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HABITAÇÃO EM CENTROS HISTÓRICOS: A PERMANÊNCIA DO LOTE URBANO COLONIAL VERSUS USOS CONTEMPORÂNEOS NA RUA DO VIDÉO, BARBALHA

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HABITAÇÃO EM CENTROS HISTÓRICOS:

A PERMANÊNCIA DO LOTE URBANO COLONIAL VERSUS USOS CONTEMPORÂNEOS NA RUA DO VIDÉO, BARBALHA

Giovanna Garcêz Freire Arquiteta e urbanista (UEMA), mestre em urbanismo (PROURB, UFRJ) Doutoranda em Arquitetura (Universidade de Lisboa). contato@giovannafreire.com

Resumo

Este artigo aborda a relação da habitação em edificações antigas na Rua do Vidéo, em Barbalha, Ceará, com os demais usos e mudanças advindas ao longo da história da cidade. O principal objetivo é apresentar como acontece o habitar contemporâneo no Centro Histórico desse município tendo como recorte uma das suas ruas mais importantes. Analisar um breve panorama sobre o estado da arte da evolução do lote urbano no Brasil é um dos objetivos específicos e somam-se ainda verificar a legislação referente ao uso e ocupação do solo urbano, gabarito e verificar as condições de conservação dos imóveis na referida rua. Garantir a permanência da habitação em centros históricos é uma prática antiga: incentivar essa manutenção pode, inclusive, ser uma estratégia de intervenção para que bairros antigos sejam conservados e há diversos exemplos brasileiros e estrangeiros bem-sucedidos. Barbalha, entre as nove cidades da Região do Cariri da qual faz parte, apresenta o maior centro histórico além de diversos atrativos que a tornam polo cultural e turístico. Portando, estudar seu núcleo original é necessário para possíveis contribuições à permanência do seu legado.

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Palavras-chave: habitação, patrimônio histórico, conservação, Barbalha. Introdução

Preservar centros históricos por meio do uso habitacional não é uma maneira recente de intervir no patrimônio material. Internacionalmente, a partir das discussões de intervenções já realizadas em várias cidades, é possível entender que a manutenção e incentivo à habitação em bairros centrais são essenciais aos processos de conservação dos mesmos. Estes espaços têm sido vistos não só como núcleo original da cidade, mas também como bairro que deve estar integrado às dinâmicas urbanas atuais e por isso precisa ter a habitação com um dos seus geradores de diversidade1.

Ao mesmo tempo em que os centros se congestionaram devido à intensidade de suas atividades, cresceu paralelamente a concorrência de outros bairros mais interessantes para se morar e viver. Este fenômeno foi um dos que causaram o esvaziamento de bairros antigos a partir dos anos 1950. Esta problemática fez com que a questão da habitação fosse retomada nos anos 1970 com as Cartas Patrimoniais, documentos que passaram a estimular este uso como premissa indispensável no processo de conservação de centros históricos, como faz a Resolução de São Domingos2 (1974):

a salvação dos centros históricos é um compromisso social, além de cultural, e deve fazer parte da política de habitação, para que se levem em conta os recursos que tais centros podem oferecer. Todos os programas de intervenção e resgate dos centros históricos devem, portanto, trazer consigo soluções de saneamento integral que permitam a permanência e melhoria da estrutura social existente (CURY, 2004, p. 195-196).

1 “Para compreender as cidades, precisamos admitir de imediato, como fenômeno fundamental, as

combinações ou as misturas de usos, não os usos separados”. JACOBS, Jane. 2011, p. 158.

2 I Seminário interamericano sobre experiências na conservação e restauração do patrimônio monumental

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A Declaração de Amsterdã (1975) também aborda a questão social na reabilitação de bairros antigos. Nas suas considerações essenciais afirma que a habitação “(...) deve ser concebida e realizada, tanto quanto possível, sem modificações importantes na composição social dos habitantes e de uma maneira tal que todas as camadas da sociedade se beneficiem de uma operação financeira por fundos públicos” (CURY, 2004, p. 200). A carta também recomenda, caso necessário, uma intervenção do poder público para estabelecer políticas econômicas destinadas às habitações de baixa renda a fim de que não haja evasão dos habitantes originais.

