, fato [...]” (p. 188). Ele sugere que o conhecimento da história e da filosofia da ciência deveria fazer parte da formação dos professores de Ciências, pois isso os ajudaria a compreender sua disciplina de forma crítica, além de promover um ensino de melhor qualidade (MATHEWS, 1995).

Gil Pérez et al. (2001) apontam alguns consensos no âmbito da Filosofia da ciência que trazem visões mais adequadas na natureza da ciência:

• A recusa da ideia de “Método Científico”;

• A recusa de um empirismo que concebe os conhecimentos como resultados da inferência indutiva a partir de “dados puros”;

• O destaque ao papel atribuído pela investigação ao pensamento divergente; • A procura de coerência global;

• A compreensão do carácter social do desenvolvimento Científico.

Diante dos estudos apontados, verifica-se que é preciso trabalhar práticas que auxiliem os professores de Ciências a conhecerem suas CNC e as desenvolverem. Essas práticas beneficiarão tanto os próprios professores na melhoria de seu ensino, quanto aos alunos em relação ao desenvolvimento de compreensões menos simplistas de natureza da ciência e no desenvolvimento de habilidades científicas.

A Oficina Iniciação à Química na Cozinha

Entre os dias 13 e 15 de agosto de 2014, foi organizado na universidade X o Ciclo de Oficinas Educação em Ciências: práticas interdisciplinares. Esse evento foi promovido com dois intuitos: promover a formação de 17 licenciandos em Ciências da Natureza e a aprendizagem em ciências de mais de 200 alunos das séries finais do Ensino Fundamental de escolas públicas dos municípios de Senhor do Bonfim e de Campo Formoso, Bahia. Diversas oficinas foram oferecidas por duplas de licenciandos-estagiários: A cadeia Alimentar; Ciência Divertida; Um Inimigo Invisível (vírus); Modelando Ciências: dos povos antigos aos dias atuais; Ciência, a vida e as plantas; Micromundo; Iniciação à Química na Cozinha. Essa última foi realizada por dois professores da universidade, doutorandos em Educação em Ciências, um técnico em química da

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130 REnCiMa, v. 9, n.4, p. 126-138, 2018 instituição e licenciando em Ciência da Natureza, e um pesquisador externo, licenciado em Matemática.

Na Oficina Iniciação à Química na Cozinha buscou-se empregar uma metodologia de ensino de caráter investigativo, visando o desenvolvimento de habilidades científicas dos estudantes1. Nesse curso, 13 alunos da sétima série do Ensino Fundamental de uma escola pública elaboraram hipóteses sobre a química na cozinha, realizaram experimentos, os discutiram, elaboraram formas criativas de divulgar a experiência e a apresentaram para todos os participantes do Ciclo de Oficinas.

Figura 1 - Notícia do Ciclo de Oficinas Educação em Ciências. Fonte: Site da Universidade Federal do Vale do São Francisco. Disponível em

http://www.univasf.edu.br/detalhe_noticias.php?cod=2199, 14 de julho de 2018.

A Oficina teve duração de 15 horas e foi realizada em três dias consecutivos. Como objetivos, buscou-se:

• Sondar as concepções dos alunos sobre a natureza da ciência;

• Refletir acerca de habilidades necessárias a um cientista: observar, registrar, analisar;

• Refletir acerca da existência da química na cozinha;

• Conhecer conceitos e métodos envolvidos na iniciação à química na cozinha: substâncias, misturas, separação de misturas e proporcionalidade;

• Levantar hipóteses acerca de problema encontrado na cozinha;

• Elaborar metodologia de experimentação de hipóteses sobre problemas na cozinha;

• Testar e levantar considerações acerca de experimentos investigados sobre a química na cozinha. (PLANO DE AULA DA OFICINA).

1 Essa oficina foi planejada com base em conhecimentos adquiridos no Espaço Ciência

Pernambuco, junto ao professor Dr. Antônio Carlos Pavão, diretor do espaço e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Agradecemos ao professor Pavão pelas contribuições.

