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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO LUIZ ADOLFO DE ANDRADE

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO

LUIZ ADOLFO DE ANDRADE

A GALÁXIA DE LUCAS

Sociabilidade e narrativa nos jogos eletrônicos

Niterói 2007

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LUIZ ADOLFO DE PAIVA ANDRADE

A GALÁXIA DE LUCAS

Sociabilidade e narrativa nos jogos eletrônicos

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre em Comunicação. Linha de Pesquisa: Tecnologias da Comunicação e da Informação.

Aprovada em maio de 2007.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________________ Profª. Drª. Simone Pereira de Sá – Orientadora

Universidade Federal Fluminense

___________________________________________________________________________ Prof. Dr. Afonso de Albuquerque

Universidade Federal Fluminense

___________________________________________________________________________ Prof. Dr. André Lemos

Universidade Federal da Bahia

___________________________________________________________________________ Prof. Dr. Vinícius Andrade Pereira

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Niterói 2007

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A553 Andrade, Luiz Adolfo de Paiva.

A Galáxia de Lucas: sociabilidade e narrativa nos jogos eletrônicos / Luiz Adolfo de Paiva Andrade. – 2007.

123 f.

Orientador: Simone Pereira de Sá.

Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Universidade Federal Fluminense, Curso de Pós-Graduação em Comunicação, 2007.

Bibliografia: f. 117-120.

1. Jogos eletrônicos – Aspectos sociais. I. Sá, Simone Pereira de. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Artes e Comunicação Social. III. Título.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço especialmente aos meus pais e à minha irmã, pelo apoio constante em toda a minha vida no Rio de Janeiro. Em especial também à professora Simone Pereira de Sá, minha orientadora e amiga - presença fundamental em meu trabalho no mestrado. Sou eternamente grato pela confiança, atenção, paciência e carinho demonstrados ao longo destes dois anos na UFF.

À professora Marialva Barbosa, pelo crédito que sempre depositou em mim.

Ao professor Afonso de Albuquerque, pelos profícuos conselhos durante minha pesquisa.

Ao jornalista Fernando Hyppólito, um grande amigo. Sua fabulosa ajuda foi essencial durante todo meu trabalho de investigação. Sem a sua interferência, jamais teria chegado à KAC e avançado nas fases de Star Wars Galaxies. À amiga Simone do Vale (UFRJ), pelo auxílio na interlocução com a equipe da LucasArts.

Aos jogadores Aatoh, CryoAgun, Flid/Rodba, Halcor, Hildão, Hipólito, Maul, MoonBoy, Odranoel, Pitty, Rodrius, Zandur, Zocra, (todos da KAC) e Konnel (Phalanx) – peças fundamentais no jogo, que me receberam e ajudaram com maestria desde o início à conclusão da pesquisa.

Aos professores Ana Enne, Dênis de Morais, João Luiz Vieira e Paula Sibília (UFF); André Lemos (UFBa); Maria Teresa Freitas (UFJF); Erick Felinto e Vinicius Andrade (UERJ); Tadeu Capistrano (UGF/UERJ).

Mr. Raph Koster, ex-designer da Lucas Arts.

Aos colegas da minha turma de mestrado, demais pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense e todas as amizades que construí nos outros três PPGs do Rio de Janeiro – UERJ, PUC e UFRJ.

Ao pessoal da secretaria do PPGCOM/UFF – Silvia, Eduardo e Élson.

Aos meus amigos que fazem parte do Conselho do CONECO, organização da qual tenho orgulho de ser integrante e fundador.

Aos companheiros do LabCULT , do Game Pad e da Rede Brasileira de Jogos Eletrônicos e Educação.

E todas as pessoas que contribuíram para o bom andamento desta pesquisa.

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Resumo

Este trabalho pretende contribuir para a reflexão acerca das novas possibilidades comunicativas e narrativas do meio digital, tendo como foco central os jogos eletrônicos para múltiplos usuários - MMORPG. O eixo deste trabalho gira em torno de duas questões que se interligam de forma bastante estreita, ainda pouco exploradas em pesquisas acadêmicas no campo da Comunicação. A primeira é a reflexão em torno da “experiência“ de jogar SWG e da contribuição específica do computador como ambiente comunicativo. Ao mesmo tempo, torna-se imprescindível inserir o jogo eletrônico no contexto mais amplo do período informacional ou pós-industrial da sociedade contemporânea. A segunda questão que será focalizada é a modalidade de sociabilidade encenada pelos jogadores. Aqui, o trabalho retoma a discussão sobre comunidades virtuais, percebendo que as características fundamentais destes agrupamentos atualizam-se nesta experiência a partir da expressão “guilda”, que traduz a forma de pertencimento do jogador a um grupo dentro do jogo. Para desenvolverdiscussão, é proposto um estudo do caso de Star Wars Galaxies, MMORPG desenvolvido pela LucasArts desde de 2003. A proposta deste jogo consiste na recriação de um universo virtual que busca simular a atmosfera dos filmes de Guerra nas Estrelas. Esta ação pode tornar realizável o desejo dos inúmeros fãs da marca Star Wars: poder viver, mesmo que virtualmente, na galáxia concebida por George Lucas

Abstract

This work intends to contribute for the reflection concerning the new communicational possibilities and narratives of the digital way, having as central focus the electronic games for multiple users – MMORPG. The axle of this work turns around two questions that establishes connection of sufficiently narrow form, still little explored in academic research in the field of the Communication. The first one is the reflection around the “experience” to play SWG and of the specific contribution of the computer as Comunicative enviroment. At the same time, becomes essential to insert the electronic game in the amplest context of the informacional or postindustrial period of the contemporary society. The second question that will be focused is the modality of sociability staged for the players. Here, the work retakes the quarrel on virtual communities, perceiving that the basic characteristics of these groupings modernize in this experience from the expression “guilda”, that it is inside translates the form of belonging of the player to a group of the game. To develop quarrel, a study of the case of Star War Galaxies, MMORPG developed for the LucasArts since 2003 is considered. The proposal of this game consists of the recriation of a virtual universe that searchs to simulate the atmosphere of the Star War movies. This action can become realizable the desire of the innumerable fans of the Star Wars’s brand: to be able to live, exactly that virtually, in the galaxy conceived by George Lucas.

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Sumário

Introdução...07

Apresentando o objeto...12

Apresentando a metodologia...21

Parte I 1. Aspectos sobre o potencial expressivo do computador...24

2. A corporalidade do RPG inscrita no design do game digital...40

3. Simulações no “Jogo da Vida”...56

4. A Cultura do Acesso: jogos informacionais e mineração de dados ...78

Parte II 5. Games e comunidades virtuais...89

6. Guildas: compreendendo a sociabialidade nos MMOs ...103

Considerações Finais...115

Referências bibliográficas...118

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Introdução

Qual importância dos jogos eletrônicos para cultura contemporânea? Um dos expoentes em pesquisas relacionadas à cibercultura, Steven Johnson, destacou recentemente a função dos games no aprendizado de jovens e adolescentes na atualidade1. Refutando

argumentos de que o cérebro humano só acompanha o que é mais fácil de compreender, o pesquisador afirma que nossa cultura exige capacidades cognitivas cada vez mais complexas; e que o videogame é ao mesmo tempo um exemplo e uma ferramenta para o desenvolvimento desta complexidade.

Ao contrário de caminharem rumo à simplicidade, o que se vê nos games é exatamente o contrário. Em alguns exemplos, o jogador deve brincar de recriar a história econômica e tecnológica do homem, através de simulações feitas em ambientes digitais bem resolvidos. E estas habilidades aprendidas nos games parecem passar “do jogo à vida”. Se pensarmos ainda que, muito em breve, esta geração que cresceu jogando videogamepassará a ocupar seu lugar na vida política e cultural do mundo real, fica clara a importância dos estudos acerca deste objeto, sob perspectivas diversas, para a compreensão da cultura na contemporaneidade.

