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A criminalidade no cotidiano da cidade de Santo Antônio de Jesus:

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Academic year: 2021

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A criminalidade no cotidiano da cidade de Santo Antônio de Jesus: 1890-1930

Stefanie Rocha Carneiro Pinho1

1. Introdução.

O objetivo do presente trabalho é mostrar o perfil da criminalidade na cidade de Santo Antônio de Jesus entre 1890 e 1930, período conhecido como República Velha. A criminalidade aqui abordada refere-se ao conjunto de práticas e comportamentos considerados ilegais pelo sistema político e judicial da época.

Situada no Recôncavo Baiano, uma área próspera no Estado da Bahia, o município de Santo Antônio de Jesus obteve sua emancipação durante o fervilhar republicano e abolicionista, em 1880. Anos antes era construído o primeiro trecho de estrada de rodagem que o ligava ao município de Nazaré, além da inauguração da estrada de ferro. Todos esses fatores contribuíram para promover o rápido crescimento da Villa e afirmar sua importância para a região.

Portanto, mesmo se tratando de um pequeno município, no começo do século XX o comércio já se mostrava um setor que atraía um público considerável e junto aos vendedores e compradores da feira livre municipal, surgiam tavernas e casas onde se praticava o “jogo do bicho” e o consumo de bebidas alcoólicas, lugares que eram alvos fáceis para repressão de contravenções penais como a embriaguez e a vadiagem.

Essas contravenções penais e muitos outros crimes tiveram suas punições reforçadas pelo Código Criminal de 1890 e foram legalizadas pela nova Constituição Republicana de 1891. O advento desse novo sistema político trouxe com ele uma gama ideológica que iria interferir na sociedade brasileira em todos os aspectos da vida pública e pessoal, configurando-se em um contexto de intensos conflitos e subversão dos costumes, contrapostos aos comportamentos e normas que as elites dirigentes republicanas tentariam impor, principalmente às classes indesejadas pelo novo governo, ou seja, os populares.

1Aluna do 7º semestre de Licenciatura Plena em História pela Universidade do Estado da Bahia

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Porém, é importante ressaltar que essa interferência dos valores republicanos foi sentida de diferentes formas de acordo com a peculiaridade de cada região e cidade do Brasil. Enquanto na Capital Federal essas mudanças foram impostas radicalmente e se tornaram visíveis, em vilas como a dessa pesquisa seus efeitos foram mais leves. Como bem adverte Nicolau Sevcenko, “é necessário relativizar a questão do isolamento dessas populações para explicar a permanência de valores, práticas sociais e concepções que destoavam dos que vigoravam nos centros urbanos.” (SEVCENKO, 1998, pg. 62). Apesar de não ser um centro urbano como Salvador, o fluxo de visitantes na vila era grande, devido ao comércio, e ainda aumentava consideravelmente em épocas festivas, aumentando o risco de ocorrência de atos considerados criminosos.

Todo esse estudo só é possível com a análise dos processos criminais do período em questão, além da pesquisa em jornais da cidade e da região. Através dessas fontes é possível montar quadros estatísticos, analisar discursos, conhecer o cotidiano dos habitantes da cidade e entender vários aspectos da questão aqui proposta.

2. Tensões sociais e valores de classe.

A elite brasileira almejava que o país seguisse o rumo das nações “civilizadas” a qualquer custo, a modernização seria vista nas ruas das capitais e sentida principalmente pelos mais pobres, pois as classes menos favorecidas não estavam incluídas nesse projeto. A pobreza urbana representava um grave problema para os governantes e a partir da nova constituição seriam criadas e reforçadas diversas medidas para controlar os “desvalidos da República”. Alguns focos de tensão surgiram ainda no período pré-abolição com a urgência de decidir qual seria a função dos ex-escravos na sociedade. Nesse contexto de transição para uma sociedade de “homens livres”, o negro viria a ser considerado parte integrante da chamada “classe perigosa” e ameaçaria a estabilidade social do novo regime. Como explica Cristiane Rodrigues,

na cidade, portanto, o negro funciona como a metáfora do mal, ajudando a socializar o medo e constituindo uma referência a partir da qual se irá instituir a exclusão urbana dos outros ‘males’ da cidade. [...] Nem mesmo o branco (pobre) escapará, identificado como em seus ‘vícios’ à malignidade negra. (RODRIGUES. 2001, p. 57)