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131 REnCiMa, v. 9, n.4, p. 126-138, 2018 Assim, como conteúdos, foram trabalhados: Concepções da natureza da ciência; Habilidades de cientistas; Existência da Química na cozinha; Conceitos e métodos de iniciação à química na cozinha: substâncias, misturas, separação de misturas, proporcionalidade; Problemas encontrados na cozinha; Experimentação de hipóteses sobre problemas encontrados na cozinha; Considerações acerca de experimentos investigados sobre a química da cozinha.

No primeiro dia da oficina, conhecemos um pouco sobre os alunos participantes por meio de uma dinâmica. Cada aluno descreveu com três qualidades o colega da sua direita e os papéis foram misturados. Cada estudante leu o papel que sorteou, de modo que a turma deveria descobrir de quem o papel estava tratando.

Logo após a dinâmica, aplicamos questionários para sondar as concepções dos alunos sobre a natureza da ciência e em seguida, iniciamos outra atividade: cada aluno foi orientado a sair da sala de aula, buscar uma folha de vegetal e trazê-la para classe: todos analisaram sua folha, observando-a e registraram sua descrição da forma mais específica possível utilizando instrumentos, tais como lupas, régua, lápis e papel.

Posteriormente, todos os participantes entregaram os papéis com as descrições das folhas de vegetais e esses foram misturados. Cada aluno pegou um novo papel com a descrição de uma folha qualquer e tentou encontrar a folha de vegetal correspondente. Em seguida, foram realizados questionamos sobre o que eles aprenderam com a atividade.

Dando continuidade à oficina, questionamos aos participantes acerca do que seria a Química e se eles achavam que ela estava presente na cozinha. Em seguida, conceituamos verbalmente o campo de estudo da química, com auxílio de slides e pedimos que eles pensassem em problemas, perguntas que eles pudessem encontrar no âmbito da cozinha e que eles gostariam de saber a resposta. Assim, eles se organizaram em quatro grupos e cada grupo escolheu uma pergunta para buscar solucionar. Cada um dos grupos criou hipóteses que pudessem resolver seu problema.

No segundo dia, apresentamos aos alunos o laboratório de Química, onde desenvolveriam algumas atividades. Lá, cada grupo se encontrou para testar as hipóteses que supunham resolver seus problemas e realizaram experimentos, além de levantarem novas hipóteses. Os estudantes registraram os experimentos e conclusões.

Em seguida foi realizado o experimento do vulcão, em que buscamos demonstrar que misturas de substâncias químicas podem gerar resultados diversos, tais como a explosão de um vulcão. Também, foi proposto um problema matemático para eles, sobre proporcionalidade. O problema foi o seguinte: dois apicultores estavam fazendo a coleta de mel. Entretanto, eles só continham três cabaças com capacidades diferentes para coletar todo o mel: uma cabaça de oito litros, uma de cinco litros e outra de três litros. Ao realizar a coleta de mel, os dois apicultores conseguiram encher a cabaça de oito litros. Como eles poderiam dividir entre os dois os oito litros de mel coletados de modo igualitário, utilizando apenas as três cabaças para isso?

Depois de buscarem soluções para o problema de proporcionalidade, os estudantes retornaram aos seus registros sobre os experimentos de química na cozinha realizados e, em grupo, produziram cordéis acerca da experiência.

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132 REnCiMa, v. 9, n.4, p. 126-138, 2018 No terceiro dia da oficina, os grupos ensaiaram as apresentações dos cordéis e os apresentaram no auditório da universidade para todos os alunos, licenciandos e professores participantes do Ciclo de Oficinas Educação em Ciências. Em seguida, responderam novamente ao questionário tratando acerca de suas concepções de natureza da ciência e avaliaram a oficina.

Metodologia

Nesse trabalho, buscou-se investigar se a Oficina Iniciação à Química na Cozinha modificaria as concepções de natureza da ciência de um grupo de alunos do Ensino Fundamental. Para isso, a natureza da investigação pode ser caracterizada como quali-quantitativa, já que envolve tanto a análise quantitativa das concepções de natureza da ciência dos estudantes quanto qualitativa, já que também buscamos identificar os ganhos da experiência por meio da percepção deles.