O MMORPG – Multiuser Massive Online Role Playing Games – é um formato recente de jogo eletrônico, que serve para ilustrar o argumento de Steven Johnson. Estes games, inspirados no modelo introduzido pelos RPGs (Role Playing Games), disponibilizam complexos mundos virtuais em que múltiplos usuários interagem através da internet. Tratam-se de ambientes digitais bem resolvidos, nos quais os interatores são desafiados a praticar 1 Extraído da reportagem exibida pelo programa Fantástico, da Rede Globo de Televisão, na série Vidas

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inúmeras atividades e simular experiências diversas. Além disto, na sua interface, encontram-se disponíveis várias ferramentas para comunicação entre os usuários conectados durante o jogo e que, consequentemente, apontarão para implicações de sociabilidade que acompanham o desafio.

Frente a este universo o presente trabalho busca contribuir para a reflexão acerca das novas possibilidades comunicativas e narrativas do meio digital, tendo como foco central os MMORPGs. A análise que busco construir parte da experiência no MMORPG Star Wars Galaxies, desenvolvido pela LucasArts desde 20032. Numa rápida síntese, que será

desdobrada a seguir, cabe apontar que a proposta deste game se traduz na recriação de um universo virtual que busca simular a atmosfera dos filmes de Guerra nas Estrelas, tornando assim realizável o desejo dos inúmeros fãs da marca Star Wars: poder viver, mesmo que virtualmente, na galáxia concebida por George Lucas.

A partir desta proposta, como já disse, este game suscita inúmeras questões sobre o computador como forma expressiva e sobre a sociabilidade dos games on-line, que foram, até a conclusão deste estudo, escassamente abordadas pelas pesquisas de cibercultura, e que aqui recebem uma primeira exploração. Tratando-se de um estudo do campo comunicacional, que busca articular problemas do universo da cibercultura, o eixo deste trabalho gira em torno de duas questões que se interligam de forma bastante estreita.

A primeira é a reflexão em torno da “experiência“ de jogar SWG e da contribuição específica do computador como ambiente comunicativo. Pois, como já pontuei, tratando-se de

2 Atualmente, de cerca 300 mil pessoas jogam Star Wars Galaxies em todo o mundo. No ano de2005, o jogo

ganhou sua segunda expansão, ampliando sua capacidade de simulação e celebrando o ano que marcou o lançamento de A Vingança dos Sith, episódio mais aguardado da série Guerra nas Estrelas

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uma modalidade de MMORPGs, o jogo em questão é devedor de certa expressividade do formato anterior de RPG. Frente a este contexto, cabe compreender o que significa jogar SWG? Como se dá a passagem do RPG para a sua versão digital? Qual é o desafio específico e como a face expressiva do computador contribui para esta experiência? Deste processo, desdobram-se questões sobre o poder de simulação do novo meio e suas ferramentas de comunicação; assim como a necessidade de compreensão dos argumentos de duas vertentes de estudiosos de games – os narratologistas e os ludologistas – que discutem a especificidade desta forma narrativa.

Ao mesmo tempo, como pano de fundo para esta primeira reflexão, torna-se imprescindível inserir o jogo eletrônico no contexto mais amplo do período informacional ou pós-industrial da sociedade contemporânea, em que ocorre uma desmaterialização dos bens, revelando novas formas de produção, circulação e consumo, pois é dentro deste contexto que é possível compreender a experiência de “acesso” proposta por este jogo - assim como a sua aproximação com a metáfora de “jogo da vida” discutida por Hermano Vianna em artigo recente, que menciono no capítulo 3.

A segunda questão que será focalizada é a modalidade de sociabilidade encenada pelos jogadores. Aqui, o trabalho retoma a discussão sobre comunidades virtuais, percebendo que as características fundamentais destes agrupamentos – tais como descritos por Rheingold e Lévy, dentre outros - atualizam-se nesta experiência a partir da expressão “guilda”, que traduz a forma de pertencimento do jogador a um grupo dentro da complexidade do universo Star Wars.

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Dito de outra maneira, o que pode ser observado é que a experiência de jogar SWG só é possível a partir da criação de comunidades virtuais. Os desafios complexos do jogo só permitem avanços através da construção de uma coletividade ingame que reflete a lógica das comunidades virtuais. Desta maneira, os jogos eletrônicos são também relevantes como ambientes privilegiados para a sociabilidade contemporânea, reforçando aspectos da cibercultura tais como a criação de laços sociais, a reciprocidade e a colaboração.

O trabalho foi dividido em duas partes. A primeira reúne quatro capítulos, nos quais pretendo discutir o potencial expressivo do meio digital e descrever o formato do MMORPG. No primeiro capítulo, apresento autores que se interessam pela investigação do potencial expressivo do computador, tais como Aarseth (1997) e Murray (2003), visando um diálogo acerca das possibilidades narrativas do novo meio. O segundo é destinado ao estudo do MMORPG diante da lógica comunicativa introduzida pelo seu antecessor, o RPG, buscando compreender o jogo entre proximidades e diferenças entre os dois meios expressivos. Para isso, busco entender os recursos que o computador oferece para emular a sua comunicação aparentemente textual à oralidade do RPG.

No terceiro capítulo, proponho uma reflexão em torno da noção de simulação, a fim de compreender a capacidade do computador em simular, no ambiente do MMO, as dimensões do mundo real e as atividades práticas da vida humana. No quarto capítulo proponho o termo cultura do acesso, derivado da proposta do período informacional, no esforço de imprimir sentido à experiência disponível nos MMOs. Esta parte encerra-se com a discussão sobre o data mining - ou mineração de dados - nos bancos formados através de Star Wars Galaxies.

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Após compreender a capacidade expressiva do computador e sua contribuição para os MMORPGs, a segunda parte ocupa-se da discussão sobre a sociabilidade criada nestes ambientes digitais. Inicio o quinto capítulo discutindo a noção de comunidade virtual, para articulá-la à descrição de dois momentos marcantes da minha experiência – a inauguração do templo Jedi e a missão Corvette - que servem para ilustrar as atividades presentes neste ambiente. Em seguida, busco entender que tipo de envolvimento é colocado em jogo a partir desta coletividade. Finalizando, no sexto capítulo, aprofundo a discussão do capítulo anterior a partir dos sentidos presentes na noção de guilda – que é a principal forma de vinculação e pertencimento dos jogadores dentro do ambientes do MMO. Passo agora a um detalhamento mais aprofundado do objeto e da metodologia utilizadas, que creio ser esclarecedores para as observações que se seguem.

Apresentando o objeto

Nasci cerca de um ano depois do lançamento do quarto capítulo cinematográfico de Star Wars (em maio de 1977), que só veio receber o subtítulo Uma Nova Esperança em 1981, 12 meses após o lançamento do segundo episódio: O Império contra-ataca (maio de 1980). O terceiro, O Retorno de Jedi, chegou aos cinemas em maio de 1983 e consolidou Star Wars como uma marca mundialmente famosa, seguida por uma legião de fãs. Como se sabe, os filmes foram lançados fora da ordem cronológica proposta na história – primeiro foram feitos os capítulos IV, V e VI, seguidos pelos volumes I, II e III. Lucas identificava, nos três primeiros episódios lançados, elementos que poderiam cativar o público de modo eficiente. Os eventos encenados nestes filmes são calcados em dicotomias que acompanham a humanidade há milênios – como o conflito entre o bem e o mal - e passagens mitológicas, como a luta entre pai e filho, amor entre irmãos, etc. Além disso, os protagonistas - Darth

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Vader, Luke, Han Solo - são inspirados em modelos arquétipos, comuns tanto na mitologia quanto na ficção científica. Com estes apelos, Star Wars foi se transformando em uma das mais bem sucedidas franquias da história da indústria de entretenimento, que envolve desde gibis até os games mais complexos.

