• Nenhum resultado encontrado

ASPECTOS DA RELAÇÃO MULHER-TRABALHO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "ASPECTOS DA RELAÇÃO MULHER-TRABALHO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA"

Copied!
7
0
0

Texto

(1)

ASPECTOS DA RELAÇÃO MULHER-TRABALHO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA. 1830-1950

Profª Drª Andrea Borelli1 - UNICSUL A questão do trabalho feminino foi objeto de atenção do Estado, que legislou sobre o tema em vários momentos.

As primeiras leis específicas sobre o assunto surgiram na Inglaterra. Em 1842, através do Coal Mining Act, foi proibido o trabalho feminino em subterrâneos e, em 1844, o Factory Act proibiu o trabalho noturno feminino e a jornada ficou limitada a 12 horas. O Factory and Workshop Act, de 1878, proibiu as mulheres de realizarem ofícios insalubres e perigosos.2

No Brasil, a legislação que tratava do trabalho feminino surgiu de forma irregular e em diversos momentos, especialmente durante o período Vargas.3

A primeira constituição republicana4 não discutiu o assunto do trabalho feminino, e as primeiras leis sobre a questão surgiram de maneira indireta. Em 1917, o Estado de São Paulo criou o Serviço Sanitário e, nesta lei, falava-se da necessidade de proteger a gestante, tendo sido esta questão também citada no decreto de criação do Departamento Nacional de Saúde Pública, em 1923.

O governo do Estado Novo compilou as diversas leis existentes sobre o tema, no Decreto-Lei 5.452, de 1943, que ficou conhecido como: Consolidação das Leis do Trabalho.

O capítulo 3 do Título III era intitulado: “Da proteção ao trabalho da mulher” e determinava:

• As condições de higiene e saúde adequadas à mulher, como a instalação de sanitários apropriados;

• Proibição ao trabalho noturno; • Descanso obrigatório;

• Proteção à maternidade;

(2)

A lei também determinava a isonomia salarial, ou seja, a mulher deveria receber o mesmo salário pelo mesmo trabalho. Contudo, a própria legislação era permeável à não efetivação da igualdade salarial.

O Decreto Lei 2.548, de 30 de agosto de 19405, determinava:

Artigo 2: Para os trabalhadores adultos do sexo feminino, o salário mínimo, respeitada a igualdade com o que vigorar no local, para o trabalhador adulto do sexo masculino, poderá ser reduzido em 10% (dez por cento), quando forem, no estabelecimento, observadas as condições de higiene estatuídas por lei para o trabalho da mulher.6

Esta determinação legal demonstra o espaço de manobra dos patrões diante da lei, e permitia a manutenção das mulheres como uma opção mais barata de trabalhador, dificultando a independência financeira feminina.

Os dispositivos consagrados pela CLT eram apresentados pelo Estado como elementos de um projeto de proteção ao trabalho das mulheres, e sua condição dentro da sociedade. O “lugar” da mulher na sociedade do período pode ser inferido deste discurso do ministro da Educação, Gustavo Capanema:

Os poderes públicos devem ter em mira que a educação, tendo por finalidade preparar o indivíduo para a vida moral, política e econômica da nação, precisa considerar diversamente o homem e a mulher. Cumpre reconhecer que no mundo moderno um e outro são chamados a mesma quantidade desse esforço pela obra comum, pois a mulher mostrou-se capaz de tarefas as mais difíceis e penosas, outrora retiradas de sua participação. A educação a ser dada aos dois há, porém, de diferir na medida em que diferem os destinos que a providência lhes deu. Assim, se o homem deve ser preparado com têmpera de teor militar para os negócios e as lutas, a educação feminina terá outra finalidade, que é o preparo para a vida do lar. A família constituída pelo casamento indissolúvel é a base de nossa organização social e, por isso, colocada sob proteção

(3)

suas mãos que as famílias se destroem. Ao Estado, pois, compete, na educação que lhe ministra, prepará-la conscientemente para esta grave missão.7

Os discursos de proteção implementados pelo Estado e pela sociedade carregavam um sentido oculto da dominação.8 Ao regular o trabalho da mulher, da forma realizada pela CLT, a lei onerou o

empregador e dificultou a inserção feminina no mercado de trabalho, mantendo as mulheres em colocações subalternas e mal remuneradas.9

Conjuntamente, foi implementado um esforço de normatizar a ação das mulheres, por meio da educação voltada ao lar e à maternidade. O trabalho feminino desejado era a atividade no espaço doméstico, voltado ao cuidado com os filhos e o marido e, neste sentido, deve-se observar o que determinava o código civil sobre o trabalho da mulher casada.