De acordo com Kirschbaum (2013), a justificativa de utilizar os parâmetros quanti e quali é pautada na: “[...] necessidade do uso de métodos quali em pesquisas que almejam a construção de mecanismos causais ao identificar instâncias onde as pesquisas quanti produzem resultados ambíguos ou de difícil interpretação” (p.179). No caso, nossa pesquisa buscou descrever o fenômeno observado (as contribuições da oficina nas concepções de natureza da ciência dos estudantes), mas também se preocupou em buscar explicações para as modificações nas respostas deles ao questionário avaliativo utilizado, de modo ter sido necessário utilizar os dois parâmetros de interpretação, provindos nos métodos quantitativo e qualitativo.

O estudo envolveu uma turma de treze alunos da turma da 7ª série de uma escola pública municipal do município de Senhor do Bonfim, Bahia. A seleção da amostra foi realizada de modo aleatório, já que essa foi a única turma da referida escola, que foi campo de estágio para duas duplas de licenciandos estagiários da UNIVASF, e que ainda não havia sido inscrita para participar do ciclo de oficinas na época.

Os dados foram coletados por do questionário VNOS-tipo C. Esse questionário foi encontrado no artigo intitulado uma proposta de abordagem histórico-filosófica da teoria da relatividade restrita para o ensino médio de Janete Francisca Klein Köhnlein e Luiz Orlando de Q.Peduzzi2. Ele é composto por uma escala de Likert (1932), em que se apresentam afirmativas com alternativas numa escala graduada.

A escala de Rensis Likert é uma escala psicométrica muito utilizada em questionários de pesquisas de opinião3, sendo que sua graduação de cinco níveis é bastante utilizada, por conter um parâmetro variado de escolhas ao respondente. No

2 Ver questionário em Köhnlein e Peduzzi (2005) disponível em

http://ensino.univates.br/~4iberoamericano/trabalhos/trabalho011.pdf. Acesso em 20 de dezembro de 2016 às 16:54.

3 Ver informações do relatório de Resis Likeert explicando seu uso em: Lickert, R. (1932).

A technique for the measurement of attitudes. Archives of Psychology, 1-55. Disponível em

https://books.google.com.br/books?id=9rotAAAAYAAJ&q=%22A+Technique+for+the+Measurement+of+Attit

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133 REnCiMa, v. 9, n.4, p. 126-138, 2018 caso, o questionário com respostas em escala de Likert (1932) possui onze afirmativas cujas alternativas oscilam entre uma escala de cinco níveis: CF (concordo fortemente), C (concordo), I (indeciso), D (discordo) e DF (discordo fortemente). As questões que o compõem são:

1) As teorias científicas são obtidas a partir dos dados da experiência, adquiridos por observação e experimento, ou seja, a experiência é a fonte do conhecimento. (Peduzzi, 1998).

2) Observações científicas são sempre o ponto de partida para a elaboração das leis e princípios em ciência. (Harres, 1999).

3) Todo o conhecimento científico é provisório, isto é, com o passar do tempo poderá se verificar um fato que leve à sua rejeição. (Adaptado de Harres, 1999).

4) Qualquer investigação científica sempre parte de conhecimentos teóricos para só depois realizar uma testagem experimental. (Harres, 1999).

5) O modo como a ciência produz conhecimento segue rigorosamente a seguinte sequência: observação de fatos, elaboração de hipóteses, comprovação experimental das hipóteses, conclusões e estabelecimento de leis e teorias. (Adaptado de Harres, 1999).

6) A elaboração de leis e princípios científicos obrigatoriamente dispensa a criatividade, a intuição e a imaginação do pesquisador. (Harres, 1999). 7) Quando dois cientistas observam a mesma coisa, eles devem chegar necessariamente às mesmas conclusões. (Adaptado de Harres, 1999). 8) O conhecimento científico é algo objetivo e confiável porque é provado. 9) Na ciência, todas as observações sempre são feitas com base em alguma teoria.

10) Uma teoria que entra em conflito com observações ou resultados experimentais deve ser rejeitada imediatamente. (Adaptado de Harres, 1999).

