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INTERPRETAÇÃO DO HUMOR: ANÁLISE PRELIMINAR DE PIADA À LUZ DA TEORIA INFERENCIAL GRICEANA E DA TEORIA DA RELEVÂNCIA

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INTERPRETAÇÃO DO HUMOR: ANÁLISE PRELIMINAR

DE PIADA À LUZ DA TEORIA INFERENCIAL

GRICEANA E DA TEORIA DA RELEVÂNCIA

NATHÁLIA LUIZ DE FREITAS JOSÉ LUIZ VILA REAL GONÇALVES

Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos da Linguagem Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP

Rua do Seminário s/ nº – 35420-000 – Mariana – MG – Brasil nathaliadefreitas@yahoo.com.br

zeluizvr@gmail.com

Resumo. Considerando que a comunicação humana envolve processos sócio-cognitivos interacionais que demandam estratégias pragmáticas para ser bem sucedida, fato facilmente observável em textos humorístico, este trabalho analisa um texto do gênero piada, com base na Teoria Inferencial Griceana e na Teoria da Relevância. As análises realizadas revelam que ambas as teorias oferecem subsídios para a compreensão de efeitos de humor na língua.

Palavras-chave: Piada, Humor, Teoria da Relevância, Teoria Inferencial Griceana, Pragmática

Abstract. Considering that human communication involves interactional socio cognitive processes that require pragmatic strategies to be successful, easily observable in humorous texts, this paper analyzes a text like that joke, based on the Inferential Gricean Theory and Relevance Theory. Analyses carried out reveal that both theories offer subsidies for understanding effects of mood on the tongue.

Keywords: Joke, Humor, Relevance Theory, Inferential Gricean Theory, Pragmatics

1. Considerações Iniciais

Os textos humorísticos podem servir de base para a compreensão de variados aspectos psicossocioculturais, sendo, portando, objeto de estudo de diversas áreas do saber. O analista do discurso Sírio Possenti (1998) salienta o caráter heterogêneo desses textos ao afirmar que as piadas podem ser consideradas interessante expediente para os estudiosos, uma vez que praticamente todas as piadas versam sobre temas socialmente controversos. Ainda segundo o autor, antropólogos e sociólogos, por exemplo, poderiam utilizar as piadas como corpus para buscar o reconhecimento/confirmação de diversas manifestações culturais e ideológicas, bem como de valores arraigados.

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No que se refere à Linguística, o estudo da piada pode fornecer subsídios para a compreensão do viés pragmático da comunicação verbal, uma vez que, nesse texto humorístico, estão envolvidos processos complexos de construção do sentido (e não apenas de decodificação lingüística), em especial, a formulação de inferências, sem as quais não seriam possíveis interpretações que levassem à criação de efeitos de humor. Também no escopo dos Estudos da Linguagem, a piada consiste em instigante material de pesquisa para se investigar suas características verbais, fonéticas e textuais, como o faz Possenti (1998), que declara que seu objetivo é “descrever as chaves linguísticas que são o meio que desencadeia o riso” (p. 17).

Cabe ressaltar que, no Brasil, ainda são escassos os estudos de perspectiva pragmática sobre a interpretação de piadas. Conforme aponta Santos (2009), em sua tese sobre a interpretação de piadas na perspectiva da Teoria da Relevância, “as poucas publicações brasileiras sobre humor, na sua maioria artigos avulsos de congressos e revistas, não se aprofundam na interpretação da piada, resumindo-se a análises lingüísticas de tiras, quadrinhos, cartoons” (p. 2).

