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A meta-governança e o Banco Mundial: implicações da apropriação da estratégia de redução da pobreza de 2001 na soberania do Estado Plurinacional da Bolívia

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Universidade do Minho

Escola de Economia e Gestão

Ernesto Joaquín Tages Machado

novembro de 2019

A Meta-governança e o Banco Mundial:

Implicações da Apropriação da Estratégia

de Redução da Pobreza de 2001 na Soberania

do Estado Plurinacional da Bolívia

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Ernesto Joaquín Tages Machado

novembro de 2019

A Meta-governança e o Banco Mundial:

Implicações da Apropriação da Estratégia

de Redução da Pobreza de 2001 na Soberania

do Estado Plurinacional da Bolívia

Trabalho efetuado sob a orientação da

Dra. Ana Paula Brandão

e da

Dra. Maria Helena Guimarães

Dissertação de Mestrado

Mestrado em Ciência Política

Universidade do Minho

Escola de Economia e Gestão

(3)

ii

DIREITOS DE AUTOR E CONDIÇÕES DE UTILIZAÇÃO DO TRABALHO POR TERCEIROS

Este é um trabalho académico que pode ser utilizado por terceiros desde que respeitadas as regras e boas práticas internacionalmente aceites, no que concerne aos direitos de autor e direitos conexos.

Assim, o presente trabalho pode ser utilizado nos termos previstos na licença abaixo indicada.

Caso o utilizador necessite de permissão para poder fazer um uso do trabalho em condições não previstas no licenciamento indicado, deverá contactar o autor, através do RepositóriUM da Universidade do Minho.

Atribuição-NãoComercial-SemDerivações CC BY-NC-ND

(4)

iii

AGRADECIMENTOS

Às minhas orientadoras, Ana Paula Brandão e Maria Helena Guimarães, pelos conselhos académicos e permanente apoio;

Aos professores do Mestrado em Ciência Política da Universidade do Minho, pelo seu contributo na minha formação;

(5)

iv

DECLARAÇÃO DE INTEGRIDADE

Declaro ter atuado com integridade na elaboração do presente trabalho académico e confirmo que não recorri à prática de plágio nem a qualquer forma de utilização indevida ou falsificação de informações ou resultados em nenhuma das etapas conducente à sua elaboração.

(6)

v

RESUMO ANALÍTICO

A Meta-governança e o Banco Mundial: Implicações da Apropriação da Estratégia de Redução da Pobreza de 2001 na Soberania do Estado Plurinacional da Bolívia

Esta tese estuda a inter-relação de poder entre o ator principal do sistema mundial, o Estado, e o Banco Mundial, no âmbito da meta-governança.

Inserido na corrente teórica do liberalismo, numa perspetiva crítica, adotamos o quadro teórico da

meta-governança e da teoria Principal-Agente. Conceitos estruturantes como steering, policy shaping,

policy cycle e outras teorias complementares também são introduzidos. Como metodologia de investigação sobre meta-governança e as implicações desta na soberania, escolhemos o estudo de caso, onde analisamos a interação do Estado da Bolívia e o Banco Mundial, no âmbito da elaboração do Documento Estratégico para a Redução da Pobreza de 2001.

Para compreender interação entre o Estado da Bolívia e o Banco Mundial na elaboração do mencionado Documento, esta interação foi analisada como uma ação social inserida num sistema de balanceamento entre cooperação e conflito. A análise expandiu-se para incidir sobre a negociação, numa relação de dependência (de financiamento ao desenvolvimento), como um sub-caso de negociações internacionais, sob condições de assimetrias de poder.

A partir da análise das diferentes dimensões do relacionamento, conclui-se que tanto a concessão quanto a negação da assistência externa serviram como dissuasão eficaz e resultaram ser um mecanismo valioso para modificar o comportamento do Estado da Bolívia (condicionamento), ação que se integra num quadro de meta-governança exercida pelo Banco Mundial.

(7)

vi

ABSTRACT

Metagovernance and The World Bank: Implications on Sovereignty about the ownership of the 2001 Bolivian Poverty Reduction Strategy

This thesis studies the interrelationship of power between the main actor of the world system, the State, and the World Bank, in the scope of meta-governance.

Under the theoretical approach of liberalism from a critical perspective, we adopt the theoretical framework of meta-governance and the Principal-Agent theory. Structuring concepts such as steering, policy shaping, policy cycle and other complementary theories are also introduced. We chose the case study as a methodology for research on meta-governance and its implications for sovereignty, by which we analysed the interaction between the State of Bolivia and the World Bank in the context of the elaboration of the Poverty Reduction Strategic Paper for in 2001.

In order to understand the interaction between the State of Bolivia and the World Bank in the elaboration of the above-mentioned Document, this interaction was analysed as a social action within a balancing system of cooperation and conflict. The analysis has been expanded to focus on negotiation, in a dependence relationship (of development financing), as a sub-case of international negotiations, under asymmetries of power.

From the analysis of the diverse dimensions of the relationship, it is concluded that both, the concession and the denial of external assistance, served as an effective deterrent and proved to be a valuable mechanism to modify the behaviour of the State of Bolivia (conditioning). Additionally, we conclude that this mechanism is integrated in a framework of metagovernance exerted by the World Bank.

(8)

vii

ÍNDICE

Introdução ... 12

Descrição e delimitação temática ... 12

Justificação da relevância do tema ... 13

Problemática ... 16

Metodologia ... 19

Plano geral da dissertação ... 22

CAPÍTULO1. META-GOVERNANÇA, PRINCIPAL-AGENTE E OUTRAS TEORIAS COMPLEMENTARES ... 24

1. 1. Governo, governança e meta-governança ... 24

1. 1. 1. Interdependência e cooperação ... 26

1. 1. 2. Desafios da governança ... 30

1. 1. 3. O papel do Estado revisitado ... 33

1. 2. A teoria do Principal-Agente ... 36

CAPÍTULO 2. DINÂMICAS POLITICO-ECONÓMICAS INTERNACIONAIS ... 63

2. 1. Economia política internacional ... 63

2. 2. Controlo monetário: Normas internacionais vs. Autonomia interna ... 65

2. 3. Dependência, desenvolvimento e o papel político do endividamento ... 70

2. 4. O mandato neoliberal do Banco Mundial ... 72

CAPÍTULO 3. POLÍTICA ECONÓMICA NA BOLÍVIA ... 76

3. 1. Contexto social, político e económico da Bolívia ... 76

3. 2. Relação com os EUA ... 84

3. 3. O Banco Mundial e as reformas estruturais ... 87

CAPÍTULO 4. COOPERAÇÃO CONFLITUAL NA ELABORAÇÃO DOS PRSP ... 99

4. 1. Os Documentos Estratégicos para a Redução da Pobreza ... 99

4. 2. Estratégia Boliviana para Redução da Pobreza ... 103

4. 2. 1. Acontecimentos políticos e económicos ... 111

4. 3. Por trás do véu ... 117

Conclusões ... 134

(9)

viii

2. Contribuições teóricas e práticas ... 135

3. Limites e futuras investigações ... 137

APÊNDICES ... 139

Economia política internacional e o Banco Mundial ... 140

Política económica na Bolívia ... 142

Síntese das reformas estruturais na Bolívia, 1985 -2000 ... 150

Análise SWOT do Banco Mundial e o Estado da Bolívia e a Relação de Cooperação Conflitual como Atores Sociais. ... 152

Atores fundamentais na elaboração do PRSP ... 163

Grupos de poder e principais atores nas privatizações da Bolívia, 1980-2000. ... 169

Guia de entrevistas semiestruturadas ... 174

Guia de entrevista semiestruturada ... 175

Guia de entrevista semiestruturada ... 176

BIBLIOGRAFIA ... 177

Fontes primárias ... 177

(10)

ix

RELAÇÃO DE FIGURAS, GRÁFICOS E TABELAS

Figura 1 Governança e cooperação conflitual ... 19

Figura 2 Visão sinótica do Diálogo Nacional 2000 ... 110

Figura 3 Processo participativo no Diálogo Nacional 2000 ... 111

Figura 4 Economia plural ... 142

Figura 5 Modelo económico social comunitário produtivo ... 143

Gráfico 1 Taxas de crescimento das economias subdesenvolvidas ... 141

Gráfico 2 Bolívia: Produto bruto interno nominal e per capita, 1986-2011 ... 145

Gráfico 3 Bolívia: Inflação anual acumulada, 1985-2012 ... 145

Gráfico 4 . Bolívia: Exportações segundo atividade económica, 1985-2011 ... 146

Gráfico 5 Bolívia: Balança comercial, 1985-2011 ... 146

Gráfico 6 . Bolívia: Reservas internacionais líquidas do Banco Central da Bolívia, 1976-2012... 147