11) A natureza dá os fatos. É tarefa do cientista descobri-los. Para isso, é preciso que ele realize o seu trabalho com a mente ‘purificada’, livre de idéias sobre conhecimentos anteriores e sentimentos pessoais (KÖHNLEIN E PEDUZZI, 2005, p.8).

O questionário foi aplicado junto aos estudantes no início da oficina e ao final da mesma para que pudéssemos verificar se houve mudanças em suas concepções de natureza da ciência por meio da oficina.

Os dados coletados por meio dos questionários foram organizados numa tabela, contendo cada uma das onze respostas dada por cada um dos estudantes que respondeu o pré-teste e o pós-teste. No caso, apenas onze alunos o fizeram. Para cada resposta foi atribuída uma pontuação, entre 0 e 4, numa graduação que vai da resposta menos adequada à resposta mais adequada para cada alternativa.

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134 REnCiMa, v. 9, n.4, p. 126-138, 2018 A avaliação da oficina pelos estudantes foi realizada pela resposta escrita a três perguntas: a) A oficina “Introdução à Química na cozinha” que cursou nessa semana te ajudou a aprender algo? O quê? b) Você gostou dessa oficina? Por quê? c) Você acha que a próxima oficina poderia melhorar em algum ponto? Qual? Essas perguntas estavam dispostas ao final do questionário de sondagem das CNC dos estudantes aplicado ao final da oficina. Depois, esses dados foram transcritos e analisados por meio da análise de conteúdo.

Resultados e Discussões

Os treze participantes responderam ao pré-teste, sendo nove do sexo feminino e quatro do sexo masculino. Já onze estudantes responderam ao questionário pós-teste, sendo quatro do sexo masculino e sete do sexo feminino. Dado que a análise foi comparativa, consideramos apenas os dados dos questionários dos onze estudantes que responderam aos dois testes.

Q 1 Q 2 Q 3 Q 4 Q 5 Q 6 Q 7 Q 8 Q 9 Q 10 Q 11 0 5 10 15 20 25 30 35 40 Pré-teste Pós-teste

Gráfico 1 - Valores atribuídos ao desempenho dos estudantes no pré-teste e pós-teste por questão. Fonte: Autores.

Em praticamente metade das questões (n=5) os estudantes avançaram em suas CNC com o desenvolvimento da oficina. As questões em que houve avanços foram: um, dois, quatro, cinco e oito. As quatro primeiras questões tratam de como é produzido o conhecimento científico, se pela experiência (observação e experimento), se sempre partindo de experiência, se partindo da observação até a teoria numa sequência rigorosa ou se sempre o conhecimento é produzido sempre partindo da teoria. A questão oito aborda se o conhecimento científico é confiável por ser provado.

É importante compreender que não há um conjunto de passos que seja suficiente para garantir a produção do conhecimento científico. Ou seja, não existe um único método científico (CHALMERS, 1993). As ciências possuem diferentes formas de produzir conhecimento e diversos fatores contribuem para a escolha do método mais adequado. Assim, a ideia de que o conhecimento científico seja produzido somente por meio da observação e do experimento já não se sustenta. Para a realização de qualquer observação ou experimento há uma teoria envolvida. Assim, esses procedimentos não são neutros, imparciais, completamente objetivos. E como não há passos específicos a ser seguidos na produção do conhecimento científico, nem sempre é preciso realizar experimentos para produzir teorias. Logo, conforme Chalmers (1993), o conhecimento científico não é confiável por ser provado objetivamente, coloquemos essa objetividade

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135 REnCiMa, v. 9, n.4, p. 126-138, 2018 entre parênteses. Isso porque a subjetividade do cientista também está envolvida no processo, por mais que seja buscada a neutralidade na ciência.

O avanço dos estudantes com a oficina, no que tange a compreensão de que não existe esse método específico que parta da observação e experimento, pode ter ocorrido devido à experiência com a química na cozinha. Nessa parte da oficina, os estudantes refletiram acerca de algum fenômeno que ocorra na cozinha, elaboraram hipóteses acerca das causas de sua ocorrência e buscaram modos de provar suas hipóteses. Compreendemos que talvez esse exercício de buscar racionalizar os fenômenos tenha possibilitado o questionamento ao padrão de método que os estudantes costumam aprender na escola, principalmente divulgados pelos livros de Ciências.