Os dois referenciais teóricos de perspectiva pragmática mais representativos sobre os estudos do humor têm como pressupostos o Princípio de Cooperação e as Máximas Conversacionais de Grice (1967/75). O primeiro deles, de autoria de Victor Raskin (1985), consiste em uma teoria semântica de script, a qual estabelece um Princípio Cooperativo para o humor. De acordo com o autor, em uma piada, ao perceber o caráter humorístico do texto, o ouvinte o processa, percebe a violação do Princípio de Cooperação, retrocede e reinterpreta o texto de forma humorística. O segundo referencial, por sua vez, postulado por Salvatore Attardo (1999), discute a interpretação da piada com base na violação das Máximas Conversacionais de Grice. Conforme Attardo, a piada reúne três características: i) base pressuposicional (a presuposição é sempre verdadeira); ii) metamensagem (maneiras de se contar a piada); e iii) supressão da violação (interpretação séria da piada).

Este estudo trata da interpretação da piada sob a perspectiva pragmática, respaldada na Teoria Inferencial Griceana e da Teoria da Relevância. Para tanto, a piada será considerada um gênero textual/ discursivo1, conforme Santos (2009):

[...] a piada pode ser pensada como um gênero narrativo que desempenha uma função comunicativa com um valor de entretenimento humorístico crítico, irônico, de sátira social ou política, sobre o comportamento de uma comunidade, uma vez que aborda e ressalta temas que envolvem crenças, convenções, tabus, status, poder, moral, comportamentos, [sic] e demais valores identitários que fazem parte de uma cultura (p. 156).

Assim concebida, a piada possui elementos estruturais mais ou menos fixos, de forma a poder ser compreendida como um modelo arquetípico de narrativa, possuindo invariavelmente quatro componentes da narrativa clássica: a exposição, a complicação, o clímax e o desfecho. De acordo com Santos (2009), esse modelo é denominado de

piada prototípica. Ainda segundo o autor, a interpretação da piada consiste no efeito

1 Optou-se pela redação de gênero textual/discursivo pela decisão de não tomar partido do que vem a ser

gênero, visto a polêmica abrangente acerca de tal conceituação, em que estão envolvidas distintas abordagens e discussões (MUNIZ, 2004).

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psicológico que resulta da complementaridade desses quatro elementos narrativos com outros fatores não-linguísticos, como, por exemplo, crenças e convenções, que viabilizam o processamento cognitivo inferencial.

2. Objetivo

Analisar um texto do gênero piada, com base na Teoria Inferencial – Princípio de Cooperação e Máximas Conversacionais – (GRICE, 1967/75), e na Teoria da Relevância (SPERBER e WILSON, 1986).

3. Metodologia

Para a elaboração do presente estudo, foi realizado levantamento bibliográfico acerca de teorias pragmáticas que visam a explicar a comunicação humana e de teorias com essa mesma orientação que têm o intuito de explicar os mecanismos por meio dos quais as piadas são interpretadas. Também foi realizada busca de trabalhos que aplicam teorias lingüísticas, de modo geral, para compreender o processo de interpretação de piadas e outros textos humorísticos. A Teoria Inferencial – Princípio de Cooperação e Máximas Conversacionais de Grice – (1967/75), e a Teoria da Relevância de Sperber e Wilson (1986) foram eleitas como arcabouço teórico para análise dos dados.

Os dados deste estudo consistem em um corpus composto por um texto do gênero piada, conforme definição de Santos (2009). Tal corpus foi retirado de uma página eletrônica especializada em piadas2, procedimento respaldado na ideia de que “a piada é um gênero de caráter anônimo e de domínio público” (SANTOS, 2009, p. 5).

As análises do corpus são de caráter qualitativo, haja vista os objetivos do estudo, e têm como alicerce teórico as duas teorias anteriormente mencionadas, cujos procedimentos analíticos são inerentes a cada uma delas.

