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IX. CONCLUSÕES: FATORES FACILITADORES E LIMITANTES DA IMPLEMENTAÇÃO DO PSF EM CAMARAGIBE (PE)

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IX. CONCLUSÕES: FATORES FACILITADORES E LIMITANTES

DA IMPLEMENTAÇÃO DO PSF EM CAMARAGIBE (PE)

O município de Camaragibe localizado na região metropolitana de Recife, integralmente urbano, foi o menor dos municípios estudados em relação ao total de habitantes (128.000). Caracterizava-se por constituir uma “cidade dormitório”, localizada na beira de rodovia que liga a capital com o sertão pernambucano, cujo principal setor de atividade era o comércio, após a desativação de indústria têxtil de grande porte, com um mercado de trabalho caracterizado por elevada informalidade. Sua população era predominantemente feminina, jovem e de baixa renda, e apresentava importantes indicadores de vulnerabilidade social: em 1996, 40% dos chefes de família possuíam escolaridade inferior a 4 anos de estudo e, em 2000, segundo o IBGE, as condições de saneamento básico dos domicílios eram bastante precárias sobretudo no referente à ligação à rede geral de esgoto (somente 14% dos domicílios) e à rede de abastecimento de água (somente 61% dos domicílios).

A rede de serviços de saúde municipal concentrava-se na atenção básica existindo carências de serviços ambulatoriais de média e alta complexidade. Observou-se um elevado número de leitos por 1.000 habitantes, privados sob gestão municipal, porém não estavam adequados ao perfil de necessidades locais em saúde pois em sua maior parte eram leitos psiquiátricos de referência estadual.

Em março de 2002 Camaragibe contava com 31 ESF que atuavam em 32 USF, alcançando cerca de 80% de cobertura populacional. Em geral as USF eram de fácil acesso à população que informou alcançá-la à pé, embora apenas metade dos auxiliares de enfermagem e ACS concordassem muito que a USF é acessível à população cadastrada. A implantação do PSF ocorreu por iniciativa do secretário municipal de saúde que criou, em 1994, um projeto piloto ligado diretamente a seu gabinete. Além da iniciativa do dirigente municipal podem ser destacados como aspectos facilitadores o caráter pioneiro do projeto em âmbito nacional que credenciou os gestores a participarem da formulação do PSF nacional com técnicos do Ministério da Saúde, e a base de apoio plural no momento inicial da implantação do programa, congregando organismos internacionais, o próprio Ministério da Saúde e organizações da sociedade civil interessados na transformação do modelo assistencial vigente.

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No momento inicial o PSF em Camaragibe enfrentou resistências dos profissionais de saúde das unidades tradicionais – relacionadas com as diferenças salariais e as novas propostas de organização da assistência – assim como da população que temia a redução da qualidade da atenção à saúde com a realização do atendimento por profissional não especialista. Essas resistências foram revertidas com a discussão da proposta no Conselho Municipal de Saúde e com as associações de moradores. No momento da pesquisa os gestores informaram contar com o apoio desses segmentos contudo haviam surgido novas resistências por parte das corporações profissionais – relacionadas com a modalidade de contratação dos profissionais das ESF e com conflitos de atribuições entre médicos e enfermeiros – e dos prestadores privados devido à redução das internações.

Dificuldades de comunicação com a SES-PE e insuficiente cooperação entre os dois níveis governamentais na condução da política de saúde local foi fator limitante na implantação da estratégia, segundo o gestor municipal.

Um aspecto facilitador do processo de implementação do PSF em Camaragibe estava relacionado com a continuidade político-administrativa de coalizão partidária de centro-esquerda durante os três últimos mandatos executivos e legislativos. Esta continuidade teve reflexos na estabilidade de gestão do programa da qual alguns integrantes participavam engajadamente desde a implantação e na sua capacidade de mobilização social. O processo de alto aprendizado institucional do município de Camaragibe caracterizado por sua primeira habilitação simultânea à implantação do PACS/PSF em 1994 como gestão parcial, passando à gestão semi plena no ano seguinte, e desde junho de 1998 habilitado em gestão plena do sistema de saúde, foi outro fator facilitador observado.