Gráfico 7 Bolívia: Depósitos, carteira líquida e bolivização, 1995-2012 ... 147

Gráfico 8 Bolívia: Superavit (défice) do Setor Público Não Financeiro, 1970-2012 ... 148

Gráfico 9 Bolívia: Dívida externa do setor público, 1970-2012 ... 148

Gráfico 10 Bolívia: Empresas ativas e criação líquida de empresas, 2002-2011... 149

Gráfico 11 Bolívia: Pobreza moderada e pobreza extrema, 2000-2011 ... 149

Tabela 1 Análise sistemática de cooperação conflitual ……….………. 20

Tabela 2 Análise sistemática de cooperação conflitual……… 47

Tabela 3 Síntese dos acontecimentos políticos e económicos, 1994 -2005……… 122

Tabela 4 Evidências críticas de utilização não-democrática do PRSP……… 124

Tabela 5 Síntese atores fundamentais do Governo na elaboração do PRSP……… 133

Tabela 6 Apoios do exterior, 1998-2002……….. 135

Tabela 7 Economias mais poderosas no fim do Séc. XVII e na atualidade……….. 146

Tabela 8 Comparação do modelo económico neoliberal com o social comunitário produtivo……. 150

Tabela 9 Síntese das reformas estruturais na Bolívia, 1985 -2000……… 157

Tabela 10 Comparação poder negocial, Banco Mundial e Estado da Bolívia………. 165

Tabela 11 Cooperação conflitual, dimensão cooperação……… 169

(11)

x

LISTA DE ABREVIATURAS

BATNA Melhor Alternativa para um Acordo Negociado

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

BM Banco Mundial

BPRS Estratégia Boliviana para Redução da Pobreza

CDF Quadro de Desenvolvimento Abrangente

CIA Agência Central de Inteligência Americana

CIDA Agência Canadiana para o Desenvolvimento Internacional

COB Central Obreira Boliviana

CODEPES Conselhos de Desenvolvimento Económico, Produtivo e Social

CPF Estrutura de Parceria com o País

CV Comités de Vigilância

CW Consenso de Washington

DEA Agência dos EUA de Combate ao Narcotráfico

DFID Departamento do Reino Unido para o Financiamento Internacional ao

Desenvolvimento

DSN Doutrina de Segurança Nacional

ERP Programa de Recuperação Económica

FMI Fundo Monetário Internacional

GATT Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio

HIPC Países Pobres Altamente Endividados

HST Teoria da Estabilidade Hegemónica

IAD Vice-Presidência de Auditoria Interna do Grupo Banco Mundial

IDE Investimento Direto Estrangeiro

IFI Instituição Financeira Internacional

IPC Índice de Perceções da Corrupção

MAS Partido Movimento ao Socialismo

MCS Mecanismo de Controlo Social

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xi

de Condições de Vida

MIP Partido Movimento Indígena Pachakuti

MNR Movimento Nacionalista Revolucionário

NMR Novo Marco de Relacionamento

NPM Nova Gestão Pública

ODA Assistência Oficial ao Desenvolvimento

OECD Organização para a Cooperação Económica e Desenvolvimento

OMC Organização Mundial do Comércio

OTB Organizações Territoriais de Base

PBI Produto Bruto Interno

PDM Programa de Desenvolvimento Municipal

PGDES Plano Geral de Desenvolvimento Económico e Social

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

POA Programa Operativo Anual

PRSP Documentos Estratégicos para a Redução da Pobreza

PWC Consenso de Washington Posterior

SCD Diagnóstico Sistemático de País

SIDA Agência Sueca de Cooperação Internacional ao Desenvolvimento

TCE Teoria do Custo da Transação Económica

TCO Terras Comunitárias de Origem

TFSCB Fundo Fiduciário para o Fortalecimento da Capacidade Estatística

UE União Europeia

URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

EUA Estados Unidos de América

USAID Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional

VIPFE Vice Ministério do Investimento Público e da Assistência Externa

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12

INTRODUÇÃO

Descrição e delimitação temática

Desde o Século XVI em que Jean Bodin (1997 [1576]) definiu soberania como o “poder absoluto e perpétuo de um Estado-Nação" até os dias de hoje, muito tem mudado no conceito. Não mais podemos nos referir ao Estado, parafraseando o renascentista francês, como uma entidade que não conhece superior na ordem externa nem igual na ordem interna (Bodin op.cit.). Desde a chegada do Banco Mundial (BM), entre outras Organizações Internacionais, com a sua incursão em políticas estruturais e sociais, a autoridade deixou de se limitar ao nível estatal como o expoente máximo. Assim, atualmente a soberania é vista como algo simbólico (Jessop 2004).

Os contornos da influência que as Instituições de Bretton Woods exerciam na formulação e implementação das políticas públicas nos países que assistia, assim como o excessivo endividamento provocado por estas, foram alvos de duras críticas e desencadearam massivas protestas, que ficaram conhecidas como o Jubileu 2000 (Veja-se: Pettifor 2006). Como forma de contornar as acusações de

imposição mediante condicionalismos aos seus empréstimos, surgiram os Poverty Reduction Strategy

Papers (PRSP) (1). Assim, a partir de 1999 o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial

passaram a exigir os PRSP aos países altamente endividados para poder serem considerados para alívio da dívida (IMF 2016). A novidade dos PRSP estava em que o pais recetor devia ter a iniciativa do pedido, assumir autoria das condições e propor as soluções. O BM e o FMI, limitariam suas funções a apoiar economicamente e assistir tecnicamente.

Nesse contexto, os PRSP passaram a ser um instrumento controverso que obriga a um delicado

equilíbrio por parte do Banco Mundial para que não sejam considerados um instrumento de imposição

de políticas no marco da sua meta-governança. (2)

Como referido, uma caraterística crucial dos PRSP é a de ownership (apropriação) da estratégia por

parte do país recetor da ajuda, ou seja, que este assuma autoria do respetivo PRSP. Embora a autoria oficialmente sempre será do Estado recetor, a comunicação fluida e permanente com o Banco, seja na

1 Documentos Estratégicos para a Redução da Pobreza.

(14)

13

forma de assistência técnica e/ou negociação de condições, fazem parte do processo de elaboração e levanta dúvidas ao respeito dos limites dessa participação.

Esta inter-relação de poder entre o ator principal do sistema mundial, o Estado, e o Banco Mundial, no âmbito da meta-governança, é a que estudamos. Para tal examinamos as ações do Banco Mundial como fonte de redefinição do conceito de Estado e seu núcleo central. Especificamente, analisamos no período 1997-2002 se o Banco Mundial nas suas ações no processo participativo de negociação da elaboração do PRSP na Estratégia Boliviana de Redução da Pobreza de 2001, vai além de assistência financeira e técnica para o combate à pobreza, em direção a estabelecer relações de poder que restringem práticas e opções políticas em detrimento da soberania estatal.

Justificação da relevância do tema

Enquanto a noção de governança atualmente é bastante divulgada e conta com uma longa trajetória, a de meta-governança é mais recente. A meta-governança veio ocupar um vácuo que surgiu como consequência da crescente perceção de sobrecarga governamental, crise de legitimidade, crise de direção e ingovernabilidade e que despertou interesse teórico e prático no potencial de coordenação através de redes e parcerias auto-organizadas e outras formas de colaboração reflexiva (Jessop 2011). Portanto, poderíamos afirmar que a meta-governança surge como a necessidade de governança da governança.

