• Nenhum resultado encontrado

9 de fevereiro de 2021

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "9 de fevereiro de 2021"

Copied!
40
0
0

Texto

(1)

Processo

879/18.0T8VCT.G1.S1

Data do documento

9 de fevereiro de 2021

Relator

Acácio Das Neves

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | CÍVEL

Acórdão

DESCRITORES

Abuso do direito > Venire contra factum proprium > Princípio da confiança > Doação > Procuração > Documento

autenticado > Falsidade > Invalidade > Nulidade do contrato > Associação > Lar de terceira idade

SUMÁRIO

I. O abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium resulta da violação do princípio da confiança, traduzida no facto de o demandante agir, de forma claramente ofensiva, contra as fundadas expetativas por ele criadas no demandado, no sentido do não exercício do direito.

II. Age com abuso de direito, na dita modalidade, o autor recorrente que, após incentivar e acompanhar o processo de construção de um lar e da constituição da ré Associação, à qual doou dois prédios seus para aquele efeito (e sendo que tal projeto veio a ter a participação de outros doadores), vem invocar e pedir a invalidade da procuração (que assinou e enviou do estrangeiro) com base na falsidade da respetiva autenticação (cujo termo também assinou e enviou) e, por consequência, a invalidade da doação.

(2)

nas pessoas da terra em geral, a justificada expetativa de que jamais viria questionar a invalidade da doação.

TEXTO INTEGRAL

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA instaurou ação declarativa comum contra “Associação Conceição e Manuel Soares”, BB e CC, pedindo:

a) A declaração de falsidade da procuração de … .03.2014, no seu conjunto, porquanto é falso o termo de autenticação lavrado pela 3ª ré/solicitadora CC, por nada do que dele consta se ter verificado ou corresponder à verdade.

b) A declaração da invalidade e ineficácia da procuração.

c) A declaração, consequentemente, de invalidade e de ineficácia da doação lavrada com base numa procuração falsa, o que nos termos do art. 268º C. Civil consubstancia representação sem poderes, o que implica a ineficácia do contrato de doação em relação ao A., por configurar uma doação de bens alheios.

d) A restituição da ré Associação ao autor dos bens imóveis identificados no art. 7º da p. i., nos termos do art. 289º C. Civil, ou, se a restituição em espécie não

(3)

for possível por a ré ter alienado entretanto os bens, o pagamento ao autor do valor correspondente.

e) O cancelamento dos registos de aquisição a favor da ré/Associação em sequência do contrato de doação inválido e ineficaz.

Alegou para o efeito e em resumo que, pretendendo ceder gratuitamente os seus imóveis para as pessoas carenciadas.…. (através de comodato, usufruto) e doar dinheiro para a construção de um lar, por si controlado, o réu BB e os membros da direção da Associação deturparam o seu projeto, forjaram uma procuração falsa, constituíram a Associação e procederam à ilícita e dolosa doação dos seus imóveis em favor da 1ª ré (sem uma cláusula de reversão no contrato de doação dos imóveis) e ainda lhe exigiram 600.000 US Dólares, mesmo depois de descobertos os atos ilícitos e dolosos praticados.

Alegou que a procuração outorgada por si, datada de … de março de 2014, é falsa, por ser falso o termo de autenticação da mesma, porquanto declara terem-se passado na presença da 3ª ré factos que não se verificaram ou não foram praticados ou não ocorreram, que a falsidade do “termo de autenticação” lavrado pela solicitadora/3ª ré invalida o texto da declaração negocial denominada “procuração” e, consequentemente, a mesma enquanto procuração, porquanto não foi cumprida a forma legal (formalidade “ad substanciam”), exigida para a validade do negócio jurídico, nos termos dos arts. 262º/2, ex vi do art. 220º C. Civil, ferindo-a de nulidade, e sendo nula a procuração em que se atribuem ao BB poderes de representação para a celebração do contrato de doação dos imóveis a favor da Associação/ré, aplica-se conaplica-sequentemente ao ato de doação o regime estabelecido no art. 268º C.

(4)

Civil para a representação sem poderes, implicando a ineficácia/nulidade do negócio (contrato de doação) em relação ao autor, que nunca quis o mesmo e consequentemente nunca o ratificou e que a doação operada consubstancia uma doação de bem alheio.

Mais alega que, sendo o contrato de doação nulo e ineficaz, deve ser restituído, nos termos do art. 289º C. Civil, tudo o que tiver sido prestado, ordenando-se assim a restituição pela 1ª ré dos imóveis ao património do autor e o cancelamento dos registos a favor da Associação/ré.

Na contestação que apresentaram, a ré Associação e o réu BB, invocaram a caducidade do direito invocado pelo autor, o abuso de direito e defenderam-se por impugnação.

A ré CC apresentou contestação na qual se defendeu por impugnação.

Prosseguindo os autos e realizada a audiência de julgamento, foi proferida

sentença, na qual se decidiu julgar a ação improcedente, sendo os réus

absolvidos dos pedidos.

Na sequência e no âmbito de apelação do autor, a Relação …, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, confirmou a decisão da 1ª instância.

Inconformado, interpôs o autor/apelante recurso de revista excecional (que veio a ser admitido pela Formação a que alude o nº 3 do artigo 672º do CPC), no qual formulou as seguintes conclusões:

(5)

a Sentença da primeira instância, a qual julgou improcedente a ação por ter julgado procedente a exceção de abuso de direito.

Pedia o A.:

a) A declaração de falsidade da procuração de … .03.2014, no seu conjunto, porquanto é falso o termo de autenticação lavrado pela terceira Ré/Solicitadora CC, por nada do que dele consta se ter verificado ou corresponder à verdade, conforme arts. 69 a 84 da p.i.;

b) A declaração da invalidade e ineficácia da procuração em relação ao A.;

c) A declaração da invalidade e ineficácia da doação lavrada com base na procuração falsa, o que nos termos do art. 268º do Código Civil, consubstancia representação sem poderes, o que implica a ineficácia do contrato de doação em relação ao A., por configurar uma doação de bens alheios;

d) A restituição ao A. dos bens imóveis identificados no art. 7 da p.i., nos termos do art. 289º do Código Civil, ou, se a restituição em espécie não for possível por a Ré/Associação ter alienado entretanto os bens, o pagamento ao A. do valor correspondente;

e) O cancelamento dos registos de aquisição a favor da Ré/Associação, em consequência do contrato de doação inválido e ineficaz.

Entendeu o Acórdão recorrido:

“considerar ilegítima a arguição pelo A. da invalidade da procuração para doação (por falsidade do seu termo de autenticação) e da ineficácia do acto de

(6)

doação, por violação dos limites da boa-fé, nas modalidades de venire contra factum proprium e de lesão das expectativas de confiança, criada na contraparte e na comunidade de freguesias …… em geral ….” uma vez que “... é manifestamente ilegítimo o direito do A. arguir e obter o reconhecimento: da invalidade da procuração, por a mesma não ser autenticada, por falsidade do termo de autenticação, quando a mesma foi por si efectivamente subscrita e teve consciência que a falta de autenticação geraria a invalidade; da ineficácia da doação dos imóveis, com a subsequente restituição dos bens doados no acto de doação, por falta de poderes válidos do procurador, por si efectivamente mandatado em procuração nula por falta de forma, quando pretendeu doar os imóveis, gerou a constituição da donatária/contraparte, a actividade consumada desta de terceiros, a aceitação da doação em acto público e autenticado e a tomada de posse dos prédios.” (sic).

Concluiu assim pela improcedência da apelação, mantendo a Sentença recorrida.