4. Referencial Teórico

As duas perspectivas teóricas em pauta – Teoria Inferencial (GRICE, 1967/1975) e Teoria da Relevância (SPERBER e WILSON, 1986) – têm em comum o fato de serem contrárias à abordagem semiótica da comunicação. Tal modelo é tributário das idéias estruturalistas de Saussure (1916) e tem em Roman Jakobson (1960) um dos seus principais difusores, quem utilizou a referida teoria como base para sua classificação das funções da linguagem. Conforme a perspectiva semiótica, a comunicação ocorre quando o emissor de uma mensagem a codifica, em um sistema convencional conhecido por aquele que receberá tal mensagem, por meio de um canal, sendo – a mensagem – então, decodificada pelo receptor. Assim, existe um conjunto de sinais e um conjunto de mensagens e um código que faz a ligação entre eles, de modo que, na comunicação verbal, os sinais são as elocuções, as mensagens são os

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pensamentos que os falantes desejam transmitir e a gramática de uma língua é o código. Nesse modelo, há falha na comunicação apenas se houver desconhecimento do código utilizado ou se surgir ruído no canal por onde a mensagem for emitida.

Ao contrário do modelo de código, as teorias Griceana e da Relevância consideram a comunicação como sendo um processo bem mais complexo, em que os participantes do ato comunicativo interagem por meios que não se resumem ao código, os quais podem demandar estratégias e podem significar – e geralmente significam – muito mais que a transmissão de informações. As mensagens não são meramente decodificadas, mas dependem do conhecimento partilhado pelos interlocutores, assim como do contexto em que a situação comunicativa se desenvolve. Em textos de cunho humorístico, esses fatores são decisivos, conforme atesta Donzeli (2008):

Podemos observar também nas piadas aspectos pragmáticos, já que elas envolvem pressupostos interpretativos, implicitações e manipulações de leis discursivas ou conversacionais, observamos que, em um texto, de maneira geral, e nas piadas, em particular, nada é dito “diretamente”. [...] Para que se dê o efeito do humor, é necessário que o sujeito subentenda o que está “escondido” na piada. Para tanto, ele deve produzir uma inferência quando as informações não estão explícitas. [...] Nas piadas, como também em outros textos, a informação dada não é totalmente clara, mas pode ser compreendida (p. 17).

Pode-se compreender com Donzeli (2008) que um modelo de comunicação baseado na codificação/decodificação não possui substratos teóricos capazes de contemplar a interpretação de piadas, sendo, portanto, necessária a utilização de teorias que levem em conta aspectos pragmáticos e sócio-cognitivos da comunicação, fato que justifica a adoção do arcabouço teórico empregado neste artigo.

4.1. Teoria Inferencial

A Pragmática Moderna tem início com Paul Grice, que, em 1967, esboçou uma alternativa ao modelo semiótico clássico da comunicação. Diferentemente do que é postulado pela teoria de código, Grice (1967/75) assente que as elocuções não são sinais, consistem, sim, em pedaços de evidências sobre o significado do que é dito pelo falante, sendo que a compreensão é alcançada quando o ouvinte infere esse significado com base na evidência apresentada.

Vale ressaltar que existem elementos de decodificação no processo de comunicação. Segundo Grice (1967/75), quando comunicam, os sujeitos dizem e implicam. Aquilo que é dito é determinado pelas condições de verdade do enunciado e o que é implicado depende, além do que é dito, de vários outros fatores inferenciais. Dessa maneira, o significado do enunciado é composto por uma parte codificada linguisticamente em vocábulos e por outra parte implicada que deve ser construída por processos inferenciais.

Ainda conforme o autor, para comunicar, o comunicador deve apenas fazer com que o receptor reconheça a intenção daquele em transmitir determinada informação. Com vistas à comunicação ser efetivada, é necessário que exista um ato de confiança entre os falantes, uma espécie de acordo prévio de colaboração, no intuito de se comunicarem. Assim, o interlocutor dá sua colaboração ao locutor ao tentar

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compreender o que foi comunicado, isso porque os dois sujeitos têm certo propósito comum que buscam alcançar. Tal acordo prévio foi denominado por Grice de Princípio de Cooperação (PC). O estudioso atenta ainda para o fato de as condições que governam a conversação, às vezes, estarem implícitas. Quando isso ocorre, é necessário que o ouvinte recorra a processos mentais inferenciais para buscar a compreensão do que foi enunciado, de forma que o significado adicional comunicado implicitamente nos enunciados consiste em uma implicatura conversacional.

