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Vídeos amadores de experimentos produzidos por estudantes: possibilidades para avaliação da aprendizagem

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10.26843/rencima.v11i6.2482 eISSN 2179-426X Recebido em 16/08/2020 | Aceito em 20/09/2020 | Publicado em 01/10/2020

Vídeos amadores de experimentos produzidos por estudantes:

possibilidades para avaliação da aprendizagem

Amateur videos of experiments produced by students: possibilities on learning’s assessment

Wilmo Ernesto Francisco Junior

Universidade Federal de Alagoas

wilmojr@gmail.com

http://orcid.org/0000-0003-4591-4490

Welington Francisco

Universidade Federal da Integração Latino-Americana

welington.francisco@unila.edu.br

http://orcid.org/0000-0002-1023-6389

Resumo

Este artigo discute a produção de vídeos amadores de experimentos por licenciandos em química. O objetivo da pesquisa foi investigar os vídeos em termos técnicos-estéticos, procedimentais e conceituais da química, bem como o ponto de vista dos produtores no intuito de potencializar esta como ferramenta para o processo de ensino. Os vídeos foram compostos por diversos elementos culturais e estéticos que podem ser considerados importantes em materiais audiovisuais, bem como para um processo educativo que favoreça o engajamento e fomente a liberdade, a criatividade e a diversão. Foram observadas algumas dificuldades na explicação conceitual dos experimentos e ausência de recomendações sobre segurança e o descarte de resíduos. Dessa maneira, a discussão dos vídeos entre professor e estudantes pode potencializar o processo formativo.

Palavras-chave: Recurso audiovisual. Prática experimental. Ensino de química. Abstract

This paper discusses the production of experiments’ amateur videos by chemistry students aimed at investigating these videos in terms of technical aesthetic, of procedures and chemical concepts, as well as from students’ points of view. The videos were composed by different cultural and aesthetic elements which have been considered important in audiovisual materials. As an educative process, the video production fosters the engagement, freedom, creativity, and playfulness. Difficulties in terms of experiments’ conceptual explanation were observed. Recommendations concerning with lab safety and waste disposal were also absent. In this manner, the discussion of the videos between

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students and teacher can improve the educational process.

Keywords: Audiovisual. Experimental practice. Chemistry teaching.

Introdução

A experimentação é apontada como condição essencial para um bom ensino de ciências (HODSON, 1994; HOFSTEIN; LUNNETA, 2004). Suas finalidades e contribuições variam, podendo enfocar o conteúdo, a natureza da ciência, o desenvolvimento de habilidades técnicas, a formação da capacidade de questionar, o trabalho cooperativo, o espírito investigativo dentre outras. Como forma de ampliar suas potencialidades didáticas, o trabalho prático precisa alinhavar-se à discussão, análise, interpretação, validação social e comunicação dos resultados alcançados, elementos que integram os modos de fazer ciência, seu processo e produtos, operando no âmbito da apropriação da linguagem como mediadora do aprender ciências (MORTIMER; SCOTT, 2003). No entanto, em muitas situações, especialmente em cursos de licenciatura, a experimentação é reduzida ao desenvolvimento de habilidades manipulativas, sendo desenvolvida basicamente a partir de roteiros prontos e sem uma discussão de seus propósitos de ensino mais abrangentes (ZABIELA; ZUCOLOTTO, 2019). É necessário superar, portanto, um viés que restringe o experimento à manipulação de materiais e instrumentos.

Concomitantemente, o advento das tecnologias da informação e da comunicação tem proporcionado à sociedade cada vez mais celeridade nas relações sociais, assim como na difusão e, por que não, apropriação do conhecimento. Silva e Mercado (2020), em revisão de pesquisas sobre laboratórios de ensino de física mediados por tecnologia digital, apontaram que laboratórios virtuais, com características audiovisuais, são bastante comuns, assinalando o crescimento desta associação entre experimentação e tecnologia nas pesquisas em ensino de ciências. Todavia, mais do que o uso de materiais pré-concebidos, uma alternativa que surge para o uso das tecnologias é a produção de vídeos amadores de experimentos pelos próprios estudantes, em um processo em que eles possam conceber o experimento, as opções estéticas e narrativas da linguagem do vídeo, configurando uma prática que os envolva de forma autônoma e ativa (PEREIRA; BARROS, 2010).

Moran et al. (2013) acenam para a produção de vídeo por estudantes tendo em vista sua dimensão moderna (ao integrar linguagens) e lúdica (pela miniaturização da câmera que permite brincar com a realidade espaço-temporal). Para Ferrés (1996), a produção de vídeos permitiria aos estudantes a possibilidade de “descobrir novas possibilidades de expressão, fazer experiências de grupo em um esforço de criação coletiva, experimentar e experimentar-se” (FERRÉS, 1996, p. 43). Assim, a produção de vídeos pelos alunos pode propiciar a formação de um espaço de mediação, de apropriação e de expressão (PEREIRA; REZENDE FILHO, 2013). Nesse contexto, Marculino et al. (2019) exploraram atividades em ar livre para a filmagem de experimentos com lançamentos de projéteis. Os

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vídeos foram posteriormente analisados e permitiram a obtenção de diversos parâmetros utilizados para cálculos físicos. Tal experiência evidencia a versatilidade de possibilidades que vídeos de experimentos proporcionam.