Entre as estratégias que contribuíram para a ampliação da base de apoio do PSF em Camaragibe destaca-se a mobilização e criação de canais de participação popular implementadas pelo governo local. A partir de 1997 a prefeitura criou o Programa de Administração Participativa que criou mecanismos de participação social na gestão municipal. O executivo municipal aderiu à orçamentação participativa e organizou um Conselho de Delegados, gerando articulação entre setores sociais, como educação, saúde e assistência social. A intensa mobilização social em algumas áreas facilitava a realização pela ESF de atividades extra-muros na comunidade e atuação intersetorial voltada para os problemas de saúde das famílias. Cerca de um quarto dos profissionais de nível superior na semana anterior à pesquisa realizaram contatos com outros órgãos e entidades visando a resolução de problemas da comunidade.

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A assunção pelo governo municipal de um projeto ampliado de reorientação das políticas públicas com o intuito de promover melhoria das condições de vida da população, conferindo à política de saúde papel fundamental. A conversão do modelo de atenção básica à saúde no município foi assumida como política de governo.

Embora implementado de início como projeto-piloto o PSF foi concebido como estratégia de reorganização da atenção à saúde e de extensão de cobertura: 4 unidades básicas tradicionais foram transformadas em unidades de Saúde da Família e assumiram o papel de porta-de-entrada do SUS local, ao mesmo tempo que centros de saúde tornaram-se policlínicas com incorporação de alguns serviços especializados e novas unidades foram instaladas em imóveis alugados.

A esta estratégia soma-se a posterior reestruturação da SMS com a extinção da coordenação específica do PSF e a criação de cinco gerências territoriais vinculadas à Coordenação de Atenção Básica, com o objetivo de promover a integração dos serviços de saúde e dos equipamentos coletivos em cada área e melhorar os fluxos de referência. Um fator limitante de melhor desempenho das ESF era o elevado número de famílias adscritas por equipe, estendendo-se cobertura principalmente por meio da incorporação de maior número de ACS por área. O excessivo número de famílias sob responsabilidade de cada equipe sobrecarregava os profissionais da ESF, dificultava a realização de todas as atividades preconizadas pelos profissionais da ESF e a garantia de atendimento articulado da demanda espontânea e programada, além de provocar filas nas unidades.

A baixa capacidade instalada de saúde anterior ao PSF foi fator dificultador para a implementação. Das 32 USF existentes em março de 2002, em Camaragibe, 26 estavam instaladas em imóveis alugados que em boa parte apresentava estrutura física inadequada limitando a realização de atividades essenciais do PSF com privacidade para os profissionais e usuários. Dois terços dos ACS e auxiliares de enfermagem consideraram o espaço físico das USF inadequado, e, metade dos profissionais de nível superior entendeu que as USF não dispunham da tecnologia necessária à realização de ações básicas em saúde. Exames laboratoriais não eram realizados na USF segundo a experiência de 87% das famílias entrevistadas. Em algumas outras cidades estudadas, como maneira de facilitar o acesso dos pacientes a estes serviços a coleta de material para exame era realizada na USF.

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Um limitante crucial para a reorganização da assistência à saúde a partir da atenção básica decorria da baixa oferta de serviços de especialidades médicas e de apoio diagnóstico de média complexidade. Apesar de investimentos municipais em centros de especialidades e readequação dos leitos contratados observou-se grande dificuldade para garantir o atendimento integral permanecendo problemas de acesso aos níveis de maior complexidade. A ampliação da cobertura da atenção básica esbarrou em oferta insuficiente nos outros níveis de atenção produzindo estrangulamento dos fluxos no sistema.

O problema da dificuldade de acesso à assistência médica também foi reconhecido pelos profissionais e famílias. Os profissionais de nível superior entrevistados destacaram dificuldades relacionadas ao encaminhamento para serviços especializados (metade dos médicos discordaram da afirmativa de que o PSF conta com um sistema de referência e contra-referência). Famílias identificaram como um dos principais problemas a dificuldade de acesso ao atendimento e marcação de consultas e avaliaram criticamente o acesso a medicamentos.

A atomização do sistema de saúde nos limites dos territórios municipais mesmo em regiões metropolitanas (a NOAS da regionalização encontrava-se em início de discussão) impedia a realização de referência para a capital. A oferta insuficiente de serviços secundários e terciários, a inexistência de mecanismos de integração do sistema de saúde (centrais de marcação de consultas, exames e internações), a baixa regulação para acesso ao segundo nível de atenção e a falta de recursos de telefonia e informática conformavam um quadro de frágil estruturação do sistema de saúde, em parte explicada pela carência de recursos financeiros municipais dada baixa capacidade de arrecadação e insuficiente redistribuição de recursos federais.

