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Contato de línguas : atitudes linguísticas dos Rikbaktsa

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

MILEIDE TERRES DE OLIVEIRA

CONTATO DE LÍNGUAS:

ATITUDES LINGUÍSTICAS DOS RIKBAKTSA

CAMPINAS

2019

(2)

MILEIDE TERRES DE OLIVEIRA

CONTATO DE LÍNGUAS: ATITUDES LINGUÍSTICAS DOS

RIKBAKTSA

Tese de doutorado apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutora em Linguística.

Orientador: Prof. Dr. Angel Humberto Corbera Mori

Este exemplar corresponde à versão final da Tese defendida pela aluna Mileide Terres de Oliveira e orientada pelo Prof. Dr. Angel Humberto Corbera Mori.

CAMPINAS

2019

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Oliveira, Mileide Terres de,

OL4 OliContato de línguas : atitudes linguísticas dos Rikbaktsa / Mileide Terres de Oliveira. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

OliOrientador: Angel Humberto Corbera Mori.

OliTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de

Estudos da Linguagem.

Oli1. Contato linguístico. 2. Atitudes linguísticas. 3. Índios - Educação. 4. Língua Rikbaktsa. I. Mori, Angel Humberto Corbera. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Language contact: : Rikbaktsa language attitudes Palavras-chave em inglês:

Language contact Language attitudes Indians - Education Rikbaktsa language

Área de concentração: Linguística Titulação: Doutora em Linguística Banca examinadora:

Angel Humberto Corbera Mori [Orientador] Lívia Oushiro

Ricardo Campos de Castro Waldemar Ferreira Netto Valéria Faria Cardoso

Data de defesa: 29-11-2019

Programa de Pós-Graduação: Linguística

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)

- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0002-4337-0330 - Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/2149283588948427

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Livia Oushiro

Ricardo Campos de Castro

Waldemar Ferreira Netto

Valéria Faria Cardoso

IEL/UNICAMP 2019

Ata da defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria de Pós Graduação do IEL.

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer ao meu orientador, Prof. Dr. Angel Humberto Corbera Mori, pelas leituras e recomendações, assim como aos professores titulares que participaram da banca de exame de qualificação – Profa. Dra. Lívia Oushiro (Unicamp), Prof. Dr. Emilio Gozze Pagotto (Unicamp) – e de defesa da Tese – Prof. Dr. Ricardo Campos de Castro (pesquisador independente/Pós-doutorando com auxílio da FAPESP), Profa. Dra. Lívia Oushiro (Unicamp), Prof. Dr. Waldemar Ferreira Neto (USP) e Profa. Dra. Valeria Faria Cardoso-Carvalho (UNEMAT).

Minha gratidão também se estende aos professores do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL/Unicamp), mas em especial à Profa. Dra. Anna Christina Bentes, à Profa. Dra. Maria Filomena Spatti Sandalo e ao Prof. Dr. Wilmar da Rocha D’Angelis.

Agradeço também aos meus colegas de trabalho e discussão científica do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso (IFMT), do Campus Juína (MT), assim como aos amigos acadêmicos, em especial à Tereza Maracaipe Barboza.

Ressalto, ademais, minha eterna gratidão ao povo Rikbaktsa pela acolhida e disponibilidade em contribuir com esta pesquisa.

Por fim, expresso meus agradecimentos à minha família: Ana Célia de Oliveira e Valdoir Terres de Oliveira, meus pais, que são meus exemplos de superação e amor, assim como ao meu esposo, Paulo Iram Torão dos Santos Junior, que sempre me apoiou e em meio às dificuldades, principalmente de saúde, nunca permitiu que eu desistisse.

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RESUMO

Esta tese apresenta um estudo sobre as atitudes linguísticas dos Rikbaktsa, povo indígena situado a Noroeste do Estado de Mato Grosso. A partir da situação de contato entre a língua Rikbaktsa e o português, buscamos identificar e analisar as mudanças nos domínios linguísticos e as ações para a preservação da língua tradicional em que a atitude linguística consiste no saber sobre a língua e o discurso público. Para fazê-lo, utilizamos uma pesquisa bibliográfica e de campo, em que aplicamos um questionário a 30 indígenas Rikbaktsa. Após análise dos dados, os resultados da pesquisa apontam atitudes positivas por parte dos Rikbaktsa que favorecem a vitalidade linguística do idioma ancestral. Entretanto, o ambiente diglóssico em que a comunidade está inserida coloca em risco a continuidade dessas atitudes positivas em relação ao domínio do português nas aldeias, principalmente, em relação às novas gerações que, apesar de aprenderem a língua Rikbaktsa nas escolas das aldeias, no dia a dia usam mais o português. Desse modo, nosso trabalho buscou, também, apresentar aos leitores desta pesquisa a importância da educação indígena para a manutenção das atitudes linguísticas positivas que colaboram para a preservação da língua tradicional.

Palavras-chave: Contato linguístico, Atitudes linguísticas, Educação indígena, Língua Rikbaktsa.

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ABSTRACT

This thesis presents a study on the linguistic attitudes of the Rikbaktsa, indigenous people located to the Northwest of the state of Mato Grosso. From the contact situation between the Rikbaktsa language and Portuguese, we seek to identify and analyze the changes in the linguistic domains and the actions for the native language preservation in which the linguistic attitude consists of knowing about the language and the public discourse about the language. We used bibliographic and field research, in which we applied a questionnaire to 30 indigenous Rikbaktsa. After analyzing the data, the survey results indicate positive attitudes on the part of the Rikbaktsa that favor the linguistic vitality of the native language. However, the diglossic environment in which the community operates puts at risk the continuity of these positive attitudes towards the mastery of Portuguese in the villages, especially towards the new generations, who despite learning the Rikbaktsa language in the village schools, on the day they use Portuguese more frequently in their daily lives. Thus, our work also sought to demonstrate the importance of indigenous education for maintaining positive language attitudes that contribute to the preservation of the native language.

Keywords: Language contact, Linguistic attitudes, Indigenous education, Rikbaktsa language.

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LISTA DE MAPAS

Mapa 1: Mapa da Região Noroeste do Estado de Mato Grosso ... 17 Mapa 2: Localização dos Rikbaktsa ... 18

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Planta do Internato Utiariti ... 26 Figura 2: Cartilha de ensino da língua Rikbaktsa nas escolas das aldeias ... 53 Figura 3: Escola Estadual Indígena de Educação Básica Myhyinymykyta Skiripi – Aldeia Barranco Vermelho ... 54 Figura 4: Sala de aula da Escola Myhyinymykyta Skiripi ... 78 Figura 5: Sala de informática da Escola Myhyinymykyta Skiripi ... 82

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Línguas do tronco linguístico Macro-Jê ... 32

Quadro 2: Definição da Sociologia da Linguagem ... 37

Quadro 3: Relações entre o bilinguismo e a diglossia ... 38

Quadro 4: Definição de atitude linguística ... 41

Quadro 5: Estratificação dos sujeitos ... 45

Quadro 6: Como se chama(m) a(s) língua(s) que você fala? ... 47

Quadro 7: Interação com outras etnias ... 48

Quadro 8: Atitudes manifestadas quanto a interação com outras etnias ... 49

Quadro 9: Interação com avós e pais na infância ... 50

Quadro 10: Atitudes manifestadas quanto à interação com avós e pais na infância ... 52

Quadro 11: Línguas de interação com avós e pais atualmente ... 55

Quadro 12: A primeira língua aprendida pelos avós, pais e sujeitos ... 57

Quadro 13: Com quem aprendeu rikbaktsa e português? ... 60

Quadro 14: Qual a língua que você acha mais bonita? ... 66

Quadro 15: Atitudes manifestadas quanto à língua que o sujeito acha mais bonita ... 66

Quadro 16: Qual a língua que você acha mais feia? ... 67

Quadro 17: Qual a língua que você acha mais fácil? ... 69

Quadro 18: Atitudes manifestadas quanto a língua que o sujeito acha mais fácil ... 70

Quadro 19: Qual a língua que você acha mais difícil? ... 71

Quadro 20: Atitudes manifestadas quanto a língua que o sujeito acha mais difícil ... 71

Quadro 21: Você acha que alguns Rikbaktsa rejeitam a própria língua? ... 72

Quadro 22: Você acha que a língua rikbaktsa está desaparecendo? Por quê? ... 74

Quadro 23: Você acha importante que seus filhos aprendam rikbaktsa? Saberia ensiná-los? . 75 Quadro 24: Existe algum trabalho de preservação da língua rikbaktsa na aldeia? Qual/quais? ... 76

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Línguas de interação com os avós na infância ... 51