I. O Recorrente não se pode conformar que a falsidade de uma procuração contendo um termo de autenticação falso, aliás reconhecida pelo Acórdão recorrido, a fls. 38 (2º parágrafo) do mesmo, considerando que os factos provados (1.31 a 1.37) “são suficientes para a integração da falsidade do termo de autenticação, nos termos do art. 372º do C. Civil, ex-vi do art. 376º/1 do C. Civil, por terem sido atestados pela solicitadora Ré factos por si não observados nem verificados”; e ainda a fls. 43 (ponto 2.2.2.) a fls. 44 (2º parágrafo) do mesmo - possa ser afastada pela figura do abuso de direito, residual/subsidiária, mera válvula de segurança do ordenamento jurídico.

II. A ação deveria ter sido julgada procedente, declarando-se a falsidade da procuração no seu conjunto (fls.15, 33 e 113) por ser falso o termo de

(7)

autenticação lavrado pela 3ª Ré/Solicitadora, CC (“pois nada do que dele consta se passou na realidade”), uma vez que foram dados por provados pela Relação os factos fixados sob os números 1.31 a 1.37 da Sentença. Não tendo estado o A. presente no ato de autenticação da procuração, ao contrário do que refere o “termo”, não teve direta intervenção no mesmo.

Entendeu porém a Relação que o abuso de direito sanava tal falsidade.

III. A falsidade da procuração (art.372º/2 CC) determina a sua nulidade, pois que o termo de autenticação não é uma mera formalidade ad probationem, mas antes uma formalidade ad substantiam, não podendo o regime das nulidades que dela decorre ser afastado por um eventual abuso de direito (cfr. cit. BMJ nº 482).

IV. Os factos transcritos no corpo da presente alegação, nos pontos 3. (factos provados), 4. (não provados) e 5. (aditados), que aqui se dão por integralmente reproduzidos, salvo o devido respeito, não configuram abuso de direito, e muito menos têm a virtualidade de afastar uma nulidade resultante de um vício (falsificação) que se destina a proteger valores de interesse e ordem pública que visam defender a certeza e a segurança do comércio em geral e do tráfego jurídico, mormente o imobiliário, pelo que nunca aquele instituto poderia excluir uma nulidade decorrente da falsificação verificada nestes autos.

V. Está assente pelas Instâncias a matéria de facto indicada no anterior IV. sobre a qual se vai discorrer, penitenciando-se o Recorrente por transcrever o que está no corpo das alegações, uma vez que já ali se trata de uma síntese. Podia ter-se optado por remeter V. Exas para 6. das alegações, onde se procura demonstrar que o alegado factum proprium não foi de molde a criar nos Recorridos uma situação objetiva de confiança.

(8)

Refira-se então que:

O A. nasceu na casa de família, .… (……), em 1950; nessa casa de seus antepassados (pais, avós e bisavós) viveu até emigrar para os …. em 1971 (com a idade de 20 anos), ali se radicando definitivamente, obtendo a cidadania, trabalhando até se reformar e casando. Veio a Portugal pela última vez em 1998, aquando da morte de sua mãe.

Em … .05.2014 era proprietário da casa .…. e terreno que herdou, prédios identificados em 1.7 (cfr. 1.1 a 1.7 da matéria de facto provada).

“O A. a determinada altura teve a ideia de dar um destino social à casa de família, pretendendo acolher gratuitamente pessoas necessitadas, “o que inicialmente pensou fazer em favor das pessoas ……, ideia que depois foi adaptando para a construção de um lar de idosos, com possibilidade de beneficiar população de outras freguesias, ….” (cfr. 1.8 e seu aditamento).

Tinha ainda a intenção de dispor de 600 mil dólares para as necessárias obras a realizar na sua casa, em ordem ao referido objetivo.

Em 2013, o A. manifestou essa vontade à sua amiga de infância (DD), a qual por sua vez sugeriu contactar outra pessoa da freguesia, muito ativa e indicada para o efeito (BB) (cfr. 1.9 e 1.10). Sucede que o A. até 2015 teve como único interlocutor o BB; tendo sido este que passou palavra aos demais autarcas e ao jornal “…..”, assim se tornando público, não o projeto que o A. lhe transmitira para a sua casa …., mas aquilo que o BB (…… da CM…) engendrou e pôs em marcha, para um projeto megalómano, envolvendo seis freguesias, fora da sua casa.

(9)

Cfr. 7ª página da Motivação da Sentença, onde expressamente refere que o EE: “falou duas vezes com o A. ao telefone quando o BB deixou de falar com o A.”

E a 4ª página daquela Motivação, onde refere que o FF “referiu que não conhece o A., apenas tendo falado com o mesmo uma vez por telefone, talvez em 2016. Soube pelo co-réu BB da doação da casa e do dinheiro por parte do A. ….”.

Não obstante assim ser e terem sido ambos ouvidos em depoimento de parte, a Sentença chama-lhes testemunhas e valoriza como tais os depoimentos.

E é assim que a Sentença e o Acórdão dão como provados o excerto que segue em itálico:

“O A.: manifestou desde as primeiras conversas com a DD e o R. BB a vontade de ser consultado em todas as operações atinentes ao fim em vista, “o mesmo tendo dito ao ….. Junta de Freguesia na altura (EE), entre outros; quis conhecer o projeto de edificação do Lar de Idosos que conheceu; em determinada altura não apurada manifestou à sua irmã que queria que a doação do dinheiro referida em 1.9 fosse feita através de pagamentos da obra de construção do Lar, à medida que esta fosse feita, e fosse sendo por si aprovada, após autorização sua e mediante transferência de dinheiro que depositara na conta bancária da referida irmã.”, tinha preocupação quanto às questões do caminho de acesso à propriedade, por ser estreito (e não passar nele, por exemplo, uma ambulância) e a do saneamento e salubridade da mesma, entendendo que tais obras deveriam ficar a cargo de entidades externas, nomeadamente o Município e a Junta de Freguesia, pontos de que fazia questão, pelo menos após o final de 2015” (cfr.1.11 e seu aditamento).

(10)

Diga-se a título de comentário que estas exigências do Recorrente, prévias ao início da obra (inexistente) não foram cumpridas até à presente data, encontrando-se pelo contrário, os prédios (casa e terreno) cobertos de mato, por outras palavras, nenhuma obra foi feita (1.44 e 1.45), como se pode verificar no local.

Da mesma forma se diga que o projeto mostrado pela Associação ao Recorrente não era um projeto para a sua casa, razão pela qual não consentiu nem autorizou o mesmo - cfr. nos Docs. de fls.159/243, o email de … .12.2014 – reproduzido em letra quase ilegível - com a epígrafe “……”, documento este que começa por dizer, em palavras do BB: “Finalmente consegui um bocado de tempo para te mandar as imagens da casa”, e anexa fotografias em miniatura de uma maquete que nada tem a ver com a casa.

Como dito, foi no Verão de 2013 que o Recorrente contactou a DD e de seguida o BB, com vista a pôr em prática a ideia que tinha para a sua casa.

Em Outubro e Novembro de 2013, o BB começou a fazer diligências supostamente para concretizar a vontade do Recte quanto à sua casa …. - (cfr. Docs.de fls159/243), respetivamente de 31.10.2013 (Anexo 2), 7.11.2013 (Anexo 3) e 8.11.2013 (Anexo 5), juntos no instante final da audiência de julgamento, depois de concluída a produção de prova, num conjunto desordenado e sem critério - que nada tinham a ver com o projeto para a casa do A., assim desvirtuando a vontade deste.