Além do Princípio de Cooperação, de acordo com Grice (1967/75), a comunicação é regida por nove máximas conversacionais, quais sejam: i) Quantidade – “1. Faça com que sua contribuição seja tão informativa quanto requerido (para o propósito da conversação). 2. Não faça sua contribuição mais informativa do que é requerido.”; ii) Qualidade – “1. Não diga o que você acredita ser falso. 2. Não diga senão aquilo para o que você possa fornecer evidência adequada.”; iii) Relação – “Seja relevante.”; iv) Modo – “Seja claro.” “1. Evite obscuridade de expressão. 2. Evite ambigüidades. 3. Seja breve. 4. Seja ordenado.”.

As máximas conversacionais são responsáveis pelos efeitos conversacionais, se são ou não bem sucedidos. Vale ressaltar que, caso pareça que o falante não está cumprindo o PC ou alguma(s) máxima(s), o ouvinte não pensará que aquele não estará colaborando com o evento comunicativo, mas irá inferir que seu interlocutor deseja significar outra coisa. Com relação à obediência às máximas, tal fato ocorre, conforme salienta Grice (1967/75), quando o processo inferencial exige baixo esforço mental. Em contrapartida, há situações em que o enunciado parece conter menos informação do que, na verdade, contem, fato que leva à quebra ou violação das máximas conversacionais.

É importante salientar que, no caso da piada, viola-se, de modo geral, a máxima da qualidade, pois, nesse gênero textual/discursivo, a verdade é encoberta pela aceitação do estado de coisas de um mundo possível3 por parte do ouvinte, sendo que o sujeito enunciador não se responsabiliza pelo que diz (ATTARDO, 1994). Além disso, na contagem de piadas, deve ser estabelecido entre narrador e ouvinte um “Contrato comunicativo Humorístico” (SANTOS, 2009, p. 212), que comandará o jogo humorístico entre os interlocutores até o desfecho da piada.

4.2. Teoria da Relevância

Sperber e Wilson, que, em 1986, publicaram Relevância: Comunicação e

Cognição, expõem, nessa obra, idéias sobre os mecanismos que regem a comunicação,

os quais, posteriormente, ficaram conhecidos como Teoria da Relevância. Baseados na teoria inferencial de Grice (1967), os autores questionam o fato de ser o Princípio de Cooperação o acordo tácito que governa a comunicação, para apontarem uma das máximas, a de relação ou relevância – que, segundo os estudiosos, não é desenvolvida por Grice – como o princípio geral que rege a comunicação humana. Nas palavras de Sperber e Wilson (1986):

3 Santos (2009) assente a piada como uma recriação do mundo real. Em suas palavras: “uma recriação da

realidade, uma espécie de mundo paralelo, que se vale da linguagem verbal, de elementos, de fatos, de eventos, personagens e seres do mundo real, para criar sua própria realidade” (p. 1).

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Os conceitos essenciais mencionados nas máximas são deixados inteiramente sem definição. Isto é verdade no que se refere à relevância, por exemplo: por isso os apelos feitos à “máxima de relação” não são mais do que apelos formais à intuição. [..] Todas as máximas podem ser reduzidas a uma única máxima da relevância bem definida (p. 75).

A Teoria da Relevância – TR – (SPERBER e WILSON, 1986) tem como alicerce a definição de relevância, que, por sua vez, possui dois princípios gerais: o Princípio Cognitivo, segundo o qual a cognição humana tende a dirigir-se para a maximização da relevância; e o Princípio Comunicativo, que postula o fato de que as elocuções geram expectativas de relevância. Trata-se de pressupostos que levam a um princípio universal minimalista – o da relevância – para a comunicação, o qual, segundo seus formuladores, é responsável pelo processamento de enunciados.