Assumindo que o processo de aprendizagem é intrinsecamente criativo, uma das funções do professor é proporcionar situações em que os estudantes se engajem nesse ato de criação, ao mesmo tempo rigoroso e, por meio do qual, se possa “deflagrar no aprendiz uma curiosidade crescente, que pode torná-lo mais e mais criador” (FREIRE, 2006, p. 24), desenvolvendo o que Freire denomina de curiosidade epistemológica. Tal curiosidade, imbuída pela inquietude, promove e move, num ato consciente, o sujeito em direção à aprendizagem.

Para Paulo Freire, o ato de conhecer é um ciclo, denominado pelo autor de ciclo gnosiológico, composto de 2 etapas que se inter-relacionam dialeticamente. “O primeiro momento do ciclo, ou um dos momentos do ciclo, é o momento da produção, da produção de um conhecimento novo, de algo novo. O outro momento é aquele em que o conhecimento produzido é conhecido ou percebido” (FREIRE; SHOR, 2008, p. 18). Nesses termos, a produção dos vídeos, por deslocar o sujeito para a condição de produtor, poderia dar vez a criação, fomentando a curiosidade epistemológica e, por conseguinte, o engajamento necessário para o processo de desenvolvimento dos sujeitos.

A curiosidade epistemológica configura-se pela rigorosidade com o qual aqueles que aprendem se relacionam com o objeto de aprendizagem. A reflexão crítica permeia o processo, como inquietação, como necessidade de desvelar algo, com perguntas, com a não aceitação de repostas imediatas (FREIRE, 2006). É neste tipo de curiosidade que os sujeitos se movem no mundo, compreendendo-o e abrindo possibilidades para a sua transformação.

A produção do vídeo não seria o fim, mas uma ferramenta que conduz a um processo didático específico, resultado da ação cognitiva e cultural em que mais importante que o produto (vídeo), é a relação dialética entre o produto e o processo de sua construção, isto é, entre a produção e a percepção do conhecimento. Nessa seara, este trabalho discute uma atividade de produção de vídeos amadores de experimentos por estudantes em química no intuito de responder o seguinte questionamento: quais características de produção dos vídeos permitem entender e potencializar este tipo de atividade como espaço de aprendizagem? Para isso, o objetivo da investigação foi analisar a composição dos vídeos em termos técnicos-estéticos, procedimentais e conceituais da química, bem como o ponto de vista dos produtores acerca das dificuldades de produção e possíveis contribuições para o ensino.

Procedimentos Metodológicos

A atividade de produção envolveu 31 estudantes de licenciatura em química de uma universidade federal matriculados em uma disciplina de química geral experimental. Os estudantes, divididos em grupos de 3 ou 4 componentes, produziram vídeos em formato livre, mas que deveriam versar sobre temas estudados na disciplina. Os vídeos (total de

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10) funcionaram como avaliação prática da disciplina. Nenhuma orientação técnica sobre produção audiovisual foi previamente fornecida, entretanto, questões sobre experimentação foram discutidas no decorrer da disciplina. Foi explicitado que do ponto de vista de avaliação dos vídeos, seriam considerados os aspectos químicos, tais como os procedimentos experimentais e a rigorosidade dos conceitos na discussão dos resultados. Todavia, não foi exigido ou comentado sobre como a discussão deveria ser apresentada.

Na pesquisa foram analisados aspectos técnico-estéticos que compõe estruturalmente o vídeo, elementos em geral associados ao modo como os estudantes concebem este material. A análise de um filme ou vídeo pode ser distinguida em duas diferentes etapas: a desconstrução e a reconstrução (VANOYE; GOLIOT-LÉTÉ, 2009). Basicamente, a desconstrução equivale à descrição, enquanto a reconstrução concerne à interpretação.

Analisar um filme ou um fragmento é [...] decompô-lo em seus elementos constitutivos. É despedaçar, descosturar, desunir, extrair, separar, destacar e denominar materiais que não se percebem isoladamente [...]. Uma segunda fase consiste, em seguida, em estabelecer elos entre esses elementos isolados, em compreender como eles se associam [...]. (VANOYE; GOLIOT-LÉTÉ, 2009, p. 14-15).

Os mesmos autores apresentam alguns aspectos que podem ser observados para a descrição de um filme, dentre os quais se destacam neste trabalho os elementos visuais representados, a trilha sonora e as relações sons/imagens.

A análise dos vídeos também considerou aspectos de conteúdo químico. As categorias analíticas foram adaptadas do trabalho de Sjöström (2013). O modelo de análise consistiu basicamente em dois grupos de análise: aspectos práticos da química (inclui procedimentos de manuseio e descarte dos materiais) e; a aspectos teóricos da química (abrange uso de fórmulas / símbolos, descrições, explicações, análises, síntese e incertezas do conhecimento).

Para a investigação de aspectos ligados ao processo de produção, o ponto de vista dos participantes também foi considerado. Foi pedido um relato por escrito em formato livre, no qual deveriam tecer comentários a respeito da atividade como um todo. Para orientar a produção, foi solicitado que a escrita do texto contemplasse pontos positivos, negativos e dificuldades encontradas durante o processo. Por ser de caráter opcional, 15 relatos foram entregues. A apreciação deste material seguiu princípios da análise de conteúdo (BARDIN, 2006). Após uma primeira leitura para contato inicial com o conteúdo, todo o material foi lido mais acuradamente com o intuito de identificação das semelhanças. Em seguida, se procedeu a desmontagem dos textos e o agrupamento de trechos similares, configurando a emergência das categorias analíticas. Por fim, foi produzido um texto de caráter descritivo e interpretativo.