Antes visava a Associação a construção de um Lar de raiz com 45 quartos e depois 200 (cfr.1.17), sem qualquer cabimento, na relativamente exígua casa do Recte. (com 230 m2), sem qualquer capacidade para tal (cfr.Doc.fls.23, com

(11)

data de 15.1.2016). Foram assim anexados diversos terrenos ao do Recte, sem seu conhecimento, perfazendo uma área de 26.745,00 m2, para o Lar que contaria com: “salas, refeitórios, cozinha, copas, lavandaria, etc., contaria ainda com ginásio, com tanque hidroterapêutico, com balneários masculinos e femininos, salas de banho geriátrico, macas banheiros, gabinete de enfermagem, casa das máquinas, lavandaria, biblioteca, duas capelas, pátios ajardinados, entre outras coisas mais”(1.18).

O Recte só falou com a DD que o endossou para o BB, desligando-se de imediato. Passou a falar exclusivamente com o BB (…… CM…. – cfr. ata nº 20/2014, de fls.172) e, já em final de 2015, quando já não falavam os dois, falou ainda com o EE (uma vez) e com o FF (uma vez), quando estes, sem que o conhecessem, lhe telefonaram.

Permita-se ainda o desabafo que, apesar de provado que o Recte falou de início também com o EE (….. Junta Freguesia …), a verdade é que, do depoimento de parte do mesmo, confessado, gravado e transcrito, resulta que só falaram depois do BB sair de cena, em finais de 2015 (cfr.Doc.de fls.27/Vº e 28, transcritos em 1.24).

Notem-se no documento as referências à data de 14.09.2015, no início, e ao EE (EE), no final.

A mesma situação se passa com o FF, que no depoimento de parte, gravado e transcrito, confessou só ter falado com o A. em finais de 2015 ou mesmo em 2016.

A entrada em cena do EE e do FF ocorre assim só após a comunicação constante da fotomontagem do BB (fls.27/Vº e 28) no qual diz: “da última vez

(12)

que o contactei 14/09/2015 ….”

Foi também após essa data que o Dr. GG foi a …., confirmando as desconfianças do A. de que fora desapossado dos imóveis, o que aconteceu através da doação.

O EE e o FF apenas sabiam o que o BB lhes dizia, isto até finais de 2015, pelo que sendo até então o BB o único interlocutor, como podia o Recte, nos …, formar uma opinião pública em …….? Só podia ter sido o BB a formar a opinião pública.

Opinião pública que resultou “publicada” nos artigos do jornal local “.…..”, como ainda em 23.06.2020 uma vez mais aconteceu, com a notícia acompanhada da fotografia do BB, não certamente pela voz do Recorrente (cfr.Doc. 1, ora junto, e Docs. de fls. 28/vº a 31/vº).

VI. Nada podia assim levar os RR a criarem uma expectativa segura e idónea que lhes permitisse levar a cabo um projeto numa área de 26.745,00 m2 (cfr.cit.Doc. fls.23 a fls 24/vº), muito superior à área da casa do Recte com 230 m2 (cfr.Docs.fls.12 e 13/vº), investindo numa confiança que, objetivamente, lhes não foi por ele criada.

Como nunca houve entendimento entre as partes, nunca se criou uma situação objetiva de confiança como a descrita em 1.16, 1.17 e 1.18. Pelo contrário: definitivamente incompatibilizados o Recorrente e o BB, em 14.9.2015 (cfr.1.20, 1.21,1.23 e Doc.fls.27/vº e 28), o que levou os Recorridos a investir nessa suposta confiança, a ponto de levarem por diante um projeto fora da casa do Recte?

(13)

Só podem ter atuado, uma vez mais, de má-fé, tentando pôr aquele perante um facto consumado. Quando muito podia enquadrar a norma do art. 227º CC.

Resulta do exposto que não se verificaram no caso dos autos os pressupostos do abuso de direito, pelo que deverão V.Exas julgar improcedente a exceção, revogando o acórdão recorrido.

Afastada a exceção, e retomando o que se disse em 1. e 2.:

VII. Forçoso é concluir que a procuração falsificada dos autos (art.372º/2 CC) tem de ser havida por inexistente/inválida, uma vez que lhe falta o termo de autenticação (formalidade essencial ad substanciam) (1.31 a 1.37), vício genético que a atinge e paralisa os efeitos, precisamente porque a lei não quer que do negócio nulo resultem efeitos (Ac. STJ, de 15.12.98, BMJ Nº 482, págs. 27 e segs., na pág. 234 e Ac. STJ, de 17.01.02, CJ, X, T.1, págs. 48 e segs.). Encontrando-se consequentemente o Réu BB desprovido de poderes de representação, contaminando tal vício a validade e eficácia da doação subsequente, deverá esta considerar-se ineficaz em relação ao Recorrente.

A figura do abuso de direito, residual/subsidiária (válvula de segurança do ordenamento jurídico) não pode validar uma nulidade decorrente de uma procuração falsa, por evidente perturbação e alarme social, impedindo a segurança do comércio em geral e do tráfico jurídico, nomeadamente no tocante à certeza da propriedade imobiliária, face à reconhecida falibilidade da prova testemunhal, abrindo-se uma autêntica “caixa de Pandora”.

VIII. A presente Revista tem por fundamento a violação, pelas instâncias, da norma do artigo 334º do Código Civil, por erro de interpretação e de aplicação, ao entenderem que o abuso de direito sana a nulidade decorrente da falsidade

(14)

contida na procuração dos autos, e aplicando ainda, indevidamente, ao caso concreto o próprio abuso de direito; foram assim desprezadas as normas imperativas dos artigos 220º, 262º/2, 268º/1, 286º, 294º, 363º/3, 364º/1, 372º/2 e 289º/1, todos do CC.

Nestes termos e nos mais de direito, deverão V. Exas conceder provimento ao presente recurso de Revista e, em consequência, revogar o Acórdão recorrido, julgando procedente a ação e condenando-se os Recorridos nos pedidos formulados na p.i. e reproduzidos no início das presentes alegações.

Os réus/recorridos contra-alegaram, pugnando pela improcedência da revista.

Dispensados os vistos, cumpre decidir:

Ema face do teor das conclusões recursórias, enquanto delimitadoras do objeto da revista, a questão de que cumpre conhecer consiste em saber se existe abuso de direito na invocação, pelo autor ora recorrente, da invalidade da procuração e da doação.

É a seguinte a factualidade dada como provada e como não provada pelas instâncias:

Factos provados:

(15)

concelho …...

2. Na casa de seus pais, avós e bisavós, viveu com os pais e irmãos, frequentou a escola primária da freguesia, a catequese na Igreja da localidade, ali passou a sua infância e juventude, fazendo as suas amizades.

3. Em 1971, com 20 anos de idade, menor naquele tempo, autorizado por seus pais, emigrou para os …., onde se fixou em definitivo até ao tempo presente, adquirindo a nacionalidade americana em 1977, vivendo atualmente em ….., …...

4. Radicou-se nos …., aí tendo organizado a sua vida doméstica, social e profissional, ali trabalhou, casou e reformou-se.

5. Desde então veio a Portugal e a …. apenas em 1980, 1981, 1986 ou 1987, 1989 ou 1990 e em 1998, pela última vez, aquando da morte da sua mãe.

6. Em ….. e no lugar ….., na mencionada casa de família que veio a herdar, viveram e morreram seus pais, avós e bisavós, encontrando-se sepultados na freguesia de …….