A relevância é concebida como uma propriedade das entradas de dados (elocuções, pensamentos, memórias, ações, sons etc.) para os processos cognitivos, de modo que, para uma entrada de dados ser relevante é necessário que ela valha a pena ser processada, o que, por sua vez, depende do esforço de processamento e efeito cognitivo. Ao ser processada dentro de um contexto de suposições disponíveis, uma entrada de dados pode resultar em algum efeito cognitivo por meio da modificação ou reorganização dessas suposições. Em igualdades de condições, quanto maiores forem os efeitos cognitivos conseguidos pelo processamento de uma entrada de dados, maior será sua relevância. Do mesmo modo, quanto menor for o esforço de processamento requerido, maior será a relevância.

É importante ressaltar que, para a TR, a comunicação humana é entendida como uma questão de grau, ou seja, depende da força da manifestabilidade (perceptibilidade, possibilidade de um fato ser inferido) das suposições no ambiente cognitivo4 do ouvinte. Ainda conforme os autores, o sistema cognitivo do ser humano é um poderoso mecanismo computacional que processa estímulos comunicativos relevantes. Para o processamento das informações, esse mecanismo tem como base um conjunto de suposições, do qual deduz todas as conclusões passíveis de ser derivadas. As regras de tal mecanismo dedutivo, em um determinado contexto, processam o conteúdo das suposições por meio de um cálculo, no qual a verdade das premissas torna a verdade das conclusões apenas provável, por meio da formação e da confirmação de hipóteses sobre essas premissas. Daí o processo de compreensão inferencial ser não demonstrativo, isto é, não poder ser provado, somente confirmado.

Na interpretação de piadas, pode-se especular sobre seu(s) significado(s) a partir de um conjunto de suposições válidas, as quais são fornecidas pelo mecanismo computacional do ouvinte. Em tal processo, a formação inicial de hipóteses será submetida às regras de dedução, que confirmarão ou fortalecerão a suposição mais relevante, ou seja, a suposição que mais se ajusta cognitiva e psicologicamente ao desfecho da piada, entre as suposições disponíveis e relevantes.

4 Um ambiente cognitivo consiste em um conjunto de suposições que o indivíduo é capaz de representar

mentalmente e de aceitar como verdadeiro ou provavelmente verdadeiro. Trata-se do conjunto de suposições que o falante tem disponível e ao qual recorre ao processar informações.

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5. Resultados

A piada em análise segue o padrão narrativo assinalado por Santos (2009). No que tange ao seu conteúdo proposicional, salienta-se que aborda estereótipo – políticos brasileiros de baixa inteligência – e envolve o componente “mal entendido” como um possível propiciador de efeitos humorísticos.

Lula numa visita à Europa vai jantar com a rainha da Inglaterra. De repente, ele pergunta: - Vossa majestade, a senhora me impressiona. Como pode estar sempre cercada de gente inteligente? Como a senhora faz? Ela responde: - Muito simples. Eu os deixo em alerta sempre. Faço um teste de QI regularmente, só pra ver se a inteligência deles ainda esta bem viva. Lula, surpreso: - E como a senhora faz isso? A rainha concorda em lhe mostrar um exemplo. Pega o telefone e liga pro Tony Blair: - Bom dia, Tony. Tenho um pequeno teste pra você. Tony, todo educado: - Bom dia, Majestade. Pois não. Estou pronto pro teste. Pode perguntar. - Muito bem, Tony. Bom, o teste é o seguinte: 'é filho do seu pai e da sua mãe, mas não é seu irmão, nem sua irmã. Quem é?' - Muito simples, Majestade. Sou eu mesmo. - Bravo, Tony. Como sempre, inteligente. Até a próxima. Lula fica impressionadíssimo: - Uau!!! De volta ao Brasil, ele decide por em pratica a técnica que aprendeu com a rainha. Telefona a José Alencar e pergunta: - Zé, é o Lula, companheiro. Tenho aqui um pequeno teste de inteligência pra você. - Tudo bem, pode mandar. - Seguinte: é filho da sua mãe e do seu pai, mas não é seu irmão nem sua irmã. Quem é? - Ah, Lula, eu não esperava um teste assim, de supetão. Tenho que pensar alguns minutos. Te telefono depois,certo? - Sem problemas. Até logo. E José Alencar liga pra Eduardo Suplicy, pois ele tem fama de inteligente. Faz a mesma pergunta que lhe foi feita, ao que Eduardo responde: - Ora bolas, sou eu mesmo, Zé. - Muito bem, perfeito, senador! Obrigado, Eduardo. E José liga novamente pra Lula: - Senhor presidente, poderia reformular sua pergunta novamente, por favor? Creio que tenho a resposta. - Muito bem: é filho da sua mãe e do seu pai, mas não é seu irmão nem sua irmã. Quem é? E o Zé, vitorioso: - Simples. Ora bolas, é o Eduardo Suplicy! - Não, Zé, você tem que treinar mais; é o Tony Blair, homem de Deus!