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Resultados Discussão

Para a melhor organização das informações, a apresentação dos resultados foi dividida em dois blocos. No primeiro, são discutidos os resultados a partir da análise do material audiovisual em termos da composição técnica e conteúdo químico. Já a segunda parte, refere-se à análise dos relatos dos produtores.

Análise do produto audiovisual

Conforme descrito por Vanoye e Golito-Lété (2006), o primeiro momento da análise fílmica é a desconstrução do todo, com vistas à descrição detalhada de suas partes. Assim, todos os vídeos foram assistidos para a criação de uma breve síntese, conforme Tabela 1. A análise dos vídeos revelou que não houve uma estrutura fixa ou pré-determinada, nos quais as seções são bem definidas.

Tabela 1: Título dos experimentos e breve descrição de cada vídeo produzido.

Experimento Breve descrição dos vídeos

1. Neutralização de solução de hidróxido de cálcio por dióxido de carbono na presença de fenolftaleína

Duração: 5min55s. Sem trilha sonora. Filmado no laboratório. Os estudantes são os apresentadores e comportam-se como professores dividindo-se nas falas. Falam diretamente para câmera, considerando os interlocutores que assistem. Inicia com a exposição do que será realizado, seguida pela execução.

2. Eletrólise de solução aquosa de cloreto de sódio

Duração: 5min36s. Sem trilha sonora. Filmado no laboratório. Os estudantes são os apresentadores e comportam-se como professores dividindo-se nas falas. Falam diretamente para câmera, os interlocutores que assistem. Descrição do material seguida pela explicação de fundamentos básicos da eletrólise. Descrição das evidências reforçada pelas imagens. Pouca preocupação com a qualidade de som e imagem (comentários de fundo dos próprios estudantes são audíveis).

3. Volatilização da amônia em solução de hidróxido de amônio na

presença de

fenolftaleína

Duração: 4min14s. Com trilha sonora. Filmado no laboratório. Não há narração e os estudantes aparecem apenas manipulando (imagens das mãos) os materiais. Os materiais e procedimentos são apresentados com imagens e legendas e som de fundo (música agitada). Ao fim apresentam o making off, demonstrando um ambiente descontraído. 4. Camadas de líquidos

de diferentes densidades e viscosidades

Duração: 4min40s. Sem trilha sonora. Filmado no laboratório. Inicia apresentando ao expectador o que será feito no experimento. Há a presença de narrador que descreve o procedimento enquanto outra componente executa. Descrição das evidências acompanha as imagens. Maior cuidado com a qualidade da gravação.

5. Oxidação do suco de limão pela ação do calor

Duração: 5min19s. Com trilha sonora. Filmado em ambiente doméstico. Presença de narrador em off. Apenas as mãos dos estudantes aparecem. O vídeo se inicia com música do gênero blues e arte gráfica de edição. Materiais e procedimentos são apresentados textualmente e por narrativa, reforçando a mensagem. O procedimento experimental é realizado e nova música é introduzida para o clímax do experimento: a

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mudança de cor. Créditos finais estão presentes. 6. Redução de íon

permanganato por peróxido de hidrogênio

Duração: 6min32s. Sem trilha sonora. Filmado no laboratório. Um estudante comporta-se como professor, sendo o apresentador do vídeo. Direciona a fala para câmera. Os demais componentes aparecem nas imagens, mas não falam. O experimento é apresentado por meio de texto. O apresentador descreve os materiais e executa o procedimento. 7. Volatilização da

amônia em solução de hidróxido de amônio na

presença de

fenolftaleína

Duração: 5min49s. Com trilha sonora. Filmado no laboratório. Apresenta várias técnicas de edição. Créditos iniciais e finais e trilha sonora “agitada”. Descreve os materiais. Uma das estudantes simula ser a professora enquanto as demais simulam alunas e participam dialogando com a “professora”. Ambiente interativo.

8. Redução de íon permanganato por peróxido de hidrogênio

Duração: 3min50. Com trilha sonora. Filmado em ambiente doméstico. Música de fundo durante a fala. Descreve os materiais e procedimentos. Créditos com outra música. Consideram interlocutores.

9. Reação de comprimidos

efervescentes e fatores de influenciam a velocidade da reação

Duração: 5min00s. Com trilha sonora. Filmado em ambiente doméstico. O vídeo inicia-se com música do gênero rock. Estudante é apresentador e fala diretamente para a câmera. Apresenta o objetivo do vídeo/experimento, mas não descreve o experimento a ser realizado. Ao fim são colocados créditos, música utilizada, referências, fontes e materiais.

10. Oxidação da sacarose por íon permanganato em meio alcalino

Duração: 8min28s. Com trilha sonora. Filmado em ambiente doméstico. Trilha sonora acompanha algumas imagens e legendas do experimento. A narração em off acompanha imagens (trêmulas). Destaca que os materiais são facilmente encontrados, inclusive relata aplicação do permanganato de potássio. Apresenta trilha sonora juntamente a legendas que discutem aspectos químicos.