Apesar da importância da meta-governança, o termo dificilmente aparece e raramente é mencionado

explicitamente, mesmo em pesquisas sobre governança (por exemplo, Benz et al., 2007; Bevir 2007;

Kjaer 2004; Lütz 2006; para exceções, veja-se Bell e Hindmoor 2009; Sørensen 2006; e alguns capítulos em Sørensen e Torfing 2007) (Jessop 2011). Porém, nos casos em que é explicitamente abordada (por exemplo Jessop 2003, 2007, 2011, 2013; Kooiman 2000, 2002 e 2003; Sørensen e Torfing 2007) assume-se ao Estado (ou a União Europeia) como a entidade coordenadora das redes de governança.

Esta tese visa abordar a lacuna teórica que sustenta a possibilidade duma agência internacional (no nosso caso o Banco Mundial) ser quem ocupa a posição de regente da meta-governança. Assim, traçaremos o pano de fundo para o interesse na meta-governança e sua associação com o fracasso da governança em aspetos críticos relacionados com a soberania estatal. Identificamos alguns

(15)

14

antecedentes que muitas vezes não foram identificados e observamos possíveis significados da meta-governança localizando-os dentro dos modos de meta-governança. Também, esta tese observa a forte orientação prática do interesse contemporâneo em meta-governança, e em um espírito crítico e contraditório, explora algumas implicações do fracasso da meta-governança para a análise teórica e política (Jessop 2011).

Com a crescente força das ações do Banco Mundial, os Estados não mais gozam do direito exclusivo de estabelecer as regras dentro de seu território, na sua economia e sociedade. Os Estados deixaram de ser os detentores da última palavra em matéria de governança e a sua participação no desenvolvimento de políticas públicas, especialmente em matéria económica e monetária, é cada vez mais reduzida e limitada às opções pré-determinadas por essa entidade que se afirma cada vez mais como a instituição mãe de todas as leis em matéria de política pública (Cammark 2002).

Os resultados das políticas públicas implementadas sob a governança do Banco Mundial são alvo de controvérsias e fortes debates. Em 2014, Thomas Piketty (2013) trouxe a desigualdade ao centro desse debate. Ao analisar dados históricos, Piketty chegou à conclusão que o retorno sobre o capital é sempre maior que o crescimento económico. Isso significa que, no sistema económico atual, aqueles que possuem capital usufruirão de melhores condições e obterão melhores resultados de quem não possui. Seguindo as regras do Banco Mundial, os ricos não apenas ficam mais ricos, mas também ficam mais ricos do que todos os outros.

Nas últimas três décadas, as brechas de iniquidade aumentaram e a desigualdade do rendimento das

famílias medida pelo coeficiente GINI (3) aumentou na grande maioria dos países. Isto ocorreu mesmo

quando estes atravessavam um período de crescimento sustentado da economia e do emprego (OECD 2011). Se os governos não intervirem, a riqueza é obrigada a se concentrar entre uns poucos. Porém, os governos dos Estados têm o seu poder condicionado e reduzido pelas regras de cooperação internacional que o mercado segue sob a guarda do Banco Mundial.

O crescimento da iniquidade das receitas está a criar grandes desafios políticos pois gera ressentimento social e instabilidade política. Em outubro de 2017, o próprio FMI alertou que a desigualdade dentro das nações aumentou tão acentuadamente que ameaça o crescimento económico e pode resultar em maior polarização política (IMF 2017).

3 Indicador de desigualdade na distribuição do rendimento que visa sintetizar num único valor a assimetria dessa distribuição, assumindo valores entre 0

(16)

15

Neste cenário, a preocupação com o poder económico, que está subordinada à preocupação com o poder do Estado, leva-nos a pôr o foco nas relações de poder entre estes e os consequentes fatores que conduzem ao estabelecimento do equilíbrio ou desequilíbrio entre as forças que pugnam pelo Estado de bem-estar social e autonomia interna e as que o fazem pelo livre mercado, interdependência e abertura internacional.

O estudo de caso escolhido exibe particularmente a relevância do tema da presente tese. Segundo o

MECOVI (4), entre 1998 e 2002, na Bolívia, perto de 92% das pessoas acreditavam que a distribuição de

receitas era injusta ou muito injusta. O índice GINI situava-se em 0,63, a pobreza era 64,60%, enquanto a pobreza extrema 36,77% (INE (BO) 2018). A assistência técnica que o Banco Mundial ofereceu nesse período assentava na tradicional receita - privatização - redução da despesa pública - abertura de mercado - desvalorização da moeda -, receita que, normalmente, redunda numa maior competitividade internacional e crescimento económico, mas à custa de sacrifício social interno. A conjetura implicava que a política económica deveria preocupar-se apenas com o crescimento económico, dado que em algum ponto o desenvolvimento levaria a uma melhoria na distribuição de rendimento.

O debate sobre a relação entre crescimento e equidade tem uma longa tradição no pensamento económico. Os recentes desenvolvimentos no crescimento endógeno lançaram uma nova luz sobre o problema, não só porque questionam a transação necessária entre os dois objetivos, mas também porque implicam uma mudança no sentido de causalidade entre as variáveis (Medina Gutierrez 2014). É possível que o crescimento não leve necessariamente a mais desigualdade e, ainda, a igualdade pode ser um fator que promova um maior crescimento. (Alonso 2005, citado em Medina Gutierrez op. cit.)

Estando o país imerso numa grave crise política e económica que tinha décadas, em 2005 assumiu a

presidência Evo Morales com um 53% de apoio proveniente principalmente das zonas pobres e

indígenas (5). O país então embarcou na chamada “Revolução democrática e cultural”, um período de

transição política e reorientação do Estado com a promoção de um modelo de democracia intercultural participativa, orientado pelos mandatos da Nova Constituição Política do Estado, que inclui profundas mudanças na área de direitos humanos, equidade de gênero e reconhecimento de direitos humanos e

4 O Inquérito Domiciliar Contínuo (Condições de Vida / MECOVI) é uma investigação de amostragem realizada em domicílios particulares por iniciativa do

Banco Mundial e executada pelo governo da Bolívia. (INE (BO) 2001)

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direitos dos povos indígenas (UNDP 2018). A partir desse momento desenvolveu-se o “Plano nacional de desenvolvimento” de marcada tendência nacionalista e desenganadamente em oposição ao delineado pelo Banco Mundial, que levou a abandonar prontamente as restrições impostas por esta entidade e pelo FMI.

Seguindo estas medidas, incompatíveis com o indicado pelo Banco Mundial, a incidência de pobreza moderada foi reduzida de 66,6% em 2000 a 38,6% em 2015, enquanto a pobreza extrema foi reduzida de 45,6% para 16,8% no mesmo período. Por outro lado, a desigualdade, medida pelo coeficiente de GINI passou de 0,62 em 2000 para 0,44 em 2015 (INE (BO) 2018). Esta situação foi enquadrada em um excelente contexto macroeconómico que viveu o país entre 2005 e 2013, com um aumento sustentado das reservas internacionais e superavit comercial e fiscal (INE (BO) 2018).

Problemática

A presente análise se insere na corrente teórica do liberalismo, numa perspetiva crítica, indo ao

encontro do posicionamento de Stiglitz sobre o mesmo. (6)

Com o advento e proliferação de agentes internacionais, as questões fundamentais dos Estados em políticas económicas, monetárias e financeiras, entre outras, foram retiradas do escrutínio público afastando-nos dos princípios da democracia, levando-nos progressivamente ao que poderíamos chamar uma tecnocracia, onde as decisões das políticas públicas, dependem de conhecimentos fornecidos por especialistas. A diferença fundamental é que a aplicação de métodos científicos na resolução de problemas económicos, em contraste com a tradicional abordagem política, não garante representar os interesses dos cidadãos.

O Banco Mundial alude veementemente sua obrigação constitucional para permanecer politicamente neutro e fundamentar suas decisões em bases puramente económicas (Stone e Wright 2007). Contudo a multiplicação de casos onde o Banco Mundial interferiu de forma inequívoca em questões políticas leva alguns académicos a pensar que a Doutrina de Neutralidade Económica defendida possa ser um

6 Para Stiglitz, o ideal do liberalismo tem-se deturpado. A economia atual não pode ser compreendida sob as lentes da competição “pura” na busca da

eficiência. O que existe é uma competição de oligopólio pelo que a eficiência do mercado é substituída por uma tendência ao monopólio. Nesse sentido, se os mercados fossem fundamentalmente eficientes e justos, os governos pouco poderiam fazer para melhorar as coisas. Mas, se os mercados são baseados na exploração, a lógica do laissez-faire desaparece (Stiglitz, 2016).