Gráfico 2: Línguas de interação com os pais na infância ... 51

Gráfico 3: Línguas de interação com os avós atualmente ... 55

Gráfico 4: Línguas de interação com os pais atualmente ... 56

Gráfico 5: Domínios linguísticos – 1ª geração ... 62

Gráfico 6: Domínios linguísticos – 2ª geração ... 63

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LISTA DE SIGLAS ABA: Associação Brasileira de Antropologia

AJES: Faculdade do Vale do Juruena

AIMURIK: Associação Indígena das Mulheres Rikbaktsa ASSIRIK: Associação Indígena Rikbaktsa

CEP: Comitê de Ética em Pesquisa CIMI: Conselho Indigenista Missionário FUNAI: Fundação Nacional do Índio

IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IFMT: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso ISA: Instituto Socioambiental

MEC: Ministério da Educação MIA: Missão Anchieta

PAI: Postos de Assistência Indígena PPP: Projeto Político Pedagógico SIL: Summer Institute of Linguistics

TIC: Tecnologias de Informação e Comunicação TI: Terras Indígenas

UnB: Universidade de Brasília

UNEMAT: Universidade do Estado de Mato Grosso UFPE: Universidade Federal de Pernambuco

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SUMÁRIO

Introdução ... 14

1. A história dos Rikbaktsa ... 16

1.1 Localização dos Rikbaktsa ... 16

1.2 Pesquisas antropológicas e linguísticas precedentes ... 18

1.3 Etnia Rikbaktsa: povo/sociedade ... 21

1.4 Processos históricos relativos à etnia Ribaktsa ... 24

1.5 O tronco linguístico Macro-Jê ... 31

2 Aporte teórico ... 34

2.1 Sociologia da Linguagem e os domínios linguísticos ... 34

2.2 Bilinguismo individual e social ... 37

2.3 Atitudes linguísticas ... 40

2.4 O contato linguístico no Brasil ... 41

2.5 Procedimentos metodológicos ... 43

3 Análise dos dados ... 47

3.1 O saber sobre a língua: bilinguismo individual e social ... 47

3.1.1 Domínios linguísticos ... 61

3.2 Discurso público sobre a língua ... 65

3.3 Educação indígena Rikbaktsa ... 78

Conclusão ... 84

Referências ... 86

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Introdução

A nossa pesquisa busca analisar as atitudes linguísticas dos Rikbaktsa1 diante da

situação de contato entre a sua língua tradicional2 e o português3. Como objetivos específicos

nos propomos a:

1) Identificar as atitudes linguísticas dos Rikbaktsa a partir da relação de contato entre a língua tradicional e o português, considerando o saber sobre a língua e o discurso público (SCHLIEBEN-LANGE, 1993), assim como descrever as mudanças nos domínios linguísticos: familiar, escolar, vizinhança, religioso e trabalho (FISHMAN, 1972) e o uso da língua rikbaktsa.

2) Identificar como as atitudes linguísticas dos Rikbaktsa contribuem para a preservação do idioma ancestral.

Para alcançar nossos objetivos, primeiramente realizamos uma pesquisa bibliográfica com o intuito de serem abordados os dados acerca da cultura e dos aspectos históricos e demográficos do povo Rikbaktsa. Posteriormente, este trabalho se voltou à coleta de dados, realizada na cidade de Juína (MT), em que foi aplicado um questionário a 30 indígenas Rikbaktsa, estratificados por geração e sexo.

Na primeira seção, intitulada: A história dos Rikbaktsa, apresentamos a localização geográfica das suas terras, assim como algumas pesquisas preexistentes referente aos Rikbaktsa, o contato interétnico, aspectos gerais da cultura e informações do tronco linguístico Macro-Jê4.

Na segunda seção, Aporte teórico, utilizamos a perspectiva da Sociolinguística, cuja corrente é a da Sociologia da Linguagem, com base nos estudos de Fishman (1972, 1974, 1995). Consideramos, para o nosso trabalho, as definições de bilinguismo individual e social introduzidas pelas pesquisas de Weinreich (2011) e as atitudes linguísticas a partir de Schlieben-Lange (1993), assim como os procedimentos metodológicos utilizados em nossa pesquisa.

1 Nesta tese utilizamos Rikbaktsa (com letra maiúscula) para designar o povo e para nomear a língua, de acordo

com as convenções aprovadas em 1953 pela ABA (RODRIGUES, 1994) .

2 Neste trabalho, as designações: língua tradicional, idioma ancestral, língua ancestral ou língua materna

referem-se à língua Rikbaktsa, falada pela etnia Rikbaktsa, nosso objeto de estudo.

3 Neste trabalho, as designações: português, língua portuguesa, língua majoritária ou língua dominante

referem-se ao português como língua nacional oficial, conforme descrito no Art. 13 da Constituição Federal de 1988: “A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil”. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/ topicos/10640315/artigo-13-da-constituicao-federal-de-1988. Acesso em: 06 jun. 2019.

4 Nesta tese utilizamos Macro-Jê (com letra maiúscula) para designar o tronco linguístico analisado, de acordo

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Em Análise dos dados, nossa terceira seção, a partir das respostas e dos depoimentos dos entrevistados, buscamos analisar as atitudes linguísticas dos Rikbaktsa enquanto saber sobre a língua, identificando o bilinguismo individual e social existente entre os falantes e os domínios linguísticos. Além disso, descrevemos o discurso público e as atitudes linguísticas em relação à manutenção da língua tradicional, sobretudo por meio da educação indígena.

(16)

1. A história dos Rikbaktsa

Nesta seção vamos apresentar a localização geográfica dos Rikbaktsa, algumas pesquisas já realizadas sobre essa etnia, os aspectos gerais da cultura, a história do contato interétnico e o tronco-linguístico. Além disso, em nossa coleta de dados, durante as entrevistas com os Rikbaktsa, eles fizeram alguns comentários informais que foram selecionados para serem transcritos ao longo do trabalho. Os comentários foram inseridos com nomes fictícios dos sujeitos entrevistados e, a cada inserção de fala, nós colocamos em nota de rodapé algumas informações sobre os sujeitos5.

1.1 Localização dos Rikbaktsa

No período do Brasil Colônia, estima-se que havia 1.000 povos (RODRIGUES, 1993), totalizando de dois a quatro milhões de pessoas. Entretanto, com o passar do tempo, em decorrência das dizimações, esses povos foram massacrados e o número foi reduzido. Atualmente, os povos indígenas somam aproximadamente 0,47% da população brasileira, cerca de 896.917 pessoas, sendo que destes, 324.834 estão nas áreas urbanas e 572.083 vivem em zonas rurais (IBGE, 2018). Para além disso, em meados do século XVIII, iniciou-se a colonização do Estado de Mato Grosso. Contudo, “foram frequentes os confrontos que resultaram na dizimação de algumas aldeias” (HIGA, 2005, p. 19), sendo que a ganância pelo ouro e pedras preciosas fazia com que o homem branco buscasse a qualquer custo seus objetivos (HIGA, 2005).

Pududu6 descreve como era antigamente: “a gente vivia aqui nessa região, mas a

nossa terra não tinha limite, eu ia pra todos os cantos. Daí com a chegada dos ‘brancos’ a gente foi perdendo a nossa terra, quase que a gente fica sem nada”. Nesse sentido, segundo

Dornstauder 7 (1975, p. 2), nessa época, os Rikbaktsa ocupavam uma área de

aproximadamente 50.000 km², com aldeias espalhadas pelo município de Aripuanã, “e também habitavam o baixo curso do Arinos, do Sangue e do Papagaio” (DORNSTAUDER, 1975, p. 2). Assim, a ocupação da região Noroeste do Mato Grosso foi acelerada com a

5 Para mais informações, conferir o Quadro 5: Estratificação dos sujeitos.

6 O Rikbaktsa Pududu reside na Aldeia Boa Esperança, tem 78 anos, é o nosso entrevistado mais velho e não foi

para o Utiariti, sempre viveu na Aldeia.

7 Dornstauder foi um missionário jesuíta austríaco que conduziu o processo de pacificação dos Rikbaktsa a

partir da década de 1950. Durante esta missão, ele escreveu diários que foram reunidos na obra Como pacifiquei

os Rikbaktsa (1975). Recentemente, foi publicado o livro intitulado Um artífice da paz entre os índios e seringueiros (2015), escrito pelo professor e antropólogo Aloir Pacini, que descreve as experiências de

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ampliação da agropecuária e da mineração nas décadas de 70 e 80 e foi nessa época que houve a abertura de novas estradas e o asfaltamento da BR 364.