Em outras cinco questões houve retrocesso dos estudantes em relação à CNC. As questões em que isso ocorreu foram: três, seis, sete, nove e onze. A questão três trata da provisoriedade do conhecimento científico. A questão seis aborda o papel da criatividade, imaginação e intuição na produção do conhecimento científico. A questão sete e a onze tratam do papel da subjetividade do cientista na produção do conhecimento científico. E a questão nove discorre sobre o papel da teoria na observação científica. Talvez esses resultados se devam ao fato de não termos explorado na oficina de modo explícito, sobre o quanto a imaginação, a criatividade e a teoria são importantes na ciência.

Na lógica empírico-indutivista a verdade científica é inquestionável. Popper (1972) confrontou essa lógica, mostrando, por seu método falsificacionista ou hipotético dedutivo, que essa verdade é provisória até que seja falseada. Desse modo, não podemos considerar que o conhecimento científico seja verdadeiro, mas sim provisoriamente verdadeiro.

Harres (1999) também apontou que geralmente as CNC inadequadas incluem o desconhecimento da criatividade na produção do conhecimento científico. Isso muito se relaciona a compreensão da produção da ciência como um conjunto de etapas rígidas, e o cientista como um ser objetivo, neutro. Entretanto, a história da ciência nos mostrou como a criatividade, a intuição e a imaginação podem ser importantes na produção científica. Conforme Chalmers (1993):

Um dos resultados embaraçosos para muitos filósofos da ciência é que esses episódios na história da ciência – comumente vistos como mais característicos de avanços importantes, quer as inovações de Galileu, Newton e Darwin, quer as de Einstein – não se realizaram através de nada semelhante aos métodos tipicamente descritos pelos filósofos (CHALMERS, 1993, p.14).

Hodson (2006) trata da relação entre as teorias e a observação. Ele nos mostra que detrás de toda observação há uma teoria envolvida. Além disso, a mera observação não é suficiente para levar à rejeição de uma teoria, é preciso que surja outra teoria que a conteste e evidencie suas distorções.

De modo geral, entre os estudantes, não houve modificação em suas CNC no que tange à questão dez, que trata da possibilidade de rejeição de uma quando ela entra em conflito com resultados obtidos pela experiência. Essa questão se compatibiliza com a afirmação três, ainda que na mesma tenha havido retrocesso nas CNC dos estudantes.

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136 REnCiMa, v. 9, n.4, p. 126-138, 2018 A1 A2 A3 A4 A5 A6 A7 A8 A9 A10 A11 0 5 10 15 20 25 30 Prés-teste Pós-teste

Gráfico 2 - Valores atribuídos ao desempenho geral de cada estudante no pré-teste e no pós-teste. Fonte: Autores.

Seis estudantes mostraram evolução em suas CNC com a oficina. Outros quatro estudantes apresentaram retrocesso em suas CNC com a oficina. Não houve modificação na CNC de um dos estudantes participantes da oficina.

Acerca da avaliação da oficina pelos estudantes podemos considerar que de modo geral o resultado foi positivo. Sobre a questão “A oficina Introdução à Química na cozinha que cursou nessa semana te ajudou a aprender algo? O quê?” Todos os estudantes afirmaram que a oficina contribuiu para sua aprendizagem de alguma maneira. A maioria (n=7) apontou que a oficina os ajudou a aprender Química. De acordo com A11 “Me ajudou a aprender várias coisas sobre Química que eu nem fazia ideia como eram, se existiam, o porquê”. Para A3 “Me ajudou muito, principalmente na aula de Química e de Ciências, a aprender novas químicas”. Um deles, afirmou que a oficina a “Ajudou a compreender a química com uma visão diferente de ver a química de outro jeito” (A8).