A Carta de Petrópolis, de 1987, reafirma o sítio histórico urbano (SHU) como “parte integrante de um contexto amplo que comporta as paisagens natural e construída, assim como a vivência de seus habitantes num espaço de valores produzidos no passado e no presente, em processo dinâmico de transformação” (CURY, 2004, p. 285). Diante desse contexto, é possível afirmar que todo espaço edificado é resultado de um processo de produção social.

O item 5 desta Carta manifesta a urgência da diversidade de usos para a preservação do SHU, tendo a moradia como função primordial:

sendo a polifuncionalidade uma característica do SHU, a sua preservação não deve dar-se à causa de exclusividade de usos, nem mesmo daqueles ditos culturais, devendo, necessariamente, abrigar os universos de trabalho e de cotidiano, onde se manifestam as verdadeiras expressões de uma sociedade heterogênea e plural. Guardando essa heterogeneidade, deve a moradia constituir-se na função primordial do espaço edificado, haja vista a flagrante carência habitacional brasileira. Dessa forma, especial atenção deve ser dada à permanência no SHU das populações residentes e das atividades tradicionais, desde que compatíveis com a sua ambiência (CURY, 2004, p. 286).

A leitura desta carta evidencia a importância necessária à coordenação das políticas habitacionais com as de preservação em centros históricos, nas quais o turismo deve ser estabelecido como condição complementar a fim de que tais políticas cumpram

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efetivamente com a função social do patrimônio. Portanto, abordar os temas de preservação e reabilitação de centros históricos brasileiros atuais pressupõe o uso habitacional nesses bairros.

Em consenso com a Carta de Petrópolis, o extinto Ministério das Cidades, por meio da Secretaria Nacional de Programas Urbanos, estimulou a habitação em centros como uma política nacional de reabilitação urbana. Assim, justificou-se ser essa uma forma de permitir acesso à terra urbana para a população de baixa renda, uma tentativa de reduzir o déficit habitacional brasileiro e de diminuir o uso predatório do solo e do patrimônio cultural e ambiental. Entende-se que bairros históricos têm condições, desde que com as devidas intervenções que respeitem o tecido e características originais, de atender tais demandas.

Várias cidades brasileiras lançaram planos de reabilitação de seus centros históricos como parte da política do Ministério das Cidades já citada, com recursos do Programa Nacional de reabilitação. Entretanto, não é o caso de Barbalha. Atualmente a cidade não conta com incentivos municipais e estaduais à manutenção e permanência da habitação no bairro de seu núcleo original. Este trabalho apresentará a situação da habitação no Centro Histórico de Barbalha, bairro que ainda concentra diversos usos e têm seus patrimônios material e imaterial intrinsicamente relacionados como será falado mais adiante.

A cidade, fundada em 1778, realiza a maior festa cearense de Santo Antônio, seu padroeiro: no evento acontece o ritual de carregamento do pau da bandeira, patrimônio imaterial do Cariri3 e que se encontra em processo de registro pelo IPHAN para então tornar-se patrimônio cultural brasileiro. Tais manifestações acontecem em ruas que apresentam considerável número de edificações históricas (séculos XVIII, XIX e XX) e que permanecem preservadas até hoje apesar das várias desconfigurações.

3 Barbalha e mais oito municípios compõe a Região Metropolitana do Cariri (RMC), distando

aproximadamente 600Km das capitais Fortaleza (Ceará) e Recife (Pernambuco). A RMC é a segunda região urbana mais expressiva do estado, tendo em vista o desenvolvimento das suas cidades principais: Juazeiro do Norte, Crato e Barbalha, que juntas formam o Triângulo CRAJUBAR.