O artigo 233 determinava que o marido poderia permitir ou não o trabalho da esposa. Esta autorização para o trabalho devia ser feita por escrito e podia ser revogada a qualquer momento, segundo o desejo do marido. A licença para o trabalho não podia ser suprida em juízo, ou seja, as mulheres não podiam contar com a ação da justiça para trabalhar, uma vez que o assunto era considerado de foro íntimo da família, e somente podia ser decidido por seu “chefe”.

Se se opõe o marido que a mulher abrace uma determinada profissão, o Estado não tem o direito de o violentar. As suas razões são de ordem emocional e ética. Escapam à apreciação de estranhos, cuja organização moral é outra, e cuja situação também não é a mesma.10

A autorização tinha o efeito de cessar a incapacidade da mulher casada para a atividade determinada pelo marido. Assim, a licença garantia à mulher a possibilidade de realizar as atividades inerentes ao seu trabalho, como cidadã detentora de plenos direitos

(4)

civis.11 Todavia, esta autorização não era irrestrita, ou seja, a mulher só poderia realizar as atividades que estavam expressas no documento.

Desta forma, a legislação pode ser compreendida como uma expressão do direito masculino sobre o destino da força de trabalho da esposa12, e uma forma de manutenção do estatuto inferiorizado da mulher.

Outra questão que preocupava os juristas era o acesso ao produto do trabalho feminino. Vicente Rao13 considerava que era essencial proteger os rendimentos do trabalho da mulher de possíveis abusos do marido:

A razão de se proteger, por meio de particulares garantias, o trabalho da mulher, decorre, alias, do próprio reconhecimento de não lhe competir, em princípio, a obrigação de exercer sua atividade fora do lar, o que importa, como conseqüência, a cautela de evitar que a ação do marido, por possíveis abusos, dissipe os lucros ou as economias resultantes desse trabalho. Tanto mais presente essa razão aparece, entre nós, quando é certo que o regime legal do casamento, na falta de prévio contrato, é o da comunhão universal de bens, com a administração exclusiva do marido na qualidade de chefe do casal e intervenção da mulher apenas em se tratando de alienação de imóveis, da constituição de ônus real, das ações a estes ou àqueles relativas, de fiança ou doação. Ora, as classes pobres, donde em maior abundância saem as mulheres que trabalham, não costumam recorrer aos contratos ante núpcias.

Para regular o regime econômico do casal; e si na lei nenhum dispositivo resguardar-se os direitos da mulher, freqüentemente o produto de sua atividade seria absorvido pelo marido...14

Pode-se inferir do texto que a divisão de atividades entre homens e mulheres no casamento era tomada como “natural”, e que o trabalho

(5)

Os pensadores econômicos15 do século XIX, produziram um discurso que apontava as mulheres como naturalmente dependentes dos homens e, por via de conseqüência, seu salário devia ser visto como complemento.

Adam Smith foi o primeiro a apresentar estudos consistentes sobre o processo de socialização regido pelo mercado, e que tem sua regra básica na noção de valor de troca. Para Smith, a família não era um objeto de troca e, portanto, seu estudo não enfoca as relações de socialização que aconteciam em seu meio.

Os outros pensadores liberais, como David Ricardo, adotam a perspectiva de separação entre o Estado e a economia, frente aos outros aspectos da vida humana, como as relações familiares. Neste contexto, o pensamento de John Stuart Mill16 e de Charlotte Perkins17 são vozes dissonantes. Ambos denunciam a posição subalterna da mulher na vida produzida pelo desenvolvimento industrial. São considerados marcos para a reflexão na teoria econômica, sobre as tensas relações entre as mulheres e o universo do trabalho, dominado pelos homens.