(18)

17

conjunto de ações com as que se pretende evitar o envolvimento na emaranhada prática aberta e transparente da política democrática e, desta forma, poder se impor aos Estados (Swedberg 1986). Segundo Catherine Weaver (2008) as evidências revelam que tanto pressões internas quanto externas ao Banco Mundial contribuem para deficiências no cumprimento de suas políticas, levando-o a estar

preso numa “ratoeira de hipocrisia” (7) organizacional (Weaver 2008, 1). Em alguns pontos, essa

hipocrisia parece intencional, afirma Weaver. Para outros observadores, organizações internacionais como o Banco Mundial são meros instrumentos que países poderosos usam para impor sua vontade

(Hawkings et al. 2006), atuando escondidos por trás de uma fachada de processos multilaterais

legitimados por burocracias internacionais, eles implementam um "consenso de Washington" formulado por economistas profissionais e outros neoliberais que fizeram carreira nessas mesmas agências (Stiglitz 2003).

A nossa perspetiva leva-nos a refletir se as organizações internacionais tais como o Banco Mundial «são servos obedientes dos Estados poderosos (hegemónicos) ou se evoluíram para transformarem-se em “Frankensteins institucionais aterrorizando o campo global” ou, ainda, “agentes duplos”»

(Hawkings et al. 2006, 4) (8). Neste contexto, pensamos que seja útil a teoria do Principal-Agente de

Jensen e Mecklin (1976) para analisar os riscos, conflitos e custos derivados da separação entre

propriedade e controlo do capital dos Estados. Encontramos a Teoria Principal-Agente útil no sentido

que nos facilita a compreensão do significado de seleção adversa e risco moral que poderemos

encontrar entre o Banco Mundial e o Estado da Bolívia, (9) bem como na identificação de mecanismos

de controlo social (formais e informais) e consequentes condições para cooperação em situações não cooperativa.

Considerando o exposto, surge a nossa pergunta de investigação:

O Banco Mundial orientou as redes descentralizadas e o governo bolivianos, moldando indiretamente as suas regras e normas; ou condicionou a função do Estado soberano da

Bolívia na elaboração da Estratégia Boliviana para a Redução da Pobreza de 2001?

Para a qual apresentamos a seguinte hipótese:

7 Tradução livre do autor: “hipocrisy trap”.

8 Tradução livre do autor: “(…) are obedient servants of powerful (hegemonic) states or whether they evolve into “institutional Frankensteins terrorizing the

global countryside” or even “double agents”.

9 Seleção adversa é quando o desconhecimento das características do bem ou do agente aumenta os custos de informação ex ante o contrato. Enquanto

risco moral refere ao comportamento que quando não é observado (ou não monitorizável) aumenta a probabilidade de não cumprimento do contrato quando os custos de informação são ex post o contrato.

(19)

18

Enquadrando-se em procedimentos licitamente sustentados, o Banco Mundial institucionaliza as políticas monetárias e económicas por ele ditadas e, assim, orienta (steer) à distância o sistema económico-financeiro do país recetor de apoios.

Esta hipótese baseia-se na apropriação do PRSP, em vigência desde 1999. A apropriação exige que o país tenha capacidade institucional suficiente para definir e implementar a estratégia de desenvolvimento nacional. Caso o país não conte com essa capacidade, a que é o habitual, o Banco Mundial fornecerá assistência técnica necessária para fazer frente as elevadas exigências técnicas do projeto que usualmente são impossíveis de se atingir sem uma equipa altamente especializada como aquela com que conta o Banco Mundial. Para os PRSP, isto significa que os pareceres emitidos pela assistência técnica são, assim, integrados no processo de tomada de decisões dos executivos, parlamentos, governos locais e partes interessadas do país, portanto, é, desta forma, institucionalizado. Ou seja, passam a formar parte do acervo institucional somando-se assim aos seus deveres e competências.

(20)

19 Governança (Heterarquia): coordenação de complexas interdependências recíprocas Relação Social Auto-organização basada num consentimento negociado constantemente Cooperação conflitual (Sistema de domínio) Atores com poderes

desiguais

Metodologia

As qualidades de complementaridade e operacionalidade das teorias de meta- governança e de Principal-Agente, justificam o facto de as distinguirmos nitidamente e estabelecer a conceptualização em torno a estas. Tendo em consideração as limitações destas na especificidade do caso, outras teorias complementares são utilizadas.

Através dum exame sistemático, podemos avaliar a adequação, plausibilidade e exatidão das teorias na explicação sobre o tema.

Em qualquer relação, existem fatores que levam a cooperar (interesses comuns) e os que geram conflitos (interesses particulares). Assim, uma relação de cooperação conflitual é aquela onde existe uma mútua interferência entre as partes que interagem e se influenciam mutuamente em um processo contínuo e circunstancial de cooperação e conflito (Carlos, 2016). A análise feita desta forma estabelece correlações entre os padrões de interação entre o Banco Mundial (Agente) e Estado (Principal) e os efeitos institucionais neste.

(21)

20

A tabela 1 abaixo nos resume a análise sistemática de cooperação conflitual dos atores Banco Mundial e o Estado Boliviano que é executada seguindo o modelo de Quivy e Van Campenhoudt (2008).

Tabela 1 Análise sistemática de cooperação conflitual

Dimensão

Cooperação

Componentes Dimensão

Conflito

Componentes Trunfos, recursos O que está em jogo

Utilidade, pertinência Manifestar desacordo com as regras Reconhecimento valor Usar margem de liberdade

Respeito pelas regras do jogo Capacidade de usar seus trunfos Grau de implicação

Uma vez que a investigação, na tentativa de construir uma explicação teórica, parte de fenómenos conhecidos empiricamente, a estrutura epistemológica adotada é a hipotética-indutiva. Portanto, o estudo segue uma análise qualitativa, por ser a mais adequada a esta postura epistemológica. Ainda, e nesta linha, a pesquisa é conduzida sob um paradigma construtivista.

O método de recolha de dados é usando entrevistas qualitativas semiestruturadas. Sabemos que a sua utilização possa ser um tanto polêmica devido a que alguns pesquisadores fazem uso de forma menos rigorosa do que seria desejável, mas, de facto, metodologias muito estruturadas podem ser incapazes de capturar os intrincados detalhes do ambiente no mundo financeiro e estatal de alto nível. Mesmo com as limitações inerentes, consideramo-las um instrumento privilegiado quando o que se precisa é mapear práticas, crenças, valores e sistemas classificatórios de universos sociais específicos. Portanto, dada a sensibilidade do tema e o cariz de alguns entrevistados, optamos por usá-las.

Como o procedimento de coleta de informações desta forma pode ser pouco confiável e excessivamente subjetivo, na análise do conteúdo das entrevistas, assumimos que os dados recolhidos são o produto da atribuição de significado à realidade por parte do entrevistado, que é determinado basicamente pela sua compreensão relativa, e que não necessariamente possa ser considerado como a realidade. Isto implica que tivemos que extrair aquilo que é subjetivo e pessoal neles para podermos pensar a dimensão coletiva, isto é, compreender a lógica das relações que se estabeleceram no interior dos grupos sociais dos quais os entrevistados participaram.

A concretização das entrevistas exigiu certos requisitos que consideramos fundamentais para a entrada no campo. Tivemos que ter os objetivos da pesquisa muito bem definidos, mas também interiorizados, ou seja, não era suficiente que eles estivessem apenas por escrito; a leitura de estudos precedentes e

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uma cuidadosa revisão bibliográfica; bem como conhecer com alguma profundidade o contexto em que pretendíamos realizar a investigação (experiência pessoal e conversas com pessoas que participavam daquele universo, ou seja, egos e informantes privilegiados).

Os roteiros ou guiões das entrevistas (Veja-se os Apêndices 8, 9 e 10) foram devidamente interiorizados para que, no momento da execução não cometêssemos hesitações enquanto se mantinha algum nível de informalidade, mas sem jamais perder de vista os objetivos que levaram a buscar aquele sujeito específico como fonte de material empírico para nossa investigação.