Padrões de resposta Número de estudantes Ajudou a compreender que a Química não é

difícil 1

Ajudou a aprender Química 7

Trouxe uma visão diferente da Química 1

Gostou da experiência 2

Quadro 1 - Padrões de resposta dos estudantes à questão “A oficina “Introdução à Química na cozinha” que cursou nessa semana te ajudou a aprender algo?

Sobre as respostas à questão “Você gostou dessa oficina? Por quê?” A maioria dos alunos (n=6) afirmou gostar da oficina por ter aprendido com a oficina. Os estudantes A3 e A11 atribuíram o aprendizado ao bom ensino dos ministrantes. De acordo com A3 “Por que os professores explicam o assunto muito bem e aprendi muita coisa aqui”. Os estudantes A2, A6 e A9 afirmaram ter aprendido conteúdos que não conheciam “Sim, porquê me ensinou muito, aprendi coisas que eu não sabia” (A6). Alguns alunos, como A8, gostaram da experiência: “Porque foi muito bom e eu aprendi muita coisa sobre a Química” (A8).

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Padrões de resposta Número de estudantes

Sim, porque aprendeu muitas coisas 6

Sim, porque gostou da oficina 4

Sim, mas não explicou por que 1

Quadro 2 - Padrões de resposta dos estudantes à questão “Você gostou dessa oficina? Por quê?”

Acerca da questão “Você acha que a próxima oficina poderia melhorar em algum ponto? Qual?” parte dos estudantes (n=5) apontou que nada deveria ser mudado na oficina. De acordo com A3 “Eu acho que não tem que melhorar em nada, foi perfeita, gostei bastante”. Três deles se mostraram descontentes com o insucesso do experimento realizado, sendo que dois alunos especificaram que gostariam que o experimento do vulcão tivesse sido bem-sucedido “Sim, eu queria que da próxima vez o vulcão pegasse” (A8).

Considerações

Estudos têm apontado que o ensino desenvolvido nas escolas tem produzido nos estudantes visões simplistas acerca da natureza da ciência. Também se têm observado que muitos professores possuem visões empírico-indutivistas da natureza da ciência e que isso tem sido refletido num ensino transmissivo e tradicional. Investigando a potencialidade da oficina pedagógica Iniciação à Química na cozinha para o desenvolvimento das CNC de onze estudantes do ensino fundamental observamos que houve evolução nessas concepções junto à maioria deles. Verificamos que esse avanço nas CNC se deu principalmente nas questões que tratavam de como é produzido o conhecimento científico, se sempre partindo da experiência (experimento e/ou observação) ou se sempre partindo de uma teoria, além de numa questão que tratava da confiabilidade do conhecimento científico. Entendemos que a atividade de encontrar problemas químicos na cozinha, produzir hipóteses de resolução e testá-las pode ter auxiliado na compreensão do papel das teorias na produção da ciência, já que os estudantes tinham que partir de suas suposições para solucionar as tarefas. É preciso promover mais atividades envolvendo a educação científica e investigar sua potencialidade em diferentes contextos para que se estimule o desenvolvimento de visões mais adequadas da ciência.

Referências

CHALMERS, A. F. Tradução: Raul Filker. O que é ciência afinal? São Paulo: Brasiliense, 1993.

GIL-PÉREZ, D., MONTORO, I. F., ALÍS J. C., CACHAPUZ A., PRAIA J. Para uma imagem não deformada do trabalho científico. Ciência & Educação, v.7, n.2, p.125-153, 2001.

HARRES, J.B.S. Uma revisão de pesquisas nas concepções de professores sobre a natureza da ciência e suas implicações para o ensino. Investigações em Ensino de Ciências (Investigaciones en Enseñanza de las Ciencias; Investigations in Science

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Submissão: 30/08/2017 Aceite: 22/08/2018

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Figura 1 - Notícia do Ciclo de Oficinas Educação em Ciências.  Fonte: Site da Universidade  Federal do Vale do São Francisco
Gráfico 1 - Valores atribuídos ao desempenho dos estudantes no pré-teste e pós-teste por  questão
Gráfico 2 - Valores atribuídos ao desempenho geral de cada estudante no pré-teste e no pós- pós-teste

Referências

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