DESIGNAÇÕES PARA SEMÁFORO: UM ESTUDO A PARTIR
DOS DADOS DO ALIB NA REGIÃO CENTRO-OESTE
Amanda Chofard1 amandachofard@gmail.com
Dayse de Souza Lourenço2 dayse.lourenco1990@gmail.com
RESUMO: O léxico no português do Brasil e suas variações revelam a dinamicidade da língua e contribuem para mostrar as possíveis influências dos povos que colaboraram para sua formação. Posto isso, este estudo, vinculado ao projeto Atlas Linguístico do Brasil (doravante ALiB), insere-se no campo dos estudos lexicais e busca investigar as designações para semáforo por meio das respostas obtidas para a questão 194 do Questionário Semântico-Lexical do ALiB (COMITÊ NACIONAL, 2001): “Na cidade, o que costuma ter em cruzamentos movimentados, com luz vermelha, verde e amarela?, junto a 84 informantes, estratificados segundo as variáveis extralinguísticas sexo (masculino e feminino), faixa etária (18 a 30 e 50 a 65 anos) e localidade. Com essa pesquisa objetivamos, portanto, i) registrar as variantes produzidas para semáforo; ii) analisar se e quais as variáveis extralinguísticas contribuem para a utilização de determinada variante e iii) mapear a distribuição das variantes. Pretende-se, portanto, contribuir para o mapeamento da língua falada no Brasil, além de destacar a diversidade linguística brasileira.
PALAVRAS-CHAVE: Atlas Linguístico do Brasil. Centro-Oeste. Semáforo.
ABSTRACT: The lexicon in Portuguese of Brazil and its variations reveal the dynamics of the language and contribute to show the possible influences of the people who contributed to their formation. That said, this study linked to the project Linguistic Atlas of Brazil (hereinafter Alib), falls within the field of lexical studies and investigates the designations for traffic through the responses received to the question 194 of the Semantic-Lexical Questionnaire Alib ( NATIONAL COMMITTEE, 2001): "in the city, which usually has at busy intersections with red, green and yellow light ?, with 84 informants, stratified according to extralinguistic variables gender (male and female), age (18 to 30 and 50-65 years) and location. With this aim research, therefore, i) register the variants produced for light; ii) whether and extra-linguistic variables which contribute to the use of a variant and iii) mapping the distribution of variants. It is intended, therefore, contribute to the mapping of the language spoken in Brazil, in addition to highlighting the Brazilian linguistic diversity.
KEYWORDS: Linguistic Atlas of Brazil. Midwest. Semaphore.
1
Graduada pela Universidade Estadual de Londrina. E-mail: amandachofard@gmail.com
2 Doutoranda em Estudos da Linguagem pela Universidade Estadual de Londrina. E-mail: dayse.lourenco1990@gmail.com
Primeiras considerações
O histórico sociocultural é irradiado por meio do sistema lexical, dessa forma, as escolhas vocabulares do indivíduo são condicionadas segundo a bagagem proveniente das experiências do falante, clarifica Biderman (1989). As transformações sociais inspiram novas necessidades ao povo e, por conseguinte, na invenção de dispositivos capazes de preencher essas lacunas. Assim, diante de novos instrumentos, surgem as novas lexias para denominá-los. Esse fenômeno está presente na língua e exerce profunda influência nos hábitos linguísticos, como observamos no êxodo rural, na industrialização e era digital, por exemplo. Nesse escopo, visamos analisar as variantes lexicais para designar um instrumento de trânsito cujo nome técnico, hoje, é semáforo.
O lexema semáforo, de acordo com a revista Mundo Estranho (2014), teve sua origem na Grécia Antiga, a partir da aglutinação de sema (sinal) e phoros (que leva) e referia-se à espécie de um sistema que transmitia mensagens por tabuletas. Já a primeira notícia que se tem desse dispositivo luminoso utilizado em vias é no ano de 1868, em Londres, mais precisamente no distrito de Westminster, com comando manual e funcionamento a gás. Posteriormente, no ano de 1918, em Nova Iorque, surge o utensílio com as lâmpadas em três cores e somente em 1926, em Wolverhampton, cidade inglesa, o comando automático, explica Costa, Seco e Vasconcelos (2005). Com o passar do tempo, o dispositivo tornou-se comum e indispensável em grandes centros urbanos.