Nosso objetivo nas entrevistas era adentrarmo-nos na profundidade da psique, coletando indícios dos modos como cada um daqueles sujeitos percebe e significa sua realidade e levantar informações consistentes que nos permitissem descrever e compreender a lógica que presidia as relações que se estabeleceram entre o Banco Mundial e o governo da Bolívia na época da nossa análise.

Nossa pesquisa de campo decorreu desde o 20 de janeiro ao 13 de fevereiro deste ano, período em que se efetuaram as entrevistas presenciais. Entrevistas telefónicas e videoconferências foram mantidas nas semanas restantes de fevereiro. Ao tudo, adentramo-nos em ambientes onde se verificaram disputas de poder, perseguição política, denúncias de desvio de verbas, implantação de projetos polêmicos, confronto com traficantes de drogas e violência em diversas modalidades. Portanto, alguns dos profissionais que contata-mos, mesmo que reconheceram que os resultados deste trabalho poderiam vir a contribuir para a solução do problema, não estavam dispostos a arriscar sua segurança pessoal ao desvelar sua identidade. Assim, a presente investigação se inscreve em um contexto em que o anonimato de certos interlocutores precisa ser preservado pois estes pertencem a comunidades onde sua declaração e história podem ser reconhecidas facilmente.

Embora na seleção dos entrevistados tivéssemos tido o cuidado de considerar ambas partes envolvidas e também outros em que valorizamos os conhecimentos sobre a relação entre estas, cabe assinalar que por parte do Banco Mundial do Ex Presidente “Tuto” Quiroga foram rejeitadas todas nossas tentativas de contato para tal fim. Tendo isso em perspetiva, a interpretação exige que a significação seja feita em função das categorias de análise Governo da Bolívia, Banco Mundial, Academia e

ONG/depoimentos não identificados. Pela primeira categoria, temos o Ministério de governo. Pela

segunda categoria, temos a Superintendência de Bancos da Bolívia e o Banco Interamericano de Desenvolvimento; na terceira categoria temos a Universidade de Oxford (UK) e a Universidad Mayor de

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San Andrés (BO); finalmente, na quarta categoria temos o CERES/Departamento do Reino Unido para o Financiamento Internacional ao Desenvolvimento (DFID) e os não identificados.

A análise bibliográfica e documental, pela sua vez incidiu sobre fontes primárias e secundárias.

O estudo de caso, como ferramenta de estudo qualitativo, aumenta a compreensão e o entendimento sobre os eventos daí que optemos pela sua utilização. A análise das ações do Banco Mundial na Bolívia entre 1997 e 2002 possibilita-nos o envolvimento num exame profundo e exaustivo, de maneira que nos permita um conhecimento amplo e detalhado que enfatize o entendimento contextual da problemática. A delimitação do período de análise escolhido corresponde ao governo Banzer-Quiroga na Bolívia, responsáveis pela elaboração do PRSP do país.

Plano geral da dissertação

O primeiro capítulo, além do enquadramento teórico a aplicar ao estudo de caso, também discute e operacionaliza conceitos estruturantes da tese. Apresenta a evolução da temática sobre Meta-governança e a teoria do Principal-Agente, sua problematização e relevância para o campo da governança como objeto de investigação. Recebe especial ênfase nas lacunas que a governança apresenta que, na nossa perspetiva, são soberania (os limites das diferentes esferas de poder diluem-se), transparência (dificulta determinar ante quem prestar contas e sobre o quê), e responsabilização (dificulta determinar quem concretamente é o decisor/autor das políticas). Também é introduzida a teoria do Principal-Agente como potencial de antagonismo para uma boa governança. Em seguida são

introduzidos conceitos estruturantes da tese como o de steer (orientação) e policy shaping

(modelamento de políticas) e, finalmente, outras contribuições teóricas completares são incluídas. No segundo capítulo abordamos as dinâmicas político-económicas internacionais. Com este capítulo pretende-se enquadrar, teórica e conceptualmente, o conjunto de ações executadas pelo Agente Banco Mundial que são planejadas para atingir determinadas finalidades relacionadas com a situação económica de um país, uma região ou um conjunto de países. A implementação de políticas neoliberais neste contexto também é analisada. Este capítulo conta com três subcapítulos: economia política internacional; controle monetário: normas internacionais vs. autonomia doméstica;

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dependência e desenvolvimento económico e o papel político do endividamento económico; finalmente, o mandato neoliberal do Banco Mundial.

O terceiro capítulo aborda a política económica na Bolívia, a contextualiza a nível plurinacional e acompanha as alterações políticas. Este capítulo tem três subcapítulos: estrutura e dinâmicas político-económicas na Bolívia; a relação com os EUA; e, por último, o Banco Mundial e as reformas estruturais.

O último capítulo trata da cooperação conflitual na elaboração dos PRSP onde se analisa a configuração das relações entre o Banco Mundial e Estado examinando os efeitos do engajamento/alienação institucional e governamental. Tomamos como base as ações e motivações dos vários grupos envolvidos no PRSP da Bolívia em 2001. Este capítulo tem três subcapítulos: Os Documentos Estratégicos para a Redução da Pobreza; a Estratégia Boliviana para a Redução da Pobreza com os respetivos eventos políticos e económicos que o afetaram; por último, o que se encontrava por trás do véu de acesso público.

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1. META-GOVERNANÇA, PRINCIPAL-AGENTE E OUTRAS TEORIAS COMPLEMENTARES

1. 1. Governo, governança e meta-governança

Quando falamos de governo estamos a nos referir especificamente ao Estado ou, genericamente, à ordem administrativa do Estado, que é imposta, hierárquica e centralizada. Nesse sentido, o governo refere-se ao controlo político de um Estado centralizado e está indissoluvelmente ligado a este com uma estrutura burocrática “weberiana” de suporte. Com a crescente globalização e complexidade de interações sociais, económicas e tecnológicas, esta visão de governação tradicional tornou-se altamente ineficiente e limitada, pois os problemas atuais extravasam fronteiras e não obedecem hierarquias ou se ajustam a estruturas pouco flexíveis. A teoria de governança vem assim oferecer um modelo de gestão económica e política revigorante, que derruba os limites tradicionais do governo formal e rígido, permitindo uma adaptação mais eficaz à crescente complexidade social na que todos os governos estão imersos. Para os propósitos atuais, governança refere-se às estruturas e práticas envolvidas na coordenação das complexas relações sociais marcadas por interdependência recíproca (Jessop 2011).

Em oposição ao conceito de governo, a governança é negociada, fragmentada e denota a coordenação das relações sociais, dada a ausência de uma autoridade unificadora (Welch e Kennedy-Pipe 2004). Assim, a governança só funciona se for aceite pela maioria, enquanto que o governo pode funcionar mesmo perante uma oposição massiva (Rosenau e Czempiel 1992). Ambos, governo e governança, têm esferas de autoridade que é o âmbito de atuação delimitado onde podem obrigar a cumprir suas diretivas (Rosenau 2004).

Entender as funções da governança, desobrigadas da necessidade de um Estado que as exerça, é crucial para compreender sua essência. Assim Pierre e Peters (2016) apresentam um modelo geral de governança que identifica as funções requeridas para governar, independentemente dos atores que eventualmente efetuarão as tarefas. Entre todas estas funções, a tomada de decisões é considerada como a atividade fundamental. Na presente tese, um ponto crucial é esclarecer quais são os atores

que realmente tomam as decisões que afetam os Estados. A nossa posição alinha-se com Jessop

(2004) quando sustenta que a ideia de que a tomada de decisões feita pelos governantes dos Estados não passa de uma ficção conveniente que mascara a complexidade de relações sociais e estende-se para muito além dos aparelhos e capacidades dos Estados.