É interessante assinalar que, mesmo com 16 anos separando os lançamentos dos episódios III e IV, o número de fãs de Guerra nas Estrelas não parou de aumentar. E os “produtos franqueados” – revistas, desenhos, games e até mesmo outros filmes - serviram para alimentar o imaginário do publico fiel a Star Wars, contando histórias que se passavam neste universo ficcional concebido por George Lucas, no cinema3. Dentre estes produtos,

minha preferência sempre foi pelo jogo eletrônico. Nos tempos de criança e adolescente joguei quase todos os tipos de videogame, nos mais diversos estilos de suportes. Entrando na minha fase adulta, os PCs passaram a integrar este time de plataformas para games, o que me fez perder um pouco o interesse em comprar os consoles, uma vez que podia jogar muitos dos jogos em meu próprio computador.

Remontando à história dos games, é possível constatar sua crescente evolução desde 1971 quando a empresa Magnabox, representante norte-americana da marca Phillips, lançou o Odissey 100. Trata-se do primeiro console fabricado em série, que só nos Estados Unidos vendeu mais de cem mil exemplares. Entretanto, existia o problema do alto custo do aparelho, além de ser um artefato extremamente pesado. Para driblar tal obstáculo, o engenheiro Nolan Busnell projetou a máquina Computer Space, que servia como suporte para o jogo Space Wars. A sua intenção era criar um aparelho que não dependesse da conexão ao monitor de TV – para isso, ele foi buscar na emergente tecnologia dos computadores soluções para criação e

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comercialização da sua invenção. Nesta atividade, Bushnell deu origem ao modelo conhecido por arcade4.

O jogo obteve tanto sucesso que o engenheiro acabou contratado pela empresa Nutting Associates para supervisionar a montagem em série do Computer Space. O cientista aproveitou para aprimorar suas técnicas e fundar a empresa Atari, na qual desenvolveu a versão em série do jogo Pong5. O game foi um dos mais populares na história dos jogos

eletrônicos e se tornou um marco na chamada indústria cultural,sendo um dos primeiros a ter um modelo para uso doméstico - o Home Pong, lançado em 1975. A versão brasileira chegou às lojas em 1977, lançada pela empresa Philco, e recebeu o nome de Tele jogo. O console oferecia ainda mais dois games, Paredão e Futebol, ainda com base na proposta introduzida pelo Pong.

Retomando o cenário internacional, ainda em 1977 e sob a tutela de Bushnell, foi lançado nos Estados Unidos o console Atari 5.200. Dotado de um inédito dispositivo de memória de 128 bytes, além de placa de vídeo e processador de 1.19 MHz, revolucionou o mercado de games por causa de seus cartuchos de tamanho menor, com gráficos mais trabalhados e temáticas variadas. O conteúdo dos jogos se aproximava do enredo de filmes e seriados de ficção científica6 – como Buck Rogers, Star Trek7 e Star Wars.

Desde 1983, o número games fundamentados na proposta da série Guerra nas Estrelas aumenta consideravelmente. O primeiro deles - The Empire Strikes Back, 1982, lançado para o console Atari 2600 – recria a Batalha de Hoth, do filme o Império Contra-Ataca, em que o 4 Arcade é a plataforma de jogo eletrônico destinado ao uso comercial, especificamente nos chamados

fliperamas.

5 Game considerado “clássico” na chamada indústria cultural. Consiste basicamente em duas “varetas” que

devem rebater um bola, simulando as dinâmicas percebidas em práticas esportivas como tênnis, futebol, etc.

6 Ver o jogos Moon Patrol, Space Invaders, Zaxxon e defender.

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jogador deve destruir os tanques AT-ATs. Em 1983, novamente para o Atari, foram lançados Star Wars e Death Star Battle - que recriam a seqüência de destruição das Estrelas da Morte I e II, respectivamente. Ainda em 83, ano em que foi lançado o filme O Retorno de Jedi, a Atari concebeu o game Jedi Arena, em que os jogadores usavam sabres de luz para rebater raios uns nos outros – nitidamente inspirado no modelo canônico do Pong. Entretanto, com o fim da série no cinema e a crise que atingiu a empresa no final dos anos 80, os jogos eletrônicos na temática de Star Wars foram sumindo das prateleiras. Neste período, George Lucas decide fundar a Games Group – extensão de sua empresa Lucas Films – com o objetivo de aprimorar seus jogos eletrônicos. Em Return of the Jedi (1989), ainda para o Atari, o jogador pode “pilotar” as famosas speeders bike pelas florestas de Endor até a Estrela da Morte. Existiu até mesmo um título, The Ewok Adventure, que foi engavetado sem ao menos chegar a ser lançado.

(Fig.01. Interface de Jedi Arena)

Os anos noventa foram marcados pela constante evolução dos videogames. Os avanços na microinformática permitiram a configuração de gráficos cada vez mais realistas, contribuindo para que o game caísse de vez no gosto popular. Esta popularização dos consoles acabou servindo para preencher a lacuna de dezesseis anos sem qualquer lançamento, no cinema, da série Guerra nas Estrelas. Os títulos inspirados na única trilogia de Star Wars, produzida até aquele momento, foram lançados nos sistemas Nintendo, Super Nintendo e

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Game Boy8. A empresa Sega, por sua vez, produziu jogos para os consoles Master System,

Mega Drive e Game Gear9. A volta da temática de Guerra nas Estrelas - exploradas nos game

Star Wars (1991), The Empire Strikes Back e Return of the Jedi (1992) – configurou uma tentativa de simular passagens narradas nesta primeira trilogia.

(Fig.02.cena da batalha de Hoth em Star Wars)

Já o ano de 1993 marcaria a entrada de Star Wars em uma plataforma ainda pouco explorada pelos games: os PCs. X-Wing e Rebel Assault, ambos deste período, marcaram época. Especialmente, o segundo que integrava a trilha sonora do filme às fases do jogo. Em seguida, os kits multimídia – com placa e caixa de som, unidade leitora de CD ROM – caíram no gosto dos consumidores e consolidaram de vez o computador pessoal como plataforma para jogo eletrônico. Rebel Assault II (1995) acenou com outra inovação no universo dos jogos eletrônicos: seria o primeiro game a combinar cenas do filme com imagens de síntese, colocando em sinergia os departamentos das empresas de George Lucas. A partir daí, as produções de games e filmes caminhariam juntas. Em 1994, outros títulos interessantes foram lançados para PC, como Star Wars Chess, Dark Forces e Star Wars Arcades.

8 Sistemas de 8Mb, 16 Mb e portátil.

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(Fig. 03. Star Wars Chess)

Na segunda metade da década de noventa, George Lucas anunciou que daria continuidade à saga e faria mais uma trilogia para o cinema – e a partir de então os lançamentos dos jogos obedeceriam a uma estratégia conjunta ente os setores da Lucas Films. Shadows of the Empires (1996) pode ser destacado por ser o primeiro projeto multimídia de Lucas. A história era inédita e ambientada entre os episódios V e VI, sendo contada em gibis, livros e um game para Nintendo 64. Mas o compasso de espera que a LucasArts entrou antes do lançamento do filme A Ameaça Fantasma, fez com que a empresa concebesse games sem muita criatividade, basicamente calcados em modelos em voga, na época – na mesma linha do famoso Command & Conquer. O lançamento de Episódio I foi acompanhado de inúmeros lançamentos que resultaram em um grande fracasso. Os games eram monótonos, apresentavam uma jogabilidade decepcionante e muitos dos fãs sequer se recordam dos títulos desta época – Episodio I: racer é o único mais expressivo10.

A afirmação do computador pessoal como plataforma para games, em meados da década de 90, iniciou um diálogo que foi radicalizado no ano de 1998, com o advento dos consoles de 128 mega de memória – que facilitou as conversões de e para PC (Barros, 2002, p.15). Desta maneira, o jogo eletrônico e outras ferramentas do meio digital, dentre elas a internet, passaram entrar em sinergia. Assim, muitos desafios migraram para a rede mundial de computadores, sendo compartilhados por milhares de jogadores. Nascia o Multiuser 10 Cf.: revista EGM Brasil, nº 38, maio de 2005, p.52-57.