Para além disso, no fim do século XX, o Governo Federal lançou um programa de povoamento do interior Mato-Grossense (HIGA, 2005). A partir dele, eram arrendadas grandes porções de terra aos produtores rurais, madeireiros e principalmente para os seringueiros, sem a preocupação de verificar se esses territórios eram habitados por indígenas (ATHILA, 2006). Diante dessa situação, os Rikbaktsa tiveram cerca de 10% de seu território original demarcado (ARRUDA, 1998). Abaixo apresentamos o Mapa 1, da Região Noroeste do estado de Mato Grosso para uma melhor compreensão do que mencionamos.

Mapa 1: Mapa da Região Noroeste do Estado de Mato Grosso Fonte: Portal da Internet Terra Gaia8.

A primeira TI a ser demarcada foi a Erikpatsa, cuja criação se deu em 1968 sob o Decreto Federal nº 63.368. Já em 1985 ocorreu a demarcação da TI Japuíra e, por fim, em 1998 houve a demarcação da TI do Escondido (MARTINS, 2018). Nos dias atuais, conforme os dados do ISA (2014), os Rikbaktsa estão situados nos municípios de Brasnorte, Cotriguaçu e Juara, em 320 mil ha de mata amazônica, distribuídos em 35 aldeias. Abaixo apresentamos o mapa da demarcação das três TI:

8 Disponível em: https://terragaia.files.wordpress.com/2013/03/Mapa-o-noroeste-mato-grossense.jpg. Acesso

(18)

Mapa 2: Localização dos Rikbaktsa Fonte: Silva (2011a, p. 15).

De acordo com o que foi esboçado no Mapa 2, os Rikbaktsa estão divididos em três terras indígenas: TI Japuíra, com 154.843 ha, TI Escondido, que possui 169.649 ha, e TI Erikpaktsa, com 80 ha de terra. Este território é cercado por grandes lavouras, criação de gado, exploração de madeira e minério9.

Diante disso da breve apresentação sobre a localização dos Rikbaktsa, no tópico seguinte são apresentados alguns trabalhos realizados com o referido povo.

1.2 Pesquisas antropológicas e linguísticas precedentes

As primeiras pesquisas antropológicas a respeito dos Rikbaktsa foram realizadas por Pereira (1973), que relatou os principais pensamentos mitológicos dos Nambikuara e dos Rikbaktsa. Ademais, na obra O Pensamento Mítico do Rikbaktsa (PEREIRA, 1994), o pesquisador descreve a visão de mundo deste povo com relação aos seus mitos.

Por sua vez, o trabalho Como pacifiquei os Rikbaktsa (DORNSTAUDER, 1975) foi escrito pelo missionário João Evangelista Dornstauder, o qual registrou os primeiros contatos e todas as expedições durante os anos da pacificação. Acerca do mesmo assunto temos a dissertação de Aloir Pacini (1999), intitulada Pacificar-relações interétnicas e territorialização dos Rikbaktsa, e o livro Um artífice da paz entre seringueiros e índios (PACINI, 2015).

Ainda, na tese Os Rikbaktsa: mudança e tradição, Arruda (1992) descreve e analisa os processos de contato entre os indígenas e os não-índios, além das reordenações socioculturais no interior da sociedade rikbaktsa. Já Athila (2006), em sua tese “Arriscando

9 De acordo com dados do ISA. Disponível em: http://ti.socioambiental.org/pt-br/#!/pt-br/terras-indigenas/3657.

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corpos”. Permeabilidade, alteridade e as formas da socialidade entre os Rikbaktsa (Macro-Jê) do Sudoeste Amazônico, retrata a composição do mundo do socius e do cosmos para esse povo, ou seja, ele explica etnograficamente a socialidade e a cosmologia rikbaktsa.

Outrossim, em 2009, foi realizado um levantamento bibliográfico acerca das relações de organização do complexo sistema de parentesco dos Rikbaktsa, que resultou na tese de Pires (2009): Rikbaktsa: um estudo de Parentesco e Organização Social. Por sua vez, no trabalho Direito Territorial do Povo Indígena Rikbaktsa, Almeida (2012) apresenta os Alvarás e as Cartas Régias, assegurados na Constituição Federal e em Leis Internacionais, que trazem os registros a respeito da demarcação das terras indígenas Rikbaktsa.

Pereira (2015), no texto Juína, a Rainha da Floresta: uma história sob o olhar Rikbaktsa, descreve a história da cidade de Juína (MT), narrada pelos indígenas, e a atual situação de conflito vivida por essa etnia com o crescimento do agronegócio e a construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH) ao longo do rio Juruena.

Quanto às pesquisas linguísticas, os primeiros estudos acerca da fonologia da língua rikbaktsa, foram realizados pelo missionário Lunkes (1967). Outros trabalhos fonológicos e morfológicos foram registrados pela missionária do SIL, Joan Boswood, em Phonology and morphology of Rikbaktsa and a tentative comparison with Languages of the Tupi and Jê families (BOSWOOD, 1971), Evidências para a Inclusão do Aripaktsa no Filo Macro-Jê (BOSWOOD, 1973), Citações no Discurso Narrativo da Língua Rikbaktsa (BOSWOOD, 1974a), Algumas funções de participante nas orações Rikbaktsa (BOSWOOD, 1974b) e Quer falar a língua dos canoeiros? Rikbaktsa em 26 lições (BOSWOOD, 1978). Este último trabalho traz verbos, frases temporais, afixos, sentenças complexas, expressões úteis, frases locativas e casos de posse, sendo um curso introdutório aos estudos da língua rikbaktsa.

Outra pesquisadora do SIL, Sheila Tremaine, publicou o Dicionário Rikbaktsa – Português, Português – Rikbaktsa (TREMAINE, 2007), que contém vocábulos, expressões, uso de verbetes em ordem alfabética, verbos e substantivos classificados em possuídos e não possuídos. Ademais, a partir da Teoria da Otimalidade, Pioli (2010) analisou a formação de sintagmas fonológicos na língua da referida etnia.

Já Silva (2005), considerando as pesquisas anteriores de Lunkes (1967) e de Boswood (1971; 1978), fez um reexame da fonologia segmental, da flexão nominal e verbal da língua rikbaktsa. A mesma autora também escreveu a tese Morphosyntaxe du Rikbaktsa (Amazonie brésilienne) (2011a) que, a partir da linguística funcional-tipológica, analisou as propriedades morfossintáticas e as características tipológicas do idioma estudado.

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Há ainda outros trabalhos que tratam o povo/língua como objeto de estudo, como a pesquisa de Costa (2010), que descreve a agricultura praticada sem a inserção de insumos agrícolas e os rituais tradicionais que acontecem anualmente, sendo esse um processo de reafirmação cultural pela manutenção das suas tradições na Aldeia Primavera. No aldeamento Babaçuzal, na Terra Indígena do Escondido, Garcia (2012) levou a geografia à aldeia, relacionando de maneira didática os ensinamentos mitológicos aos geográficos com o objetivo de preservar o patrimônio cultural e educacional da etnia.

Por sua vez, Ferrari (2014) constatou em seu trabalho que entre os anos de 2009 a 2013 houve um nível elevado de ocorrência da tuberculose na comunidade indígena Rikbaktsa e que é necessário discutir estratégias mais eficientes para o controle da doença. Já a pesquisa de Lobato (2014) analisou as manifestações identitárias da cultura expressas no brincar dos pequenos índios.

A dissertação de Oliveira (2015), intitulada Rikbaktsa e português: Atitudes Linguísticas, buscou analisar – a partir da situação de contato entre a língua rikbaktsa e o português – as atitudes linguísticas dos Rikbaktsa. Dos resultados encontrados, foi observado que os Rikbaktsa possuem um bilinguismo individual e social, pois identificam o uso linguístico de ambas as línguas dentro da comunidade. Diante desta situação, um mecanismo de auxílio para a preservação da língua rikbaktsa é a educação indígena.

Ademais, Hora (2016) buscou analisar o imaginário formado pela população juinense sobre a etnia Rikbaktsa, a partir das produções acadêmicas escritas na cidade de Juína (MT) no período de 2010 a 2015, a qual ainda sofre com o preconceito atrelado aos pensamentos antropológicos antigos, influenciados pela mídia e por fatores histórico-culturais oriundos do o processo de colonização/pacificação.

Por fim, a dissertação de Martins (2018) apresenta uma visão panorâmica da etnia estudada nesta tese, principalmente no campo educacional. Nesta pesquisa, foi identificado que, inicialmente, a escolarização era um instrumento de homogeneização cultural, tendo recentemente se tornado um espaço de afirmação dos costumes, dos valores e dos saberes tradicionais.

Em seguida à reunião das pesquisas correlatas ao tema desta tese, no próximo tópico desta primeira sessão apresentamos e descrevemos a etnia estudada, focando em seus aspectos enquanto povo e sociedade.