7. O A. era, em … de Maio de 2014, proprietário de dois imóveis em Portugal – que constituíam a mencionada casa de família – em ….., herdados de seus referidos pais, a saber:

a) prédio urbano composto de casa de habitação, dependência, quinteiro e rossio inculto, situado no lugar …., freguesia….., concelho…., com a área d 1.430 metros quadrados, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de ….. sob o nº ….., aí registado a

(16)

favor do A., pela inscrição/apresentação nº 3 de 30 de Maio de 1989 – a mencionada casa de família (Docs. 1 e 2, de que se juntam cópias, protestando-se juntar certidões);

b) Prédio rústico composto de terreno de pinhal, situado no lugar …., freguesia ….., concelho …., com a área de 14.369 metros quadrados, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … (correspondente ao artigo … da antiga matriz), descrito na Conservatória do registo Predial …., sob o nº .., registado a favor do A. pela inscrição/apresentação nº …, de 30 de Maio de 1989 – docs. de fls. 12 a 14 vº.. 1.8. O A. a determinada altura teve a ideia de dar um destino social à casa de família, pretendendo acolher gratuitamente pessoas necessitadas.

8. O A. a determinada altura teve a ideia de dar um destino social à casa de família, pretendendo acolher gratuitamente pessoas necessitadas, o que inicialmente pensou fazer em favor das pessoas…., ideia que depois se foi adaptando para a construção de um lar de idosos, com possibilidade de beneficiar população de outras freguesias…. (salientado a itálico adicionado pela Relação).

9. O A. tinha ainda a intenção de dispor da quantia de 600.000 US Dólares (Seiscentos mil dólares americanos), para as necessárias obras a realizar nos prédios em ordem ao referido objetivo.

10. Em 2013, o A. manifestou essa sua vontade a uma pessoa amiga da freguesia ….. (D. DD), sua conhecida de infância, a qual, por sua vez, sugeriu contactar outra pessoa da freguesia (BB, o 2º R.), por ser uma pessoa muita ativa e indicada para o efeito, ao que o A. anuiu.

(17)

vontade de ser consultado em todas as operações atinentes ao fim em vista, o mesmo tendo dito ao ….. Junta de Freguesia na altura (EE), entre outros; quis conhecer o projeto de edificação do Lar de idosos, que conheceu; em determinada altura não apurada manifestou à sua irmã que queria que a doação do dinheiro referida em 1.9. fosse feita através de pagamentos da obra de construção do Lar, à medida que esta fosse feita e fosse sendo por si aprovada, após autorização sua e mediante transferência de dinheiro que depositara na conta bancária da referida irmã: tinha preocupação quanto às questões do caminho de acesso à propriedade, por ser estreito (e não passar nele, por exemplo, uma ambulância) e a do saneamento e salubridade da mesma, entendendo que tais obras deveriam ficar a cargo de entidades externas, nomeadamente Município e a Junta de Freguesia, pontos de que fazia questão, pelo menos após o final de 2015 (salientado a itálico adicionado pela Relação).

12. O R. BB enviou ao A., no início de 2014, um documento denominado “Procuração”, pedindo a assinatura do A. e que o devolvesse, como fez (Doc.5 junto com a p.i. a fls. 15), e conforme lhe foi pedido, à Solicitadora CC/3ª Ré, em …., pessoa que o A. não conhecia.

13. O A. assinou tal documento – Procuração - e devolveu-o nos termos descritos em 1.12. 1.14. Simultaneamente, no início de 2014, o R. BB, juntamente com EE e FF puseram em marcha diligências para a constituição de uma Associação, designadamente obtendo o número de pessoa coletiva, redigindo os estatutos, escolhendo o local da sede na casa do A., etc.

15. O BB contratou para o efeito a referida Solicitadora CC/3ª Ré, tendo constituído a Associação, no Cartório Notarial…, em 28 de Março de 2014, com a denominação de “Associação Conceição e Manuel Soares, sendo membros

(18)

fundadores da mesma BB, EE e FF (cf. doc.7 de fls. 15 vº a 22).

16. A Associação, tendo como Presidente da Direção o R. BB, avançou com um pedido de licenciamento de obras na CM ….., em 2015 (Processo nº 28/15), para construção de uma Estrutura Residencial para Pessoas Idosas, para uma capacidade de 64 utentes, no terreno do A. e outros (documentos 8 e 9 juntos com a p.i., fls. 22 vº a 26), tendo sido apresentado na CM projeto de arquitetura e de especialidades e contratado para o efeito um arquiteto.

17. Também foram desenvolvidas diligências junto do Instituto de Segurança Social ….., com vista à aprovação e legalização do projeto de um lar de raiz, e bem assim junto da Unidade de Saúde Pública …., com o mesmo propósito (doc. 10 junto com a p.i., fls. 26 vº e ss) a fim de construir um lar de raiz, começando com 45 quartos (para 64 pessoas), a implantar numa área de 26.745 m2, prevendo mesmo aumentar o projeto para 100, e depois 200 quartos, supostamente com recurso a fundos europeus.

18. Lar esse que, para além dos iniciais 45 quartos, salas, refeitórios, cozinha, copas, lavandaria, etc., contaria ainda com ginásio com tanque hidroterapêutico com balneários masculinos e femininos, salas de banho geriátrico, macas banheiros, gabinete de enfermagem, casa das máquinas, lavandaria, biblioteca, duas capelas, pátios ajardinados, entre outras coisas mais.

19. O A. é sócio fundador da Associação/Ré – cf. fls. 193 e ss.

20. O A., desavindo com o BB, pretendeu o seu afastamento do projeto, e contratou um advogado….., Dr. GG, para se deslocar a …., o que aconteceu em finais de 2015.

(19)

21. Em …., o Advogado contactou a Câmara Municipal e as Finanças e deslocou-se ao escritório da 3ª Ré Solicitadora CC, em ….., por haver constatado ter sido esta quem lavrou o contrato de doação, solicitando-lhe cópias do mesmo, e bem assim da procuração com base na qual fizera a doação.

22. A assembleia geral da 1ª Ré, agendada para 17 de Março de 2018, inclui na ordem dos trabalhos a alteração da designação social e respetivo logotipo da Associação/Ré – doc. de fls. 32.

23. O A. pretendeu o BB afastado do projeto ….., o que transmitiu entre outros, à DD durante o Verão de 2015.

24. Na sequência, o co-réu BB, Presidente da Direção da 1ª Ré, dirigiu ao A. as comunicações constantes de fls. 27 vº e 28, de 14/9/2015 e 2/2/2016, cujo teor se dá aqui por reproduzido.

25. A CM aprovou o projeto o que comunicou à ré por ofício de 26.01.2016.

26. O A. não avançou com qualquer parcela do dinheiro.

27. Em data que não consegue precisar, do início de 2014, o A. recebeu, com data de 18 de Março de 2014, do R. BB, com quem já então mantinha contactos acerca do projeto social do A., um documento dactilografado, expedido pelo correio postal, intitulado de “PROCURAÇÃO” a favor dele BB, conferindo-lhe:

- “poderes para me representar em escritura pública de doação, Casa Pronta, ou em documentos particulares autenticados, à Associação Conceição e Manuel Soares, NIPC 51…65, com sede no lugar de …, freguesia de …, concelho de …., referentes aos bens imóveis sitos na freguesia ….., concelho ….., inscritos na

(20)

respectiva matriz sob os artigos ….. urbano e ao artigo …. rústico, assinando assim as respectivas escrituras e documentos análogos de doação” (cf. doc. 5, de fls. 15, juno com a p.i.).

28. E ainda, entre outros poderes:

- “Podendo assim fazer negócio consigo mesmo”;

- “E ainda para junto das autoridades administrativas, Repartição de Finanças e Conservatória do Registo Predial, requerer certidões, prestar e efetuar averbamentos e cancelamentos à inscrição e proceder a retificação de áreas e quaisquer averbamentos, prestar as necessárias declarações complementares, requerendo e assinando tudo o que for necessário aos indicados fins”;

- “E para juntos dos CTT-Correios, assinar e levantar as respetivas correspondências registadas com ou sem aviso de receção e outras”.