Posto isso, a partir da Geolinguística Pluridimensional (THUN, 1998) e da Sociolinguística Variacionista (LABOV, 1994 [1972]), visamos i) registrar as variantes produzidas para semáforo; ii) analisar se e quais as variáveis extralinguísticas contribuem para a utilização de determinada variante; iii) dicionarizar as formas registradas e iv) mapear a distribuição das variantes.
Aporte teórico
A comunicabilidade entre falantes conta com a utilização do acervo lexical da sua língua, pois
qualquer indivíduo adulto, membro de uma sociedade, possui armazenado no cérebro o seu acervo linguístico pessoal que constitui parte do acervo linguístico da sua comunidade. No ato linguístico, ele se serve dessas virtualidades, gerando material de fala e de língua, que se acumulará ao longo da sua vida de membro de um grupo societário (BIDERMAN, 2001, p.16).
Assim, ressaltamos que o acervo lexical de determinada língua engloba os traços histórico-culturais de um povo, porquanto “qualquer sistema léxico é a somatória de toda a experiência acumulada de uma sociedade e do acervo da sua cultura através das idades” (BIDERMAN, 2001, p. 179), ou seja, é construído por meio das relações estabelecidas segundo os valores incutidos na comunidade.
A partir da íntima relação entre sociedade e acervo lexical, assinalamos a língua como um patrimônio social, porquanto “classifica-se como uma realidade heterogênea, sujeita aos outros fatores que compõem a herança social, como a cultura e a estrutura da sociedade” (BIDERMAN, 2001, p. 13), portanto, destacamos a importância que os fatores sociais possuem na motivação das escolhas lexicais, pois
os falantes são responsáveis pela transformação do vocabulário, uma vez que
funcionam como sujeitos-agentes, no processo de perpetuação e reelaboração contínua do Léxico da sua língua. Nesse processo em desenvolvimento, o Léxico se expande, se altera e, às vezes, se contrai. As mudanças sociais e culturais acarretam alterações nos usos vocabulares; daí resulta que unidades ou setores completos do Léxico podem ser marginalizados, entrar em desuso e vir a desaparecer (BIDERMAN, 2001, p. 179).
Posto isto, fundamentamo-nos nos preceitos da Dialetologia Pluridimensional (THUN, 1998) e Sociolinguística Variacionista (LABOV, 1994 [1972]), cujo objetivo é “demonstrar a covariação sistemática das variações
linguística e social e, talvez, até mesmo demonstrar uma relação causal em uma ou outra direção” (BRIGHT, 1974, p.17).
Há vários fatores que condicionam a variação da língua, como os fatores sociais, externos à língua, ou seja, as variáveis diassexual, diageracional, diatópica e diastrática (MORENO FERNÁNDEZ, 1998). A diassexual diz respeito à maneira como os falantes de ambos os sexos utilizam a linguagem, a diageracional refere-se à idade dos falantes, a diatópica remete às diferenças existentes entre falantes de origens geográficas distintas e, por fim, a variação social, ou diastrática, trata de fatores de identidade do falante, como traços da organização sociocultural da comunidade, escolaridade e outros. Contudo, para nosso estudo, dada a metodologia do ALiB para os inquéritos em pontos no interior, verificamos apenas as variáveis diassexual, diageracional e diatópica. No tópico adiante, delineamos os procedimentos metodológicos que norteiam nossa análise.
Procedimentos metodológicos
A partir dos pressupostos da Dialetologia Pluridimensional, ou seja, a teoria da Dialetologia tradicional (THUN, 1998) associada à Sociolinguística Variacionista (LABOV, 1994 [1972]), o corpus desta pesquisa compõe-se por dados obtidos junto ao acervo do projeto ALiB, cuja coleta é realizada in loco, e corresponde às respostas obtidas para a questão 194 do questionário Semântico-Lexical (QSL) do ALiB (COMITÊ NACIONAL, 2001), “Na cidade, o que costuma ter em cruzamentos movimentados, com luz vermelha, verde e amarela?”.
A amostra constitui-se por 84 informantes, distribuídos em 21 localidades da região centro-oeste brasileira, a saber: Aripuanã, São Félix do Araguaia, Diamantino, Poxoréu, Vila Bela da Santíssima Trindade, Barra do Garças, Cáceres, Alto Araguaia, Porangatu, São Domingos, Aruaná, Formosa, Goiás, Jataí, Catalão, Quirinópolis,
Coxim, Corumbá, Paranaíba, Nioaque e Ponta Porã. Os informantes estão estratificados segundo as variáveis sociais apresentadas no quadro 1.