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1.3 Etnia Rikbaktsa: povo/sociedade

De início, é válido pontuar que o nome Rikbaktsa significa: “somos gente de verdade”, em que Rik corresponde a “pessoa” ou “ser humano”, bak expressa aquilo que é “verdadeiro” e tsa é um sufixo que coloca o substantivo no plural (ARRUDA, 1992, p. 227). Ademais, segundo Arruda (1992), a população Rikbaktsa é subdividida em clãs que envolvem elementos da flora e da fauna. Nesse sentido, segundo Hahn (1976),

[o]s nomes dos clãs seriam não mais que nomes de famílias – patrônimos, nos quais nem todas as relações genealógicas são calculáveis. Isto certamente não esclarece a associação entre os membros de clãs e os animais ou plantas aos quais os nomes dos clãs se referem. Também não esclarece como os clãs se relacionam ideologicamente e de fato (HAHN, 1976, p. 96).

Assim, estes clãs são divididos em duas metades: Makwaraktsa (Arara Amarela) e Hazobiktsa (Arara Cabeçuda). Os Makwaraktsa são compostos pelos seguintes grupos: Tsikbaktsa (Arara Vermelha); Bitsitsiyktsa (fruta silvestre); Mubaiknytsitsa (referido ao macaco aranha, quat); Zoktsa (“pau torçido”, refere-se a um tipo de árvore); Zuruktsa (animal feroz, mítico, aparentado à onça – parini – que hoje não existe mais) e Wohorektsa (uma certa árvore). Por sua vez, os Hazobiktsa são compostos pelos: Umahatsaktsa (figueira); Tsuãratsa (macuquinho); Tsawaratsa (inajá); Bitsiktsa (tucano); Buroktsa (árvore, “pau leiteiro”) e os Zerohopyrytsa (jenipapo) (ATHILA, 2006, p. 178).

Ademais, nas aldeias Rikbaktsa existe a patamy, identificada pelo missionário Adalberto Holanda Pereira (1994)10 como uma casa ritual que representa um local sagrado.

Já as casas de uso cotidiano eram chamadas de wahorotsa e a maloca “diz[ia] respeito aos locais de moradia tradicionais com uma ou mais unidades residenciais que acolhiam um ou mais núcleos familiares, chamadas “casas das famílias” (PACINI, 1999, p. 19). Além disso, eles possuem o mykyry, um tipo de casa tradicional feita de palha de babaçu11, inajá12 e

açaí13. Conhecida como a “casa dos homens”, este local era destinado à “transmissão dos

saberes tradicionais por parte dos mais velhos aos mais jovens, a fim de que estes pudessem se tornar bons chefes de família e valentes guerreiros” (PACINI, 1999, p. 15). Esse espaço também era utilizado para a confecção de artesanatos e as mulheres eram proibidas de frequentá-lo, visto que para a cultura rikbaktsa esse local era destinado apenas para os homens da etnia. A respeito desse tipo de casa, Pududu afirma que “o mykyry era onde a gente ouvia as histórias que os mais velhos contavam, mexia nas flauta, mas hoje tá se perdendo isso, é

10 O referido autor escreveu a obra: O Pensamento Mítico do Rikbaktsa (PEREIRA, 1994), em que ele pesquisa

a mitologia indígena.

11 Nome científico: Attalea speciosa. 12 Nome científico: Attalea maripa. 13 Nome científico: Euterpe oleracea.

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uma pena”. Nesse sentido, conforme afirma Arruda (1992, p. 189), isso ocorreu porque com o passar do tempo a casa dos homens foi se modificando, pois os mais jovens deixaram de se interessar pelo som das flautas e pelas danças tradicionais, preferindo escutar músicas que eram tocadas no rádio.

Outra característica dos Rikbaktsa é que eles se vingavam das populações indígenas vizinhas por meio do canibalismo e depois começaram a utilizar a mesma prática contra os “brancos invasores” (PIRES, 2009, p. 62). Assim, de acordo com Santos (2006), a carne humana era consumida como mingau, em pedaços ou no espeto.

Ainda, destacamos que os anciãos são importantes para os Rikbaktsa, pois são curandeiros, além de orientarem os jovens, principalmente em relação aos rituais e às ervas medicinais. Abiktsai14 conta que “os mais velhos tem conhecimento, a gente conta mitos de

caça, macaco, onça e muitos outros, porque tá na nossa cabeça e quando a gente fala a gente não esquece, e sempre tem alguém que se interessa em ouvir”. Além disso, é por meio das histórias contadas pelos anciãos que as tradições são preservadas, assim como os mitos. Um dos mais conhecidos é sobre a origem dos Rikbaktsa: acredita-se que são descendentes do bicho-preguiça, considerado o avô dos índios (PEREIRA, 2015).

Em meio às transformações citadas aqui, uma maneira de manter a cultura de um povo é por meio da narração de fatos, em que a memória da etnia é preservada. Nesse sentido, Peronui15 relata que “quando chega a noite a gente se senta e começa a contar história, eu

gosto de fala do nosso povo, da nossa luta”. Nesse sentido, a identidade do povo é marcada por seus costumes que são ensinados pelos anciãos, como por exemplo a caça, que é típica dos homens: “só o homem pode caçá, ele tem que ser um bom caçador e um bom guerreiro”, como afirma Awvik16. Depois, aquilo que foi caçado é levado para as esposas que, por sua

vez, fazem a distribuição: “uma parte destina-se à família do caçador e outra é levada à casa dos homens solteiros, para que seja repartida” (HAHN, 1981, p. 470).

Os Rikbaktsa comem peixes e aves (gavião de penacho, araras, papagaios, macuco, marreco, entre outras) e se dedicam à roça, assim como à extração da castanha-do-pará17, geralmente realizada pelas mulheres, que fazem mingau, bolo, pães e óleo

para fritura. Outro alimento muito consumido é o mel, utilizado para adoçar as chichas, uma bebida fermentada com banana, milho, batatas ou cará. “Sempre quando tem visita a gente faz

14 A Rikbaktsa Abiktsai reside na Aldeia Cerejeira, tem 45 anos e seus pais foram para o Utiariti (Internato que

abrigou algumas crianças Rikbaktsa). No decorrer desta seção serão trazidas mais informações sobre esse local.

15 O Rikbaktsa Peronui mora na Aldeia Jatobá, tem 47 anos e seus pais são da geração Utiariti. 16 O Rikbaktsa Awvik mora na Aldeia Japuíra, tem 47 anos e seus pais frequentaram o Utiariti. 17 Nome científico: Bertholletia excelsa.

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chicha de banana, come peixe frito com beiju de mandioca, muito bom!”, relata Waoho18.

Para Arruda (1992) todos esses costumes fazem parte da identidade da etnia:

[o]s velhos se mostram irredutíveis na manutenção dessa identidade. Apesar de comerem arroz e feijão e óleo de soja, eles dispensam tais alimentos quando tem “comida de índio”. Olham com ironia os novos hábitos, refugiando-se na mata todos os dias, mergulhando no mundo Rikbaktsa, onde os homens são caçadores e guerreiros e a vida encontra seu sentido pleno (ARRUDA, 1992, p. 196-197).

Ainda em relação à alimentação, compartilhar o alimento é um gesto de respeito entre os Rikbaktsa, conhecido como ritual da chegada. Quando um índio ou não-indígena chegava em uma outra aldeia distante, o anfitrião oferecia ao visitante chicha e comida, enquanto o ancião sentava-se junto dele e narrava tudo que havia acontecido na aldeia desde o último encontro (PACINI, 2015). Assim, “[e]sse modo de realizar a continuidade histórica ligava acontecimentos e pessoas de diferentes lugares na memória do grupo e fazia com que crescesse a familiaridade entre os Rikbaktsa” (PACINI, 1999, p.14). Esse costume demonstra a valorização que eles sempre tiveram pelo outro, pois ofereciam aquilo que possuíam de mais valioso: sua comida e sua história.

Ademais, os Rikbaktsa realizam suas atividades de caça, pesca e produção agrícola orientados pelas fases da lua e pelos períodos de chuva e seca que acontecem no território mato-grossense. Na chuva (período de novembro a maio), plantam batatas, mandiocas, milho, bananas, frutas cítricas e algodão para tecer as redes. Tabatsau19 assevera

que: “na aldeia todo mundo é amigo, a gente vai junto buscar alimento, pescar peixinho e toma banho no rio”. Na seca (geralmente um período que vai de maio a outubro), os indígenas procuram lumas e haste para confeccionar suas flechas, realizam a derrubada da mata para o plantio e promovem pequenas festas. Nas comemorações, eles compartilham a solidariedade entre os clãs, dançam e tocam a flauta, instrumento musical típico dos Rikbaktsa, que apenas os homens do clã da Arara Cabeçuda podem confeccionar. A flauta pequena é usada nas festas do período da seca e a grande, na época chuvosa.