Fonte: Dados da pesquisa

A duração variou de 3min50s a 8min28s e em seis vídeos foram introduzidas trilhas sonoras. Seis deles foram filmados com o uso de vidraria específica e no laboratório da universidade (Figura 1A), enquanto os demais tiveram sua gravação realizada em ambiente doméstico e com materiais alternativos (Figura 1B).

Figura 1 – Produções filmadas em laboratório (A) e ambiente doméstico (B).

Fonte: Dados da pesquisa

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entraram no vídeo principal), demonstrando um ambiente descontraído em que aspectos químicos são discutidos. Um dos vídeos empregou técnicas de edição para inserir imagens de um filme, criando uma situação-problema a partir disso.

Em 4 vídeos os estudantes comportaram-se como professores ou alunos. A diferença básica é que em três situações o material audiovisual tem uma perspectiva de videoaula (1, 2 e 6), ficando evidente o direcionamento a um público espectador (direcionam a fala para a câmera). No outro (vídeo 7), há um jogo teatral em que os licenciandos incorporaram personagens simulando uma aula experimental. Em dois vídeos há um narrador, que descreve as ações, enquanto outra pessoa executa. Em um dos vídeos, os estudantes preferiram não aparecer nas imagens e nem utilizar a técnica da narração. Neste caso, foram empregados unicamente textos e legendas que acompanhavam as imagens (Figura 2). Outros dois casos também empregaram a técnica de narrador em off (em que apenas a voz é presente). Em um vídeo o executor dos experimentos é também o apresentador do vídeo.

Figura 2 – Vídeo que emprega texto e imagem como meio principal de interlocução.

Fonte: Dados da pesquisa

Quanto ao áudio, de maneira geral prevalece o som captado no momento das filmagens, o que parece decorrer da maior facilidade técnica, uma vez que não é exigido trabalho de edição posterior para sincronização. A inserção do áudio de narração após captura das imagens não foi verificada. O uso da edição para inserir outras imagens, que não as captadas pelos estudantes, foi verificada em um único caso (Vídeo 5).

Um ponto comum entre os vídeos foi o uso espontâneo de técnicas e elementos variados de produção (música, dramatização, humor, as cenas de bastidores), como reportam estudos de natureza similar (PEREIRA; REZENDE FILHO, 2013; PEREIRA; BARROS, 2010). Essa dimensão é ausente em atividades experimentais clássicas e possuem uma relação com a própria compreensão dos sujeitos a respeito dos vídeos. Em outras palavras, a inserção de elementos estéticos indica que, para estes sujeitos, tais aspectos são importantes na expressão audiovisual e, por que não, em aulas de ciências. A inserção de técnicas e elementos estéticos são comuns em atividades de produção audiovisual quando realizadas de modo livre (FRANCISCO JUNIOR; BENIGNO, 2017;

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FRANCISCO JUNIOR, 2017). Como já apontado em alguns estudos (DOHME, 2003; FELÍCIO; SOARES, 2018; FRANCISCO et al., 2019), a liberdade é considerada uma das características centrais da ludicidade. De fato, não haveria ludicidade se não houvesse ação livre dos sujeitos. Tal liberdade estimula a criação e confere características lúdicas e de engajamento à atividade. Chateau (1987) corrobora tal discussão ao assinalar que a dimensão criadora de um jogo (ou atividade lúdica) favorece o caráter de representação, em que os sujeitos assumem papeis, fazendo uso de simulações e fantasias de personagens por meio da atividade realizada. Esse processo de representação, que é voluntário, permite a liberdade e a criatividade. É o que faz os estudantes comportarem-se como professores, como atores, como roteiristas, assumindo papeis e simulando situações durante a produção. O vídeo parece ser concebido no seio de uma ação lúdica, num diálogo entre o produto (vídeo produzido) e processo de construção.

Ainda sobre as questões estruturais, houve casos (4 vídeos) em que os estudantes apresentaram o experimento concomitante às questões mais teóricas. Já em outras situações (4 vídeos), foram descritos os resultados antes mesmo da execução. É importante destacar que o modo de apresentação dos experimentos nos vídeos possui uma relação direta com a compreensão da experimentação como ferramenta didática. A apresentação, por exemplo, dos resultados previstos a priori revela uma crença no experimento como reforço ou comprovação da teoria. Por sua vez, a presença de situações-problema caminha para uma perspectiva mais investigativa. Contudo, apenas dois vídeos empregaram a estratégia de criar, de algum modo, situações-problema para serem respondidas com o experimento. Esses resultados indicam a relevância de se criar situações em aula para a problematização dos vídeos. Essa ação é importante para a discussão sobre o próprio uso e produção dos vídeos.

Em relação à experimentação, vale destacar a importância de se procurar alinhar o trabalho prático com os diferentes modos de produção da ciência, os quais incluem a discussão, análise, interpretação, validação social e comunicação dos resultados alcançados. Todos estes aspectos integram os processos e produtos da ciência, operando no âmbito da apropriação da linguagem como mediadora do aprender ciências (MORTIMER; SCOTT, 2003).