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Massive On-line Role Playing Game, em que múltiplos usuários podem interagir em um mesmo ambiente virtual por meio de avatares. Chamados de MMORPGs ou simplesmente MMO, estes games são inspirados na lógica dos RPGs e atrelam as possibilidades de “vida social”, inspirada nos MUDs, aos gráficos realistas e às configurações espaço-temporais presentes nos jogos de aventura.

Cabe esclarecer que os MUDs são ambientes digitais que seguem um modelo próximo ao estabelecido em RPGs como Dungeons & Dragons. São dotados de gráficos bem simples, feitos a partir de estruturas textuais. Estes domínios se tornaram mais populares quando os computadores pessoais puderam ser equipados com modems de 300 a 2400 baud, permitindo que os jogadores de RPGs utilizassem as redes BBS na experiência lúdica. O que os MUDs oferecem é uma viagem em um mundo de fantasia, povoado por guerreiros, monstros, elfos, feiticeiros, entre outros seres fantásticos. O principal objetivo destes jogos é destruir os inimigos, porém o chat disponível vai permitir que os jogadores troquem informações durante a competição. Além disso, através desta ferramenta de comunicação em tempo real, será instalada uma forma de convívio social que aponta para um regime de cooperação entre os jogadores. Dentre os principais exemplos de MUDs, é possível citar os mundialmente famosos Zork e Adventure. No cenário nacional, podemos destacar o Mundo de Vitália, MUD brasileiro mais organizado e com maior número de jogadores e Inferno 3, representante mais antigo da linhagem– desde 1998 – acessado na atualidade.

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O primeiro caso de MMORPG mundialmente reconhecido, pioneiro no sistema de cobrança mensal, foi o Meridian 59 (1996). Entretanto, foi o jogo Ultma Online (1997) que acabou popularizando de vez a categoria, sendo apontado como um dos três MMOs mais jogados no mundo. A aventura se passa em um cenário medieval, é visualizada em terceira pessoa, chegando a contar com cerca de 250.000 usuários conectados ao sistema. O RPG eletrônico multiusuários de maior sucesso na história é o Everquest (1999), lançado pela Sony Online Entertainment. A partir do ano 2000, houve uma diversificação dos MMORPGs, que se subdividiram em estilos como jogos de tiro e aventura.

(Fig. 06. Star Wars Galaxies)

Star Wars Galaxies é um MMORPG lançado pela SOE em 2003, desenvolvido pela LucasArts em parceria com a Sony Online Entertainment. O jogo acena para um estilo de vida, mesmo que virtual, em um ambiente que simula o universo criado por George Lucas em Guerra nas Estrelas. Para jogar, cada usuário dispõe de avatares11 análogos aos personagens

idealizados por George Lucas nos filmes. Entretanto, estes caracteres ficam submetidos às ações do interator - que pode deixá-los mais gordos, mais magros, com olhos de cor diferente, etc, em relação ao modelo estabelecido nos filmes. Basicamente, existem duas opções de

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estilo de vida disponíveis para o jogador. Se escolher ser um crafter, o interator deve fabricar equipamentos e colocá-los a venda, estabelecendo negócios por todo o universo de Galaxies. Caso seu personagem for um guerreiro, o usuário deve cumprir missões para ser “remunerado”. Tal como nos RPGs de mesa, em um MMORPG não é possível apontar quem vence a disputa. O desafio e também o caráter lúdico do jogo advém da exigência de se cumprir as missões em parceria com os outros jogadores, o que significa que todo o grupo pode sair vitorioso de uma batalha, por exemplo.

Meu primeiro contato com SWG aconteceu pela televisão, em maio de 2005. Um noticiário exclusivo sobre games reportava que a LucasArts acabava de lançar a segunda expansão para o jogo. A eventual combinação de todos os volumes, instalados na mesma máquina, propõe uma experiência imersiva em um ambiente que simula o universo de Guerra nas Estrelas. Provavelmente, a intenção do fabricante era se favorecer da expectativa criada em torno do lançamento do terceiro filme da série - Episódio III: A Vingança dos Sith, que estabeleceria uma conexão entre os fatos narrados nos episódios das duas trilogias – despertando o interesse dos fãs pela proposta do game. Logo em seu primeiro ano, Galaxies contou com cerca de 250 mil assinantes em todo mundo. Com o lançamento das duas primeiras expansões – Jump to the Lightspeed e Rage of the Wookies – o número chegou à casa dos 300 mil12. Depois da grande reconfiguração13 sofrida pelo game em novembro de

2005 - que incorporou os consoles do PlayStation 2 e 3 ao desafio - e do lançamento da terceira expansão, Trials of Obi Wan, a expectativa da LucasArts é atingir a marca de um milhão de assinantes.

12 Fonte: www.mmogchart.com

13 Chamada de NGE – New Game Engine – permitiu que as pessoas jogassem SWG usando os consoles

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Apresentando a metodologia

Iniciei meus contatos com os jogadores de SWG fora do ambiente do game. Antes entrar na disputa, decidi procurar Por estes usuários em listas disponíveis nos espaços virtuais públicos e de acesso mais fácil, como o Orkut. Assim, pude me aproximar e iniciar conversas com estes usuários, mesmo que virtualmente. Aos poucos, fui ganhando a confiança de alguns que me conectaram aos demais participantes do desafio. Autorizado pelos lideres da guilda14,

pude acessar espaços mais reservados utilizados à comunicação interna - como MSN, fórum e Team Speak.

No período entre os meses de maio de 2005 a junho de 2006, permaneci observando atentamente o comportamento dos jogadores nestes espaços eletrônicos e tomando partido em algumas das decisões do grupo. A seguir, passei a jogar – e dediquei-me a esta experiência participante durante todo o segundo semestre de 2006. Ao longo desta atividade, privilegiei a proposta da netnografia (Kozinets, 1998, 2002; Sá, 2005), uma vez que meu principal objetivo foi o entender a experiência de jogar SWG a partir das questões anunciadas anteriormente.

A prática da etnografia enquanto método científico das Ciências Humanas se divide em duas atividades distintas, porém interligadas. Em um primeiro momento, o trabalho do pesquisador se prende em uma observação participante, na qual ele deve analisar o nativo com sua cultura, participando das atividades cotidianas de sua comunidade. Na seqüência, o esforço do etnógrafo consiste em compilar as informações colhidas durante o processo de observação e construir um discurso de cunho descritivo, a partir de três características pontuadas por Geertz (1978) “Ela é interpretativa, o que ela interpreta é o fluxo do discurso

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social e a interpretação envolvida consiste em tentar salvar o dito num discurso da sua possibilidade de extingui-lo das formas pesquisáveis” (p 31). Em seguida, o autor finaliza pontuando que o objetivo da etnografia é retirar grandes conclusões de situações consideradas microscópicas, mas densamente relatadas (Cf.: Idem, p.38).

Neste sentido, posso concluir que a observação participante se refere a um processo analítico intenso, que se acompanha de uma intervenção do pesquisador no momento em que ele é convidado a tomar partido nas decisões internas da comunidade. Por descrição densa entendo como um relato minucioso e interpretativo de todos os processos que ocorrem no interior do grupo estudado. Por sua vez, a prática da etnografia em ambientes virtuais é defendida por Kozinets e também por Simone Pereira de Sá, que argumenta:

“o que está em jogo é menos a atualização canônica dos preceitos etnográficos clássicos, e mais a reivindicação de uma atitude/atividade eminentemente interpretativa, sustentada pela prática da observação participante – que é focal, microscópica, cotidiana e intensiva – e pelo jogo circular entre as posições de familiaridade e estranhamento vital à antropologia do cotidiano. (2005, p.33). Adotando esta argumentação, meu trabalho de observação pode ser dividido em dois momentos. O primeiro consiste em minha observação fora do cenário da disputa, compilando o material colhido durante minha participação em outros ambientes do computador acessados pelos jogadores da guilda KAC – Fórum, Orkut, Skype e MSN. A segunda etapa compreende o período em que passei imerso no ambiente de Star Wars Galaxies, jogando com os membros da KAC. O material utilizado para configurar minha análise foi coletado das conversas travadas nos chats disponíveis em SWG, somados às conversas nos outros ambientes do computador.