O recrudescimento das relações entre os proletários e os burgueses, representado pelo amplo movimento dos trabalhadores em prol da melhoria das condições de trabalho, levou à crítica destas novas relações entre os membros da sociedade e, neste sentido, o trabalho de Karl Marx é o mais significativo.

Criticando a produção da ortodoxia econômica até David Ricardo, Marx construiu uma obra monumental que colocou a nu as relações que permeiam o capitalismo. Além disso, apontou que o assalariamento/mais-valia era a base de sua manutenção.

No Capital, obra essencialmente abstrata, Marx não faz considerações sobre a família, e a reprodução das classes é tratada de forma nebulosa. Deve-se observar que, dada a característica da obra, o trabalho é uma forma de mercadoria cega às questões de gênero.18

Contudo, o pai era responsável por dar condições materiais para a família e por transformar as crianças em adultos prontos para o trabalho.

(6)

Nestas teorias, o salário do trabalhador/homem tinha uma dupla função: reembolso pelo trabalho realizado e forma de sustentar a família.

Considerava-se que a mulher não era capaz de produzir valor econômico relevante, pois seu trabalho remunerado era visto como complemento, e suas atividades em casa eram consideradas de pouca importância para a reprodução das próximas gerações.

A necessidade de proteger os rendimentos femininos, apregoados pelos juristas, indicava uma preocupação em reforçar que o provedor financeiro da família era o homem, sendo que qualquer situação contrária deveria ser considerada inadequada.

Contudo, o Código Civil considerava que, pelo casamento, os cônjuges tornavam-se responsáveis pelo sustento e proteção da família. Este elemento abria a possibilidade do marido requerer parte dos proventos do trabalho feminino para este fim, como observado por Vicente Rao:

Quais os direitos do marido e de terceiros.

Por força do artigo 240, é a mulher "a auxiliar do marido nos encargos do lar". Ela é obrigada, salvo estipulação em contrário, a concorrer para as despesas do casal com os rendimentos de bens, na proporção de seu valor.

Ao marido, pois, cabe o direito de reclamar a aplicação dos bens resultantes do trabalho da mulher, na satisfação desses encargos.19

Com base nos elementos analisados, deve-se observar que a legislação, em suas várias áreas, procurava reforçar a inadequação da mulher ao trabalho. Isto pode ser inferido da necessidade da autorização marital para o trabalho remunerado da mulher casada. Além disso, as leis de “proteção” ao trabalho feminino dificultavam a progressão de uma possível carreira das mulheres no mercado de trabalho, onerando a contratação sob a capa de “proteção a um trabalhador mais frágil”. Assim, percebe-se que os sentido oculto destas leis era simultaneamente discriminatório.

(7)

Estes elementos representam um esforço de contenção das mulheres na esfera privada, por meio de uma série de dispositivos, que pretendiam dificultar seu ingresso no mundo do trabalho e representavam um entrave a uma vida financeira independente.

1

Doutora em Ciências Sociais pela PUC-SP, mestre em História pela PUC-SP, membro do NEM-PUC e docente da UNICSUL.

2

BOSSA, Sônia. Direito do Trabalho da mulher: no contexto social brasileiro e medidas antidiscriminatórias. São Paulo: Editora Oliveira Mendes, 1998, ROCHA, Silvia Regina. O Trabalho da mulher a luz da Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 1991.

3

Ver: SCHWARTZMAN, Simon. BOMENY, Helena Maria. e COSTA, Vanda Maria. Tempos de Capanema. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 2000.

4

CALIL, Lea Elisa Silingowschi. História do direito do trabalho da mulher: aspectos históricos-scociologicos do início da república ao final do século. São Paulo: LTR, 2000. CAMPOS, Cândido Malta. Os rumos da cidade: urbanismo e modernização em São Paulo. São Paulo: Editora do SENAC, 2002. 5 BRASIL. Decretolei 2548. [S.l: s.n.], 1940. 6 BRASIL. DecretoLei 2548. [S.l: s.n.], 1940. 7

Citado por SCHWARTZMAN, Simon. BOMENY, Helena Maria. e COSTA, Vanda Maria. Tempos de Capanema. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 2000.

