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A teoria da diversidade na obra de Rudolf Laban, artista olímpico

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Academic year: 2021

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0 | Abstract

This text summarizes the importance of the ideas of Rudolf Laban (1879-1958), dancer and researcher of movement, and contributes to the study of the moving human form. Laban choreographed the Ceremony of the Opening of the Berlin Olympic Games (1936), but his work has not been thoroughly examined within Olympic Studies. Among the so many applications that his works allow, it is his way to move through the differences which seems to be one of the main challenges of education in contemporary society. He established choreology, the discipline of dance analysis, and invented a system of dance notation, now known as Labanotaion or Kinetography Laban. His research has spread all over the world, forming generations and is present both directly and indirectly in the technical and university curriculums of various areas: arts, education, ph y s i c a l e d u c a t i o n , p s yc h o l o g y, a n t h r o p o l o g y a n d communication.

A teoria da diversidade na obra

de Rudolf Laban, artista olímpico

Simone Gomes | gomesimone@yahoo.com.br Universidade Universo, Rio de Janeiro

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1 | Introdução

Há relevância atualmente em se examinarem as idéias de Rudolf Laban (1879-1958), dançarino e pesquisador do movimento, para o estudo de questões relativas à corporeidade. Laban foi o coreógrafo da Cerimônia de Abertura dos Jogos Olímpicos de 1936 (Berlim), mas permanece pouco pesquisado nos Estudos Olímpicos. Dentre as múltiplas releituras e aplicações que suas obras permitem, elegemos como traço fundamental a possibilidade de trânsito pelas diferenças, que se apresenta como um dos principais desafios da educação e sociedade contemporâneas, e que emerge das obras de Laban como uma alternativa de sobrevivência e de saúde psico-física para o Homem do século XX. Suas pesquisas, que culminaram com a organização do “Análise de Movimento Laban”, espalharam-se pelo mundo, formando diversas gerações até os dias atuais, e estão presentes, direta ou indiretamente, nos currículos técnicos e universitários de diferentes áreas: Artes, Educação, Educação Física, Fisioterapia, Fono-audiologia, Psicologia, Sociologia, Antropologia, Comunicação.

Rudolf Laban (1879-1958) nasceu na Bratislava, então pertencente ao Império Austro-Húngaro. De família aristocrática, e tendo como pai um oficial do Exército, ainda adolescente, costumava viajar pelo Oriente Próximo e pela África do Norte, incorporando o gosto e a curiosidade pela diversidade cultural e pela filosofia oriental. Quando jovem, foi para Paris estudar pintura e arquitetura, e lá encantou-se pelas artes do teatro e da dança, absorvendo as influên-cias artísticas-culturais que fervilhavam nesta cidade no início

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do século XX. Posteriormente, foi morar na Alemanha, onde iniciou o desenvolvimento de algumas de suas pesquisas.

É importante ressaltar o contexto histórico no qual Laban construiu e desenvolveu sua obra, um período de contrastes e de conflitos de diferentes naturezas. Um período repleto de novas idéias científicas e sociais, de crise de valores, acarretando mudança nos paradigmas cartesianos e a desconstrução do conceito de verdade absoluta. Um período de protestos contra uma cultura baseada no controle funcional do corpo e numa ética industrial que alienava o indivíduo do processo final de seu trabalho. Uma sociedade que enfrentava a crise da “cultura da razão”, o acirramento das lutas de classes e dos conflitos étnico-culturais e econômicos que resultaram nas duas Guerras Mundiais. Não é surpreendente, portanto, que os Jogos Olímpicos modernos sejam também produto desta época e que surgiram, sobretudo, como meio de valorização do humanismo e da paz entre nações. Neste contexto, Laban participava ativamente do contínuo debate sobre o significado místico, filosófico, simbólico e social da experiência humana. Era partidário da concepção de que o homem é um ser histórico, dinâmico e ativo na construção do mundo (Staro, 1994).

Influenciado pelo contexto histórico no qual estava inserido, quando Laban interessou-se pela dança, logo manifestou seu descontentamento em relação ao vazio existente na dança clássica acadêmica que predominava em sua época. Segundo ele, “uma experiência defunta” (Launay, 1998), aprisionada a movimentos e a conceitos

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pré-estabelecidos por uma estética do século anterior, empobrecida de expressão.

Com seus questionamentos e com suas obras coreográficas, ou melhor, com suas “experiências de movimento”, como gostava de chamá-las, Laban provocava o meio acadêmico e somava-se a uma corrente de pensadores de vanguarda que buscavam um sentido mais amplo para a vida moderna, dentre eles: Freud, Marx, Jung, William Reich, Nietzsche. No ambiente específico da dança, filiava-se a uma corrente de dançarinos e pensadores que buscavam “uma nova filosofia de movimento” dentre os quais destacavam-se Isadora Duncan, Jacques Dalcroze, Ted Shawn, Ruth Saint-Denis, Martha Graham, Loie Fuller, François Delsarte, Doris Humphrey e Mary Wigman.