Na perspectiva da Teoria Inferencial griceana, para interpretar essa piada, o leitor deve, primeiramente, perceber a intenção informativa que ela carrega, no caso, a de provocar riso. Posteriormente, é necessário que ele confie no e contribua com o comunicador, que, tratando-se do texto piadístico, pertence ao domínio de um discurso desprovido de autoria, mas que, ao mesmo tempo, faz parte de uma dimensão discursiva que pertence a todos os indivíduos de determinada sociedade. Assim, com vistas a interpretar o texto, o receptor do texto deve cooperar com seu “autor” sociocultural.

Segundo tal referencial, o efeito de humor é possível porque, embora seja violada a máxima de qualidade – uma vez que a informação contida na piada (de que o então presidente Lula, ao vivenciar um torpe teste de QI realizado pela rainha da Inglaterra, o aplica no vice-presidente que, por sua vez, tem dúvidas e recorre ao político considerado “o mais inteligente” da coligação partidária, é ignorante para

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responder uma questão simples e cotidiana, que é colocada por ele mesmo.) provavelmente não seria verdadeira – o leitor, em um ato cooperativo, reconhece certa propositabilidade em tal “incoerência”, já que, trata-se da construção de uma narração dentro de um mundo possível, onde são aceitos os mais variados comportamentos e situações.

Pode-se afirmar também que o “mal entendido” ocorrido na narrativa, o qual é fundamental para o desenvolvimento da complicação que desencadeará o desfecho da piada, e seu conseqüente efeito de humor, seria uma violação da máxima de modo que recomenda “evitar ambigüidade”. O caráter ambíguo presente na narrativa estaria presente em duas situações: primeiro, quando José Alencar interpreta o dêitico “eu” proferido por Eduardo Suplicy como sendo o referente único pertencente apenas àquele sujeito enunciador, e não uma categoria vazia que adquire sentido quando apropriada por um indivíduo; e, posteriormente, de forma semelhante, no momento em que Lula interpreta o mesmo dêitico, enunciado então por Tony Blair, como se referindo somente a tal sujeito.

Na perspectiva da TR, por seu turno, essa piada é passível de ser interpretada porque, através de regras dedutivo-inferenciais que serão capazes de mobilizar crenças, convenções e conhecimentos presentes no ambiente cognitivo do sujeito que busca interpretá-la, esse ouvinte compreende o sentido absurdo revelado no desfecho da piada como a revelação de um significado provável, possível ou falso. Justamente pela impossibilidade de a piada ser verdadeira é que o seu interpretante a interpreta como humorística.