Assim, o que proponho nas próximas páginas é analisar que tipo de experiência foi colocada em jogo pelos MMORPGs, buscando ao mesmo tempo compreender este game no

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contexto dos ambientes utilizados na comunicação mediada por computador. O resultado final é uma exploração primeira do objeto, que levanta algumas questões e aponta alguns caminhos para observações futuras.

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Capítulo 1. Aspectos sobre o potencial expressivo do computador

O terreno acadêmico no qual estão situados os games divide-se, basicamente, em dois campos de estudos. O primeiro deles, composto pelos narratologistas, apresenta como expoentes Janet Murray, diretora do Programa de Aperfeiçoamento da Universidade da Geórgia, nos estados Unidos, e Espen Aarseth, principal pesquisador do Centro de Pesquisas sobre Jogos de Computador e professor da Universidade Copenhagem, Dinamarca15. Além

disto, o dinamarquês é editor-chefe do jornal gamestudies16. Este segmento preocupa-se em

identificar, na estrutura do jogo eletrônico, elementos narrativos fazendo do game um estilo literário. Neste sentido, o esforço destes pesquisadores não é refletir sobre o conteúdo textual de um videogame – consiste em pensar as maneiras que este texto pode ser lido pelo jogador. Simultaneamente, é de interesse dos narratologistas entender as maneiras pelas quais o potencial expressivo do meio digital pode ser utilizado na atividade de criação literária.

O segundo grupo, dos ludólogos, parte dos ideais estabelecidos nos trabalhos de Roger Calois e Johan Huizinga. Atualmente, apresenta como importante referencial Jesper Juul, outro pesquisador do núcleo coordenado por Aaserth, na Universidade de Copenhagem. Esta linha refuta a aproximação entre game e narrativa, fundamentando-se no argumento de que o jogo é um formato sedutor por si mesmo, graças à presença de um fator chamado por Huizinga de elemento lúdico. Neste sentido, não é preciso haver uma história para o jogo funcionar, basta que o jogador perceba no contexto geral em que está inserido, traços inerentes a qualquer modalidade de disputa – como regras, competição, prazer da vitória, tensão, diversão, etc. Na ludologia, experimentar o ambiente torna-se mais importante que entender a história do game.

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Gonzalo Frasca, outro discípulo da escola de Bergen, propõe uma unificação entre os dois segmentos descritos acima. Para ele, as propostas dos narratologistas e ludologistas não seriam diferentes, mas complementares. O argumento de Frasca é que um modelo específico de narrativa, como o videogame, implica na hibridização entre história e sistema de jogo. O texto ou conteúdo de um game é produto da relação entre elementos presentes em uma narrativa e estrutura lúdica. Pinheiro e Max (2006) identificam sinais da proposta de Frasca em “The Secret of Monkey Island” 17. Para ambos, este game combina ludologia e

narratologia – neste caso, o sujeito só consegue avançar no desafio se estiver ambientado na história (p.36).

A lógica de Star Wars Galaxies me parece refletir a proposta apresentada por Frasca, mostrando que elementos lúdicos e narrativos podem caminhar juntos no videogame. O início do jogo faz uma analogia à abertura dos filmes, exibindo a logomarca de Star Wars e os famosos caracteres amarelos. No cinema, este texto serve para apresentar ao espectador a história narrada em cada episódio. No game, funciona para situar o usuário dentro da cronologia da série Guerra nas Estrelas, mostrando que o desafio se passa entre os episódios V e VI. Esta introdução é seguida de uma simulação do plano geral externo de uma nave imperial. No seu interior, o jogador se depara com os avatares de Han Solo e Chewbacca, que vão me levar para fora da base Imperial.

Uma vez do lado de fora, o avatar pode seguir para dois ambientes – a estação espacial Tansarii ou para a cidade virtual de Mos Eisley - onde o desafio, de fato, tem início. Assim, pode se constatar que a abertura de SWG, acompanhada da passagem da Estrela da Morte, é uma simulação do conteúdo que é exibido nos filmes. Até aqui, o jogo se arma de aspectos da narrativa – o plano geral, os personagens, a introdução – para seduzir o interator. Saindo desta 17 Game lançado pela Lucas Arts em 1993.

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fase, entram em cena os aspectos lúdicos, reconhecíveis em qualquer estilo de jogo. Nos cenários da Tansarii e de Mos Eisley, em Galaxies, o jogador pode mover livremente seu avatar independente de estruturas consideradas narrativas – mas sempre submetido às regras do jogo.

* * *

Em seu trabalho, Espen Aarseth (1997) apresenta uma nova categoria textual que ele chama de cibertextos. Apesar do nome, não se refere apenas a textualidades eletrônicas, mas sim a um modelo muito mais amplo. O conceito propõe uma organização mecânica do texto, em que o leitor figura de modo mais integrado ao processo de troca literária. O autor afirma que, da mesma forma que a máquina não funciona sem um operador, o texto não funciona sem seu leitor. Neste sentido, o cibertexto requisita de seu usuário um esforço não-trivial para seguir no processo de decodificação e interpretação do conteúdo. Para formular seu argumento, Aarseth compara esta categoria de textos a uma outra onde a atividade é considerada trivial, “onde o esforço para percorrer o texto é irrelevante, sem responsabilidades extra-noemáticas para o leitor, a não ser, por exemplo, o mover dos olhos e o virar periódico ou arbitrário das páginas” (p. 02-03).

O fenômeno identificado nos cibertextos de Aarseth refere-se a um esforço físico promovido pelo leitor/operador durante o processo de intercâmbio literário com o meio. Neste sentido, dentre os exemplos citados no livro de Aarseth18, o que me parece mais óbvio é o

jogo eletrônico. Para seguir no processo de decodificação dos significados verbais que surgem na tela do videogame, o leitor realiza um esforço físico no momento em que manipula o Joystick para controlar seu avatar - inexistente no processo clássico de leitura. Este estilo literário identificado por Aarseth é concebido como literatura ergódica. O termo é derivado

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das palavras gregas ergos e hodos, que por sua vez significam, respectivamente, trabalho e caminho.

O conceito de literatura ergódica, segundo seu próprio criador, coloca em jogo, entretanto, certos problemas já evocados pelos críticos e teóricos do campo literário. Para eles, estes tipos de textos não são essencialmente diferentes dos outros tipos de literatura por três razões:

1. Toda forma de literatura é indeterminada, não linear e pode ser interpretada de maneira diferente ao final de cada ato de leitura.

2. O leitor deve fazer escolhas em ordem para imprimir sentido ao texto.

3. Um texto não pode ser verdadeiramente não-linear porque seu leitor só pode atuar em uma seqüência temporal.

Para Aarseth, estas objeções vêm de pessoas carentes de experiências literárias em suportes hipertextuais. A noção de hipertexto eletrônico, desenvolvida por Ted Nelson em 1965, refere-se a uma estratégia de organização textual fragmentada em um caminho intuitivo e informal, relacionando as seções de diferentes textos por meio dos chamados links19.

Quarenta anos depois, é possível identificar a influência da lógica em diferentes tipos de textos, em especial os eletrônicos. A narrativa cinematográfica em suporte DVD, por exemplo, deu um toque diferente à experiência de ver um filme. O formato disponibiliza um menu de seleção de cenas em que o espectador pode criar sua própria ordem de exibição e ser concebido como um interator (Machado, 2001). No mundo real, os jornais em formato tablóide e alguns periódicos acadêmicos têm procurado seguir esta dinâmica. O leitor pode emergir em qualquer página do volume que não afetará o sentido do processo de leitura

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O leitor do cibertexto é um ator, um jogador; o cibertexto é um mundo-de-jogo ou um jogo-de-mundo; é possível explorar, ficar perdido e descobrir caminhos secretos nesses textos de um modo não metafórico, mas através das estruturas topológicas da maquinária textual. Isso não é uma diferença entre jogos e literatura, mas sim entre jogos e narrativas (Aarseth, 1997, p.04-05)

Outra característica presente nos cibertextos, segundo Aarseth, diz respeito a sua inerente capacidade de re-alimentação. O autor observa que, no caso do processo tradicional de leitura, o texto pode ser lido mais de uma vez e assim se apresentar de maneira diferente, para o leitor, em cada uma das situações. No mesmo passo, o sujeito também não deixa de ser influenciado pelo conteúdo de outras leituras, feitas entre os processos (Idem, p. 19). O fato evidenciado revela que uma leitura posterior do texto permite um melhor entendimento do seu conteúdo, proporcionando assim uma nova compreensão de seu sentido.

