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1. Por que o Brasil? Por que o Nordeste?

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Academic year: 2021

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Por que o Brasil?

Por que o Nordeste?

Na escolha do Brasil como alvo do ataque empresado pela wic pesou uma variedade de motivos. A América portuguesa constituiria o elo frágil do sistema imperial castelhano, em vista da sua condição de possessão lusi-tana, o que conferia à sua defesa uma posição subalterna na escala das prioridades militares do governo de Madri. Contava-se também com a obtenção de lucros fabulosos a serem proporcionados pelo açúcar e pelo pau-brasil, calculando-se que, uma vez conquistada a um custo má-ximo de 2,5 milhões de florins, a colônia renderia anual-mente cerca de 8 milhões de florins. Outro argumento favorável ao ataque contra o Brasil dizia respeito ao fato de que, enquanto os centros do poder espanhol no Novo Mundo estavam concentrados no altiplano, o que tor-naria a ocupação tarefa complexa e onerosa, os núcleos de população portuguesa situavam-se ao longo do lito-ral, ao alcance do poder naval batavo. Por fim, o Brasil poderia proporcionar excelente base de operação contra a navegação espanhola no Caribe, contra a navegação portuguesa com o Oriente, sem falar na proximidade das minas de prata do Peru, cuja distância da costa bra-sileira era então subestimada pela cartografia.

Em 1624, três anos decorridos da fundação da Com-panhia das Índias Ocidentais, publicava-se em Amster-dã um folheto de autoria de Jan Andries Moerbeeck

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intitulado “Motivos por que a Companhia das Índias Ocidentais deve tentar tirar ao rei da Espanha a terra do Brasil”. O autor resumia em poucas folhas as razões estratégicas e econômicas em prol de um ataque bem- -sucedido à América portuguesa.

Embora a terra do Brasil seja maior do que toda a Ale-manha, França, Inglaterra, Espanha, Escócia, Irlanda e os dezessete Países Baixos juntos, e embora os portugue-ses se tenham fixado em umas boas quatrocentas milhas ao largo das costas marítimas, sendo eles milhares em número, contudo há apenas dois lugares mais importan-tes do mesmo país, isto é, a Bahia e Pernambuco. E ten-do siten-do os mesmos ocupaten-dos e fortificaten-dos e em se tenten-do feito algumas fortificações em certos lugares, colocando nelas algumas guarnições competentes, a Companhia das Índias Ocidentais não somente se tornará senhora do país inteiro, como poderá manter a sua posse [...].

Estes dois lugares, isto é, a Bahia e Pernambuco (nos quais consiste este grande país, conforme já disse), não dispõem de forças consideráveis ou fortalezas, de modo que, com a graça de Deus, os mesmos poderão ser e serão ocupados [...] principalmente se a Companhia das Índias Ocidentais para aí enviar oficiais corajosos, bons soldados, mestres ou engenheiros experimentados e adequados instrumentos de guerra [...].

O rei da Espanha, o clero e os negociantes particula-res de Portugal têm naquele país grandes capitais consis-tentes de terras, rendas, empréstimos sobre plantações, assim como mercadorias, que não se encontram muito para o interior, porém perto das duas mencionadas ci-dades. Assim, elas podem ser atacadas, confiscadas e conquistadas conjuntamente pela Companhia das Índias Ocidentais [...] De tudo isso aparece claramente que a Companhia das Índias Ocidentais recobrará, com

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provei-to, as despesas feitas e em breve tempo, tendo-se em vista principalmente a presa que será encontrada nas duas re-feridas cidades e nos lugares vizinhos, a qual consistirá de mercadorias, navios, munições de guerra, produtos da terra, rendas, dívidas das plantações [...] pois durante a pilhagem dos habitantes por parte dos soldados e mari-nheiros, tudo isso reverteria à Companhia. Os soldados e marinheiros obterão também muita presa tanto em moe-da corrente como em joias, pratarias, vestidos preciosos, linho e outras coisas [...] Se a Companhia das Índias Oci-dentais permitir, de boa vontade, essas pilhagens, obterá tão grande reputação que, em todos os tempos, poderá dispor de tanto pessoal quanto precisar [...].

Desta terra do Brasil, podem anualmente ser trazi-das para cá e aqui venditrazi-das ou distribuítrazi-das 60 mil cai-xas de açúcar. Estimando-se as mesmas atualmente em uma terça parte de açúcar branco, uma terça parte de açúcar mascavado e uma terça parte de açúcar panela, e avaliando-se cada caixa em quinhentas libras de peso, poder-se-ia comprar no Brasil, sendo estes os preços comuns nesse país, o açúcar branco por oito vinténs, o mascavado por quatro e o panela por dois vinténs a li-bra, e revender respectivamente por dezoito, doze e oito vinténs a libra; e descontando-se doze florins de carga e de pequenas despesas por cada caixa, ter-se-ia um lucro de aproximadamente 53 toneladas de ouro.1 As mesmas 60 mil caixas de açúcar custam no Brasil, conforme a citada compra, aproximadamente as 35 toneladas de ouro que a Companhia das Índias Ocidentais poderá pagar, em sua maior parte, com mercadorias, lucrando com isso ao menos 30% e podendo ainda vender bem as suas mercadorias com 30% de vantagem sobre os preços que Portugal costuma cobrar. Donde resulta que a Companhia terá ainda um lucro anual de dez tone-ladas de ouro. O pau-brasil, que compete anual mente ao rei da Espanha, vale uma tonelada de ouro, livre

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de despesas [...] De outras diversas mercadorias, como tabaco, gengibre, xaropes, doces etc., a Companhia ti-rará anualmente um lucro de três a quatro toneladas de ouro. [...] Da comunidade aí residente, a Companhia das Índias Ocidentais poderá tirar anualmente, com o emprego de bons métodos, cuja enumeração é aqui desnecessária, pelo menos três a quatro toneladas de ouro. [...] Os dízimos dos bens que o clero possui valem também anualmente três a quatro toneladas de ouro [...] Todas as terras e rendas confiscadas do rei e do clero deverão produzir anualmente umas três a quatro toneladas de ouro.