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A cidade recebe vários visitantes anualmente, principalmente em junho, por conta da referida festa católica. Além do tradicional cortejo de homens carregando um tronco de árvore da floresta à Igreja da Matriz, diversos grupos regionais se apresentam. O cortejo passa pela Rua do Vidéo, uma das mais antigas da cidade e por isso o recorte deste trabalho. A rua tem esse nome em alusão à Montevidéu, cidade uruguaia: durante a Guerra do Paraguai (1864 – 1870) crianças brincavam de guerrear no local com o as mamonas4 retiradas das árvores que havia em abundância na região, imitando o que eles chamavam de "a batalha de Montevidéu", considerando o Uruguai como participante do conflito.

Este artigo apresenta uma breve história da cidade de Barbalha a fim de contextualizar a sua importância na região. Segue-se por apresentar a evolução da tipologia habitacional no Brasil até o fim do século XIX, prosseguindo com o uso

4 Fruto da mamoneira, planta da família das euforbiáceas, cujo formato cilíndrico é comumente usado

como “munição” em brincadeiras infantis. Disponível em <https://g1.globo.com/sp/campinas- regiao/terra-da-gente/flora/noticia/da-infancia-a-industria-mamona-usada-em-brincadeiras-infantis-movimenta-industria-brasileira.ghtml>, acesso em 13 de maio de 2020.

Figura 1. Localização de Barbalha.

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habitacional na Rua do Vidéo, apontando o que ainda permanece do passado colonial e de como esse espaço se relaciona com os novos programas advindos das necessidades contemporâneas. Finaliza-se então analisando o impacto do uso habitacional em centros históricos, destacando sua importância como estratégia de conservação dos mesmos. 1. Barbalha: a terra dos verdes canaviais do Cariri

As histórias das colonizações de Barbalha e do Cariri se confundem. A região era habitada pelos índios Cariris da nação Tapuia, catequizados por religiosos portugueses desde o século VXII. No século seguinte, as terras indígenas foram tomadas e doadas a colonos criadores de gado dando início à chamada “civilização do couro” no Cariri. Contudo, a criação de gado em pouco tempo deixou de ser a principal atividade econômica da região: as terras férteis do vale do Cariri e a abundância de água possibilitaram a agricultura voltada a cereais, mandioca e cana-de-açúcar.

É neste cenário que Barbalha surgiu como cidade, fundada por um casal de colonos (Francisco Magalhães Barreto e Sá e Ana Polucena de Abreu e Lima), vindos de Sergipe, no Engenho da Barbalha, um sítio particular obtido em 1735. Os colonos inauguraram a Capela de Santo Antônio de Barbalha em 1790 onde atualmente encontra-se a Matriz de Santo Antônio.

Tal capela atraiu habitantes de outros lugares que se estabeleceram nos arredores da mesma, originando assim o primeiro núcleo urbano da cidade, ligado politicamente ao Crato. Com este município, a freguesia de Barbalha estabeleceu-se como polo canavieiro e grande produtor de rapadura: mais de 70 engenhos, 13 fábricas de aguardente e 150 casas de farinha, sendo então considerada uma das cidades mais ricas da região nos séculos XVIII e XIX. E assim como outras cidades brasileiras, Barbalha, sob influência dos senhores de engenho, adquiriu uma formação política oligárquica com uma sociedade aristocrática. Ambas contribuíram na formação de um relevante patrimônio arquitetônico, ainda preservado apesar de demolições e descaracterizações.

A Igreja Católica também contribuiu para a evolução e crescimento da cidade na medida em que, ao construir mais capelas, possibilitou a consolidação de novos núcleos

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de povoamento. Percebe-se então que religião sempre foi um viés marcante na sociedade barbalhense. Esta característica se deu também graças às festas populares (“Pau da Bandeira” de Santo Antônio) e à proximidade com Juazeiro do Norte, cidade devota do Padre Cícero Romão Batista, conhecida nacionalmente como “Capital da Fé”.

Em agosto de 1838, por meio da Lei n. 130, de 30 de Agosto, Barbalha foi elevada à freguesia, desmembrando-se da freguesia de Missão Velha, tendo como orago Santo Antônio. Em 1846, passava Barbalha, por meio da Lei n. 374, de 17 de agosto, à condição de vila; trinta anos após tornar-se vila, Barbalha foi elevada à categoria de cidade, pela Lei n. 1740, de 30 de Agosto de 1876 (Dossiê de Registro da Festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio de Barbalha, 2015, p. 19).