Enquanto exemplo de literatura ergódica, o jogo eletrônico evidencia este mecanismo de re-alimentação considerando o processo de re-start, que acompanha o formato desde seus primeiros passos. No percurso interno do game, o jogador vai encontrando obstáculos e fazendo escolhas de caminhos a seguir. Se fizer a escolha errada ou não conseguir vencer os inimigos, ele é arremessado ao início da fase e deve recomeçar a ação. Este procedimento serve para ilustrar o mecanismo de realimentação presente nos games, pois as apostas feitas pelo jogador, no interior da fase, podem levá-lo ao erro – transparecendo um não entendimento do conteúdo do meio. Reiniciando o processo, ele repete com sucesso as ações anteriores, desta vez fazendo as escolhas certas. O ato de passar de fase pode significar que o jogador compreendeu a mensagem do texto contido naquela fase do game. O ato de errar transparece uma falta de conhecimento do conteúdo, e assim, o usuário é enviado ao início da fase, sendo forçado a reler o texto.

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computador em uma perspectiva diferente, não compreendendo o meio como uma conexão telefônica e multimídia, mas como um poderoso instrumento de criação literária. Neste sentido, a pesquisadora identifica quatro propriedades essenciais no meio digital (Cf.: p.78-90) que refletem o seu potencial expressivo.

A primeira delas diz respeito à sua capacidade procedimental, ou seja, o poder do meio em executar uma série de regras ou procedimentos. Murray alerta que as pessoas se esquecem de que o computador é um meio intrinsecamente procedimental. A facilidade com que podemos lidar e armazenar dados na memória do computador, codificados na forma de equações binárias – impulsionada pela velocidade e capacidade com que máquina executa tais operações –traduz o diferencial do meio digital para a criação de formatos narrativos.

A segunda característica nos mostra a organização participativa do computador. Os ambientes digitais não são atraentes apenas pelo seu poder de realizar, simultaneamente, inúmeros procedimentos. Mas também por que o resultado das operações aparece, em seguida, na tela. Murray percebe que, na maioria das vezes, é isso que se pretende afirmar quando chamamos o computador de interativo – enquanto, na verdade, estamos diante de um ambiente procedimental e participativo. A autora cita o exemplo do RPG eletrônico Zork, pontuando que, neste caso,o computador faz o papel de mestre do jogo, neste caso, na medida em que vai executando os procedimentos gravados em sua memória. Assim, ele consegue nortear os movimentos do jogador, na disputa, e reagir aos comandos inseridos.

Considerando o processo de Creating a Character, etapa inicial de Star wars Galaxies em que os avatares são configurados pelo jogador, podemos perceber a ação procedimental e participativa do computador. A cada comando inserido pelo usuário, uma regra é executada

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pela máquina e o resultado pode ser visualizado na tela. A imagem é alterada diante dos seus olhos, na medida em que ele insere dados para determinar etnia, peso, altura, etc. O interator pode sentir o prazer de formatar seu avatar nos moldes dos heróis de Guerra nas Estrelas e constata o resultado de suas escolhas logo em seguida.

(Fig. 07. Creating a Character: configurando o avatar)

A terceira propriedade essencial do computador, proposta por Murray, é a sua capacidade espacial – o poder de representar espaços navegáveis para o usuário. Este aspecto é utilizado pela autora para diferenciar os estilos narrativos presentes em estruturas não-lineares dos utilizados em meios não-lineares como o livro, que depende do estatuto da palavra para descrever seus ambientes. Apenas o meio digital pode oferecer, de forma visível, espaços pelos quais posso me mover e assim experimentar o prazer da navegação em uma estrutura narrativa. O ambiente de Star Wars Galaxies utiliza este efeito, pois joga, essencialmente, com duas emoções. A primeira consiste no prazer de navegar por um universo ficcional muito amplo e complexo, que apresenta configurações de tempo e espaço bem próximas do mundo real. O segundo prazer é o de estar inserido e poder agir em um ambiente análogo ao dos filmes de Guerra nas Estrelas, sob condições nunca oferecidas por outro meio, até então.

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A quarta e última característica do novo meio é a sua função enciclopédica. Murray atesta que o computador é o meio de maior capacidade de armazenamento já inventado. Por causa desta especificidade do meio, todas as formas de representação estão migrando para o ambiente eletrônico – câmera de vídeo, fotográfica, telefone, etc – e as máquinas são acessíveis entre si, possibilitando que seus dados sejam compartilhados graças à conexão em rede20.

Das quatro propriedades apresentadas, as duas primeiras remetem ao uso popular do termo interativo. As outras duas funções, de acordo com a autora, ajudam a fazer as criações digitais parecerem tão exploráveis e extensas quanto o mundo real, correspondendo ao que se pode imaginar quando se afirma que o ciberespaço é imersivo. “Imersão é um termo metafórico derivado da experiência física de estar submerso em água, que causa a mesma impressão sensorial de uma experiência psicologicamente imersiva em uma realidade estranha” (Idem, p.101). Imersão é o termo utilizado para ilustrar o contato dos usuários do meio digital com ambientes virtuais extremamente bem resolvidos graficamente, como no caso dos MMOs, o que serve para reforçar a idéia sobre o poder espacial do computador, simulando paisagens cada vez mais realistas e enfatizando o sentido da tactilidade ligada a esta experiência.

No exercício de pensar os espaços representados nas narrativas digitais, torna-se importante abordar ainda o trabalho de Margaret Wertheim (2001), no qual ela articula a lógica percebida nas representações configuradas no ciberespaço com a concepção espacial constatadas nas obras do artista italiano Giotto, da Idade Média.

20Este debate sobre as propriedades do computador será retomado mais adiante, no capítulo em que apresento a

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Ali estava o equivalente medieval da realidade virtual, imagens tão convincentemente sólidas e aparentemente tridimensionais que visavam dar aos espectadores a impressão de estar contemplando figuras físicas reais em aposentos físicos reais (...) Giotto representou cada uma das figuras de tal modo que temos a impressão de estarmos olhando, através da parede, um espaço físico real sob o plano da figura (p.57)”.

O pensamento de Wertheim sugere que as obras do referido artista medieval são mais realistas para o olho humano porque têm dimensões mais próximas das existentes no espaço físico. As figuras são dotadas de peso e assim transmitem uma noção de volume, são tridimensionais como os corpos presentes no espaço físico. “A ilusão provocada por este espaço medieval, com seu detalhamento e complexidade é assombrosa” (Idem, p.199). Para efeito de comparação, a autora destaca a basílica de Assis (Cf.p. 200) desenvolvida pela companhia italiana Infobyte. A simulação do espaço nos ambientes digitais, feitas em três dimensões, causa um efeito que pode ser comparado à ilusão provocada pelas obras de Giotto. Uma impressão de estar contemplando um espaço fora do mundo real, mas que os corpos ali representados apresentam dimensões próximas dos elementos contidos no plano físico.

É interessante notar como os games digitais, desde a segunda metade da década de 90, vêm se tornando cada vez mais tridimensionais (3D) acompanhando a evolução lógica dos outros ambientes de realidade virtual. Jogos eletrônicos clássicos, como o Mario Bros., abandonaram a bidimensionalidade e já estão em suas versões 3D – até mesmo o pinball já tem o seu representante tridimensional, desenvolvido em 1995 pela empresa americana Máxis. Galaxies, por sua vez, apresenta gráficos nesta configuração, simulando o ambiente e os personagens do universo de Star Wars de acordo com os parâmetros tridimensionais do espaço físico.