Ainda que não fisicamente, os vídeos ampliam as possibilidades da prática experimental, conjugando diferentes espaços físicos e temporalidades, podendo funcionar como ferramenta de estudo para os produtores e para os colegas. Pereira et al. (2011) apontam a produção de vídeos como estratégia para a reflexão sobre o papel do ensino experimental com o uso de tecnologias da informação e comunicação. Logo, é possível a ampliação de debates para os cursos de formação de professores, ainda que se trate de disciplinas de conteúdo específico. Outro aspecto foi a filmagem em ambiente doméstico, remetendo-se a questões ligadas ao cotidiano. Alguns vídeos (4 casos) destacaram na própria narração a escolha do experimento em função dos materiais de fácil acesso, tal qual ilustrada na transcrição de uma passagem do Vídeo 9:

“Esse experimento é fácil de ser realizado com materiais do cotidiano”. (Vídeo 8) Tal alusão as possibilidades da experimentação de baixo custo demanda uma

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reflexão no contexto da formação de professores. Experimentos com finalidades educativas, em especial na educação básica, podem ser realizados com materiais de fácil acesso, inclusive como forma de fomento à criatividade e à percepção de uma ciência mais próxima às pessoas. A atividade experimental, do ponto de vista pedagógico, precisa privilegiar a ação do pensamento, o desenvolvimento de habilidades inquiridoras, em suma a problematização de situações que levem à produção e apropriação de conceitos na explicação dos fenômenos (FRANCISCO JUNIOR, 2010). Logo, é importante que futuros professores se envolvam e problematizem a discussão. Tal aspecto, todavia, não pode silenciar a luta e a necessidade de investimentos em condições objetivas estruturais, como laboratórios e seu adequado equipamento em escolas públicas da educação básica.

No que se refere à análise do conteúdo dos vídeos, dois aspectos técnicos merecem atenção de início, a ausência de discussão sobre: i) segurança e; ii) descarte adequado de resíduos (Tabela 2).

Tabela 2: Aspectos de dimensão química avaliados nos vídeos produzidos.

Itens avaliados Vídeo

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Discute cuidados com segurança

Apresenta adequado descarte dos resíduos

Procedimentos técnicos experimentais corretos X X X X X X X X P Processo químico descrito corretamente X X X X X X X X P Processo químico explicado corretamente P X P P Uso adequado das nomenclaturas químicas X X X X X

Equações químicas apresentadas corretamente X P P Fórmulas químicas apresentadas corretamente P X P X indica presença do item; P indica item parcialmente presente e; Branco indica a ausência do

item avaliado. Fonte: Dados da Pesquisa

O trabalho experimental exige pensar na segurança, bem como no manuseio e descarte adequado de resíduos, mesmo que os materiais não tragam maiores problemas. A preocupação com a segurança e o descarte constituem aspectos essenciais da experimentação (MACHADO; MÓL, 2008). O fato de os estudantes serem iniciantes na prática experimental exige que tal discussão seja efetuada a priori, quando da apresentação do experimento a ser realizado. Este é um aspecto a ser acompanhado quando o professor propõe trabalhos desta natureza. Torna-se premente, portanto, que orientações quanto à segurança e ao descarte de resíduos seja debatida anteriormente às produções. Conquanto os materiais empregados sejam, na maioria dos casos domésticos, uma proposta didática com tais características permite problematizar o uso domiciliar de materiais químicos em aspectos relacionados à segurança, tais como regras de manuseio, acondicionamento e armazenamento de produtos, além da disposição final de resíduos gerados. Trata-se de

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uma possibilidade concreta de prática pedagógica com implicações cotidianas.

Embora não tenham sido apresentados os cuidados com segurança em nenhum dos vídeos, em termos dos procedimentos experimentais não se verificou problemas maiores na maior parte deles. Durante os vídeos foram empregadas técnicas básicas de laboratório, tais como dissolução de sólidos, homogeneização de solução, transferência de líquidos e diluição. Apenas o Vídeo 2 (eletrólise de solução de cloreto de sódio) apresentou procedimentos totalmente inadequados, especialmente para o uso da fonte elétrica. Já o Vídeo 10 apresentou problemas no processo de dissolução. Trabalhos anteriores já aventaram a possibilidade do uso de vídeos para instruir (JORDAN et al., 2016) e avaliar aspectos procedimentais em laboratório (ERDMANN, MARCH, 2014), possibilitando discutir e corrigir as técnicas de manuseio. Todavia, vale apontar que, em algumas situações, cuidados maiores precisam ser empreendidos, como o caso do uso inadequado da fonte elétrica durante o Vídeo 10, que acarretou risco à segurança. Em consonância à ausência da discussão dos cuidados de segurança, uma implicação seria a elaboração de um roteiro de filmagem incluindo explicitamente os cuidados procedimentais. Tal estratégia garantiria a liberdade da produção, mas, ao mesmo tempo, ajudaria a orientar mais adequadamente pontos centrais da prática experimental.

Quanto à dimensão mais teórica da apresentação dos experimentos, os vídeos priorizaram uma linguagem descritiva, valorizando mais os fenômenos em si, do que a interpretação teórica dos resultados. Isso pode ser notado pela elevada presença do caráter descritivo, presente em noves dos dez vídeos (Tabela 2), em comparação ao uso de outras especificidades de linguagem química, tais como as nomenclaturas, fórmulas, equações e explicações. Quase todos os vídeos apresentaram a descrição do fenômeno, muitas vezes buscando reforçar a combinação entre imagem e narração ou texto. A imagem do experimento (Figura 3), acompanhada da respectiva transcrição de um trecho do vídeo se referindo ao fenômeno, evidencia essa combinação entre narração e imagem.

Figura 3 – Exemplo de imagem reforçada pela descrição durante a narração.