Quando os Rikbaktsa se reúnem em seus rituais, eles fazem pinturas em seus corpos de acordo com cada clã, visto que “as pinturas não são usadas no dia a dia, aparecendo apenas durante o tempo de cerimônias rituais, quando cada um é pintado, corpo e rosto, por alguém do seu próprio patri-clã, sobretudo por um irmão” (SANTOS, 2000, p. 10). Damião20

afirma que: “nas festas, os Makwaraktsa se pintam com traços finos e os Hazobiktsa com

18 A Rikbaktsa Waoho é habitante da Aldeia Laranjal, tem 38 anos e seus pais são da geração Utiariti. 19 A Rikbaktsa Tabatsau reside na Aldeia Escolinha, tem 42 anos e seus pais foram para o Utiariti. 20 O Rikbaktsa Damião mora na Aldeia Curvinha, tem 45 anos e seus pais frequentaram o Utiariti.

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traços mais grossos, cada um tem um tipo de pintura, tem que respeitar os clãs”. Além disso, eles levam seus artesanatos para usar durante a comemoração. “A arte plumária é das mais belas entre os grupos tribais brasileiros” (FERRARI, 2014, p. 24), além de proporcionar renda financeira às mulheres que confeccionam e vendem no comércio local (FERRARI, 2014).

Ainda, os Rikbaktsa acreditam que há vida após a morte e, por isso, fazem o ritual da lamentação. Quando um parente morre, eles ficam vários dias realizando ritos, enquanto o corpo fica no caixão recebendo artesanatos e comidas (ATHILA, 2006).

Neste item, buscamos sucintamente esboçar alguns aspectos gerais dos Rikbaktsa, os quais são repassados para as gerações mais jovens, pois cada costume transmitido “reforça a cultura da etnia, uma vez que a construção social está calcada nas relações estabelecidas pelos sujeitos, dentro do seu habitat, o qual constitui valores e crenças que norteiam o indivíduo” (LOBATO, 2014, p. 117). Dessa forma, os anciãos ensinam os mais jovens a confecção de artesanatos, o plantio da roça, os hábitos culinários, os rituais e festas tradicionais, assim como a própria língua materna, no intuito de preservar a cultura indígena. 1.4 Processos históricos relativos à etnia Ribaktsa

Neste item, nos determos em questões relacionadas a processos históricos dessa etnia e começamos por destacar que, antigamente, os Rikbaktsa eram conhecidos como Aripaktsa, Erigbaktsa (BOSWOOD, 1973, p. 1) e “orelhas de pau”, devido aos “batoques que usam nos lóbulos das orelhas” (SILVA, 2005, p. 2). Alguns os chamavam de “canoeiros”, principalmente os seringueiros, pois tinham habilidade no manejo de canoas. Para que eles pudessem se locomover pelos rios Arinos, Juruena e Rio do Sangue, utilizavam canoas de cascas de árvores de jatobá21, caju selvagem, paineira e jequitibá; assim conseguiam com

agilidade navegar pelos rios mato-grossenses (PACINI, 2015, p. 222-226). Essa informação é importante para termos uma melhor dimensão de como se deram as respostas desse povo às invasões ocorridas a partir da década de 40 do século XX na região.

Em 1942, após a instituição da “Marcha para o Oeste” impulsionada pelo Estado Novo, durante o Governo de Getúlio Vargas (1937-1945), começaram a surgir os primeiros registros dos contatos entre os Rikbaktsa e os seringueiros. Nessa época, do rio Papagaio ao alto curso dos rios Juruena, do Sangue, Nascente e barra do Arinos, houve uma invasão de

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territórios, espalhando seringais, feitorias e barracões por toda região. Ukba22 conta que: “a

gente não brigava à toa, a gente defendia a terra, os avôs, os pais, a criançada, a nossa etnia, a gente brigava pelo povo”. Assim, perante esse acontecimento, os Rikbaktsa buscavam defender seu povo contra as invasões, mas a busca pelo domínio das terras gerou uma guerra entre indígenas e não-indígenas, envolvendo também os povos Cinta Larga, Kayabi e Iranxe, que possuíam suas terras próximas aos Rikbaktsa (PACINI, 1999).

Com a “Marcha para o Oeste”, muitas empresas e companhias de exploração e colonização migraram para o Mato Grosso e buscavam investimentos econômicos, principalmente nas áreas da agropecuária, extração de madeiras e minérios, sendo o Banco de Crédito da Amazônia seu principal agente financiador, contribuindo para a abertura de estradas e para a urbanização da região (ARRUDA, 1994). Ademais, essa exploração territorial trouxe muita tristeza para os Rikbaktsa, que eram obrigados a deixar suas terras ou morrer por elas. Assim, decorrente desses conflitos interétnicos, um dos primeiros registros de morte foram de Bibiano Pedroso e José Cearense, encontrados mortos a flechadas em terras indígenas (DORNSTAUDER, 1975, p. 75).

A esse respeito, de acordo com Pacini (2015, p. 243), “foi violenta e bárbara a forma como as firmas seringalistas investiram contra os Rikbaktsa em seus corpos e no seu território tradicional”. Os seringueiros invadiam as aldeias, matavam e massacravam os indígenas, além de abusar sexualmente das suas mulheres. Taibakwy23 afirma que “os

seringueiros tinham arma e matavam o nosso povo, a gente só tinha arco e flecha. Muito índio morreu naquela época, mas morreu pela nossa etnia”.

Dessa forma, para proteger o povo e defender seus territórios, havia na organização social rikbaktsa os matadores de inimigos, que eram vistos com respeito e admiração nas aldeias, pois por meio da violência física e o uso de feitiços (veneno), atacavam e expulsavam os seringueiros (PACINI, 1999). O feitiço era utilizado para se vingar de algo, principalmente por meio dos alimentos, cujo efeito era sempre a doença e até a morte (PIRES, 2009). É válido, porém, ressaltar que, de acordo com Athila (2006), a vingança e a feitiçaria sempre estiveram presentes entre os Rikbaktsa. Nesse sentido, Pududu conta que “os feiticeiros podiam envenenar o vizinho, parente ou qualquer desafeto que tivesse, mas hoje não tem mais isso, a gente usa as ervas pra curar, não pra matar”.

22 A Rikbaktsa Ukba é moradora da Aldeia Primavera, tem 73 anos, é a nossa entrevistada mais velha e não foi

para o Internato Utiariti, permaneceu na Aldeia durante o período de pacificação (no decorrer da seção haverá mais informações sobre esse processo).

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À época, o confronto interétnico continuava, as mortes e os massacres eram constantes e isso resultou em um grande número de crianças órfãs nas aldeias. Diante dessa situação, em 1945 foi criado em Diamantino (MT) o Posto Missionário Utiariti, em que as crianças eram levadas e cuidadas pelos jesuítas (PIRES, 2009). A esse respeito, Ozobim24

assevera que “muito canoeiro morreu naquela época, daí os jesuítas pegavam as crianças e levava para o Utiariti, eu fui com 10 anos e eu gostei porque lá tinha comida”. O internato recebia órfãos Paresí, Nambikwara, Irantxe, Apiaká, Kayabí, Rikbaktsa, Cinta Larga, Xavante e filhos de seringueiros, mas também índios adultos que iam visitar seus parentes ou buscar assistência médica. O Utiariti “pelo isolamento e as precárias condições das estradas era considerada uma ‘ilha de civilização’ ou um ‘oásis’ no cerrado” (PACINI, 1999, p. 32). A seguir apresentamos a planta do Internato Utiariti.

LEGENDA:

Figura 1: Planta do Internato Utiariti Fonte: Costa (1985, p. 250-251).

O entrevistado Mykzaze25 fala sobre o Utiariti: “lá no internato eu aprendi a ler,

escrever, mas tudo no costume dos brancos. [...] nós ficava com os padres, tinha a igreja bem no meio, onde a gente sempre rezava”. O Rikbaktsa Eldo26 acrescenta: “a gente não podia

andar pelado, se desobedecesse levava um puxão de orelha ou apanhava, era educação de branco mesmo”. Havia, no internato, aproximadamente 1000 órfãos indígenas que eram

24 A Rikbaktsa Ozobim reside na Aldeia Pé de Mutum, tem 55 anos e foi para o Utiariti. 25 O Rikbaktsa Mykzaze mora na Aldeia Vale do Sol, tem 64 anos e foi para o Internato. 26 O Rikbaktsa Eldo reside na Aldeia Primavera, tem 67 anos e foi para o Utiariti.