Retornando cerca de uma década no tempo, o trabalho de Howard Rehingold (1993) também contribui de modo importante para esta discussão estabelecendo a noção de

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emulation (Cf.: p. 176-177) que, em certo sentido, corrobora a reflexão de Murray sobre o poder enciclopédico do computador. O fundamento desta reflexão é atribuído pelo pesquisador à capacidade do meio digital em simular o funcionamento de qualquer máquina – fato que pode ser comprovado hoje em dia, considerando os modelos digitais disponíveis para câmera de vídeo, fotográfica, televisão, telefone, etc. Através do computador, é possível ter a impressão de estar utilizando tais aparelhos porque o meio digital tem o poder de simular o funcionamento destas máquinas. Esta simulação acaba tornando certos procedimentos mais fáceis do que eram feitos anteriormente, de maneira mais demorada, em seus correspondentes analógicos - como o tratamento que pode ser aplicado na imagem fotográfica. O sentido de emulation é ampliado no momento em que Rheingold percebe que um computador pode também emular outro computador, quando seus dados e programas passam a ser compartilhados em rede. O advento da Internet permite que usuários interconectados acessem e compartilhem a informação contida em diferentes bancos de dados.

No mesmo livro, Rheingold investiga os diálogos presentes no IRC21, um dos sistemas

pioneiros em linguagem chat no mundo, que também nos serve de alicerce para construir uma reflexão sobre a representação da corporalidade do usuário nos ambientes do computador. O autor percebeu que o IRC habilitou uma subcultura global de construção do ser a partir de três elementos fundamentais: identidades artificiais, porém estáveis; rapidez na obtenção do conhecimento e o uso de palavras para construir um contexto imaginário de conversação, utilizado por todos os seus usuários. Ainda em Rheingold, podemos constatar que o IRC se apresenta como uma oportunidade do pesquisador de comunidades virtuais observar um experimento crítico progressivo, responsável por introduzir duas questões na academia: quais os elementos essenciais para um grupo adquirir um senso concreto de comunidade virtual?

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Quais estilos culturais emergem quando removemos do discurso humano grande parte de seus recursos, exceto as palavras escritas? (CF.: Idem, p.146)

Analisando os diálogos estabelecidos no IRC, Howard foi percebendo detalhes iniciais que podem contribuir em muitas reflexões sobre a comunicação mediada por computador. Notou que os usuários optavam, durante as conversações, pelo uso de estruturas verbais e gráficas - pontos, parênteses, letras, números - que combinadas faziam referência aos gestos e movimentos do corpo humano, no objetivo de suprir a ausência destas expressões, perdidas em diálogos puramente escritos. Este mecanismo é utilizado até hoje nas conversas estabelecidas no MSN, por exemplo, dentre outros canais de chat. O autor conclui que os usuários do IRC inventaram uma forma de “brincar” com a comunicação mediada por computador, simulando gestos e expressões do corpo humano (Cf.: Ibidem, p. 148). Esta forma de simulação corporal, utilizada para auxiliar a comunicação que se instala no IRC, pode ser compreendida como o primeiro passado dado pelo usuário na direção de emular o nível da comunicação essencialmente escrita típica dos ambientes digitais à oralidade do diálogo face a face, superando a ausência de recursos corporais como sorrisos, piscadas de olho, franzir de sobrancelhas, lábios contorcidos, etc.

* * *

Aarseth comenta o significado do termo interatividade (cf. 1997, p.48-50), pontuando que a expressão vem sendo largamente associada ao uso geral dos computadores e à cibercultura. Os modelos mais recentes de máquinas permitem que o usuário insira novos comandos enquanto um outro programa está sendo executado - ao contrário de computadores antigos, que apenas processavam dados já pré-carregados na memória.

Para Janet Murray (2003), esta a aplicação vaga e difundida do termo interatividade faz muita gente confundir seu real sentido com a noção de agência, que por sua vez insere

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uma face reflexiva no processo de interação. “Agência é a capacidade gratificante de realizar ações significativas e ver os resultados de nossas decisões e escolhas. Esperamos sentir a agência no computador quando damos um duplo clique no arquivo e ele se abre diante de nós” (p. 127). A idéia de agência, para a autora, compila algo mais que o ato de navegação e imersão em ambientes digitais. Deve envolver simultaneamente um esforço de raciocínio - é algo que não pode ser compreendido, por si só, como atividade motora. No game, o interator faz o agenciamento no instante em que insere os comandos – prevendo os possíveis desfechos - e aguarda o resultado de suas escolhas, expresso nos movimentos realizados por seu avatar.

Aarseth (1997), por sua vez, ainda nos mostra que a questão da interatividade está relacionada ao contato do usuário com interface gráfica do computador através dos chamados dispositivos de entrada, em especial o teclado e o mouse – e o resultado destas ações pode ser visualizado imediatamente no monitor do computador. É basicamente o que o autor identifica na experiência das interactive fiction ou ficções interativas, nas quais o usuário pode explorar um mundo simulado e estabelecer relacionamentos casuais com os objetos que ele vai encontrando pelo caminho, na tela (Cf.: p.50). O sentido do termo se altera para agência quando, durante o processo de navegação nos ambientes digitais, o interator deve refletir fazendo escolhas, ou ainda prevendo os eventuais desfechos, enquanto interage com os elementos da tela.

O agenciamento é muitas vezes confundido com o problema da autoria nos jogos eletrônicos. Na maioria dos games complexos como os MMORPGs, na medida em que vai jogando o usuário tem a sensação de estar criando algum tipo de conteúdo, a partir de cada ação ou decisão tomada no exercício de agência . Este tipo de ilusão é inerente ao formato do

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jogo, fazendo seu usuário sentir-se como autor de uma história desenvolvida no videogame. Para discutir questão, é necessário retomar o trabalho de Murray (2003).

Autoria procedimental significa escrever as regras pelas quais os textos aparecem tanto quanto escrever os próprios textos. Significa escrever as regras para o envolvimento do interator, isto é, as condições sob as quais as coisas acontecerão em repostas às ações dos participantes. Significa estabelecer as propriedades dos objetos e dos potenciais objetos no mundo virtual, bem como as fórmulas de como eles se relacionarão uns com os outros. O autor procedimental não cria simplesmente um conjunto de cenas, mas um mundo de possibilidades narrativas (...) o autor procedimental é como um coreógrafo, que fornece os ritmos, o contexto e o conjunto de passos que serão executados. (Cf.: Idem, p.149).

O “autor” de um jogo eletrônico deve prever todos os desfechos possíveis para a narrativa e as condições em que eles podem acontecer – a ação do interator se resume em promover combinações destas possibilidades. Todas as decisões que podem ser tomadas pelo jogador devem ser antecipadas pelo autor do game, que registra estes dados na forma de códigos binários gravados em mídia. O interator de um jogo eletrônico pode ser entendido como um autor, o que ele faz é apenas lidar com um conteúdo já escrito por outra pessoa, o autor procedimental. Existem certos games que, de tão complexos, fazem o jogador sentir-se como autor, quando na verdade a sua atividade é a agência.

* * *

Cabe agora considerar o trabalho de Jesper Juul (2001), no qual ele aponta elementos padrões que aproximam os games das estruturas chamadas narrativas. Porém, na contramão desta idéia, o autor mostra razões importantes que remetem a uma descrição não-narrativa do computador. Dentre os aspectos mencionados por Juul, o tempo parece o mais relevante, pois ele serve para distanciar o jogo dos outros estilos literários. Assim, o autor parece fundamentar-se na perspectiva narrativa dos games para construir sua idéia de descrição não-narrativa a partir da análise da dimensão tempo.