Quadro 1 - Perfil dos informantes
Informante Escolaridade Faixa etária Sexo
01 Fundamental I (18-30 anos) Masculino
02 Fundamental I (18-30 anos) Feminino
03 Fundamental II (50-65 anos) Masculino
04 Fundamental II (50-65 anos) Feminino
Fonte: Projeto Atlas Linguístico do Brasil
A fim de verificarmos as variantes realizadas, levantamos as respostas para os itens, revisamos e tabulamos. Com a planilha montada, quantificamos os dados em percentual e números absolutos. Em seguida, elaboramos uma carta experimental e, por fim, verificamos se as variáveis extralinguísticas sexo e faixa etária condicionam as respostas dos informantes.
Análise dos dados
Primeiramente, tabulamos, descrevemos e analisamos todas as unidades lexicais que designam o referente semáforo. Em seguida, elaboramos cartas linguísticas a fim de ilustrar a divisão diatópica das variantes e, por fim, verificamos se, e em que medida, os fatores sociais (sexo, faixa etária e localidade) motivam as escolhas lexicais dos informantes.
Posto isto, iniciamos com a catalogação dos dados, a qual documentou sete designações: semáforo, sinaleiro, farolete, sinalização, sinal, farol e sinaleira, totalizando 106 respostas. Ressaltamos que o número de respostas é maior que o número de informantes porque consideramos todas as respostas dadas e não somente a primeira resposta.
Posto isto, é válido observarmos se as variáveis sociais são significativas na realização das escolhas lexicais. Para tanto, elaboramos cartas linguísticas por estado, a fim de ilustrar a variável diatópica, e quadros das variáveis diassexual e diageracional.
Carta linguística 1 – Mato Grosso
Fonte: CHOFARD, 2014.
A carta linguística 1 ilustra os dados coletados no estado do Mato Grosso. Nele, encontramos o total de 41 respostas, das quais 16 correspondem a sinaleiro (39%), 12 a semáforo (29%), 8 a sinal (20%), 3 a farol (7%) e 2 a sinalização (5%). Verificamos, portanto, o predomínio de sinaleiro, que aparece em todas as localidades exceto em Aripuanã, seguido de semáforo e sinal. Já farol e sinalização caracterizam-se como as menos produtivas.
Em relação à variável disssexual, observamos que homens e mulheres preferem a variante sinaleiro, seguida de semáforo, mostrando-se pouco significativa no condicionamento das respostas. No que concerne à faixa etária, os jovens realizam mais a variante semáforo enquanto os idosos preferem sinaleiro. Esse cenário atesta que os jovens se respaldam na forma técnica e, consequentemente, a de maior prestígio.
Em seguida, apresentamos a carta linguística 2, a respeito dos dados do Mato Grosso do Sul.
Carta linguística 2 – Mato Grosso do Sul
A carta linguística 2 ilustra as variantes encontradas no estado do Mato Grosso do Sul. São elas: semáforo com 9 respostas (38%), concorrendo com sinaleiro que possui 8 respostas (33%), sinal com 4 (17%), farol com 2 respostas (8%) e, por fim, sinaleira com ocorrência única (4%), na resposta de um homem da faixa II em Corumbá.
Diante dos das ocorrências, verificamos que semáforo é a variante predominante, não sendo presente apenas em Ponta Porã que possui como variantes concorrentes sinal e sinaleiro.
A respeito da variável disssexual, observamos os homens preferem a variante
sinaleiro, enquanto as mulheres, semáforo, o que remete à preferência das mulheres
pela variante de maior prestígio, atestando o que Paiva (2007, p. 35) afirma “uma maior consciência feminina do status social das formas linguísticas” (PAIVA, 2007, p. 35). Dessa forma, acreditamos que as mulheres, em geral, são mais sensíveis às variantes de maior prestígio e tendem a utilizá-las mais do que os homens. No que concerne à faixa etária, os jovens realizam mais a variante semáforo enquanto os idosos preferem sinaleiro. Esse cenário atesta que os jovens preferem a forma de maior prestígio.
Em seguida, apresentamos a carta linguística 3, a respeito dos dados de Goiás.
Carta linguística 3 – Goiás
Fonte: CHOFARD, 2014.
