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TRABALHO E ADOECIMENTO EM UMA INSTITUIÇÃO FEDERAL DE ENSINO SUPERIOR: primeiras aproximações

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TRABALHO E ADOECIMENTO EM UMA INSTITUIÇÃO FEDERAL DE ENSINO

SUPERIOR: primeiras aproximações

CARLOTO, Andréa Fão1

RESUMO: Esse artigo aborda a relação entre trabalho e adoecimento no contexto uma Instituição Federal de Ensino Superior. Tem por objetivo mapear a incidência de afastamentos do trabalho por Licença para Tratamento de Saúde e Licenças por Acidente em Serviço de servidores públicos. Discorre-se sobre os impasses e desafios do adoecimento relacionado ao trabalho no contexto atual. Apresenta dados que são resultados parciais de pesquisa quantitativa, onde evidencia-se que os Transtornos Mentais e Comportamentais são as que mais incapacitaram Técnicos Administrativos e Docentes da IFES em 2018.

PALAVRAS-CHAVE: Trabalho; Adoecimento; Servidor Público Federal.

INTRODUÇÃO

Considerando a centralidade do trabalho para a sociabilidade humana e as suas transformações na contemporaneidade é necessário refletir e analisar a relação entre trabalho e saúde nesse contexto. O objetivo geral deste artigo é mapear a incidência de afastamentos do trabalho por Licenças para Tratamento de Saúde/LTS e Licenças por Acidente em Serviço/LAS de servidores públicos – Técnicos Administrativos em Educação e Docentes – de uma Instituição Federal de Ensino Superior/IFES, situada no Estado do Rio Grande do Sul. Para isso, este artigo, apresenta resultados parciais da pesquisa intitulada “Trabalho e Adoecimento Mental: um estudo no contexto de uma Instituição Federal de Ensino Superior”2.

O trabalho nas IFES integra a esfera dos serviços3. Setor que atualmente é o

responsável pelo emprego majoritário da força de trabalho. Conforme Rosso (2010) o emprego nesse setor divide-se em três segmentos: o primeiro é representado pelas atividades públicas que não produzem lucro, onde o emprego é totalmente realizado sob a forma de assalariamento; o segundo segmento engloba os prestadores de serviço que realizam a troca direta de trabalho por salário e que não visam aumentar o ganho do capitalista empregador;

1 Assistente Social. Mestranda em Serviço Social na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Bolsista CAPES. E-mail: andrea.carloto@acad.pucrs.br.

2 Pesquisa aprovada pela Comissão Científica e cadastrada no Sistema de Pesquisas da PUC. Aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da PUCRS, CAAE 19767019.3.0000.5336.

3A sociedade estrutura-se em torno do processo de produção, e considerando os produtos a economia pode ser

dividida em três setores: o setor primário, que agrega atividades de produção que envolvem a exploração de recursos naturais, como por exemplo, a agricultura, a pecuária e a mineração; o setor secundário que é o responsável pela transformação das matérias-primas em produtos, tendo como exemplo a indústria; e o setor terciário que agrega os serviços, ou seja, produtos não materiais destinados a suprir necessidades, como por exemplo, educação, saúde, comércio dentre outros.

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e o terceiro segmento é representado pelas atividades capitalistas, atividades que visam produzir lucros para empresas, esse segmento é representado pelas atividades estatais que foram privatizadas.

A pesquisa abrange os servidores públicos em regime jurídico estatutário federal4 de

uma IFES, incluídos no primeiro segmento descrito anteriormente. Ressalta-se que apesar de o setor de serviços não ter como intuito central a produção direta de mais-valor5 não significa

que ele tenha menor importância para a economia, bem como, também não significa que os trabalhadores desse setor estejam ilesos aos processos de exploração e às transformações do mundo do trabalho.

Este artigo apresenta dois itens, o primeiro discorre sobre a relação entre trabalho e saúde, seus impasses e desafios no contexto atual. O segundo item, apresenta a análise dos resultados de pesquisa quantitativa que teve por base o Relatório Anual de Ocorrências de Licença para Tratamento de Saúde e de Licença por Acidente em Serviço/2018, fornecido pela Unidade do Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor da IFES estudada. Por fim, apresentam-se as considerações finais que apontam a necessidade de ações efetivas direcionadas à saúde mental, tendo em vista que os Transtornos Mentais e Comportamentais são a principal causa de incapacidade para o trabalho na IFES.