Ao ser elevada à categoria de vila, Barbalha surgiu como município e desmembrou-se do Crato, dando fim à subordinação política à cidade vizinha. Se tornar cidade, posteriormente, fez com que o espírito empreendedor e a consciência cívica dos barbalhenses fossem fortalecidos. Também se estabeleceram na cidade algumas ordens religiosas, com destaque para a São Vicente de Paulo (1883) que atualmente é a responsável pelo Hospital São Vicente de Paulo, referência para a região e estados vizinhos.

Barbalha atingiu o auge da sua prosperidade no fim do século XIX ao se consolidar como polo canavieiro, região com engenhos e outras atividades como o extrativismo vegetal (babaçu, lenha) e mineral (argila). Contudo, seu declínio começa a partir da Sedição de Juazeiro do Norte (1914), situação em que seus equipamentos culturais foram roubados ou destruídos. A situação agravou-se ainda mais devido ao desvio da estrada de ferro que deixou Barbalha fora da rota Fortaleza - Missão Velha - Juazeiro do Norte – Crato. O escoamento da produção foi dificultado ao remover Barbalha do percurso natural dos comerciantes o que abalou diretamente sua economia.

A partir dos anos 1950, particularmente nos anos 60 e 70, a industrialização chega a Barbalha como alternativa à crise na economia canavieira. Surgiram fábricas importantes, como a de cimento (IBACIP), de ladrilhos cerâmicos (CECASA), a Usina de Açúcar e a unidade produtiva de soro fisiológico.

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Tais medidas para reerguer a cidade não foram suficientes. Uma profunda crise iniciou-se no setor industrial no fim do século XX e começo do século XXI. Várias fábricas fecharam as portas e soma-se a isso uma instabilidade na agricultura, que mantem estagnada a economia barbalhense, circunstância que inclusive repercute no setor turístico. Barbalha não está em situação onde a atual econômica faz jus ao seu passado histórico glorioso nem do potencial dos seus variados recursos naturais.

2. O Centro Histórico de Barbalha e a continuidade da habitação no lote urbano colonial

Neste capítulo, antes de falar sobre o recorte trabalho, será abordada a configuração do lote urbano colonial que permanece até a atualidade em várias cidades brasileiras. É um dos fatores necessários para que haja entendimento sobre o uso e ocupação do solo da Rua do Vidéo. Também será apresentado brevemente o patrimônio cultural da cidade, que sobrevive também devido ao espaço construído.

2.1 A habitação brasileira: da Colônia até o início da República (1889)

O lote urbano brasileiro permaneceu com a mesma configuração desde o começo da colonização, mantendo-se semelhante até o início do século XIX: retângulos de pouca largura voltada para o logradouro principal com longas faces laterais coladas aos lotes vizinhos. Esta solução, entretanto, não era originária da metrópole. Assim como na Mesopotâmia, Portugal mantinha tal modelo, que garantia uma maior concentração de edificações em menor espaço (Figura 2) e assim melhor aproveitamento do uso do solo urbano.

Esta configuração de implantação urbana trazida pelo colonizador precisou adaptar-se ao Brasil com alterações, “tais como a extroversão da cozinha e o rebaixamento do ponto dos telhados” (BITTAR, MENDES e VERÍSSIMO, 2007, p. 142). Algumas circunstâncias mantiveram, por quase três séculos, a padronização homogênea de partidos empregados para residências urbanas, pois a mão de obra

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escrava, o modelo agrário-exportador e a estrutura familiar patriarcal foram todos mantidos.

Não havia variações desse esquema de moradia, tanto que Louis Vauthier, engenheiro francês responsável por obras urbanas e arquitetônicas em Recife no século XIX, afirmou que quem viu uma casa brasileira viu quase todas. Este comentário deve-se à deve-setorização uniforme: junto à fachada principal, a área social e de trabalho; na deve-seção intermediária, o setor íntimo; aos fundos, junto aos pátios ou quintais, o setor de serviço. As poucas variações aconteciam relacionadas à situação econômica dos proprietários e da localização do edifício no sítio.