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Esses vícios a que a autora se refere se constituiriam em infrações penais como a prostituição, o jogo-do-bicho, a capoeiragem e o ócio, todos presentes em processos penais da época na cidade de Santo Antônio de Jesus. O jogo e a bebedeira tinham presença marcada na feira livre municipal onde a venda de produtos de fabricação doméstica, com destaque para a farinha de mandioca, gerava uma intensa movimentação de cidadãos da cidade e região. O dia-a-dia comum à grande massa das classes populares presente no interior do Brasil – em menor número do que na capital, porém mantendo a mesma intensa intimidade entre si – já era marcado por conflitos e brigas domésticas em decorrência da proximidade e da excessiva relação de dependência, ocasionadas pelos escassos recursos com que se mantinham. A cidade pequena, onde todos se conheciam, não deixava de ter grandes problemas por ordem da proximidade com que todos mantinham seus relacionamentos, porém havia certas ocasiões em que as chances de conflitos aumentavam.

O fluxo de visitantes aumentou consideravelmente com a inauguração da Estrada de Ferro Nazarém, em 7 de setembro de 1880, alguns meses após a emancipação política da cidade. Essa novidade pareceu trazer o progresso. Segundo Hélio Valadão, “Viajantes de toda parte descarregavam mercadorias manufaturadas, procedentes dos grandes centros industriais e recebiam produtos rurais. [...]” (VALADÃO, 2005, pg.58). As festas dedicadas aos santos católicos também atraíam uma gama de visitantes expressiva, uma tradição que marca a cidade até os dias atuais. Essas ocasiões mostravam a sociabilidade dos homens do mundo rural e urbano que, misturados em todas as classes, exacerbadas em suas próprias ambições e desafios, acabava sendo geradora de tensões e conflitos.

Nessa perspectiva, esse grande fluxo de pessoas de outras regiões poderia favorecer o crescimento do número de crimes na cidade, principalmente nas épocas de festejos religiosos embalados pelo álcool. Situação fácil para que criminosos e vândalos atuassem sem serem descobertos e voltassem para suas cidades como de costume.

3. Os mecanismos de vigilância e repressão.

O grande trunfo nas mãos dos governantes para manter a “ordem e o progresso” do país seriam os mecanismos de vigilância e de repressão. Esses mecanismos se tratavam basicamente da polícia e dos seus métodos coercitivos, agindo para assegurar a vigência da constituição, de acordo com a qual, “[...] a polícia é uma instituição preventiva, agindo com o

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seu poder de intimidação [...] uma boa polícia tem mais força que o código penal e mais influência que a prisão.” (RODRIGUES, 2006, p.2)

Era visível a repressão policial às camadas mais pobres da população e principalmente aos negros. Baseadas em conceitos científicos da época, as autoridades policiais usavam da arbitrariedade para julgar os cidadãos de acordo com um “perfil de criminalidade”. As roupas eram um quesito importante para determinar se referido indivíduo se encaixava em algumas contravenções, nas capitais havia regras para regulamentar a vestimenta padrão, como no Rio de Janeiro, por exemplo.

Sem dúvida, a contravenção mais visada para manter o controle governamental sobre as pessoas foi a vadiagem, praticamente todos de classe média baixa eram vadios em potencial de acordo com as autoridades policiais. Por outro lado, a associação entre a vadiagem e o conceito de “classes perigosas” permitia estabelecer uma relação entre populares e contravenções, justificada pela necessidade de implementar uma disciplina social pensada pelo Estado Republicano e aplicada pelos órgãos policiais.