1. A RELAÇÃO TRABALHO E SAÚDE

O adoecimento no trabalho não é um fenômeno novo, mas tem se metamorfoseado com as transformações decorrentes da reestruturação produtiva que constituem a base do neoliberalismo (ANTUNES, 2009). É nesse contexto, onde são utilizados novos e velhos mecanismos de intensificação do trabalho, que emerge a exigência de um novo tipo de trabalhador. A reorganização da produção que se espraia para o âmbito da sociabilidade, visa a manutenção da acumulação do capital e tem consequências diretas para a classe trabalhadora. O conjunto de inovações tecnológicas e organizacionais e as desregulamentações das relações de trabalho atingiram a saúde do trabalhador (LARA, 2011).

O capitalismo vem reestruturando visando aumentar a lucratividade. Assim, os sujeitos passam a vivenciar de forma intensificada a precarização do trabalho, onde,

4 Considerando as particularidades do trabalho em ambiente hospitalar, forma excluídos os servidores públicos federais da IFES lotados no hospital universitário.

55Marx coloca duas formas de extração de mais-valor. A mais-valor absoluto consiste na “[...] extensão da

jornada de trabalho além do ponto em que o trabalhador teria produzido apenas um equivalente do valor de sua força de trabalho, acompanhada da apropriação desse mais-trabalho pelo capital”. (MARX, 2013, p. 707). Já o mais-valor relativo é gerado “[...] por meio de métodos que permitem produzir em menos tempo o equivalente do salário. [...] a produção do mais-valor relativo revoluciona inteiramente os processos técnicos do trabalho e os agrupamentos sociais” (MARX, 2013, p. 707). Ambos visam a ampliação do lucro pelo capitalista e de uma forma

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[...] os novos riscos coexistem ao lado dos velhos, estando concentrados em categorias distintas: a) as novas tecnologias e processos de produção; b) as novas condições de trabalho, com jornadas prolongadas e extenuantes associadas à intensificação e densificação do trabalho; c) as novas formas de contrato de trabalho e a insegurança no emprego – como o trabalhador independente e incerto, parcial, temporário, pessoa jurídica (PJ), dentre outras formas de contrato; e d) as exigências emocionais e cobranças elevadas no trabalho. (BARRETO; HELOANI, 2013, p. 111).

Com isso, as relações laborais atuais exigem e influenciam diretamente a formação de um novo trabalhador flexível e competitivo, que “[...] deve possuir saúde perfeita, ter excelência, competência, habilidade e conhecimentos tecnológicos aperfeiçoados e atuais” (BARRETO; HELOANI, 2013, p. 110). Não há como desconsiderar que esse novo perfil de trabalhador também enfrenta outro desafio a “descartabilidade”, que conforme Praun (2016, p.19):

Na era da acumulação flexível, na qual as mercadorias tornam-se obsoletas e descartáveis rapidamente, o ser humano, convertido pelo capital em mercadoria, também se vê submetido, pela incapacidade e “perda de produtividade” geradas pelo adoecimento, à descartabilidade (PRAUN, 2016, p. 19).

Esse novo perfil de trabalhador, a lógica da descartabilidade e o contexto atual – onde vivencia-se o aumento do trabalho informal, da precariedade e da desproteção, ou ao medo destes – colaboram para a ampliação do adoecimento e também para a sua invisibilidade. Diante disso, os trabalhadores continuam se expondo e convivendo com o adoecimento para manter a condição de trabalhador assalariado. “Suportar e ocultar a doença e o sofrimento impostos constituem estratégias de sobrevivência e resistência a exclusão do trabalho” (BARRETO; HELOANI, 2013, p. 110). O que, por vezes, agrava e amplia o adoecimento. Essa prática reproduzida pelos próprios trabalhadores, que ocultam processos de adoecimento por medo, revela uma das dimensões da invisibilidade do adoecimento relacionada ao trabalho.

Outra dimensão da invisibilidade do adoecimento relacionado ao trabalho é a subnotificação. Em geral, essa subnotificação decorre de vários fatores, dentre eles destacam-se a falta de seguro, a forma como são construídas as estatísticas, o desconhecimento dos sujeitos e das famílias e a avaliação das empresas empregadoras (MENDES, 2003).

Sobre a avaliação das empresas é importante ressaltar que não há interesse dos empregadores em caracterizar a relação de doenças e acidentes com o trabalho em razão das implicações legais e prejuízos financeiros para o empregador. Na iniciativa privada isso gera principalmente a impossibilidade de descartar o sujeito enquanto permanecer adoecido. Já no que se refere aos servidores públicos federais é interessante destacar que as Licenças por Acidente em Serviço independente do período serão contabilizadas como tempo de serviço, diferente do que ocorre nos casos de Licença para Tratamento de Saúde para a qual a legislação fixa um limite de até 24 meses cumulativos.