A carta linguística 3 apresenta os dados do estado de Goiás. Verificamos o total de 41 registros, em que há a concorrência entre as variantes semáforo e sinaleiro, ambas com 16 respostas (39%) cada. Tais variantes são seguidas por sinal, com 3 realizações (8%), farol e outros com uma resposta ininteligível e outra não resposta (5%), farolete realizada por uma mulher idosa de Catalão e, ainda, sinalização, na fala do jovem de São Domingos, como respostas únicas (2%) cada. Por meio dos dados
obtidos, analisamos que o interior goiano, se comparado aos outros dois investigados, é o estado que possui o maior número de variantes para o instrumento regulador de trânsito.
No que concerne à variável disssexual, observamos as mulheres preferem a variante sinaleiro, enquanto os homens, semáforo, contrariando a hipótese de Paiva (2007, p. 35) de que as mulheres tendem a realizar as formas de prestígio. Em relação à faixa etária, os jovens realizam mais a variante semáforo enquanto os idosos preferem sinaleiro, mantendo o mesmo direcionamento dos demais estados analisados neste estudo e confirmando que os jovens preferem a forma de maior prestígio.
Considerações finais
A partir da análise do corpus, constatamos que a variante mais produtiva no interior centro-oestino é sinaleiro, a qual concorre com a denominação técnica
semáforo que, embora não seja a de maior produtividade no montante das respostas
obtidas, vem ganhando espaço devido às mudanças ocorridas na sociedade e, consequentemente, na língua e no léxico dos sujeitos.
Constatamos que a variável faixa etária é condicionadora das respostas, visto que a forma técnica predomina na fala dos jovens e não figura o mesmo cenário na fala nos idosos. No que concerne à variável sexual, não é possível estabelecer um eixo fixo, visto que os dados se alternam, ora os homens preferem determinara variante, ora as mulheres, e vice-versa.
Dessa forma, com esta pesquisa, foi possível apurar as denominações para o instrumento regulador de trânsito em uma das regiões do Brasil e, com isso, mapear e comprovar a diversidade linguística existente no português brasileiro. Esperamos colaborar com demais estudos lexicais e, assim, ampliar a descrição da língua vernácula nacional.
Referências
BIDERMAN, M. T. C. O léxico, testemunha de uma cultura. Actas do XIX Congresso Internacional de Linguística e Filoloxía Românicas. Universidade de Santiago de Compostela, 1989.
BIDERMAN, Maria Tereza Camargo. Teoria Linguística: teoria lexical e linguística computacional. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
BRIGHT, William. As dimensões da sociolinguística. In: FONSECA, Maria Stella V. e NEVES, Moema F (orgs.) Sociolinguística. Rio de Janeiro: Eldorado, 1974. p. 41-47.
COMITÊ NACIONAL DO PROJETO ALiB. Atlas Linguístico do Brasil: Questionários 2001. Londrina: EDUEL, 2001.
COSTA, A. H. P.; SECO, A. J. M.; VASCONCELOS, A. L. P. Sinais Luminosos:
textos didácticos. 2005. Disponível em:
http://www.sinaldetransito.com.br/artigos/sinais_luminosos_portugal.pdf. Acesso em: 4. maio. 2016.
LABOV, William. Principles of Linguistic change. Volume II: Social Factors. Oxford: Blackwell, 1994.
MORENO FERNÁNDEZ, Francisco. Princípios de Sociolingüística y Sociologia del Lenguaje. Barcelona: Ariel, 1998.
PAIVA, Maria da Conceição. Transcrições de dados linguísticos. In: MOLLICA, Maria Cecília. Introdução à Sociolinguística: o tratamento da variação.3. ed, São Paulo: Editora Contexto, 2007, p. 101-116.
SEMÁFORO. In: Mundo Estranho. Disponível em:
<http://mundoestranho.abril.com.br; /materia/quem-inventou-o-semaforo>. Acesso em: 04.maio.2016.
THUN, Harald. La géographie linguistique romane à la fin du XXe siècle. In: ENGLEBERT, Annick; PIERRARD, Michel; ROSIER, Laurence; van RAEMDONCK, Dan. Actes do XXIIe Congrès International de Linquistique et de Philologie Romanes. Bruxelas: Max Niemeyer Verlag, 1998.
Recebido Para Publicação em 21 de maio de 2016. Aprovado Para Publicação em 13 de setembro de 2016.