Fonte: Dados da pesquisa

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seguida jogamos (...) um pedaço de vela que ficou entre o óleo e o álcool. Depois uma moeda que ficou ao fundo, pois é mais densa que todos os líquidos.” (Vídeo 4)

Neste exemplo, a descrição reforça os resultados experimentais do teste de densidade, em especial a posição de cada objeto na torre de líquidos. Há uma implicação pedagógica a ser notada. A descrição parece ser entendida como suficiente para a compreensão conceitual. Entretanto, o nível descritivo se apresenta sobre os aspectos visuais, ao passo que o nível explicativo se concentra em entender os aspectos atômico-moleculares, descrevendo-os por meio de representações e modelos que funcionam para estabelecer as conexões com a dimensão fenomenológica e conceitual.

A despeito da complexidade em se estabelecer um conceito geral de explicação (RODRIGUES; PEREIRA, 2018), assume-se aqui que o ato explicativo envolve a mobilização dos dispositivos teóricos para a interpretação dos fenômenos (MORTIMER; SCOTT, 2003). Em outras palavras, o uso de modelos e representações das entidades químicas são centrais neste processo. De tal forma, o vídeo torna-se uma ferramenta para problematizar tais questões, promovendo uma discussão mais pontual e funcionando como instrumento de aprendizagem continuada. A aprendizagem de ciências exige aprender a falar, escrever e ler ciência, sendo necessário aprender a reconhecer as diversas formas de expressar um conceito e conhecer as distinções entre a linguagem do cotidiano e a linguagem científica (LEMKE, 1997). Ou seja, aprender ciência significa apropriar-se do discurso científico, aspecto com o qual a discussão do vídeo pode contribuir.

A incorporação dos modelos teóricos de um modo que pode ser considerado adequado foi verificada em duas situações.

“No anôdo, ocorre uma oxidação, no qual o anion Cl-, por ter maior potencial de descarga que o ânion OH-, é forçado a doar seu elétron, formando o gás cloro. No polo negativo, ou catodo, ocorre a redução, ou seja, o elétron doado pelo anion Cl- é recebido pelo cátion H+ que tem maior prioridade que o cátion Na+ disposto na solução, e então ocorre a formação do gás hidrogênio.” (Vídeo 2)

“Quanto maior for a concentração dos reagentes, maior será a frequência com que acontecerão as colisões e, portanto, maior a velocidade de uma reação.” (Vídeo 9)

Nota-se, além do emprego de terminologias, a busca pela interpretação dos fenômenos (formação de gás) a partir dos processos químicos que envolvem íons, elétrons ou colisões entre as partículas. Em termos pedagógicos, os vídeos configuram-se como uma possibilidade tanto de avaliação, como de discussão sobre as características do pensamento químico. Aproveitar tais situações, problematizando-as junto aos produtores, pode criar novos momentos para se falar e pensar a química e, consequentemente, promover novas aprendizagens.

Considerando ainda estas questões do discurso científico, o nível explicativo demanda o uso das especificidades da linguagem química, incluindo terminologias e símbolos, que são dispositivos teóricos empregados para a discussão da dimensão atômico-molecular. O uso de equações químicas, por exemplo, foi observado em apenas três vídeos, sendo que em dois deles não houve rigorosidade quanto ao estado de

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agregação e uso adequado dos índices, conforme ilustrado pela Figura 4. O uso correto dos índices que representam as fases da matéria é fundamental para a constituição do pensamento químico. Os íons, por exemplo, apenas se tornam disponível para a reação quando solvatados. Essa representação vai moldando o pensamento ancorados nos modelos. Entretanto, a análise dos vídeos permitiu depreender que em apenas três vídeos foram incorporados aspectos da dimensão atômico-molecular dos experimentos.

Figura 4: Passagem de um dos vídeos em que se verifica o uso de equação química, porém sem os índices de estado de agregação da matéria.

Fonte: Dados da pesquisa

Além de problematizar a ausência de aspectos da linguagem química, os vídeos tornam possível avaliar inadequações de terminologias:

“Quando elevamos a temperatura, provocamos o aumento da energia cinética das moléculas, fazendo com que haja maior quantidade de moléculas com energia suficiente para reagir, isto é, com energia superior de ativação.” (Vídeo 9)

“Vamos diluir o permanganato de potássio.” (Vídeo 6)

O primeiro caso refere-se à reação de comprimidos efervescentes em presença de água. O uso do termo moléculas é incorreto uma vez que a reação se dá entre os íons bicarbonato e hidrogênio. Já a confusão entre os processos de dissolução e diluição, verificada no segundo exemplo, reforça preocupação com tal questão. A aprendizagem da química passa necessariamente pela integração dos aspectos fenomenológicos (evidências concretas) aos modelos teóricos explicativos pela mediação de uma linguagem adequada. De tal maneira, a ênfase nos aspectos descritivos e o uso indistinto e fora de contexto de alguns termos é um aspecto limitador.

A apropriação do conhecimento químico perpassa o domínio da linguagem simbólica do fenômeno, que se torna aspecto essencial no processo de aprendizagem (MORTIMER; SCOTT, 2003). Machado (2000, p. 41) aponta que “a equação química não é um mero conjunto de fórmulas, mas ponto de partida e de chegada de uma certa forma por meio da qual a química pode falar do mundo.”