29. O R. BB foi o autor do texto da declaração negocial transcrita, elaborada pela co-ré CC, denominado “procuração, recebido pelo A. no início de 2014 nos …...

30. O A. assinou este documento em confiança, sabendo que sem a sua assinatura reconhecida no Consulado de Portugal, como já fizera anteriormente ao tratar de assuntos de família, o documento de nada valia, e assim devolveu o mesmo, assinado.

31. Assinado o documento o mesmo foi enviado dos …., conforme indicação do BB, para a 3ª Ré/ Solicitadora – que o A. nunca conheceu e com quem nunca falou.

(21)

32. A 3ª Ré/Solicitadora lavrou, com a mesma data de 18 de Março de 2014, um denominado “Termo de Autenticação” (cf. doc. 17 junto com a p.i., a fls. 32 vº).

33. No dito “termo de autenticação” declara-se: que o A., solteiro, maior, morador em ….., compareceu perante ela (3ª Ré), nesse dia, na Rua …., em …..

34. Mais declarou a 3ª Ré que verificou a identidade do outorgante pela exibição do Bilhete de Identidade nº …., válido até ….. de 2015; e declarou ainda que o A. lhe apresentou para fim de autenticação a procuração que disse ter lido e que exprimia a sua vontade.

35. E finalmente declarou: “Li este termo e expliquei o seu conteúdo”.

36. O A. desde 1998 que não vem a Portugal.

37. O A., encontrando-se então nos ….., não compareceu naquela indicada data perante a 3ª Ré/Solicitadora, no seu escritório; não lhe declarou que era solteiro, porquanto naquela data era casado; não lhe exibiu o seu BI; não lhe apresentou a procuração; o A. não lhe declarou tê-la lido e que exprimia a sua vontade negocial.

38. A Solicitadora/3ª Ré, de acordo com as instruções do R./BB, elaborou igualmente um contrato de doação, tendo como objeto a transmissão para a Associação/Ré dos dois imóveis do A. supra identificados. (cf. doc. 22 junto com a p.i., fls. 34 e ss).

39. A Associação Ré é uma Instituição Particular de Solidariedade Social, denominada Associação Conceição e Manuel Soares, NIF 51…65, reconhecida

(22)

como pessoa coletiva de utilidade pública, desde 18/06/2014 – cfr. doc. nº 1 ora junto.

40. A Associação decidiu levar a cabo um projeto de construção de um lar.

41. Para o efeito, obteve de várias pessoas doações de imóveis e dinheiro, tendo adquirido e permutado outros prédios.

42. Após ter na sua posse e propriedade todos os imóveis em causa, procedeu a retificações de áreas, nivelamento de terras e demais atos para aprovação do projeto dum lar, o que veio a acontecer.

43. Entre doações de imóveis a favor da ora Ré, consta o prédio urbano e rústico pertencentes ao A., através da doação titulada pelo documento de fs. 34 e ss.

44. A ora Ré aceitou aquela doação, entrou na casa em questão, procedeu à limpeza e a reparações na mesma, mudou fechaduras, ali fez reuniões e praticou todos os atos que entendeu.

45. O Autor de imediato lhe entregou as chaves de casa; de igual modo, tendo o Autor lhe entregue o terreno rústico em causa, a ora Ré procedeu à limpeza do mesmo, anexou ao mesmo outros artigos, executou remoção de terras, plantou árvores e praticou todos os demais atos que entendeu.

46. É a Ré que desde a data em que recebeu os imóveis do Autor os possui, com conhecimento do público em geral, sem oposição de quem quer que seja e à vista de toda a gente.

(23)

47. Sendo certo que se encontra na sua posse pacífica, por si e seus ante-possuidores há mais de 5, 10, 15, 20, 30, 40 anos.

48. Após a aceitação daquela doação procedeu ao registo daqueles imóveis em seu nome e respetivos averbamentos na administração tributária, momento a partir do qual pagou os respetivos impostos que incidem sobre aqueles imóveis.

49. Usufrui, a Ré, destes imóveis, por si e seus antecessores, de forma pacífica, contínua, ininterrupta, pública, beneficiando de tudo o que aqueles prédios lhe proporcionam, com a plena convicção de ser a sua exclusiva proprietária.

50. A Ré limitou-se a aceitar aquela doação feita pelo Autor, registá-la, tomar posse dos prédios com o consentimento, autorização e conhecimento do Autor e público em geral e praticar os demais atos até ao presente, designadamente, obras de reparação, nivelamento e remoção de terras, anexação de terrenos, apresentação do projeto de construção naqueles prédio.

51. Tudo isto de forma pacífica, pública e sem oposição de que quer que fosse, nomeadamente do Autor que desde sempre teve conhecimento daqueles atos.

52. O Autor sempre teve intenção: de doar aqueles prédios à Associação, ora Ré, declaração essa do A. que depois foi anunciada publicamente, para quem quis ouvir e para a comunidade em geral que doava aqueles imóveis à ré, nos termos referidos em 74. infra; e ainda de uma avultada quantia de dinheiro para início de obras, nos termos de 9 supra (facto este resultante de correção efetuada pela Relação).

53. O A. doou prédios em questão à ora Ré no sentido em que o pretendeu, a fim de constituir um lar para acolher pessoas carenciadas.

(24)

54. É com o sentido de apoiar na idade sénior, pessoas carenciadas, sem família, doentes ou quem assim o pretender e justificar que a Associação existe e tem o seu principal objetivo, tendo, para o efeito, envolvido a comunidade de quatro freguesias e demais público e cidadãos em geral e as próprias Juntas de Freguesia.

55. Foi entregue ao Autor um álbum com fotografias alusivas ao lançamento da primeira pedra e uma medalha comemorativa do mesmo ato que ocorreu em Junho de 2016, neste ato presencialmente representado pela irmã HH.

56. O Réu BB limitou-se a desenvolver todos os esforços para cumprir a vontade manifestada pelo Autor, tendo, para o efeito, contactado as entidades competentes para formalização deste projeto e, posteriormente, na posse das informações legais e necessárias, entregue o procedimento burocrático a profissionais competentes, designadamente, solicitador, contabilista, arquiteto, engenheiro…

57. O Autor sempre teve conhecimento que a Associação seria constituída, de imediato e após lhe doaria o artigo urbano (casa) e os 600.000 dólares aquando da aprovação do projeto.

58. Tanto assim, propôs ao Autor que a Associação fosse designada com o seu nome, face à entrega dos dólares, ao que o Autor contrapôs pretendendo e quis que ficasse o nome dos pais, o que aconteceu.

59. O Autor envia a procuração à Solicitadora, conferindo poderes ao BB para doar aqueles imóveis à Associação.

(25)

60. O BB assina a escritura de doação dos imóveis, após todo o procedimento, exclusivamente, preparado, formalizado, executado e agendado pela Solicitadora, desconhecendo em absoluto o método e a preparação deste procedimento, inclusive, a forma de obtenção e assinatura da procuração.

61. O artigo rústico doado, correspondente a uma “tira de terreno”, tinha a área de 4160m2, tendo sido atribuído o valor de €22.75 e ao artigo urbano doado o valor de €18.740,00.

62. No início de 2014, provavelmente entre o mês de Fevereiro e início de Março, BB, EE e o FF (órgãos da Associação Conceição e Manuel Soares) e ainda o arquiteto II, solicitaram uma reunião com a ré CC, que decorreu no restaurante R..., em ….. ao final da tarde, informando-a de que estaria a ser constituída uma Associação com o nome de “Associação Conceição e Manuel Soares” com o propósito de construir um lar para a terceira idade.