As fachadas eram basicamente compostas por uma porta, sempre dando para a rua e duas janelas. As casas com mais de um pavimento mantinham a métrica das casas térreas: janelas de diferentes pavimentos sempre alinhadas. A ventilação, portanto, acontecia somente em um sentido. No fim do período colonial revestimentos cerâmicos começaram a ser utilizados nas fachadas. Somente no final do século XVIII é que são notados elementos classicistas no Brasil, advindos da atuação de arquitetos orientados pelo Marquês de Pombal.

A vinda da corte portuguesa (1808), a Missão Artística Francesa (1816) e a fundação da Academia de Belas Artes (1820) favoreceram construções mais refinadas. Timidamente, a casa brasileira se modificava e uma nova tipologia habitacional surgiu: a casa de porão alto. Ainda de frente para a rua, a casa conseguiu com o porão melhor conforto térmico e mais privacidade por estar mais elevada em relação à via.

Na segunda metade do século XIX, devido à decadência do trabalho escravo e com o início da vinda de imigrantes europeus, estabeleceu-se a mão de obra remunerada e aperfeiçoaram-se as técnicas construtivas. As cidades passam a ter infraestrutura sanitária e as residências recebem tratamento de água e esgoto. Finalmente, novos esquemas de implantação surgem favorecendo a iluminação e ventilação naturais.

É possível concluir que as transformações que aconteceram na arquitetura e no urbanismo até o fim do século XIX foram solucionadas no âmbito da relação arquitetura

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e lote urbano, sem que este fosse fundamentalmente modificado. Apenas suas dimensões, de maneira discreta, sofreram algum tipo de alteração. Apenas grandes mudanças que aconteceram no século XX alteraram profundamente as bases da organização urbana e permitiram que soluções mais profundas fossem adotadas.

2.2 Morar no centro histórico no século XIX: o caso da Rua do Vidéo

Localizada entre as Ruas Neroly Filgueira e a Sete de Setembro, a Rua do Vidéo é uma das mais importantes do Centro Histórico de Barbalha (Figura 3). A rua, que começa na Praça Figueira Sampaio e finaliza na Igreja do Rosário, abriga de residências porta e janela a imponentes edificações, heranças de um passado suntuoso que entrou em decadência como já mencionado.

A rua sempre fez parte do cortejo do Pau da Bandeira e é uma das que são adornadas para os festejos em homenagem ao santo padroeiro da cidade. As principais práticas que compõem o ciclo festivo em homenagem ao padroeiro de Barbalha tem início no corte do Pau da Bandeira, cerca de 15 dias antes do início oficial da festa, e se encerra na grande procissão do dia 13 junho. Estes são os demais eventos considerados fundamentais à caracterização da celebração: a Trezena de Santo Antônio (Missas, Noitários, Quermesse e Procissão), o Corte e Carregamento do Pau da Bandeira (incorporado à festa a partir de 1928), a Bênção da Bandeira, a Missa Regional, o Desfile dos Folguedos e as Bandas Cabaçais (Dossiê de Registro da Festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio de Barbalha, 2015, p.51).

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Fonte: Fonte: Fabiana Teles, 2020.

Mesmo sendo uma das principais ruas da cidade, a Rua do Vidéo mantem o uso misto com predominância de residências. As edificações de uso comercial concentram-se mais próximo à Praça Figueira Sampaio (Figura 11). Percebe-concentram-se que quanto mais próximo à Igreja da Matriz menor é o número de residências ao longo de suas 10 quadras (Figura 4).

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Fonte: Fabiana Teles, 2020.

Quanto ao gabarito (Figura 5), a rua apresenta predominância de edificações com apenas um pavimento. Sendo a maioria dos lotes de uso residencial, é possível concluir que a maioria das residências possui unicamente um andar.