8

COUTINHO, Maria Lucia. Tecendo por trás dos panos: a mulher brasileira nas relações familiares. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

9

VAITSMAN, Jeni. Flexíveis e Plurais: identidade, casamento e família em circunstâncias pós-modernas. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

10

BEVILACQUA, Clovis. Código civil dos estados unidos do Brasil. Rio de Janeiro, V. 2, 5ª. Edição, livraria Francisco Alves, 1937.

11

PEREIRA, Lafayette. Direitos de família. 2a ed. Rio de Janeiro: Tribuna Liberal, 1889. 12

PATEMAN, Carole. O Contrato sexual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993. 13

Vicente Rao nasceu em São Paulo, em 1892, e morreu em 1978. Formou-se, em 1912, na Faculdade de direito de São Paulo, onde foi professor de direito civil por mais de vinte e cinco anos. Entre os anos de 1934 e 1937, exerceu o cargo de Ministro da Justiça, e entre 1969 e 1973 foi presidente da Comissão Jurídica Interamericana, órgão da OEA.

14

RAO, Vicente. Da capacidade civil da mulher casada — estudo teórico e prático, segundo o código civil brasileiro. São Paulo: Saraiva editores, 1922, p.7-8.

15

SCOTT, Joan. A mulher trabalhadora. DUBY, George e PERROT, Michele. História das mulheres: o século XIX. Porto: Edições Afrontamentos, 1991.

16

Jonh Stuart Mill nasceu em Londres, em 1806, e morreu na cidade de Avignom, em 1873. É considerado um dos maiores pensadores econômicos do século XIX. Entre sua vasta obra, merece destaque seu livro de denúncia A sujeição das mulheres, de 1869. Neste texto ele defende que a sujeição feminina não era natural, e sim fruto de uma sociedade onde não eram realmente aplicados os conceitos de liberdade e igualdade.

17

Charlotte Perkins (1860 -1935) era americana e ficou conhecida como feminista, escritora e poeta. Publicou números estudos teóricos sobre economia e Sociologia, analisando a condição feminina e a luta por sua libertação. Entre os seus trabalhos merece destaque o ensaio Mulher e Economia de 1891.

18

MELO, Hildete Pereira e SERRANO, Franklin. A mulher como objeto da teoria econômica. AGUIAR, Neuma. Gênero e Ciências Humanas: desafio às ciências desde a perspectiva das mulheres. Rio de Janeiro: Editora Rosa dos Tempos, 1997.

19

RAO, Vicente. Da capacidade civil da mulher casada — estudo teórico e prático, segundo o código civil brasileiro. São Paulo: Saraiva editores, 1922, p.32-33.

Referências

Documentos relacionados

Equipamentos de emergência imediatamente acessíveis, com instruções de utilização. Assegurar-se que os lava- olhos e os chuveiros de segurança estejam próximos ao local de

Pois suas falas mostraram como a gestação lhes propicia a conquista do status adulto cujo significado social representa uma passagem de menina a mulher, o que lhes é gratificante

Tal será possível através do fornecimento de evidências de que a relação entre educação inclusiva e inclusão social é pertinente para a qualidade dos recursos de

A prova do ENADE/2011, aplicada aos estudantes da Área de Tecnologia em Redes de Computadores, com duração total de 4 horas, apresentou questões discursivas e de múltipla

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

Do “distante” desse século maior para nossa civilização ocidental que é o Século XVI, Claude Dubois, de um lado, pode dar conta da fragilidade dos historicismos e das

Our contributions are: a set of guidelines that provide meaning to the different modelling elements of SysML used during the design of systems; the individual formal semantics for

Como já destacado anteriormente, o campus Viamão (campus da última fase de expansão da instituição), possui o mesmo número de grupos de pesquisa que alguns dos campi