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educados pelos jesuítas para serem cristãos civilizados. É importante destacar que os Rikbaktsa não podiam falar seus idiomas nativos, eram obrigados a se comunicar apenas em língua portuguesa (PACINI, 1999). A esse respeito, Odomy27 afirma que: “às vezes, a gente

falava nosso idioma e os outros índios tiravam sarro, daí a gente ficava com vergonha de falá”. Além da proibição de utilizar sua língua materna, eles tinham que conviver com grupos de outras etnias, diferentes, o que nem sempre era uma convivência amistosa. Mydi28 conta

que “muitos índios diziam que os canoeiros falavam feio”. Eldo, por sua vez, afirma que

[e]u e meu irmão fomos pro internato porque a gente tinha perdido nossos pais, eu tava com 13 anos. Lá eu aprendi muita coisa com os padres, eu sabia lê, escrevê, mas era muito rígido também, se teimava, recebia castigo. Eu estranhei muito porque o sistema deles era diferente do nosso, todo mundo tinha que obedecer, senão apanhava.

As crianças até os 10 anos eram cuidadas pelas freiras e aqueles que não obedeciam às suas regras eram castigadas. Segundo Arruda (1992, p. 134), os desobedientes “apanhavam duro e com frequência com varas, na batata da perna. Ao passarem para outro grupo de idade, eram cuidados pelos ‘mestres’ e as surras eram piores”.

No Internato, os indígenas tinham aula de matemática, geografia, história, português, religião e outras disciplinas. Além disso, os meninos desenvolviam técnicas de pecuária, mecânica, carpintaria e apicultura, enquanto as meninas aprendiam culinária, tricô, corte e costura (ARRUDA, 1992). Zezeta29 afirma que: “lá a gente fazia roça diferente da

aldeia, eu aprendi a usar a enxada e plantar mandioca, milho e até amendoim”. Assim, diante dessa afirmação podemos perceber que além da língua, há também, uma perda de costumes.

Nas aldeias, os conflitos continuavam e, por isso, entre os anos de 1956 e 1962, foi desenvolvido pela MIA o projeto missionário de pacificação coordenado pelo Pe. João Evangelista Dornstauder (DORNSTAUDER, 1975). Pududu fala sobre o padre: “ele era barbudo, parecia um bicho. No começo, a gente tinha medo, não sabia quem ele era, depois a gente foi gostando do jeito dele”. Nesse sentido,

[e]m meados dos anos 60, cerca de 100 crianças Rikbaktsa estavam no internato de Utiariti.[...] O que fez com que tantas crianças Rikbaktsa fossem entregues à responsabilidade do Pe. Dornstauder? Um fator significativo parece ser que a maioria das crianças ficou órfã. Mas outro fator facilitou essa transferência: havia um costume entre os Rikbaktsa de criar crianças raptadas e também de dar meninas em adoção aos homens (PACINI, 1999, p.33).

27 O Rikbaktsa Odomy mora na Aldeia União, tem 57 anos e morou no Internato. 28 A Rikbaktsa Mydi reside na Aldeia Velha, tem 54 anos e foi para o Utiariti.

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O padre viajava pelas aldeias recolhendo doentes e crianças órfãs, sobreviventes das epidemias e levando a mensagem da pacificação: “canoeiro bom, seringueiro bom” (ATHILA, 2006, p. 121), com o objetivo de que os Rikbaktsa não atacassem os seringueiros. Ukba afirma que: “a gente gostava dele porque os ancião dizia pra nós que ele era um antepassado, um parente que voltou para nos ajudar contra os inimigos”. Pacini (1999) descreve a relação do Pe. Dornstauder com o parentesco dos Rikbaktsa:

[o]s Rikbaktsa compreendiam que os seus mortos voltariam como civilizados e o Pe. Dornstauder foi localizado na rede de relações de parentesco, tratava-se de um de seus antepassados: Mùigynani, que veio auxiliar na guerra, pois não estavam dando conta de resolver o problema da invasão de suas terras e das muitas doenças e mortes (PACINI, 1999, p. 185).

Nesse período foram realizadas 90 expedições, registradas e documentadas por meio de diários que foram analisados na dissertação de Aloir Pacini (1999): Pacificar - Relações interétnicas e territorialização dos Rikbaktsa. Nessas expedições eram criados PAI que davam assistência aos que precisavam da distribuição de alimentos e remédios. O comerciante alemão Fritz Tolksdorf era responsável por alguns PAI e auxiliava Dornstauder na sua missão social e humanitária de pacificar os Rikbaktsa (ATHILA, 2006).

Ademais, o padre Balduíno Loebens, membro da Pastoral da Saúde, também foi uma figura importante entre os indígenas. Ele morava no distrito de Fontanillas, área próxima às aldeias rikbaktsa, e conviveu com esse povo por 48 anos. Apoiava suas reivindicações em relação à assistência à saúde nas aldeias e às lutas territoriais pela retomada das TI Japuíra, Escondido e Erikpaktsa (ATHILA, 2006). Ukba fala sobre o padre Balduíno: “ele era da pastoral da saúde, fazia os remédios com as ervas naturais, ele conhecia muito sobre as plantas e até aprendeu nossa língua. Ele nos ajudava e dava remédio pra quem precisava”.

As doenças eram frequentes entre os Rikbaktsa. Pacini (2015) comenta sobre as causas destas enfermidades que

[...] podem ser explicadas pela invasão e a guerra sem controle provocadas pelos seringueiros. Contudo os missionários tornaram-se porta-vozes não somente do cristianismo, mas também da civilização ocidental, com a qual estavam identificados, e acabaram sendo transmissores do capitalismo, individualismo, doenças, etc., embora fossem para junto dos Rikbaktsa para estabelecerem relações de paz. As muitas mortes decorrentes das relações com ambos foi um fato, mas o que distinguiu os missionários dos seringueiros foi o trabalho intenso de atendimento à saúde e a preocupação primeira pelo salvamento físico dos Rikbaktsa (PACINI, 2015, p. 61).

Os indígenas iam aos seringais para tentar negociar facões e machados, mas frequentemente eram recebidos com tiros pelos seringueiros que queriam vingar a morte de seus companheiros (DORNSTAUDER, 1975). De acordo com Pacini (1999, p. 17), o padre

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Dornstauder buscava convencer os seringueiros a “entrar num jogo de trocas ‘pacíficas’ com os Rikbaktsa, uma forma mais amena para continuarem ocupando as terras e explorando os seringais”. Opima30 conta que: “com os seringueiros o povo viveu uma verdadeira guerra,

muito Rikbaktsa morreu. E o nosso povo não era brabo, só queria se defender, mas os seringueiros eram brabos, matavam mesmo”.

Para Pacini (1999, p. 17), o processo de pacificação dos Rikbaktsa teve três fases: o primeiro objetivo era atraí-los para “amansá-los”, depois, para transformá-los em “semi-selvagens” foi preciso “impor” a educação através dos PAI e, enfim, qualificar os índios com técnicas agrícolas e industriais para introduzi-los no trabalho como mão de obra barata.

O projeto missionário de pacificação propiciou aos Rikbaktsa uma convivência mais amena com os não-indígenas. Na década de 60, sob a coordenação do Pe. Tolksdorf, a Missão Luterana criou o PAI Escondido, onde os homens tinham aulas de apicultura, carpintaria e mecânica; as mulheres eram treinadas pelas enfermeiras e confeccionavam artesanatos que eram vendidos em uma cooperativa (PIRES, 2009). A esse respeito, Taibakwy assevera que “eu aprendi muito, a gente costurava, bordava... Nós se capacitamos para trabalhar na aldeia, eu mesmo costurei muitos anos”.

No ano de 1968 o Posto Missionário Utiariti fechou e as crianças voltaram para suas aldeias, mas muitos haviam esquecido a sua língua nativa e encontravam dificuldade para se adaptar. Opima relata como foi o retorno para a aldeia: “eu não lembrava mais nosso idioma, eu tinha me esquecido de muita coisa, porque no Internato a gente só falava português, senão apanhava. Daí quando cheguei na aldeia tive que começar a aprender de novo a nossa língua”. Já Pududu conta como foi a chegada dos órfãos após o fechamento do Utiariti: “eles tinham outros costumes que aprenderam no internato, daí a gente foi ensinando e explicando. Mas o idioma foi difícil, porque muitos tinham esquecido e daí aprenderam tudo de novo”. Assim, podemos inferir pelos depoimentos que os indígenas, ao voltarem para as aldeias, tiveram dificuldade em se adaptar a nova realidade, pois durante o tempo que permaneceram no Utiariti tiveram seus costumes corrompidos pelo modelo do capitalismo, em que eram obrigados a usar roupas, a seguir os moldes da agricultura e, principalmente, a utilizar a língua oficial do nosso país: o português.