Tudo isso junto importa em cerca de 77 toneladas de ouro que a Companhia das Índias Ocidentais poderá tirar anualmente destas terras. Deduzindo-se desse total as despesas anuais para a guerra tanto no mar como em terra, a fim de manter em sujeição tais lugares e de-fendê-los contra o rei da Espanha, as quais importarão aproximadamente em 27 toneladas de ouro, resta ainda para a Companhia um lucro anual de cinquenta tone-ladas líquidas de ouro, obtido com emprego de capital menor que esta quantia. Para isso, porém, é necessário que se proceda com prudência, ordem e habilidade.2 Acreditava-se igualmente que a posição geoestraté-gica do Nordeste era superior quando comparada à do Caribe. É o que afirmarão dois funcionários da wic, o primeiro Johan Nieuhof, que escreveu uma crônica va-liosa de seus nove anos de Brasil holandês, onde atuou como agente comercial, chefe da corporação de estivado-res do Recife e fiscal da pesagem do açúcar naquele por-to. Aliás, depois de sua experiência brasileira, Nieuhof serviu também a Companhia das Índias Orientais (voc), vivendo na Batávia e participando de uma embaixada comercial enviada à China.

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Entre todos os portos e regiões das Índias Ocidentais ne-nhum só existe que se possa comparar ao Brasil, quer na produção de açúcar, quer nas facilidades que oferece para o seu transporte. Todo o litoral brasileiro está li-teralmente tarjado de pequenos cursos d’água que vêm lançar ao mar após terem banhado extensos vales. Por isso, os engenhos de cana erigidos nas regiões ribeirinhas desfrutam grande economia tanto no transporte como na mão de obra. Além de moverem esses rios os engenhos instalados em suas margens, servem eles para o transpor-te do açúcar e constituem via fácil para o abastranspor-tecimento das fábricas. Condições assim tão vantajosas não se en-contram em nenhum outro país das Índias Ocidentais, e, por isso, neles não se poderia cuidar com lucro da cultu-ra da cana. Também a exportação do açúcar do Bcultu-rasil para a Europa e para a África faz-se com mais facilidade que de qualquer outro ponto das Índias Ocidentais, gra-ças à posição geográfica do Brasil (situado na parte mais ocidental da América). E tais vantagens, no que respeita ao transporte de mercadoria tão necessária e útil a todas as nações do mundo, como é o açúcar, não as pode ultra-passar nem a natureza nem o engenho humano.3 Outro funcionário colonial, Johan van Walbeeck, to-cava a mesma tecla. Walbeeck foi funcionário da wic no Brasil entre 1630 e 1633, depois de ter cursado fi-losofia, matemática e física na Universidade de Leiden. Regressou ao Recife em 1640 como assessor do governo de Nassau e da junta que o substituiu, cargo em que per-maneceu até 1646. Em relatório apresentado à direção da wic na Holanda, Walbeeck afirmava em 1633:

Nenhum país aparece situado tão vantajosamente para os nossos Países Baixos, pois é o mais oriental e mais pró-ximo de toda a América meridional, de modo que uma viagem comum, seja de ida, seja de volta, pode ser

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calcu-lada em dois meses. Uma vez de posse desta parte seten-trional do Brasil, cortaríamos o sul do Brasil pela capi-tania da Bahia ao português, e, podendo nossos artigos ser transportados mais barato e gravados de muito menos impostos, destruiríamos todo o seu comércio de açúcar, que, por havermos apoderado da maior parte do comér-cio das Índias Orientais, é ainda o único recurso da coroa de Portugal. Mas além disso teríamos meio de dar ao co-mércio mais importância ainda, porque sendo no Brasil a exportação de gengibre proibida pelo rei em proveito de Castela, poderíamos permitir esta exportação, e o país, tão apropriado a esta cultura como à da cana-de-açúcar, beneficiar-se-ia com tal permissão e assim Castela a per-deria inteiramente. Também o algodão pode ser cultivado com êxito, se bem que agora que ele é, por assim dizer, nativo, se lhe dê pouca ou nenhuma atenção, porque os portugueses não se ocupam senão com o açúcar.4

Já em 1621, à raiz da fundação da wic, o francês La Ravardière, cuja ocupação da ilha de São Luís fora anos antes liquidada por uma expedição luso-brasileira que partira do Recife, entabulou negociações na Holanda a respeito de nova tentativa contra o Brasil. Soube-o a Coroa espanhola, que através do embaixador em Paris procurou suborná-lo para que desistisse da empreitada. É provável que o tenha conseguido, pois La Ravardière não parece ter voltado a cogitar da América portuguesa. Contudo, anos depois, um dos companheiros que esti-vera preso com ele em Olinda depois da expulsão dos franceses do Maranhão apresentou aos diretores da wic uma memória intitulada “Discurso sobre a tomada de Pernambuco”, na qual formulava várias sugestões para a segurança do Brasil holandês. O companheiro anônimo de La Ravardière registrou também as observações que pudera fazer quando da sua estada em Olinda.

Referências

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