No artigo Games Telling Stories?, Juul argumenta que é possível contar histórias em games e que muitos deles se armam dos elementos narrativos, que podem ser percebidos

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sobretudo na fase inicial ou nas histórias de fundo. Além disso, narrativas e jogos eletrônicos compartilham inúmeros outros traços estéticos característicos – como enquadramentos utilizados nas narrativas cinematográficas, personagens arquétipos, entre outros. Porém, a ambição deste pesquisador pode ser traduzida na exploração de um importante fator que, segundo o mesmo, distancia os jogos eletrônicos das outras estruturas ditas narrativas. Para Juul, eles não pertencem ao contexto estabelecido nos modelos narrativos já reconhecidos - como cinema, teatro e novelas - pois o fator tempo figura de modo diferente nos games frente aos outros formatos literários. A relação entre o leitor/espectador e o universo da história diverge da interação entre jogador e o mundo do game.

Um dos objetos utilizados na análise de Juul é o jogo Star Wars, lançado pela a Atari em 1983, caracterizando-se como um dos primeiros títulos relacionados a Guerra nas Estrelas. A idéia é comparar elementos presentes em ambos os formatos, constatando que o game busca reproduzir pequenos trechos da história original, contadas nos filmes, para auxiliar no processo de imersão do jogador - o resto da experiência acontece em janelas temporais diferentes das mostradas no cinema. Juul identifica razões que podem motivar o interator a conectar-se ao game – como a própria referência à marca Star Wars. Entretanto, ele percebe certos fatos contados nos filmes que não foram transportados de maneira fiel para o game. Por exemplo, as relações pessoais entre os personagens e a história, em certa parte, são perdidas. No filme, os rebeldes explodem a Estrela da Morte; no game, o jogador pode destruí-la ou não. Se isto acontecer, outra estrela aparecerá e assim sucessivamente. À luz deste argumento, fica claro que o game não reproduz fielmente a história narrada nos filmes. Nesta fase relacionada à Estrela da Morte, se o jogador falhar, é um acontecimento diferente do que o espectador assistiu nos filmes; se ele vence, outra Estrela aparece, o que também é estranho no roteiro da narrativa cinematográfica.

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Juul reconhece que o interator pode notar uma semelhança entre o jogo e determinadas cenas de Star Wars, porém é errado afirmar que o game é capaz de reproduzir os eventos da maneira tal como são narrados em Guerra nas Estrelas. O que o jogo faz é simular a atmosfera e elementos dos filmes e disponibilizá-los para a ação do jogador. No cinema, a narrativa é o discurso elaborado pelo diretor. No game, o autor procedimental disponibiliza regras e ferramentas para o interator agenciar. Em Galaxies, a história se passa na janela entre os capítulos cinematográficos VI e V. O interator tem o poder de simular confrontos contra os soldados imperiais ou rebeldes, viagens interplanetárias, corridas de speeder, etc, pois todos estes textos foram escritos e disponibilizados pelo autor procedimental.

A história de Galaxies se prende em um eixo temporal que não é mostrado nos filmes de George Lucas, mas que por outro lado não impede alguém de apontar sua existência no contexto geral de Guerra nas Estrelas. Aqui a proposta de Juul ganha razão, pois fica nítido que o tempo não figura da mesma maneira nos dois casos. O autor ressalta que o conteúdo narrativo do filme não pode ser transportado para o game da mesma forma que é feito para uma novela, pois narrativa e interatividade não podem ocupar um mesmo espaço em um ambiente eletrônico. Em certos momentos do game, como a cena de abertura de Star Wars Galaxies, o interator assume a condição de espectador e o que entra em jogo é uma simulação da experiência cinematográfica. Já no decorrer das fases, o autor entende que a narrativa fica de lado para entrada da interatividade, a partir da interferência do jogador. Porém, percebe-se que a narratividade não fica ausente nestes momentos, pois a ação do interator consiste em interagir e agenciar o conteúdo, construindo assim a sua narrativa. Mesmo quando se desprende da condição de espectador, no jogo, o sujeito não para de ler o texto – o processo acontece nas condições propostas por Aarseth em sua perspectiva sobre a literatura ergódica.

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Ao final desta reflexão, o meu esforço foi de identificar os fatores que organizam a síntese entre game e literatura, à luz dos conceitos citados neste capítulo – atividade ergódica, interatividade e agência. A partir dos sentidos atribuídos a estes termos, foi possível pensar o envolvimento entre jogo e narrativa levando em consideração aspectos que aproximam ou distanciam as estruturas de cada um. O próximo capítulo será dedicado à investigação da relação entre os Role Playing Games e jogos eletrônicos para múltiplos usuários. A análise partirá de indagações relacionadas à noção de corporalidade presente nos dois estilos de jogos de representação.

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Capítulo 2. A corporalidade do RPG inscrita no design do game digital

Os Role Playing Games são jogos nos quais os participantes podem “incorporar” personagens ficcionais e dar seu próprio desencadeamento à história. Pioneiro no gênero dos jogos de representação, são domínios baseados em um livro que serve de suporte para outro participante, apontado como mestre, criar e conduzir a aventura. O resto do processo funciona de acordo com a habilidade deste mestre em desenvolver a trama, transmitindo de maneira satisfatória as noções do ambiente e dos personagens idealizados para o desafio. Para isto, ele deve recorrer ao uso de artifícios próximos do trabalho de interpretação, a exemplo de um ator de teatro.

Por convenção, o famoso RPG Dugeons e Dragons, lançado pela empresa americana TSR em 1974, é considerado o primeiro representante do gênero na história dos jogos. Entretanto, muita gente relaciona o surgimento destes jogos ao trabalho do escritor JRR Tolkien – autor de clássicos como O Hobbit (1937) e a trilogia Senhor dos Anéis (1954-55). O conteúdo proposto nestas histórias serve como pano de fundo para muitas das aventuras contadas nos RPGs. Tolkien concebeu um universo chamado Terra Média, habitado por seres fantásticos, como elfos, fadas, duendes, Orcs, etc. Os traços destes personagens criados pelo escritor podem ser encontrados na maioria dos desafios em RPGs, como também em filmes e histórias de ficção científica. A originalidade destes jogos de representação está na possibilidade do jogador “interpretar um personagem” em uma espécie de teatro interativo, inserido na atmosfera de uma realidade paralela – experiência que, segundo Murray, é “a forma mais ativa de engajamento do público” (2003, p. 53).

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Comparando RPG e MMO, é possível perceber elementos análogos entre ambos os formatos. A experiência de “vida alternativa”, o processo de configuração dos personagens, são alguns dos exemplos. Entretanto, neste capítulo interesso-me principalmente pela comparação dos processos comunicativos encontrados em cada um destes domínios. Em uma sessão de RPG, o único texto existente é o livro que serve de suporte para a criação da aventura. O resto da experiência é predominantemente oral, baseado no discurso do mestre e dos outros participantes. O MMORPG, por sua vez, é caracterizado por um modelo de comunicação escrito - considerando as caixas de diálogo disponíveis no jogo e as estruturas gráficas. Evidentemente, cada um destes regimes se acompanha de características específicas referentes à recepção e transmissão da informação.

Janet Murray considera que “jogos com ação ao vivo dependem de mecanismos explícitos de participação para manter a ilusão de um mundo ficcional” (2003, p.117). Um RPG não possui cenário nem figurino, apenas alguns recursos - como som, peças de vestuário, dentre outros – que podem ser utilizados para aguçar a imaginação dos jogadores e facilitar o processo de imersão, sendo este regime basicamente provocado pelo discurso dos participantes e da pessoa destacada para conduzir o desafio. Desprovido de elementos estéticos para representação, o mestre de usar de recursos do seu corpo – expressões faciais, gestos, alterações no tom de voz – para envolver os jogadores na trama. Estes mecanismos, a exemplo dos sugeridos por Murray, podem ser comparados às técnicas de interpretação teatral. Durante uma peça, os atores não contam com muitos recursos de cenário e figurino que, frente aos utilizados no cinema, são bem inferiores. No palco, o trabalho gestual e de interpretação feito pelo ator é o que mantém o espectador atento durante toda a apresentação.

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