63. Nessa reunião foi-lhe dito também que várias pessoas da terra estariam a doar e vender alguns terrenos àquela Associação para esse efeito, sendo que o nome do autor surgiu aí como um dos “mecenas” que iria doar dois imóveis, razão pela qual a dita Associação teria o nome de seus pais.

64. Nesse sentido, e por forma a formalizar as doações pretendidas por aquela Associação, ali representada pelos seus órgãos, solicitaram os bons ofícios da ré para que esta fizesse os documentos necessários para tal propósito, sendo que estariam em causa doações e compra e vendas de alguns imóveis que integrariam o património daquela Associação.

65. A ora ré, atendendo ao escopo da Associação (construção de um lar de terceira idade), anuiu ao pedido da Associação, prontificando-se desde logo a

(26)

efetuar os serviços de solicitadoria necessários sem cobrança de honorários à Associação (recebendo tão só as despesas), numa atitude altruísta para com a sua terra, contribuindo, assim, para uma boa causa social no seu o concelho.

66. Foi então que efetuou pro bono inúmeros serviços de solicitadoria para aquela Associação, designadamente de retificação de áreas, confrontações, documentos particulares autenticados, registos, e diversa documentação para instruir os atos necessários.

67. Muitos documentos estavam já elaborados pelos órgãos da Associação, tais como pareceres da segurança social, da autarquia local, da Junta de Freguesia, estatutos, etc, tendo-lhe sido simplesmente facultados para a realização dos serviços a que se comprometera.

68. Tendo verificado que o autor, proprietário naquela data de dois imóveis que iriam ser doados à Associação, se encontrava a residir nos …., solicitou a competente procuração, porquanto os órgãos da Associação lhe comunicaram que o Sr. AA não tencionava deslocar-se a Portugal para o efeito, nem tinha tempo de se deslocar ao Consulado.

69. Nesse momento a ora ré, que não conhecia pessoalmente o autor, elaborou por forma a ser enviada ao A. pelo réu BB a procuração constante de fls. 15 dos autos e bem assim simultaneamente o termo de autenticação, com informação que enviasse estes documentos assinados e os devolvesse via CTT.

70. A Ré CC, face às especiais circunstâncias de amizade entre o réu BB e o autor, e sempre confiando nos órgãos da Associação, e porque informada que o A. não se deslocaria a Portugal para o efeito, em consequência, minutou a procuração e o termo de autenticação.

(27)

71. Assim, ambos os documentos (procuração e termo de autenticação), foram minutados com uma data futura (18/03/14) por forma a dar tempo ao autor de os expedir via CTT devidamente assinados para o escritório da ora ré, o que efetivamente sucedeu.

72. Uma vez rececionados ambos os documentos já assinados pelo autor, a ora ré aguardou pelo dia 18/3/14 e registou online a autenticação da procuração.

73. Depois disto, a ré CC tratou da doação pretendida pelo autor, tendo liquidado o devido imposto de selo na Repartição de Finanças e efetuado o pedido de averbamento da titularidade dos imóveis na Repartição de Finanças e apresentado a registo.

74. A doação foi lida em voz alta na sede da Junta de Freguesia …, perante todos os Sócios presentes e devidamente assinada pelos órgãos da Direção (BB, que também assinou na qualidade de procurador do autor, EE e o FF), e os documentos devidamente arquivados e depositados no sistema do Registo Predial on-line conforme a legislação da altura.

75. Depois de ter realizado esses atos, e outros atinentes às demais doações e compra e venda de imóveis para a Associação, não mais a ora ré teve qualquer contacto com aquela Associação ao longo de todos os anos volvidos, à exceção de uma vez, no ano de 2015, ter recebido no seu escritório um advogado do autor solicitando-lhe certidão da doação e dos documentos arquivados, o que prontamente foi cumprido pela ora ré.».

(28)

76. A 28 de maio de 2014, por documento particular com a epígrafe “CONTRATO DE DOAÇÃO”, autenticado pela solicitadora CC, por termo de autenticação da mesma data com a epígrafe “TERMO DE AUTENTICAÇÃO”:

a) BB, na qualidade declarada de procurador de AA, declarou doar à Associação Conceição Manuel Soares os prédios sitos na freguesia ….., concelho …. - o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o art…. e o prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o art…..-, por conta da quota disponível do doador.

b) BB, EE e FF, em nome da Associação Conceição Manuel Soares, declararam aceitar a doação (certidão de fls.59 a 61/verso).

Factos não provados:

1. (Eliminado pela Relação).

2. O A. propunha-se mesmo ceder a título gratuito (v.g. comodato ou usufruto) os seus referidos imóveis, para esse fim, de forma a que pudesse reavê-los quer no caso de os beneficiários não prosseguirem a finalidade pretendida, quer ocorrendo a situação de deixar de haver pessoas necessitadas na freguesia.

3. (Eliminado pela Relação).

4. (Eliminado pela Relação).

5. O BB insistia, contra a vontade do A., que a casa tomasse o nome de “….”, o qual não tinha qualquer sentido para o A.

(29)

6. Mais sugeriu o BB que, uma vez tendo o A. a intenção de destinar os imóveis ao acolhimento de pessoas necessitadas, onerasse os mesmos, através de hipoteca, para obtenção de financiamento bancário, ao que o A. se recusou terminantemente, dizendo que nunca o faria com os seus bens.

7. Foi sem conhecimento do A. e à sua revelia que foi constituída a Associação Ré.

8. Foi sem dar conhecimento ao A. que os RR BB e a Associação praticaram os atos melhor descritos supra em 1.14. a 1.18 dos factos provados.

9. Ou seja, o R. BB tomou as rédeas de tudo, tratando o assunto como coisa sua, sem nunca ouvir o A. e contrariando frontalmente a vontade deste de orientar o projeto a desenvolver na sua casa, pondo, ao invés, em marcha a construção de um lar (de raiz), nos terrenos do A., dando para o efeito todos os passos sem seu conhecimento.

10. Toda a atividade encetada pelo Réu BB e pela Ré Associação não corresponde em nada ao que o A. tinha em mente para a sua casa e para o seu dinheiro (limitado a 600.000 US Dólares), pois, repete-se, apenas pretendia proteger com a sua casa de família, devidamente adaptada, as pessoas da sua freguesia de …..

11. O R. BB e toda a Direção da Associação/Ré fizeram tábua rasa da vontade do A., nunca tendo desta forma acedido aos seus múltiplos pedidos, pela simples razão de que pretendiam ocultar ao A. a doação dos imóveis, que fizeram por contrato de 28.05.2014.

(30)

do A. (HH) na casa deste, contrariando uma das vontades sagradas do A. que era a da sua família, nomeadamente irmãos, acederem sempre que quisessem à casa de família, como ele próprio, antes e depois do projeto social estar em marcha.

13. Foi quando o Dr. GG enviou os documentos obtidos ao A. é que este nesse momento tomou conhecimento da falsificação da procuração (ou do termo de autenticação da mesma) e da doação efetuada de forma ilícita e dolosa com base nesta, bem como da constituição da Associação, ao ler os documentos.

14. Em Maio de 2016 o Dr. GG intimou a Associação/Ré a proceder à restituição dos imóveis ao A, conforme instruções deste.

15. Os contactos entre o A. e o R. BB foram poucos, resumindo-se a meia dúzia de telefonemas.

16. O R. BB simulou a sua saída da Direção da Associação/Ré, que a mais não passou, porquanto na verdade nunca abandonou o leme daquela, promovendo inclusivamente a publicação de artigos no jornal da terra (.….) com provocações e comentários difamatórios para o A., atentatórios da sua honra.