Esse contexto histórico interfere no aspecto linguístico do povo Rikbaktsa, visto que ao impor somente o uso da língua portuguesa, a língua materna é silenciada. Assim, a

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retomada dos indígenas para a aldeia os coloca dentro de uma nova realidade linguístico-cultural: tentar aprender novamente a língua materna, sendo agora falantes somente de português, ou seja, a língua nativa é aprendida como segunda língua (L2).Dessa forma, a geração que vivenciou os conflitos interétnicos e tentou a retomada da aprendizagem e o uso de sua língua materna poderia apresentar interferências do português no sistema linguístico rikbaktsa – o que não é nosso objeto de estudo nesta pesquisa. No entanto, é importante ressaltar que o desejo de retomada da língua materna reflete uma atitude linguística positiva.

Ainda, a maioria dos indígenas foram batizados conforme o catolicismo e aconteceram vários casamentos interétnicos, ou seja, estava sendo formada uma geração com outros costumes. Alguns Rikbaktsa chegaram a criar uma aldeia separada chamada Indianópolis (PACINI, 1999). Ukba, comenta esse fato: “muitos não conseguiam se adaptar porque achavam estranho a nossa comida, as nossas regras; até aprender a língua era complicado. Mas a gente ensinava para eles, conseguimos ensinar o idioma, daí eles lembravam algumas coisas, mas nem tudo a gente conseguiu ensinar”. Nesse sentido, a etnia Rikbaktsa busca preservar seus costumes, principalmente pela transmissão dos saberes por parte dos mais velhos.

Por fim, destacamos que entre os anos de 1942 a 1957, os Rikbaktsa somavam cerca de 1300 habitantes, mas “após os anos de guerra contra os seringueiros e as doenças advindas do contato, contabilizou-se que em 1969 eles eram apenas 300, tendo morrido quase 75% da população” (PIRES, 2009, p. 21). A esse respeito, Eldo relata que “os seringueiros diziam que o índio era bravo, mas a gente só queria se defender. Naquela época muitos morreram, nós atirávamos com flecha e eles atacavam com arma”. Assim, os conflitos interétnicos trouxeram sérias consequências ao povo Rikbaktsa, e sua população foi reduzida drasticamente. As avaliações do CIMI, na década de 90, mostram que as mortes dos Rikbaktsa se deram devido à “malária e outras doenças’, [(30%)], 50% a ‘acidentes’, 10% ao ‘veneno’ (quando o doente se sente enfeitiçado) e 10% à ‘causa desconhecida” (ATHILA, 2006, p. 132). Atualmente, estima-se que os Rikbaktsa se constituam, aproximadamente, por 1411 pessoas31. Entretanto, os relatos dos entrevistados afirma que a população ultrapassa

dois mil indígenas: “nós somos em muito mais, dá mais de dois mil índio”, como afirma Odomy. Ademais, “tem muita criança nascendo, a população tá crescendo, pelas aldeias tem mais de dois mil, com certeza”, conforme relata Ozobim.

31 De acordo com o IBGE, em levantamento feito em 2018. Disponível em: https://indigenas.ibge.gov.br/

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No próximo item, iremos versar sobre o tronco linguístico Macro-Jê, para podermos nos enveredar pela análise proposta nesta tese.

1.5 O tronco linguístico Macro-Jê

De acordo com Rodrigues (1993, p. 91), em 1500, na época da tomada de posse do território brasileiro pela Coroa Portuguesa, havia aproximadamente 1175 línguas indígenas em nosso território, mas nos primeiros 500 anos após o chamado “descobrimento”, cerca de 1000 dessas línguas desapareceram. De todo modo, diante dessa diversidade linguística, há alguns idiomas que podem se classificar em conjuntos de origem comum mais próxima (RODRIGUES, 2001) e a partir dessas classificações eles são divididos em famílias. Essas famílias, por sua vez, são agrupadas em troncos linguísticos, sendo que no Brasil há dois: o Tupi e o Macro-Jê.

Curt Nimuendajú foi um dos primeiros etnólogos a se interessar pela língua dos grupos Jê. Em 1905 explorou o Oeste do estado de São Paulo deixando vários manuscritos inéditos (PIRES, 2009). Atualmente existem poucas pesquisas sobre o Macro-Jê, sendo que os últimos levantamentos atestam que possui doze famílias. Assim, há

[...] línguas distribuídas desde o Maranhão até o Rio Grande do Sul, a Aruak no oeste e no leste da Amazônia, em Mato Grosso e em Mato Grosso do Sul, e a Karíb ao norte do rio Amazonas, nos estados do Amazonas, Roraima, Pará e Amapá, mas com algumas línguas ao longo do Xingu, nos estados do Pará e Mato Grosso (RODRIGUES, 1994, p. 47).

Ademais, segundo Rodrigues (1994), as famílias do tronco Macro-Jê possuem características gramaticais comuns, sendo que

[...] todas elas exprimem a relação entre um objeto e seu possuidor por meio de elementos gramaticais antepostos ao nome do objeto. Esses elementos são em regra prefixos (partes dos nomes) [...]. A maioria das línguas do tronco Macro-Jê distingue duas terceiras pessoas possuidoras, além da primeira (‘meu’) e da segunda (‘teu’). Uma terceira pessoa é não reflexiva (dele) e a outra é reflexiva (dele mesmo) (como nas frases ‘João machucou a mão dele (isto é, de José)’ e ‘João machucou a mão dele mesmo (isto é, do próprio João)’ (RODRIGUES, 1994, p. 54).

A esse respeito, a seguir apresentamos o quadro das línguas pertencentes ao tronco Macro-Jê:

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TRONCO Macro-Jê

Unidade linguística Dialetos, grupos Nº de falantes População

Família Boróro Boróro 1.024 Família Guató Guató 5 372 Família Jabutí Djeoromitxí (Jabutí) 30 123 Arikapú 2 19 Família Jê Akwén Xakrìabà Xavánte

Xerénte Maioria Maioria

7.665 9.602 1.814

Apinayé 1.262

Kaingáng Kaingáng do Paraná

Kaingáng Central Kaingáng do Sudoeste

25.000 total

Kayapó (Mebengokre) Gorotire

Kararaô Kokraimoro Kubenkrankegn Menkrangnoti Mentuktíre (Txukahamãe) Xikrin 7.096 total

Panará (Kren-akore, Kren-akarore) Todos 202

Suyá (Kisêdje) Suyá

Tapayúna (Beiço-de-Pau) Todos 58 334

Timbíra Canela Apaniekra

Canela Ramkokamekra Gavião do Pará (Parkateyé) Gavião do Maranhão (Pukoblyé) Krahô Krikatí (krinkatí) 458 1.337 338 473 1.900 682 Xokléng 757 Família Karajá Karajá Javaé Karajá Xambioá Maioria 1.860 5 919 2.500 185 Família Krenák Krenák 8 150 Família Maxakalí Maxakalí Maioria 802 Família Ofayé

Ofayé (Opayé, Ofayé-Xavante) 10 56

Família Rikbaktsa

Rikbaktsá (Erikpaksá) Med 909

Família Yathê

Yathê (latê, Fulniô, Carnijó) Maioria 2.930

Quadro 1: Línguas do tronco linguístico Macro-Jê Fonte: Moore; Galucio; Gabas Júnior (2014, p. 38)

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É válido ressaltarmos que preservação de um idioma depende de sua transmissão às gerações mais novas, pois não podemos confundir a população de determinada família com o número de falantes de sua língua, vito que, em alguns casos, são poucos os que compreendem e falam a língua tradicional. Como vimos no quadro 1, os autores Moore, Galucio e Gabas Júnior (2014) deixaram alguns espaços em branco referente ao número de falantes e população, pois não conseguiram obter estas informações em suas pesquisas. Assim, de acordo com esse quadro e a partir dos trabalhos de Boswood (1971) e de Rodrigues (1994), a língua rikbaktsa é classificada como pertencente ao tronco linguístico Macro-Jê.

Assim, após apresentar os aspectos gerais da cultura rikbaktsa e algumas pesquisas já realizadas a respeito da etnia, apresentamos, no tópico seguinte, o embasamento teórico e a metodologia utilizada para o desenvolvimento deste trabalho.

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2 Aporte teórico

A Sociolinguística considera a relação entre língua e sociedade e, por isso, é ponto central de nossa metodologia. Assim, nesta seção, apresentamos a Sociologia da Linguagem e suas áreas de investigação: Sociologia Descritiva da Linguagem e Sociologia Dinâmica. Também abordamos os domínios linguísticos, assim como as definições de bilinguismo individual e social, e suas respectivas atitudes linguísticas. Além disso, vamos descrever os procedimentos metodológicos utilizados em nossa pesquisa.