A vadiagem, portanto, era uma forma de controle sócio-político em cujo projeto o ócio representava um perigo para a manutenção da ordem e o ato de vadiar seria a preparação para cometer os verdadeiros crimes constitucionais. Segundo as autoridades políticas e jurídicas da época, a importância de combater as contravenções era pela possibilidade de reeducação do indivíduo, enquanto na criminalidade as punições seriam verdadeiramente severas.

Entre os crimes previstos nas leis republicanas estariam: “Crimes contra a segurança de pessoa e vida” tratando-se basicamente de homicídios; “Crimes contra a propriedade pública e particular” ou furtos; “Crimes contra a pessoa e a propriedade”, ou seja, roubos e “Crimes de ultraje público ao pudor e contra a segurança da honra e honestidade das famílias” nos quais se encaixavam crimes como o atentado ao pudor e o defloramento, por exemplo.

Esses crimes seriam regulados na esfera municipal de forma a corresponder aos valores republicanos, porém se adaptando às peculiaridades locais. Marilene Silva argumenta que

é possível acompanhar o crescimento e a consolidação do poder municipal, pelo menos em termos formais, em virtude da distância entre o teor da lei e a práxis da vida na cidade. Medidas legais, muitas vezes, ficavam somente no papel, sendo canceladas ou esquecidas, devido ao desconhecimento e, mesmo a falta de pessoal competente para a sua agilização. (SILVA, 2004, p. 10)

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Santo Antônio de Jesus contava com um Batalhão de Cavalaria de Guardas Nacionais desde fevereiro de 1834, onde 509 guardas se encarregavam do serviço ordinário, uma grande quantidade em relação à pequena população. O batalhão, com a ajuda da Câmara Municipal, prestava intensos serviços para implantar a civilidade na nova vila. A Câmara, por sua vez, criava leis municipais de controle social, como assevera esta passagem do livro “Uma cidade, várias histórias”.

Em Santo Antônio de Jesus algumas leis foram criadas com este fim, como aponta o Artigo 22 da Lei do Conselho Municipal de 20 de março de 1893, onde proibia, sob pena de multa de dez mil réis, o funcionamento de tavernas e casas onde se encontrasse “espírito forte” após as oito horas da noite. (OLIVEIRA e SANTOS, 2010, p. 52)

4. Conclusão.

Nota-se, portanto, que a ideologia republicana de civilidade alcançava os mais recônditos lugares, como a precoce vila que serve de objeto para esse estudo. Porém, é necessário avaliar em que níveis aquela ideologia se apresentava nas diferentes localidades, que se mostrava maior ou menor de acordo com fatores diversos os quais não cabe aqui discutir agora.

O que importa é notar o quão eficiente se mostrou a máquina republicana em prol de conseguir se manter no poder, tentando afastar toda e qualquer possibilidade de revoltas e perturbações da ordem, através da vigilância e exclusão dos mais pobres da possibilidade de se expressar livremente na sociedade de acordo com suas possibilidades e gostos particulares.

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5. Referências.

COSTA, Alex Andrade; OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. . Uma cidade,

várias histórias: Santo Antônio de Jesus séculos XIX e XX. Santo Antônio de Jesus,

BA: União, 2010.

RODRIGUES, C. A construção social do vadio e o crime de vadiagem (1886-1906). 2006. 129 f. Dissertação (Mestrado em História Social) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2001.

SEVCENKO, Nicolau. . História da vida privada no Brasil: república: da belle époque á era do rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

SILVA, Marilene Rosa Nogueira da. Normatizando o Espaço Carioca: cultura política e sociedade nos primeiros anos da República. In: SANTOS, Cláudia Andrada dos; BARROS, José D’Assunção; FALCI; Miridan Brito (orgs). Espacialidades: espaço e cultura na História, Vassouras, RJ:LESS, 2004.

VALADÃO, Hélio. Santo Antonio de Jesus: sua gente e suas origens. Santo Antônio de Jesus, BA: Academia de Letras do Recôncavo, 2005.

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