17. O A. exigira na verdade e como atrás se disse, desde o início que, caso não fosse cumprida a finalidade da sua vontade, ou caso deixasse de haver pessoas necessitadas na freguesia, fosse qual fosse a forma jurídica da cedência dos imóveis, estes deveriam reverter para o A. ou para quem ele designasse.

18. Ao que, com todo o à vontade, o R./BB respondeu que “já é assim mesmo na lei portuguesa” (…!)

(31)

19. O A. assinou a PROCURAÇÃO de fls. 15 sem preocupação do conteúdo.

20. Foi só depois de assinada e enviada a PROCURAÇÃO de fls. 15 dos EUA que a 3ª Ré/ Solicitadora lavrou o denominado “Termo de Autenticação” de fls. 33 v, o que correspondeu a instruções do R./BB.

21. O A. não assinou o termo de autenticação de fls. 33 vº, ou que a assinatura constante desse documento como sendo A. não provém do seu próprio punho.

22. A Ré CC contactou o A. várias vezes telefonicamente por indicação do réu BB no sentido de solicitar a procuração que se impunha, dando-lhe ainda indicações que, de seguida, devia ser autenticada pelo Consulado Português na área de residência do autor.

23. Foi o A. quem transmitiu à Ré CC ser uma pessoa muito ocupada e sem disponibilidade naquela data de se deslocar ao Consulado, solicitando expressamente à ora ré que elaborasse a procuração.

24. A Ré CC falou telefonicamente com o A. e explicou os termos da procuração e do termo, tendo sido o A. a sugerir este modus operandi.».

Apreciando:

O autor, ora recorrente, veio invocar e peticionar a declaração de invalidade/nulidade e ineficácia da procuração de 18.03.2014, (com a qual se procedeu à doação dos dois imóveis à ré Associação), com base na falsidade do termo de autenticação lavrado pela ré CC (na qualidade de solicitadora) e pedir ainda, como consequência, a declaração de nulidade da doação e a restituição dos imóveis objeto da mesma.

(32)

Conforme se alcança da respetiva sentença, a 1ª instância, muito embora considerando verificada a falsidade do termo de autenticação – o que não foi

posto em causa perante e pela Relação, nem está ora em causa

-considerou que tal invocação configurava um claro abuso de direito, na vertente do venire contra factum proprium, justificativo da manutenção da produção dos efeitos da procuração e do termo de autenticação e, por consequência, da doação – e daí que tenha julgado improcedente a ação.

Por sua vez, a Relação, (não obstante as ligeiras alterações à matéria de facto a que procedeu, nos termos supra assinalados) acabou por seguir o mesmo entendimento e confirmar a sentença recorrida, o que justificou nos seguintes termos (salientados a negrito nossos):

“(…)

A globalidade destas circunstâncias apuradas, no quadro do objeto processual configurado pelo autor, permitem, de acordo com o sentido de decisão do Tribunal a quo na sentença recorrida, considerar ilegítima a arguição pelo autor da invalidade da procuração para doação (por falsidade do seu termo de autenticação) e da ineficácia do ato de doação, por violação dos limites da boa-fé, nas modalidades de venire contra factum proprium e de lesão das expectativas de confiança criada na contraparte e na comunidade de freguesias …. em geral, uma vez: que o ato de doação foi pretendido pelo autor, com

uma finalidade altruística de beneficiar pessoas carenciadas, que se foi desenvolvendo no tempo para a criação de um Lar de idosos que beneficiasse pessoas das freguesias de ….., e que foi manifestada a terceiros; que a outorga de procuração para a doação foi aceite e subscrita pelo autor com total identificação dos prédios a doar, da

(33)

entidade beneficiária e da forma do ato de doação, sem manifestação de reservas e restrições, subscrição que o fez com a consciência da invalidade formal do ato, cuja invalidade veio depois invocar; que o autor, com as suas manifestações de intenção, com a posterior subscrição e entrega da procuração e com os seus atos posteriores, aceitou e participou na criação da Associação donatária (com impacto

social na comunidade…..), estimulou implicitamente outros atos de

doações de terceiros a esta Associação para a construção do lar, desencadeou que a Associação praticasse atos privados e públicos para a construção do Lar de idosos, autorizou a celebração do ato de doação dos seus imóveis com base na procuração e a sua aceitação, tal como os atos de tomada de posse sobre os mesmos (posse esta que, a

juntar à dos antecessores, foi dada como provada nos factos 1.44. a 1.51., sem impugnação pelo autor, com as características de conteúdo e de duração que, ainda que conclusivas, configurariam ainda uma aquisição pela Associação dos imóveis doados por usucapião, nos termos dos arts.1251º, 1256º, 1258º a 1263º, 1287º, 1289º, 1294º e 1296º do C. Civil).

Assim, não se pode deixar de entender que é manifestamente ilegítimo o

direito do autor arguir e obter o reconhecimento: da invalidade da procuração, por a mesma não ser autenticada, por falsidade do termo de

autenticação, quando a mesma foi por si efetivamente subscrita e teve consciência que a falta de autenticação geraria a invalidade; da ineficácia da

doação dos imóveis, com a subsequente restituição dos bens doados no ato

de doação, por falta de poderes válidos do procurador, por si efetivamente mandato em procuração nula por falta de forma, quando pretendeu doar os imóveis, gerou a constituição da donatária/contraparte, a atividade consumada desta de terceiros, a aceitação da doação em ato público e autenticado e a tomada de posse dos prédios.

(34)

Desta forma, perdendo o autor o direito de invocar estas tutelas, cujos efeitos ficam impedidos, deve improceder o recurso de apelação e ser confirmada a sentença de improcedência da ação.”.

É contra tal entendimento que se manifesta o autor recorrente, nos termos e com os fundamentos contantes das conclusões recursórias supra transcritas.

M as desde já se diga que a nosso ver sem razão, na medida em que, analisada a matéria de facto dada como provada e como não provada pelas instâncias, estamos inteiramente de acordo com a Relação (e, a montante, com a 1ª instância), quando defende, nos termos supra transcritos - que subscrevemos por inteiro - que a invocação pelo autor da invalidade da procuração, em face da falsidade do termo de autenticação, e, por consequência, da doação dos imóveis, constitui abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.

Nos termos do disposto no artigo 334º, há abuso de direito quando o titular do direito o exercer de forma a ofender manifestamente os limites da boa-fé, dos bons costumes e do fim social e económico do direito.

E, conforme tem vindo a ser entendido pacificamente na jurisprudência, o abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium resulta da violação do princípio da confiança, traduzida no facto de o demandante agir, de forma claramente ofensiva, contra as fundadas expetativas por ele criadas no demandado, no sentido do não exercício do direito.

(35)

- De 11.12.2012, proferido no proc. nº 116/07.2TBMCN.P1.S1:

“Esta vertente do abuso de direito inscreve-se no contexto da violação do princípio da confiança, que sucede quando o agente adota uma conduta inconciliável com as expetativas adquiridas pela contraparte, em função do modo como antes atuara”.