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A produção audiovisual sob o ponto de vista dos produtores

Nesta parte é apresentada a análise dos textos produzidos pelos participantes a respeito da experiência de produção audiovisual. A produção textual foi livre e a totalidade dos estudantes a fez no formato de um texto descritivo. A análise deste material permitiu depreender três categorias principais: i) relação produtores/características da atividade de produção; ii) relação produtores/condições de produção; iii) relação produtores/conhecimento.

No que se refere à primeira categoria, a mais presente nos relatos (14 ao total), os estudantes estabeleceram uma relação com as situações engendradas durante a atividade de produção. Tais características acenam para liberdade, prazer e criatividade, as quais, por sua vez, associam-se a um contexto lúdico.

“A atividade promoveu maior aproximação entre o grupo, nos divertimos muito com os erros e as descobertas e com a reação que acontecia.”

“Tivemos a liberdade de escolher o que iríamos fazer e isso permitiu a criatividade.” “Fugimos do habitual e fizemos isso de maneira divertida sem deixar de aprender com que estávamos fazendo.”

“Principalmente na parte dos erros de gravação que permitia a repetição dos conceitos de forma que aprendíamos nos divertindo.”

A produção do vídeo corresponde a um momento de envolvimento cognitivo dos sujeitos, a partir do qual se fazem presentes curiosidade, criatividade e liberdade de ação. Estas se relacionam diretamente com o engajamento dos sujeitos e são características definidoras de uma ação lúdica. A partir disso, infere-se que a produção audiovisual pode configurar-se em um caminho para a curiosidade epistemológica:

(...) um processo que pode deflagrar no aprendiz uma curiosidade crescente que pode torná-lo mais e mais criador. O que quero dizer é o seguinte: quanto mais criticamente se exerça a capacidade de aprender tanto mais se constrói e desenvolve o que venho chamando “curiosidade epistemológica”, sem a qual não alcançamos o conhecimento cabal do objeto (FREIRE, 2006, p. 24).

Estes dados corroboram a análise do material audiovisual, reforçando a relação dialética entre criatividade e liberdade de ação no desenvolvimento dos vídeos. Tal relação é uma das características básicas do caráter lúdico (DOHME, 2003). Isso pode ser atribuído à interação dos sujeitos com o novo. De acordo com Château (1987), o jogo para o adulto pode estar vivo e perceptível no que se pode chamar de “interação lúdica com o novo”.

Nesse sentido, a maioria das atividades novas pode ser como jogos para nós. Começando a desempenhá-las, sentimos um crescimento do nosso ser, nos afirmamos de uma nova maneira. [...] Diante de tais atividades nós nos encontramos no estado de criança que começa a empilhar seus cubos para construir uma nova torre. (CHÂTEAU, 1987, p. 33).

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Os vídeos encerram estrutura não hierárquica com potencialidade para encorajar a aprendizagem. Conjugadas, estas duas características atuam positivamente no processo. Para Freire (2006), o apoio ao desenvolvimento da capacidade crítica do educando e à sua curiosidade implica respeito e estímulo também à espontaneidade, sem a qual a criatividade pode ser sacrificada. Caso a espontaneidade ou liberdade sejam tolhidas, corre-se o risco de menor envolvimento e de uma ruptura no momento da criação e produção. Este contexto lúdico fomenta a transição para a curiosidade epistemológica, configurada pela rigorosidade com a qual os sujeitos se aproximam do objeto de conhecimento e que, como consequência, leva à aprendizagem.

Tal associação entre aspectos potencializadores da aprendizagem e as condições de produção também foi destacada nos relatos, como a segunda categoria mais evidenciada (10 participantes). Nesta categoria, os estudantes identificam situações de possibilidades de aprendizagem e da melhoria dos vídeos em si.

“Deixaria livre para que o aluno produzisse como achasse melhor, depois realizaria uma exposição dos vídeos produzidos, discutindo o conteúdo, procurando levar os demais alunos a julgarem os conceitos envolvidos, atentando para possíveis erros conceituais, além disso, procuraria acompanhar a produção.”

“A reflexão causada na construção do vídeo permitiu pensar como o outro pode entender o que você está transmitindo. Permitindo a análise de todo o processo de ensino-aprendizagem.”

“Conceitos tiveram sua significação reforçada através de reflexão que a atividade de construção do vídeo exigiu.”

“Uma perspectiva mais motivadora e autônoma, que leva aluno a buscar o conhecimento, e desenvolve habilidades importantes, desde a assimilação dos conteúdos até o domínio da ferramenta computacional usada.”

“O que poderia ser feito antes seria uma introdução sobre edição de vídeos; assim os alunos teriam mais segurança.”

De um modo geral, notam-se características de um pensamento autônomo, em que os estudantes refletem sobre aspectos que podem ser relevantes para a melhoria do processo de construção como um todo (do vídeo e da aprendizagem). Freire e Shor (2008) argumentam que a ação, a reflexão crítica, a curiosidade, o questionamento exigente, a inquietude seriam qualidades indispensáveis ao sujeito cognoscente. A própria reflexão sobre uma estratégia (introdução sobre edição de vídeos) que poderia melhorar a qualidade técnica dos vídeos é representativa deste processo. Os aspectos técnicos revelam pontos a serem modificados, caracterizando um movimento reflexivo e avaliativo, importante para a autoavaliação do processo. Ao refletirem sobre a experiência vivenciada, os estudantes exercitam uma atividade fulcral da docência. Tal processo reflexivo em momentos de formação pode ter implicações futuras, capazes de conduzir a uma prática pedagógica também reflexiva desses sujeitos.