Não é possível precisar com exatidão os anos de construção da maioria das residências da Rua do Vidéo. Porém, por meio da relação de ano de fundação da cidade e pesquisas sobre a evolução arquitetônica da mesma é concebível deduzir que a rua reproduz um modelo muito antigo de lote, e consequentemente de quadra, mesmo após vários anos de formação das primeiras cidades coloniais. Novos estilos arquitetônicos se estabeleceram, mas a implantação do lote permaneceu a mesma durante mais de 150 anos em Barbalha.

Figura 5. Gabarito da Rua do Vidéo.

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As edificações são alteradas com cada vez mais frequência para atender às demandas contemporâneas. As principais desconfigurações das fachadas acontecem para adaptar-se ao uso comercial (Figuras 6, 7 e 8). É comum ver a abertura de grandes vãos para a transformação de alvenarias de vedação em vitrines. Esta intervenção também acontece em alguns casos para abrir garagens em fachadas que antes só tinham portas e janelas.

A habitação convive com o comércio de varejo e prestação de serviços, embora seja possível notar que ainda existe um pequeno comércio de vizinhança. A rua conta com farmácias, padarias, bares e restaurantes no seu entorno, o que permite que seja agradável morar nela. Assim está garantido que pessoas apareçam em horários diversificados e a rua seja mais segura (JACOBS, 2011, p. 168). Contudo, apesar de ser uma rua favorável à habitação, o uso de residências tem diminuído em detrimento ao uso comercial.

Figuras 6, 7 e 8: Lotes vizinhos de números 59, 67 e 75 na Rua do Vidéo.

Fonte: GIS FAP 2019.

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A Rua do Vidéo também presenciou o longo processo de abandono, desde a segunda metade do século XX, a que foram submetidas áreas centrais de várias outras cidades brasileiras. Suas residências têm cada vez mais dado lugar a empreendimentos comerciais que não dificilmente respeitam as características históricas dessas edificações e acabam por modificá-las permanentemente.

Soma-se a esta situação a falta de incentivo à moradia no Centro Histórico por parte do governo municipal. O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU, 2000) da cidade encontra-se bastante desatualizado e mesmo assim só prevê para o Centro Histórico em suas Estratégias, ações e projetos a restauração e inclusão de prédios antigos em roteiros culturais (2000, p.56). As ações para aumentar a atratividade física e a habitabilidade do município (2000, p. 71 e 72) tem como projetos a construção de um centro cultural e a reforma da arquitetura histórica da zona central. Os projetos de habitação encontram-se todos voltados para a periferia.

Trata-se, como se sabe, de um injustificado desperdício dos investimentos coletivos historicamente acumulados no seu Centro Histórico. O bairro se apresenta, invariavelmente, como área já detentora de infraestrutura e importantes vantagens sobre o conjunto da cidade, por se tratar de antigas centralidades urbanas, referência não só à Barbalha, mas a toda a Região do Cariri que consome a cidade como produto cultural. Giovannoni, entretanto, já havia alertado que centros e demais bairros antigos só serão integrados à vida contemporânea e então conservados quando fosse possível conciliar sua nova função à morfologia e dimensões anteriores (CHOAY, 2006, p. 236).

Este trabalho buscou por meio da compreensão da história de Barbalha entender o declínio da mesma diante de um passado tão próspero. Foi possível compreender a configuração do lote urbano da cidade através do recorte da Rua do Vidéo. A cidade reproduziu um modelo de lote mesmo quando já era possível compreender que tal formato dificultava o conforto térmico dos seus habitantes.

Os adornos das fachadas se modificaram ao longo do tempo, mas a disposição dos cômodos naquele tipo de lote não. E mesmo com toda a dificuldade de intervir na

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habitação, a Rua do Vidéo se mostrou uma rua favorável ao uso habitacional. É necessário que o poder público incentive e mantenha esse uso por meio de benefícios, como a isenção de determinados impostos ao morador que faça alguma melhoria em sua residência. A habitação deve ser entendida como política pública integrada, pois se constitui componente determinante para os processos de reabilitação de áreas centrais urbanas. Entretanto, preservar determinados espaços, públicos e privados, só será viável mediante a manutenção da qualidade de vida da população que ali se estabeleceu como é o caso do Centro Histórico de Barbalha.

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