- De 12.11.2013, proferido no proc. nº 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1:

“I - A proibição do comportamento contraditório configura actualmente um instituto jurídico autonomizado, que se enquadra na proibição do abuso do direito (art. 334.º do CC), nessa medida sendo de conhecimento oficioso; no entanto, não existe no direito civil um princípio geral de proibição do comportamento contraditório. II - São pressupostos desta modalidade de abuso do direito – venire contra factum proprium – os seguintes: a existência dum comportamento anterior do agente susceptível de basear uma situação objectiva de confiança; a imputabilidade das duas condutas (anterior e actual) ao agente; a boa fé do lesado (confiante); a existência dum “investimento de confiança”, traduzido no desenvolvimento duma actividade com base no factum proprium; o nexo causal entre a situação objectiva de confiança e o “investimento” que nela assentou. III - O princípio da confiança é um princípio ético fundamental de que a ordem jurídica em momento algum se alheia; está presente, desde logo, na norma do art. 334.º do CC, que, ao falar nos limites impostos pela boa fé ao exercício dos direitos, pretende por essa via assegurar a protecção da confiança legítima que o comportamento contraditório do titular do direito possa ter gerado na contraparte.”

(36)

“I - Para que ocorra o abuso do direito, é necessário que o titular do direito o exerça de forma clamoDDmente ofensiva da justiça e dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito. Não é necessária a consciência de que se excederam os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. É suficiente que esses limites sejam ultrapassados. O excesso deve ser manifesto. II - Como modalidade do abuso do direito, a doutrina e a jurisprudência, apontam o venire contra factum proprium, abuso que ocorre quando o exercício do agente contradiz uma conduta antes presumida ou proclamada pelo mesmo.”

E de 07.03.2019, proferido no proc. nº 499/14.8T8EVR.E1.S1:

“O abuso de direito, na modalidade do venire contra factum proprium, tem como pressuposto a existência de uma situação objetiva de confiança, cuja relevância é aferida pelo necessário para convencer uma pessoa normal e razoável, colocada na posição do confiante, e de um elemento subjetivo, ou seja, a criação, na pessoa do confiante, de uma confiança legítima e justificada.”

É certo, e não está sequer em causa, conforme já acima dissemos, a falsidade do termo de autenticação lavrado pela ré CC (atenta a factualidade constante dos nºs 32 a 37 dos factos provados) e, por consequência, a invalidade da procuração pela qual o autor concedeu ao réu BB poderes para proceder à doação dos imóveis, e, a jusante, a invalidade desta.

(37)

O autor ora recorrente, para além de ter assinado a procuração, a favor o réu BB (com poderes de representação para proceder à doação dos imóveis a favor da ré Associação) e bem assim o termo de autenticação, e de os ter enviado em 01.12.2014 (nºs 13 e 27 a 29 e 70 a 72 dos factos provados), assinou a procuração “em confiança, sabendo que sem a sua assinatura

reconhecida no Consulado de Portugal, como já fizera anteriormente ao tratar assuntos de família, o documento nada valia, e assim devolveu o mesmo, assinado”.

Tal significa que o autor tinha consciência, ab initio, da invalidade da procuração (por ausência de válido reconhecimento da sua assinatura) e, por consequência, da invalidade da doação dos imóveis, não sendo algo que de que se tivesse vindo a aperceber mais tarde.

E, sabendo disso, permitiu que fosse constituída a ré Associação - a qual foi constituída na sequência da sua intenção de doar a casa de família para um lar destinado a acolher pessoas necessitadas, da qual é sócio fundador e que, por sugestão sua, até ficou com o nome dos seus pais (vide nºs 8 a 11, 19, 52, 53 e 58) - e que se procedesse à doação dos imóveis à Associação (nº 57) para aquele efeito, após a qual lhe entregou as chaves da casa (nº 45), sendo que o projeto da construção do lar levou a que outras pessoas tivessem contribuído para o efeito com dinheiro e imóveis (nº 40 e 41).

Diz o recorrente que as exigências, de ser consultado em todas as operações,

não foram cumpridas, encontrando-se os prédios doados cobertos de mato e sem quaisquer obras como se pode verificar no local (sendo que nada se mostra provado nesse sentido) e que não concordou com o projeto que lhe foi apresentado, baseando-se para o efeito em determinados elementos de prova (documentos e depoimentos).

(38)

Todavia o certo é que, para além de os elementos de prova apenas se destinarem a fazer a demonstração (prova) da realidade dos factos alegados pelas partes com relevância para a decisão da causa (artigo 341º do C. Civil), a fixação da matéria de facto apenas compete à 1ª instância e à Relação, que não ao STJ, que apenas conhece de direito (artigo 674º do CPC).

Assim e a menos que em causa estivesse uma situação de prova tarifada (o que não é o caso) apenas temos que atender à factualidade que foi dada como provada e como não provada pelas instâncias, nos termos supra transcritos.

E o certo é que, de tal factualidade, apenas resulta que o autor manifestou, desde o início, a vontade de ser “consultado em todas as operações atinentes ao fim em vista”, ou seja, relativas à construção do lar - que não a exigência de as mesmas serem feitas de acordo com a sua vontade (nº 11 dos factos provados) e que no verão de 2015, por razões não apuradas, pretendeu o afastamento do réu BB do projeto (nºs 20 e 23).

E até foi dado como não provado (nº 9 dos factos não provados) que o réu BB nunca tivesse ouvido o autor e tivesse contrariado frontalmente a sua vontade.

Em face do que se acaba de expor, impõe-se concluir que toda a apurada conduta do autor recorrente, no sentido de incentivar e acompanhar o processo de construção de um lar e da constituição da ré Associação à qual, para o efeito, doou dois prédios seus para aquele efeito (e sendo que tal projeto veio a ter a participação de outros doadores), veio incutir nos réus e nas pessoas da terra em geral a justificada expetativa de que o autor jamais viria questionar a invalidade da doação com base na invalidade da procuração (que assinou!!!) e à qual faltou a respetiva autenticação (cujo termos também assinou!!!) e que,

(39)

ao vir invocar e pedir a invalidade da procuração e da doação, o autor recorrente violou claramente o princípio da confiança.

E, em face disso, haveremos de concordar com as instâncias, e em particular com o entendimento da Relação expresso no acórdão recorrido, no sentido de que tal invocação/pretensão do autor constitui abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

Improcedem assim as conclusões recursórias, impondo-se negar a revista.

Termos em que se acorda em negar a revista e em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lx. 09.02.2021

(Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo DL nº 20/2020, de 1 de maio, o Relator, que assina eletronicamente, declara que os Exmos. Conselheiros Adjuntos, abaixo indicados, têm voto de conformidade e não assinam o presente acórdão por não o poderem fazer pelo facto de a sessão, dada a atual situação pandémica, ter sido realizada por videoconferência).

Acácio das Neves (Relator)

Fernando Samões (1º Adjunto)

(40)

Referências

Documentos relacionados

No entanto, para aperfeiçoar uma equipe de trabalho comprometida com a qualidade e produtividade é necessário motivação, e, satisfação, através de incentivos e política de

O objetivo do curso foi oportunizar aos participantes, um contato direto com as plantas nativas do Cerrado para identificação de espécies com potencial

A versão reduzida do Questionário de Conhecimentos da Diabetes (Sousa, McIntyre, Martins & Silva. 2015), foi desenvolvido com o objectivo de avaliar o

Taking into account the theoretical framework we have presented as relevant for understanding the organization, expression and social impact of these civic movements, grounded on

Realizar a manipulação, o armazenamento e o processamento dessa massa enorme de dados utilizando os bancos de dados relacionais se mostrou ineficiente, pois o

Para devolver quantidade óssea na região posterior de maxila desenvolveu-se a técnica de eleva- ção do assoalho do seio maxilar, este procedimento envolve a colocação de

Se você vai para o mundo da fantasia e não está consciente de que está lá, você está se alienando da realidade (fugindo da realidade), você não está no aqui e

8- Bruno não percebeu (verbo perceber, no Pretérito Perfeito do Indicativo) o que ela queria (verbo querer, no Pretérito Imperfeito do Indicativo) dizer e, por isso, fez