Segundo Baxman (1979), Laban e os representantes da “nova filosofia de movimento” reclamavam à dança o sentido da comunicação multidimensional característico de tempos antigos, cuja linguagem dançada possibilitava a mobilidade e a comunicação integrais (mente, corpo e emoção reunidos). A “nova dança”, como ficou conhecida, tornou-se símbolo de um movimento cultural mais amplo, uma espécie de “antropologia do gesto”, capaz de ultrapassar os limites da “ideologia da palavra” e a “cultura da razão”.

Laban e seus discípulos não sabiam onde chegariam com suas “experiências”. Exercitavam-se através de movimentos que não se prendiam a estilos ou a códigos pré-definidos, ampliando as possibilidades de diálogo entre a dança e seus

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diferentes estilos, com os movimentos cotidianos, com outras linguagens cênicas e áreas do conhecimento. Todo fenômeno de movimento era observado e investigado com igual curiosidade. Nesse sentido, o saber improvisar tornou-se uma das bases desse tipo de treino, como um exercício de despreendimento dos padrões estéticos do passado, e como abertura a um futuro ainda desconhecido. Improvisar, para Laban, era se entregar a um estado semelhante ao êxtase, no qual o dançarino expulsa de si as imagens habituais do mundo, real e imaginário. Essa experiência despertava o que Laban chamava de “os perigos da mobilidade” (in Launay, 1998), capaz de deslocar sentidos e abrir brechas nos sistemas autoritários de poder construídos interna e externamente (Foucault, 1998). Dizia Laban, “a vida na fonte se encontra acesa nas expressões dos dançarinos. A obra de arte da dança se encontra no centro da batalha por uma nova espécie de humanidade” (Baxman, 1979).

Outro aspecto da obra de Laban que ressalta a característica de trânsito pela diversidade está presente na sua opção de não trabalhar apenas voltado para a dança e para dançarinos. Ao mesmo tempo em que reivindicava a dança um exercício de integração através das experiências extásicas, desejava torná-la accessível também aos trabalhadores de outros segmentos, expandindo as contribuições da dança à sociedade. Com esse intuito, organizou “coros de movimento” que reuniam até cerca de mil pessoas, unidas pela movimentação e ritmo coletivos, acompanhadas apenas por instrumentos de percussão. Essa “dança de massas” misturava pessoas de diferentes etnias, condições

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sócio-econômicas, sexos, tipos físicos, dançarinos profissionais treinados e trabalhadores comuns. “O grupo formava uma espécie de missa para a vida”, na qual todos os celebrantes em comunhão de espírito, de sentimento e de ação buscavam o crescimento de sua própria luz interior” (in Launay, 1998).

Em 1930, aplicou seus estudos ao campo da indústria, a partir de um convite para observar e selecionar os funcionários mais aptos a determinados cargos de uma fábrica, e para o respectivo treinamento da mão de obra substituta.. Dessa pesquisa, aprofundada em 1942, publicou o livro “Esforços”, fonte inesgotável de pesquisa em diversos campos. Com outros discípulos tais como Marian North e Valerye Preston, aplicou a avaliação de movimento no tratamento de pacientes psquiátricos.

Em 1936, foi convidado a dirigir a performance de abertura dos Jogos Olímpicos. Alguns autores discordam sobre a realização ou não desse trabalho. Segundo Bourcier (1987), Laban o teria realizado, não pessoalmente, mas através do envio de partituras de movimento. Mary Wigman, dançarina e discípula de Laban, criou parcerias com o mundo dos esportes, e teve forte influência na renovação da estética da Ginástica Rítmica Desportiva implementada no início do século XX.

A discordância de propósitos em relação à radicalização do nacional-socialismo, fez com que Laban se exilasse na Suíça, e depois em Paris, onde deu aulas na Sorbonne e no Congresso Internacional de Estética.

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Nos últimos anos de sua vida, Laban viu suas teorias e pesquisas desenvolvidas e expandidas na Inglaterra e no exterior através da continuidade dada por seus seguidores. Na Alemanha, Alberkht Kunst continuou o trabalho de notação gráfica do movimento. Kurt Joss funda a Escola de Dança Folkwang, com base nas teorias de Laban. Essa Escola tornou-se um centro gerador de talentos e berço dos movimentos de dança expressionista na Alemanha na segunda metade do século XX, tendo como alunos, dentre outros, Susan Linke e Pina Bausch, ícones das danças contemporâneas atuais.