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A “boa governança” é um conceito que surge do próprio Banco Mundial (Welch e Kennedy Pipe 2004) que descreve como as instituições públicas deveriam conduzir os assuntos públicos e gerenciar os recursos públicos mediante instituições capazes, eficientes, abertas, inclusivas e responsáveis. Embora a “boa governança” fosse apontada como um requisito imprescindível para a democracia, encontrou uma receção ambivalente na própria instituição. Apesar da proeminência na retórica, os cuidados de governança no terreno foram marginais onde não prestavam atenção para saber se os governos dos países mutuários apoiavam as políticas dos seus programas (Miller-Adams 1999) Poderemos considerar esta uma manifestação da hipocrisia que alguns observadores apontam à instituição? (Weaver 2008). No segundo capítulo analisaremos mais a fundo esta questão.

A teoria de meta-governança ganha forma nas décadas de 1980 e 1990. Numerosos países da OECD

(10) adotaram a NPM (11) e as suas doutrinas associadas de melhores práticas e redução do Estado que

deram lugar a uma notável expansão da teoria da governança. Uma combinação de falhas do Estado e do mercado, declínio da coesão social nas sociedades capitalistas avançadas, sobrecarga governamental, crise de legitimidade, crise de direção e ingovernabilidade deram lugar a uma crescente perceção das lacunas da governança e, portanto, da necessidade e maior interesse pela coordenação da governança (Jessop 2011). A meta-governança é essa coordenação da governança e, de certa forma, podemos afirmar que é a governança da governança.

Ainda que algumas entidades não pudessem ser dirigidas por meio duma intervenção direta do exterior, seria possível orientá-las “à distância”, modificando o ambiente no qual um determinado sistema autorreferencial e auto-organizado opera (Jessop 2004 e 2011). Foucault (2007), fez uma abordagem seminal nesse sentido ao delinear o conceito de governamentalidade. A análise da noção de governamentalidade, que é como ele chama à "conduta de conduta", será aprofundada quando analisemos o papel do Estado na meta-governança.

Por outro lado, Kooiman (2000, 2002 e 2003) associa meta-governança aos esforços para mudar os princípios gerais que afetam como a governança ocorre e a dar uma racionalidade normativa clara. Kooiman refere-se à meta-governança como uma governança de terceira ordem (de governação e / ou governadores). Ou seja, à modificação do quadro material ou normativo em que as atividades de governança de primeira ordem (resolução de problemas), e segunda ordem (definições institucionais)

10 Do inglês, Organisation for Economic Co-operation and Development para Organização para a Cooperação Económica e Desenvolvimento. 11 Do inglês, New Public Management para Nova gestão pública.

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são buscadas. O fator fundamental em meta-governança, seja na ótica de Jessop ou Kooiman, é que o processo é julgado em termos de responsabilidade moral.

No processo de resolução de problemas ou definições normativas, o Banco Mundial ocupa um lugar significativo na arena global. Nos últimos anos tem-se focado no aconselhamento, análise e fornecimento de informação provenientes do seu considerável departamento de pesquisa pondo o foco em questões técnicas que atingem as políticas económicas dos países que são apoiados (Philips

2009). Cammark (2002) argumenta que o Banco Mundial, através da matriz CDF (12) usada para

identificar questões sistêmicas na avaliação dos programas nacionais, busca estabelecer uma “arquitetura global de governança”, melhor descrita acima como meta-governança, para transformar-se

assim na “mãe de todos os governos” (13)

1. 1. 1. Interdependência e cooperação

Enquanto a noção de governo refere-se a um território específico, as conceções de governança e meta-governança extravasam quaisquer fronteiras, sobrepondo-se com os Estados. Tanto é assim que hoje em dia as questões internacionais podem ser conceptualizadas como sendo governadas simultaneamente por dois sistemas: um de Estados e outro formado por uma rede dinâmica de autoridade multicêntrica (Rosenau e Singh 2002). Esta duplicidade de autoridade pode confundir no momento de determinar a autoria da política que está a ser aplicada a nível interno e se essa política é, efetivamente, uma expressão dos interesses nacionais.

Certo é que muitas pessoas estão inquietas e inconformes com a qualidade dos seus governos, num mundo cada vez mais complexo e globalizado. Por um lado, os governos continuam presos conceptualmente à territorialidade do seu poder o que os leva a tratar os sintomas dos problemas que deveriam resolver ao invés das causas que nem sempre respeitam fronteiras. Consequentemente, a uma maior exigência de governança. Por outro lado, há uma consciência crescente das virtudes da cooperação (Rosenau 2004).

12 O Quadro de Desenvolvimento Abrangente (CDF, do inglês Comprehensive Development Framework) engloba um conjunto de princípios para orientar o

desenvolvimento e a redução da pobreza, incluindo a prestação de assistência externa. As Estratégias de Redução da Pobreza (PRS) sustentadas pela CDF são o caminho a seguir para aumentar a apropriação pelo país, tema que incumbe diretamente nesta tese. (World Bank 2019b)

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A interdependência, que veio a ser aumentada desde os 1970s, e a globalização provocaram mudanças de importância fundamental. Sendo fenómenos multidimensionais, envolvem redes a distâncias multicontinentais, muito além dos Estados isolados, com profundas implicações nos âmbitos político, económico, militar, medio ambiente, social e cultural (Keohane e Nye 2000). Assim, o processo de globalização e interdependência necessariamente redefinem o conceito e prática da soberania.

Frequentemente o processo de globalização é equiparado com “americanização”, dado que as dimensões do processo de globalização são dominadas por atividades baseadas nos Estados Unidos de América (EUA) (Keohane e Nye 2000). Basta-nos pensar em Wall Street, Sillicon Valey, Hollywood, ou Washington para ter uma noção do grau e alcance da influência dos EUA. Para além de possuir as maiores forças armadas do planeta (hard power), a posição central dos EUA nas redes globais cria e reforça sua habilidade de fazer o que os outros Estados queiram ou aceitem o que eles querem (soft power) (Nye, 1990). Porém, é importante salientar que nem tudo é imposição. Em muitos aspetos os processos são recíprocos e de benefício mútuo pois algumas praticas resultam muito atrativas a outros países (Keohane e Nye 2000).

Um dos maiores responsáveis da arquitetura de cooperação internacional é o Banco Mundial, sendo considerado como uma das organizações internacionais mais poderosas do nosso tempo (Stone e Wright 2007). A posição privilegiada na forma de maior poder de voto e a possibilidade de vetar qualquer diretiva, que os EUA tem no Banco Mundial e as circunstâncias particulares da sua conceição como instrumento da política exterior deste país, leva-nos a pensar o papel que esta entidade desempenha nos processos de cooperação internacional que lidera. No centro das críticas nesse

sentido estão os critérios de seleção e condicionalismo para o outorgamento de créditos (Bayliss et al.

2011). No capítulo segundo analisaremos com mais profundidade a sua incidência, particularmente como, através destes critérios, o Banco molda as políticas públicas dos Estados recetores e, portanto, a repercussão que tem na soberania destes.

Ainda que aplicados ao caso da UE, com o devido recorte, os conceitos de ‘policy shaping’ e ‘policy taking’ poderão ser adaptados para OIs intergovernamentais e resultar úteis neste caso do Banco Mundial. Börzel (2002) descreve o processo de “europeização” como um processo pelo qual as áreas de política interna dos países tornam-se cada vez mais sujeitas à formulação de políticas europeias. De acordo com essa visão, que utilizaremos neste trabalho no sentido de “moldagem” de políticas

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nacionais ao invés de europeização, nos referiremos ao processo através do qual a assimilação dos lineamentos do Banco Mundial penetram e, em certas circunstâncias, provocam adaptações aos sistemas de política interna dos países.