Assim, no ambiente cognitivo do leitor dessa piada, estão presentes suposições sobre os participantes e os eventos que nelas ocorrem. Pode-se pensar que, de maneira geral, algumas suposições mais fortemente manifestas seriam: i) É possível que o presidente Lula tenha viajado ao encontro da rainha da Inglaterra, bem como, ter perguntado a ela como procede para ter funcionários inteligentes; ii) É pouco provável que a rainha da Inglaterra considerasse o teste descrito na narrativa como medidor de QI, assim como, que fizesse tal teste com seus funcionários, bem menos com seu primeiro ministro; iii) É improvável que o presidente Lula entendesse o referido teste como passível de medir a inteligência de alguém, e, consequentemente, que o aplicasse em seu “mais importante funcionário”; iv) Dificilmente, o vice-presidente José Alencar não saberia responder o teste, tendo que recorrer a outro político; v) Imagina-se que o presidente Lula seria capaz de responder o teste corretamente.

Tais suposições seriam criadas por meio de regras dedutivo-inferenciais que fazem cálculos, utilizando as informações presentes no ambiente cognitivo (crenças, valores, convenções, conhecimentos, preconceitos, estereótipos etc.), por meio da formação e confirmação de hipóteses. As suposições mais fortemente manifestas estão diretamente relacionadas à sua relevância, em que devem ser considerados o esforço de processamento e os efeitos cognitivos. É importante observar que a relevância na piada depende de o seu receptor compreender o mundo imaginário do qual ela faz parte, de modo que seria o choque entre as suposições feitas – baseadas no mundo real – com o desfecho da piada – pertencente ao mundo imaginário – que provoca o efeito de humor e promove a interpretação do texto. Na piada em análise, a resposta proferida pelo presidente Lula seria a informação que mais contradiz a realidade.

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Nessa perspectiva, mesmo que as suposições acima hipotetizadas como possivelmente mais fortemente manifestas no ambiente cognitivo do leitor sejam contrárias aos fatos narrados na piada, a coerência, e conseqüente relevância desse texto, são construídas pelo fato de a piada estar inserida em um universo discursivo que possui regras próprias, normas essas que são conhecidas e reconhecidas por aquele que a lê.

6. Considerações Finais

As análises realizadas mostram que, de modo geral, as duas teorias em pauta oferecem subsídios para a compreensão dos mecanismos de interpretação da piada. Vale ressaltar que, como cada uma delas possui uma determinada perspectiva, enfocam um ou outro aspecto da comunicação. Esse fator é importante, pois permite que a o processo interpretativo da piada seja visto por diversos enfoques, o que enriquece o entendimento que se busca e oferece a possibilidade de complementaridade.

Por se tratar de uma análise preliminar, os resultados ainda não são robustos e, bem menos, definitivos. É necessário que novas análises sejam realizadas, buscando-se aprofundar cada uma das teorias, além de aumentar a abrangência do corpus. Teoricamente, esse tipo de análise é importante, pois, por meio da comparação dos dados gerados pelas perspectivas teóricas, é possível observar qual delas é mais apropriada para observar a interpretação do texto piadístico. Entretanto, o presente trabalho se limita apenas a apresentar as análises, ficando a comparação entre elas para um posterior estudo.

7. Referências

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sócio-discursivos. Campinas, 2008. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Setor

Instituto de Estudos Linguísticos, Universidade Estadual de Campinas.

GRICE, H.P. Logic and Conversation. In: P. Cole e P. Morgan (eds). Sintax and

Semantics. Academic Press: New York, 1975.

JAKOBSON, R. Linguística e Poética. São Paulo: Cultrix, 1960.

MUNIZ, K.S. Piadas: conceituação, constituição e práticas – um estudo de um

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Estudos Linguísticos, Universidade Estadual de Campinas.

POSSENTI, S. Os humores da língua: análise lingüística de piadas. Campinas: Mercado das Letras, 1998.

RASKIN, V. Semantic Mechanisms of humour. Reidel: Dordrecht, 1985.

SANTOS, S.L. A interpretação da piada na perspectiva da Teoria da Relevância. Curitiba, 2009. Tese (Doutorado em Linguística) – Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Lingüística Geral. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1986.

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SPERBER, D. & WILSON, D. Relevância: Comunicação e Cognição. 2ª. ed. Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.

Referências

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