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Nestes, em geral, os estudantes parecem construir sentidos para atividade numa conexão com a realidade individual.

“A produção foi baseada num fenômeno cotidiano que por ser tão corriqueiro passara despercebido quanto as suas transformações, mas agora abriu-nos os horizontes quanto a riqueza de fenômenos relacionados ao dia-a-dia.”

“Conheci melhor o conteúdo e pesquisei sobre sua aplicação na sociedade para produzir o roteiro, o que permitiu conhecer melhor a relação com o cotidiano.”

Tais resultados corroboram a hipótese de que o vídeo é capaz de trazer à tona aspectos mais próximos à realidade dos estudantes, sendo este um aspecto positivo verificado em demais pesquisas (CONDREY, 1996; PEREIRA; BARROS, 2010). Pereira et al. (2011), empregando a produção de vídeos como relatório de atividades práticas, argumentam que a criatividade e espontaneidade podem estar associados ao caráter cultural dos vídeos, que se sobressai ao caráter didático da tarefa. Existe, portanto, uma possibilidade de conjugação entre ciência e aspectos estético-culturais, cuja inserção em aulas de química/ciência poderiam reverberar em resultados positivos.

Para Leal e Rocha “as possibilidades de correlação produtiva entre a cultura juvenil e a cultura escolar dependem essencialmente do diálogo, expressão da capacidade de falar e ouvir sinceramente” (p. 197). Assim, a liberdade de construção do vídeo, manifestada pela inclusão de elementos culturais que satisfazem aos interesses dos estudantes, pode atuar positivamente nas questões atinentes ao conflito cultural, tendo em vista a possibilidade de valorização das variadas formas de expressão. Conforme aponta Freire: “Educação é comunicação, é diálogo, na medida em que não é a transferência de saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados.” (FREIRE, 1988, p. 69). Assim, o vídeo configura-se como o “lugar” para que os sujeitos dialoguem, sendo o diálogo o ponto de acesso à cultura.

Os vídeos permitem analisar fatos experimentais ou cotidianos com maior detalhamento, pois é possível pausar, retroceder e repetir as imagens. Além disso, podem ser empregados no engajamento de atividades manipulativas e intelectuais. Assim, a produção de vídeos pelos alunos pode propiciar a formação de um espaço de mediação, de apropriação e de expressão.

Tais aspectos podem ser aproveitados para discussões em sala de aula e torna-se uma etapa importante a ser considerada para a aprendizagem. Conhecimento de conteúdo e conhecimento pedagógico são elementos indispensáveis ao futuro professor, concedendo à estratégia de produção de vídeos possibilidades importantes para a formação de professores. Para tanto, é fundamental a etapa de discussão, em que professor e estudantes possam debater os vídeos, tanto sob os aspectos conceituais quanto pedagógicos.

Considerações Finais

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como o ponto de vista dos participantes com intuito de responder quais características desta atividade de produção permitiriam entender e potencializar um espaço de aprendizagem. Conforme mostram os resultados, a atividade de produção do vídeo resultou em um processo em que a liberdade, a criatividade e a responsabilidade foram presentes. Nessa direção, o contexto proporcionado adquire características lúdicas que possibilitam aos estudantes exercerem autonomia, favorecendo o envolvimento nas ações. Por outro lado, em sua maioria, os vídeos não contêm explicação dos experimentos pautadas em modelos e representações que podem ser consideradas adequadas, assim como há ausência de equações e simbologias químicas, ou de discussões sobre segurança e descarte de materiais.

Com base no próprio relato dos participantes, foi possível evidenciar aspectos da relação que estabeleceram com: i) características da atividade de produção; ii) condições de produção; iii) o conhecimento. Essas relações são potencializadoras do pensamento autônomo e de uma curiosidade epistemológica, corroborando alguns dados da análise dos próprios vídeos. Por exemplo, reforçam o caráter lúdico e como as condições de produção podem ser favorecedoras de um contexto de discussão dos vídeos, seu conteúdo e suas interrelações em termos sociais e culturais.

Tais resultados configuram implicações norteadoras de práticas pedagógicas futuras que venham a se basear na produção de vídeos de experimentos. Uma delas é a socialização e discussão dos materiais produzidos, que podem potencializar o processo formativo dos licenciandos, permitindo alinhavar os elementos tidos como importantes por eles e presentes/ausentes na produção com saberes docentes necessários à prática educativa. Assim, a produção dos vídeos de experimentos parece se mostrar uma ferramenta satisfatória para avaliar e produzir aprendizagens nos momentos que permeiam todo o processo de produção, bem como durante a socialização. Investigações mais pormenorizadas acerca do desenvolvimento da aprendizagem merecem ser conduzidas, sobretudo após a etapa de produção dos vídeos e durante a socialização e discussão dos vídeos entre os colegas.

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Imagem

Tabela 1: Título dos experimentos e breve descrição de cada vídeo produzido.
Figura 1 – Produções filmadas em laboratório (A) e ambiente doméstico (B).
Figura 2 – Vídeo que emprega texto e imagem como meio principal de interlocução.
Tabela 2: Aspectos de dimensão química avaliados nos vídeos produzidos.
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