Nas tentativas de moldar efetivamente as políticas, a capacidade administrativa (recursos, nível de corrupção, fragmentação de competências) parece ser muito mais importante que qualquer outro fator (Börzel 2003). Isso posicionaria ao Banco num lugar privilegiado na relação com os países altamente endividados como era a Bolívia de 2001, carente de recursos, elevada corrupção e fragmentação de competências (ineficiência). Pela sua vez, Sprungk (2011) quando mostra o quadro teórico que identifica mecanismos causais que ligam a formulação e a tomada de políticas, assinala que o elo causal entre a formulação de políticas e a tomada de políticas é mais provável se os atores são idênticos, passa-se pouco tempo entre a formulação e adoção, e se o envolvimento dos atores da implementação na formulação de políticas se concentra no fornecimento de informações (Sprungk op. cit). Caraterísticas que veremos plasmadas neste caso e serão traçadas em detalhe no capítulo 4. Seguindo Hall (1993), a moldagem da política pode ser dividida em três níveis diferentes reconhecendo que, na prática, esses aspectos estão sutilmente inter-relacionados: moldagem do conteúdo, estrutura e estilo da política nacional. O primeiro, diz respeito à configuração precisa de instrumentos de política (por exemplo, o nível de normas de emissão ou impostos). O segundo, são os instrumentos ou técnicas pelo qual as metas políticas são alcançadas (por exemplo, regulação direta, instrumentos fiscais ou acordos “voluntários”). O terceiro nível compreende os objetivos gerais que orientam a política. Esses objetivos operam dentro de um paradigma de política ou de uma "estrutura de ideias e padrões" que especifica não apenas os objetivos da política e o tipo de instrumentos que podem ser usados para alcançá-los, mas também a própria natureza dos problemas que eles devem abordar (Hall 1993, 279). Na nossa pesquisa, determinamos que existiu moldagem por parte do Banco nos três níveis.

Ao respeito dos acordos “voluntários”, devemos distinguir os conceitos de aceitação condicional como oposto a valor intrínseco. Para outorgar assistência financeira o Banco estabeleceu condições exigentes que provavelmente não seriam aceitadas em outras circunstâncias não perentórias. Para Blanchard e Ripsman (2008) o condicionalismo tem sucesso quando os prejuízos económicos ou os ganhos que eles geram se traduzem em custos ou oportunidades políticas. Ainda, os autores argumentam que o fator mais importante que permite que os líderes do Estado alvo resistam às demandas e desafiem as exigências é a “estatura” do Estado-alvo, o qual é composto por três componentes: autonomia,

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capacidade e legitimidade. Nesse sentido, a estatura da Bolívia na época era muita baixa como veremos no capítulo 3. Também, no mesmo capítulo, poderá ser inferido o risco de colapso económico e político caso não se aprovasse a linha de crédito do HIPC II vinculada ao PRSP em causa.

Por outra parte, consideramos a elevada capacidade do Banco para desempenhar um papel vital na definição e orientação (steering) da implementação de políticas nacionais. As muitas ferramentas que o Banco pode alavancar, e potencialmente mais eficazmente do que ao nível do governo, incluem a manutenção de fontes de financiamento e o desenvolvimento de estruturas de responsabilização para a cooperação entre departamentos; departamentos de apoio com unidades de políticas localizadas centralmente; e a transmissão informes ou mensagens-chave e evidências para o Governo, a fim de garantir apoio de alto nível.

Finalmente, para estudar a moldagem de políticas públicas, abordaremos a análise do ciclo das mesmas. Um modelo simplificado do processo das políticas públicas abarca quatro fases: estabelecimento da agenda, formulação das políticas, implementação e avaliação (Jann e Wegrich 2007).

Segundo os autores a primeira fase da formulação de políticas pressupõe o reconhecimento de um problema político. O reconhecimento de problemas em si requer que um problema seja definido como tal e que a necessidade de intervenção estatal seja expressa. O segundo passo seria que o problema reconhecido fosse realmente colocado na agenda consideração séria da ação pública (estabelecimento da agenda). O Banco, a traves de informes técnicos e exercícios de condicionalismo para a assistência financeira, intervém nesta fase como descreveremos no capítulo 3.

Durante a segunda fase do ciclo descrito por Jann e Wegrich (op. cit.), os problemas expressos, as propostas e demandas são transformados em programas governamentais. Formulação e adoção de políticas inclui a definição de objetivos (o que deve ser alcançado com a política) e a consideração de diferentes alternativas de ação. O Banco, a traves da assistência técnica á assistência financeira, intervém nesta fase como descreveremos no capítulo 4.

Na terceira fase, a ação no terreno seguirá estritamente os objetivos e as metas dos formuladores de políticas. A intervenção do Banco nesta fase limita-se ao fornecimento e recolha de informação (matriz CDF).

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Finalmente, a quarta fase refere à avaliação em relação aos objetivos e impactos pretendidos, onde o

Banco ocupa um lugar importante na elaboração de informes. Embora a pesquisa de avaliação tenha

procurado estabelecer a avaliação como parte central da formulação racional de políticas baseadas em evidências, as atividades de avaliação estão particularmente expostas à lógica específica e aos incentivos dos processos políticos em pelo menos duas maneiras principais, ambas relacionadas a jogos de estabelecimento de culpas (Hood 2002, citado em Jann e Wegrich 2007). Primeiro, a avaliação dos resultados das políticas é tendenciosa de acordo com a posição e interesse substancial, bem como os valores de um determinado ator em particular, pois a transferência de culpa pelo mau desempenho é uma parte regular da política. Em segundo lugar, definir os objetivos políticos representa um grande obstáculo para as avaliações (Jann e Wegrich 2007).

1. 1. 2. Desafios da governança

A principal consequência da crescente demanda de mais governança é uma vasta desagregação de autoridade e um fracionamento da lealdade, que passou a ser multicêntrica e em função de objetivos/problemas (Rosenau 2004).

Autoridade (direito a mandar), soberania (autoridade numa relação entre estruturas de poder), territorialidade (organização política dum espaço delimitado) formam o sistema que sustenta a ordem internacional estabelecida e que envolve a congruência entre estes onde o fortalecimento ou debilitamento das ligações afetam diretamente os parâmetros que governam a ordem de Vestefália. As transformações do Estado de direito baseadas num alargamento do acoplamento entre território, autoridade, e soberania implicam uma mudança profunda que extravasa as configurações de poder. Mudanças na estrutura de autoridade, mudança normativa adotada através da persuasão, estão ocorrendo e constituem uma ameaça à ordem de Vestefália tal como é entendida (Caporaso 2000). Claramente isto implica que a arquitetura da autoridade política está a mudar e os Estados deixaram de ostentar uma posição monopolista da autoridade e passaram a ser meros gestores da mesma, tendo como propósito já não o controlo dos agentes não-estatais, mas a sua alavancagem (Genschel e Zangl 2014). As práticas regulatórias configuram-se hoje como o modelo privilegiado de autoridade e a nova estratégia substitui a autoridade formal-legal de tipo weberiano (controlo direto) pelas práticas de mercado (controlo indireto) (Fernades 2006). Como isto repercute na transparência e

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responsabilização na prestação de contas? Fragiliza a democracia ou incrementa o âmbito de responsabilização aos agentes não estatais?

Se aquilo que se pretende é aumentar a responsabilidade, transparência e linhas claras de comunicação, deve-se pôr maior ênfase numa autoridade centralizada (Wachhaus 2014). Esse modelo centrado no Estado (statecentric) posiciona os governos nacionais como os derradeiros decisores, limitando a autoridade das organizações internacionais à consecução de objetivos de políticas públicas bem específicos (Marks et al. 1996). Contudo, hoje em dia, qualquer tentativa de reter o controlo dos diferentes sectores implicados na globalização é inibida pela complexidade de arranjos e limitações na determinação de políticas públicas (Krahmann 2003). Portanto, isto significa que as relações intergovernamentais estão a ser cada vez mais negociadas e contextuais (Peters e Pierre 2001), sendo que, num mundo cada vez mais global, a premissa é que quem não for ao encontro das normas preestabelecidas será exposto como um jogador desonesto (Rosenau 2004). Estas normas internacionais preestabelecidas, poem de manifesto que a distribuição de poder real está longe de ser fragmentada, livre e democrática (Welch e Kennedy-Pipe 2004).

O processo de globalização necessariamente redefine o conceito e a prática da soberania no âmbito da governança e meta-governança. Aqui, os EUA ocupam uma posição preponderante pois, como já foi referido, a posição central que têm nas redes globais lhe dá o poder de fazer que os outros queiram aquilo que eles querem (Keohane e Nye 2000). Como se isso não bastasse, os EUA não deixam espaço para que surja uma governança que vá contra os seus interesses, usando instrumentos de vigilância, inteligência e poder militar para apoiá-los (Welch e Kennedy-Pipe 2004).