2.1 Sociologia da Linguagem e os domínios linguísticos

No século XX, surgiram correntes que ampliam o olhar sobre a relação entre linguagem e sociedade, como a Sociologia da Linguagem, representada por Fishman, a Sociolinguística Interacional, ligada ao nome de Gumperz, a Dialectologia Social, associada ao trabalho de estudiosos como Shuy e Trudgil e a Etnografia da Comunicação, inseparável do nome de Hymes (ALKMIM, 2007). Em 1966, com a publicação das atas Proceedings of the UCLA Sociolinguistics Conference marcou-se o nascimento da Sociolinguística, a fim de sistematizar a variação existente na língua, a partir de uma metodologia rigorosa (CALVET, 2002). De maneira geral, a Sociolinguística analisa os traços linguísticos de uma determinada comunidade com o objetivo de observar o que a distingue das demais (TARALLO, 2007). Nessa perspectiva, a Sociologia da Linguagem “determina os valores simbólicos das variedades linguísticas para seus falantes” (FISHMAN, 1995, p. 38), assim como descreve as regras sociais e as atitudes relacionadas à língua de uma comunidade.

Para Fishman (1974), a Sociologia da Linguagem analisa dois aspectos do comportamento humano: o uso da língua e a organização social, observando os tópicos “relacionados com a organização social do uso linguístico, incluindo não só o uso da língua per se mas também atitudes linguísticas manifestadas em relação à língua e aos seus usuários” (FISHMAN, 1974, p. 25). O autor divide essa corrente teórica em duas partes: Sociologia Descritiva e a Sociologia Dinâmica (FISHMAN, 1974). A primeira descreve a organização social do uso da língua em uma determinada comunidade, estabelecendo suas normas e padrões, assim como as atitudes linguísticas. A segunda parte descreve e analisa os fatores que motivam as mudanças na organização social do uso da língua.

Fishman (1974) afirma que em uma comunidade linguística nem sempre os falantes bilíngues utilizam a mesma língua e o mesmo comportamento em todos os momentos de interação social. Como exemplo, temos os funcionários do Governo de Bruxelas que falam

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fluentemente o francês e o holandês. Diante dessa situação, a função da Sociologia Descritiva da Linguagem é descrever quando os funcionários utilizam o holandês e em que situações usam o francês, ou seja, demonstrar a sistematicidade da alternância de uma língua e outra, sendo que, para isso, o seu ponto de partida consiste em determinar “quem fala qual variedade de qual língua, a quem, quando e sobre o que” (FISHMAN, 1995, p. 36).

Segundo Fishman (1972), o ponto de partida para a descrição da organização social do uso da língua é estabelecer os domínios linguísticos entre os falantes bilíngues. Para Appel e Muysken (1987, p. 23) há vários fatores envolvidos na escolha de um idioma, como: 1) a identificação de um grupo, a situação de interação e o tema da conversa, pois quando um falante bilíngue se expressa na sua língua tradicional, ele se identifica como pertencente a determinado grupo que detém daquela língua como uma identidade linguística.

2) a situação de interação, visto que é outro fator importante na escolha do idioma para falantes bilíngues. Dependendo do local e da situação, eles podem escolher a língua para um fim específico.

3) o tema da conversa, que também pode também influenciar a escolha do idioma, como quando os indivíduos de um grupo estão reunidos e se comunicam na língua nativa sobre suas tradições, seu povo e costumes, podendo, as mesmas pessoas, conversarem na língua majoritária se o tema da conversa for sobre outros assuntos atuais, como política, por exemplo. No cotidiano, encontramos infinitas possibilidades de interação, por isso, analisar essas situações em falantes bilíngues pode ser algo muito complexo, porque são inúmeras as ocasiões que podem constituir o dia a dia de uma pessoa. Por essa razão, Fishman (1974, p. 30) propõe uma abstração sociológica, pois os membros nativos de uma comunidade linguística adquirem inconscientemente uma “competência comunicativa sociolinguística” que se refere a normas apropriadas do uso da língua, sendo um comportamento linguístico que determina a utilização de uma língua em um determinado momento. Nesse sentido, existem classes de ocasiões que podem ser reconhecidas como pertencentes à mesma espécie, pois

[o]nde precisamente se situam as fronteiras que estabelecem a diferenciação entre uma classe de situações, que, em geral, exige uma variedade e uma outra classe de situações que, em geral, requer uma outra variedade, [...] e constitui uma das principais tarefas da sociolinguística descritiva. Tais classes de situações são designadas pelo nome de domínios (FISHMAN, 1974, p. 30).

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Nessa perspectiva, a Sociologia Descritiva da Linguagem descreve os domínios linguísticos. Para Fishman (1972), existem cinco tipos de domínios principais, são eles: a família, o trabalho, a escola, a igreja e a rua (sendo que esse último também pode ser entendido como vizinhança ou aldeia). Os domínios linguísticos referem-se às situações de bilinguismo em determinados lugares particulares, já as interações sociais, de maneira geral, se dão de modo mais dinâmico do que isso. Entretanto, nesse caso, referem-se a uma abstração sociológica, tratando-se de uma situação em que ocorre uma interação social específica. Um exemplo disso é que entre alunos e professores a interação refere-se ao domínio escolar, enquanto a interação social entre pais e filhos está relacionada ao domínio familiar. Nesse sentido, a Sociologia Descritiva da Linguagem nos auxilia na pesquisa com comunidades indígenas porque possibilita a identificação dos domínios linguísticos de interação entre falantes bilíngues, ou seja, o uso linguístico em diferentes situações.

Em relação à Sociologia Dinâmica, Fishman (1995) descreve uma mudança no repertório linguístico dos imigrantes nos Estados Unidos, que em interação com os americanos de fala inglesa, aprenderam o inglês como segunda língua (L2)32, sendo que o

mesmo aconteceu com os franco-canadenses em Montreal. Entretanto, enquanto nos Estados Unidos os imigrantes substituíram suas línguas maternas e aderiram ao inglês, os franco-canadenses são monolíngues em francês (L1)33 e depois aprenderam o inglês. Assim,

a função da Sociologia Dinâmica da Linguagem é explicar os fatores que levaram, por exemplo, à diferença dos resultados na aprendizagem do inglês para ambas as comunidades, que parece estar relacionada à capacidade de diferenciação social funcional dos franco-canadenses.

Destarte, a partir dos estudos de Fishman (1972, 1974, 1995), apresentamos o quadro a seguir:

32 Para Moreno Fernández (2010, p. 137) “una lengua segunda es aquella que no es la lengua nativa de un país,

pero que se usa ampliamente como lengua de comunicación (p.ej. en la educación y en la administración) y que suele usarse paralelamente a otra lengua o lenguas”.

33 De acordo com Crystal (2000, p. 286), a L1 (primeira língua ou língua materna) é “aquela adquirida de

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Feita essa discussão, apresentamos, no próximo tópico, o bilinguismo individual e social a partir de Weinreich (2011), que considera a relação entre o uso linguístico e a sociedade.

2.2 Bilinguismo individual e social

Há muitas definições para bilinguismo, pois diversos autores (APPEL; MUYSKEN, 1987, HEYE, 1979, WEINREICH, 2011) se utilizam de várias abordagens de acordo com o seu objeto de estudo. Para Appel e Muysken (1987), o contato intenso entre duas línguas pode levar ao bilinguismo, mas, entre tantos conceitos existentes sobre bilinguismo, adotamos para nossa pesquisa a definição de Heye (1979, p. 211), que descreve o bilinguismo como “(...) uma situação linguística em que duas ou mais línguas coexistem dentro dos limites de uma sociedade”.

Nesse sentido, é difícil definir um sujeito bilíngue porque em termos de proficiência é necessário estabelecer um padrão que analisa suas habilidades de ler, escrever, falar e escutar em ambas as línguas. Por isso, Appel e Muysken (1987) preferem uma definição sociológica, a partir de Weinreich (2011, p. 05), em que “a prática do uso de duas línguas alternativamente será chamado de bilinguismo, e as pessoas envolvidas bilíngues” (APPEL; MUYSKEN, 1987, p. 3).

Weinreich (2011) foi um dos primeiros estudiosos a pesquisar o bilinguismo. A partir da perspectiva do uso linguístico, ele define o bilinguismo individual e social. O primeiro se refere ao uso de duas línguas por uma mesma pessoa, sendo que o “bilinguismo é essencialmente uma caracterização da versatilidade linguística individual” (FISHMAN, 1972, p. 102). Ademais, segundo Appel e Muysken (1987), é difícil determinar se uma pessoa é bilíngue ou não. Para exemplificar essa complexidade, os autores mostram em suas pesquisas o caso de pessoas na Grã-Bretanha que têm aprendido francês na escola e praticado em suas

Quadro 2: Definição da Sociologia da Linguagem Fonte: Oliveira (2015, p. 38, com alterações).

Referências

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