A criatividade dos gestores, todavia, minimizava dificuldades decorrentes da precariedade de determinados recursos. Havia flexibilidade na organização do atendimento em parte das USF negociando-se estratégias com a comunidade para o atendimento da demanda espontânea como a reserva de número de consultas ou turnos específicos durante a semana, facilitando a garantia de atendimento de demandas imediatas da população. Iniciativas para ampliar a comunicação entre especialistas e médicos do PSF para discussão de temas clínicos foram também empreendidas.

A articulação entre as Diretorias de Assistência e Vigilância facilitava a realização pelas ESF de atividades de saúde coletiva. Contudo, na opinião dos gestores seria necessária

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maior integração entre o PSF e programas de saúde coletiva, a qual dependeria de maior disponibilidade de tempo das equipes para ações coletivas a partir da redução do número de famílias adscritas, e melhor capacitação nesta área, ainda que parte considerável dos profissionais de nível superior fosse pós-graduada em saúde pública.

Permanecia como grande desafio articular os serviços de emergência, de especialidades e as USF. Os gestores consideraram que o programa se constituía em porta de entrada preferencial do sistema de local, o que foi corroborado pela maioria dos profissionais das equipes, contudo parcela expressiva da população procurava serviços de emergência em caso de adoecimento. Cerca de um terço dos entrevistados (36%) informou que em geral frente a adoecimento ou mal-estar procura a USF (para estes a USF seria serviço de procura regular), contudo apenas um quinto dos familiares informaram que em experiência de doença nos últimos 30 dias o recurso utilizado foi a USF. Pode-se dizer que a não constituição da USF como porta de entrada não dependeu tanto do desenho da estratégia de saúde da família ou de sua implementação, mas dos limites impostos pela oferta insuficiente, em função do número excessivo de famílias com sobrecarga das ESF, dificuldade em atender a demanda espontânea por uma concepção muito voltada para a organização da demanda, além de oferta de horários tradicionais de atendimento ou ausência de estratégias de acolhimento.

Em termos de financiamento o PSF atingira o limite superior dos incentivos do MS segundo faixas de cobertura, sem perspectivas de elevação de recursos desta fonte. Camaragibe apresentava baixa capacidade de arrecadação própria com alta dependência de transferências governamentais, especialmente da União. Apesar de importantes dificuldades financeiras, o compromisso municipal com a saúde expressou-se no cumprimento da EC 29. No ano 2000, o município alocou 14% de seus recursos em saúde. Outro aspecto facilitador da implementação do PSF em Camaragibe evidenciado foi a experiência prévia dos profissionais em atenção básica, a formação em saúde pública de quase a metade de seus profissionais (critérios para a seleção do programa) e investimento dos gestores na capacitação de seus profissionais, tendo sido criado curso de especialização em saúde da família. Para esta formação, foram construídas parcerias com instituições de ensino de nível superior e as USF tornaram-se campo de estágio de alunos de graduação e locais de profissionalização de auxiliares de enfermagem e ACS, contribuindo para a formação de profissionais para a atenção primária na região.

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Foram evidenciadas baixa rotatividade de profissionais e alta estabilidade das ESF, facilitando a implementação. Entretanto, a inserção dos profissionais das ESF por meio de cooperativa sem garantia de direitos trabalhista contribuiu, mais recentemente com a expansão do PSF em outros municípios, para a perda de profissionais experientes, além de gerar polêmica e causar resistências de entidades profissionais. A isonomia salarial entre todos os profissionais de nível superior foi fator facilitador para adesão de enfermeiros. A supervisão do trabalho das ESF era realizada rotineiramente por parte de gerentes de território contribuindo para a solução de problemas cotidianos e conferindo a esta atividade um caráter cooperativo claramente percebido pelos ACS.