A convergência de conhecimento, normas e crenças são um preludio de convergência de instituições e processos (Keohane e Nye 2000). A governança, causante do preludio, é usada nas relações internacionais como elemento de coordenação das relações sociais na ausência de uma autoridade unificadora. Nesse sentido, considerando a convergência institucional crescente que presenciamos, aparenta ser uma insinuação de centralismo premeditado à procura de estabelecer uma autoridade unificadora por parte dos EUA mediante a meta-governança. Analisaremos este ponto no capítulo seguinte.

Embora o multilateralismo aparenta estar ameaçado, observamos que a autoridade política está a ser distribuída dos Estados para organizações internacionais. No que respeita ao futuro papel que o Estado desempenhará na arena internacional podemos distinguir duas vertentes: estatista, que defende a

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permanência do Estado como principal ator, e pós-estatista, que prognostica sua insignificância como força decisória. Ambas perspetivas são empiricamente compatíveis, mas diferem basicamente nas assunções teóricas sobre a importância relativa das dimensões de autoridade que os Estados e as instituições internacionais exercem (Genschel e Zangl 2014). A principal vantagem da governança é a capacidade de se ajustar a diferentes escalas e jurisdições, o que permite que ela seja personalizada para todas as necessidades (Bache e Flinders 2004), mas o seu funcionamento contrasta fortemente com o conceito de governo, sendo este o controlador político centralizado do Estado.

O poder do Estado continua a ser importante e há muitas resistências à mudança deste paradigma. Contudo, à medida que este poder é exercido, apresenta ser cada vez mais complexo, afirmando-se como relevante analisar o especial papel que o Banco Mundial desempenha na regulação e modelagem do funcionamento e alcance dos seus poderes através da meta-governança.

Desde o início dos 1980s, o Banco centrou seus esforços em programas de ajustamento estrutural. O critério de seletividade passou a significar que a canalização de empréstimos seria feita a países com o marco apropriado para políticas públicas congruentes com as normas internacionais preestabelecidas pela instituição. Ainda, significou a utilização mais estratégica dos serviços não-financeiros para apoiar

a surgimento de um novo conjunto de políticas e instituições públicas (Bayliss et al. 2011). A partir de

então, o papel “pedagógico” do Banco ganhou uma ênfase especial, posicionando-se como fonte de saber em matéria de desenvolvimento. A respeito disto, o Banco é criticado pela falta de imparcialidade científica, por sustentar controversas teorias e apoiar investigações altamente enviesadas (Bayliss et al. 2011) apesar das inumeráveis vantagens económicas que produz a sua atuação.

Conseguir uma síntese entre eficiência e responsabilidade não é fácil, no entanto, está a mudar a forma como as políticas são estabelecidas (Bache e Flinders 2004). Um problema crítico da governança é o da legitimidade, e as estruturas em evolução precisarão de novas formas e modelos de responsabilidade e regulação. Às organizações internacionais se lhes exige maior transparência e responsabilização (Keohane e Nye 2000), mas esclarecer ante quem e como se deve prestar contas continua a ser o maior desafio.

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1. 1. 3. O papel do Estado revisitado

Podemos compreender como o facto de pôr o foco na governança pode ofuscar, até dissolver, a distinção entre Estado e sociedade civil. Ao estabelecer uma clara distinção entre governança e governo, o Estado converte-se numa coleção de redes inter-oganizacionais caraterizadas pela confiança e ajuste mútuo (Rhodes 1996) e a soberania é vista como algo simbólico (Jessop 2004). A governança e meta governança são tendências crescentes, ao mesmo tempo, a sociedade aparenta não estar pronta para as consequências que as mesmas trasbordam nos Estados.

A ordem de Vestefália estabelecida em 1648 é o que deu lugar aos Estados modernos, capazes de definir seus próprios objetivos e cultura. Com isso enraizou-se a ideia de soberania justificando ideologicamente o derradeiro controlo dentro dum território específico. Cinco séculos depois, o mundo evoluiu notavelmente, mas os Estados vestefalianos continuam (Caporaso 2000). Enquanto as paredes governamentais se tornam mais porosas, atores de vários setores estão se envolvendo no processo de governar (Wachhaus 2014). Assim, a sociedade civil internacional viu o potencial para confrontar e substituir o Estado, sendo que agora as organizações internacionais são um dos principais desafios dos Estados (Welch e Kennedy-Pipe 2004).

O uso crescente de terceiros para prestar serviços e agir em nome do Estado deu lugar a uma metáfora que se conhece como o Estado Oco (Hollow State) (Milward e Provan 2000). No Estado Oco não há relação de "comando e controle" entre o governo e os contratados pois os contratos são gerenciados por inúmeras agências e ainda mais provedores, não há meios de manutenção de registros centrais ou gerenciamento de dados (Milward 2012). Um Estado Oco tem todos as estruturas padrão da governança, embora a maioria esteja sob a influência de organizações terceirizadas, seja com ou sem fins de lucro (Milward 2000).

Qual será, então, o papel do Estado neste contexto de crescente governança como oposição a governo? Buscando responder esta questão, a seguir analisaremos sucintamente a trajetória do conceito e teoria de Estado. Examinaremos o passado e presente para identificar tendências de evolução futura, salientando o papel que o Banco Mundial desempenha neste processo.

O Estado, tal como o conhecemos hoje, é um produto de guerras e conquistas. Foi no século XVII que as potências europeias definiram seus limites territoriais, centralizaram as autoridades de governos no continente e exportaram o conceito ao resto do mundo por intermédio da dominação colonial. Esse

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conceito de Estado, que ainda prevalece, embora hoje esteja em crise, veio materializar uma capacidade de homogeneização que dissolveu diferenças e criou uma unidade simbólica de grande força conciliadora. Controlar o comportamento social é a sua essência, sendo que não constitui um objeto material, mas sim uma abstração conceptual (Dunleavy e O’Leary 2000, 1). Nesse sentido Poggi (1990, 73) propõe entender o Estado como uma forma de organização política incumbida na paradoxal tarefa de fortalecer, ao mesmo tempo que domesticar, a coação organizada. Em última instância, é essa capacidade de coagir legitimamente o que carateriza o Estado (Bobbio 1981).

Em função dos seus próprios desígnios, o Estado, é capaz de mobilizar as pessoas incluso contra vontade das mesmas. Relativamente ao poder social, em função dos recursos que utiliza para se materializar, Bobbio distingue três categorias: o poder económico, se refere à possessão dos recursos materiais; o poder político, se refere à disposição dos médios pelos quais pode ser exercida a violência física, que em sentido estrito é o poder coercitivo e, portanto, a essência do Estado propriamente dito; e, por último, o poder ideológico (ou normativo), que se refere ao fato de que ideias de uma certa natureza, formuladas por pessoas que gozam de alguma autoridade e expostas adequadamente, podem influenciar o comportamento dos indivíduos.

Embora a definição mais difundida destaca o papel da violência como um recurso constitutivo do Estado, as componentes económicas e ideológicas de dominação do Estado não devem ser

subestimadas. Nessa linha de pensamento, Gramsci (1971 1949) não limitava o Estado a um

aparato repressivo, mas entendia-o como um agente de exploração do poder económico, mas precisamente como produtor de hegemonia. Esse conceito de hegemonia implicava que, em sociedades complexas, para a classe dominante não era suficiente controlar os meios de coerção, mas ela precisava enraizar seus próprios valores como normas sociais. A universalização dos valores da classe dominante interioriza-se tornando-se "sentido comum", moldando a conduta social para obter consenso, e não apenas a submissão dos governados (Bates 1975).

Nesse sentido, a análise de Foucault (1980) mostra-nos como certas técnicas e instituições, desenvolvidas para propósitos diferentes e aparentemente inócuos, convergem para criar o moderno sistema de poder disciplinar social, que se estende muito além da coerção. Esse sistema, ou governamentalidade como o veio a denominar, nos leva à noção de governação como a 'condução de condutas' e refere-se aos diversos esquemas, programas e métodos que buscam estruturar e sustentar o conjunto de ações sociais. (Foucault e Senellart 2008). No sentido mais amplo, Foucault realça as

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Tabela 1 Análise sistemática de cooperação conflitual
Tabela 2 Análise sistemática de cooperação conflitual  Dimensão
Figura 2 Visão sinótica do Diálogo Nacional 2000
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