No Brasil, pelos registros que se tem, as teorias de Laban chegaram nos anos 1960, através de pioneiros como Maria Duchens (SP), Regina Miranda (RJ) e Lya Meyer (no sul do País). Embora as idéias de Laban sejam bastante utilizadas, direta ou indiretamente, em diferentes áreas e localidades do país, fazendo parte de currículos técnicos e universitários de formação em dança e teatro, esse autor ainda é pouco conhecido pelas atuais gerações que se dedicam ao estudo da corporeidade.

Costuma-se atribuir a Martha Graham o apelido de “mãe da dança moderna americana”, por sua organização metodológica que viabilizou o ensino da “nova dança” ou “dança moderna”, como historicamente ficou conhecida. Em alusão a esse apelido, é comum considerarem Laban como o “pai fundador da dança moderna européia”, pelo estudo dos princípios do movimento organizados na Análise de Movimento Laban. Segundo Launay (1998), ele recusava esse rótulo: “reivindicar

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a “dança”, mesmo a “moderna”, já teria sido um fazer à “moda antiga”, trabalhando no quadro da história de uma arte designada como tal, com seus lugares, suas instituições, suas regras e seus mestres.” Era um cristalizar-se em fôrmas de movimento e em modelos conceituais tão rígidos quanto os que combatera na estética clássica da dança.

A possibilidade de trânsito está presente nas obras de Laban de diferentes maneiras. No campo educacional, Laban rejeitava um tipo de pedagogia voltada para o aperfei-çoamento das habilidades natas, que, em sua concepção, aprisionava o indivíduo às suas condições históricas. Segundo ele, a história de vida de cada pessoa faz com que ela desenvolva mais certas características e aspectos de sua personalidade que outros, e, por isso, uma educação que tenha como prioridade o desenvolvimento integral, deve investir também no despertar das zonas potenciais adormecidas. Através da aplicação dos princípios e dos elementos de movimento preconizados por Laban, é possível conhecer e aprimorar o que já existe como “afinidade” pessoal, e também despertar e desenvolver as “não-afinidades”, que podem estar expressas, por exemplo, na rejeição a tudo que nos parece “diferente”.

No contexto atual, em que atravessamos um período de transformações e de conflitos gerados pelo encontro das diferenças, torna-se urgente a emergência de uma nova ordem social. Nesse sentido, a obra de Laban tem se revelado bastante atual através das inúmeras releituras e aplicações que permite. Se pensarmos a dança e a sociedade atuais

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na perspectiva de Laban, poderíamos nos questionar: que experiência de movimento ajudaria o homem atual a viver sua contemporaneidade?

Segundo bailarinos-coreógrafos, identificados com as danças contemporâneas no Rio de Janeiro, um tipo de movimentação que possibilite o trânsito por diferentes linguagens, formas, fluxos e intensidades de movimento – conforme uma das principais representações que emergem dos discursos desses profissionais, entrevistados pela pesquisa intitulada “A dança segundo bailarinos-coreógrafos no Rio de Janeiro”. (Dissertação de Mestrado realizada na Universidade Gama Filho, entre 2000-2002)

Porém, em vez de fechar a questão, deixemos, como na preferência de Laban, essa pergunta em aberto para que seja motivo de novas investigações, conexões e fontes de inspiração. De qualquer modo, é sintomático que Pierre de Coubertin, restaurador dos Jogos Olímpicos e contemporâneo de Laban, considerava a dança como base original do esporte e daí sua ênfase na fusão restauradora de ambos. Este nexo clarificaria melhor a participação de Laban nas Olimpíadas de 1936?

2 | Referências

LABAN, R. O Domínio do Movimento. São Paulo: Summus, 1978.

SUSAN, A. A movement’s man: Rudolf Laban. In: Dance Magazine, 1979.

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STARO, P. O registro do elemento tempo no Sistema Laban de Notação. European Seminar on Kinetography, 1994.

LABAN, R. Dança Educativa Moderna. São Paulo: Ícone, 1990.

FERNANDES, C. Pina Bausch e o Wuppertal Dança-teatro: Repetição e Transformação. São Paulo: Hucitec, 2000.

BOURCIER, P. História da Dança no Ocidente. São Paulo: Martins Fontes, 1987.

MIRANDA, R. O Movimento Expressivo. Rio de Janeiro: Funarte, 1979.

GOMES, S., CASTILHO, J. & CALAZANS, J. Dança e Educação em Movimento. São Paulo: Cortez, 2003. BAXMAN, I. Dance as Language and Utopia in the Noisy 20s’. Dance Magazine, 1979.

FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1998.

VICENZIA, I. Dança no Brasil. Rio de Janeiro: Funarte, 1997.

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