O uso rotineiro de informações consolidadas do SIAB com comparação das informações entre as equipes apoiava a avaliação do desempenho das ESF e a redefinição de metas com o intuito de melhorar os indicadores de saúde em cada área. Dados do SIAB eram analisados mensalmente pelos gerentes de territórios e coordenadores e repassados trimestralmente às ESF. Todavia os gestores salientaram a dificuldade de uso de informação para monitoramento das ESF devido à fragmentação dos sistemas de informação e inexistência de mecanismos de conexão entre bancos de dados, existência de diversos instrumentos de coleta e sistema local não informatizado.

A análise da vulnerabilidade dos chefes de famílias, moradores e domicílios pesquisados apontou os condicionantes sociais e econômicos do processo saúde - doença da população local que interferem na eficácia da estratégia. Também permitiu comparar as características de vulnerabilidade das famílias adscritas ao PSF com o conjunto da população do município, indicando a priorização dos grupos mais vulneráveis.

Entre as 240 famílias pesquisadas no município de Camaragibe verificou-se maior proporção de chefes de família idosos, sendo a taxa de vulnerabilidade educacional dos chefes das famílias pesquisadas superior a observada no conjunto dos chefes de família do município. No grupo pesquisado, 83% dos chefes de família apresentaram a vulnerabilidade à pobreza relacionada à cor ou raça negra e parda. Quanto à renda somente 9% dos chefes de família foram classificados como não pobres (mais de 3 SM), 48% tinha renda miserável (até 1 salário mínimo), 33% renda muito baixa (entre 1 e 2 salários mínimos) e 8% baixa (entre 2 e 3 sm). Também era muito elevada a informalidade do trabalho: 71% dos chefes de família que trabalhavam não tinham carteira assinada.

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Estas formas e graus de vulnerabilidade dos chefes de família foram similares para os moradores dos domicílios pesquisados em seu conjunto, sugerindo importantes limites para a atuação das ESF, apesar da importância da implementação deste projeto para populações com tão elevado risco social.

Das condições de infra-estrutura urbana destacaram-se a ausência de ligação com a rede geral de esgoto em 81% das casas, a existência de valas negras em 48% destes domicílios e a falta de ligação com a rede geral de água em 33% dos domicílios (inferior ao conjunto do município 39%). As percepções das famílias sobre os problemas de saúde da comunidade guardaram coerência com as características dos domicílios: os dois principais problemas da comunidade livremente apontados pelos moradores foram infra-estrutura urbana em geral (69%) e infra-estrutura de saneamento (57%) seguidos por violência (23%).

Na pesquisa realizada evidenciou-se maior prevalência de portadores de doenças crônicas do que de integrantes do grupo materno infantil, com pequeno número de grávidas e crianças menores de um ano. A cobertura assistencial oferecida correspondia a este perfil com elevado percentual de acompanhamento pelas ESF (inclusive ACS) de menores de dois anos (88%), diabéticos (81%) e hipertensos (75%), conforme informado pelas famílias, indicando a implementação de diretrizes da estratégia.

As atividades realizadas pelo PSF foram, em geral, bem avaliadas pelas famílias e a satisfação das famílias pesquisadas com o PSF (78%) foi a mais elevada entre os oito estudos de caso realizados na pesquisa que incluíram inquérito junto às famílias.

A mudança no modelo assistencial preconizada pelo PSF, centrada em programação de atividades para grupos de risco e oferta organizada, confronta-se com as demandas individuais por assistência. A adequação entre respostas às necessidades individuais e coletivas é um importante nó crítico da estratégia Saúde da Família. Estratégias de acolhimento podem propiciar a desejada articulação, reduzindo barreiras de acesso percebidas pelas famílias pesquisadas e contribuindo para o estabelecimento da USF como porta de entrada e serviço de primeiro contato regular para as famílias. O acesso à atenção integral, entretanto, permanece dependente de esforços de organização do sistema de saúde e de investimentos em atenção secundária, fatores apenas parcialmente sob governabilidade dos gestores municipais.

Sem dúvida, a implementação do PSF em Camaragibe ampliou acesso à atenção à saúde e garantiu cobertura assistencial de atividades preconizadas para a atenção básica para

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grupos populacionais muito vulneráveis, potencialmente contribuindo para a inclusão social. Equacionar a ampliação de cobertura de atenção primária resolutiva com oferta adequada em níveis mais complexos todavia, é impasse a ser superado, neste, e na maior parte dos municípios brasileiros.

Referências

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