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Além disso, cabe destacar que os acidentes e doenças do trabalho que não são notificados podem ocasionar prejuízos diretos para o trabalhador, como por exemplo, em caso de aposentadoria por invalidez. Isso ocorre no caso dos servidores públicos federais, porque quando a incapacidade é gerada por acidentes e moléstias profissionais a aposentadoria por invalidez é integral. Não havendo esse registro a aposentadoria por invalidez é proporcional, ou seja, acarreta prejuízos financeiros para o trabalhador.

Sobre o adoecimento relacionado ao trabalho ainda é importante ressaltar a necessidade de romper com a naturalização e a individualização que também alimentam a invisibilidade do fenômeno. E que se constituem em um argumento frequente para desconfigurar o nexo nas avaliações realizadas para formalizar doenças e acidentes do trabalho.

Mesmo com o fenômeno da invisibilidade do adoecimento relacionado ao trabalho – ocasionado por acidente ou doença profissional – nas últimas décadas, observam-se “[...] indicadores de acidentes e doenças profissionais cada vez mais altos, mesmo que, por conveniência política e econômica, impere a não notificação, que se expressa de forma ainda mais aguda no caso das doenças profissionais” (ANTUNES; PRAUN, 2015, p. 409).

2. ANÁLISE DOS RESULTADOS

Desde a última década do Século XX as IFES vêm sofrendo os impactos da racionalidade neoliberal no Brasil, onde o neoliberalismo ganha espaço na década de 1990 e aos poucos “[...] se tornou hegemônico como tipo de discurso, disseminando-se pelos modos de pensar e pelas práticas político-econômicas a ponto de se incorporar ao senso comum com o qual interpretamos, vivemos e compreendemos o mundo” (HARVEY, 2007, p. 2). Atualmente o Brasil vive a sua intensificação, que apregoa o desmonte de direitos, o sucateamento e privatização de serviços públicos como alternativa para superar a crise econômica. Além disso, o enxugamento da máquina pública, desvalorização e demonização de servidores públicos também compõe essa lógica de Estado mínimo em direitos sociais e máximo para o capital, o que afeta a educação, que cada vez mais assume o caráter de serviço a ser vendido como mercadoria.

Um dos resultados desse processo é diversidade de vínculos empregatícios dentre os trabalhadores da IFES. Por isso, faz-se necessário destacar que essa pesquisa abrange os servidores públicos regidos pela Lei 8.112, que conforme dados divulgados pela IFES, totalizavam 3.664 servidores ativos em 2018. E podem ser divididos em duas categorias:

 Técnico Administrativo em Educação: Esta carreira compreende cargos em cinco níveis de classificação (A, B, C, D, E). Cada um desses níveis compreende um conjunto de cargos de mesma hierarquia, classificados a partir de requisitos, como a escolaridade. Em 2018 a IFES contava com 1.775 Técnicos Administrativos em Educação.

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 Docentes: Professores do Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico e Professores do Magistério Superior. Somadas as duas carreiras, em 2018 a IFES possuía 1.889 Docentes.

Considerando esses números e os resultados da pesquisa documental que teve por base o Relatório Anual de Ocorrências de Licença para Tratamento de Saúde e de Licença por Acidente em Serviço, do ano de 2018 evidencia-se que 18,9% dos servidores públicos da IFES afastaram por motivo de saúde no ano de 2018.

Antes de apresentar os dados gerais (Número de Ocorrências; Número de dias de afastamento; Número de Servidores Afastados) especificados por tipo de licença faz-se necessário destacar que embora as duas licenças constituam afastamentos do trabalho por motivo de saúde e compreendam benefícios do Plano de Seguridade Social do Servidor (BRASIL, 1990), elas possuem diferenças significativas. A Licença para Tratamento de Saúde: “Art. 202. Será concedida ao servidor licença para tratamento de saúde, a pedido ou de ofício, com base em perícia médica, sem prejuízo da remuneração a que fizer jus” (BRASIL, 1990). Esse tipo de licença destina-se à situações de adoecimento sem relação com o trabalho. Enquanto que a Licença por Acidente em Serviço: “Art. 212. Configura acidente em serviço o dano físico ou mental sofrido pelo servidor, que se relacione, mediata ou imediatamente, com as atribuições do cargo exercido’ (BRASIL, 1990). Para afastar-se com esse tipo de licença faz-se necessário comprovar o nexo causal do adoecimento.

O afastamento por Licença por Acidente em Serviço – assim como ocorre com os trabalhadores segurados pelo Regime Geral de Previdência Social – pode ser tipificado em duas modalidades de ocorrências: doenças e acidentes de trabalho. As doenças “[...] resultantes da exposição do trabalhador a condições de trabalho inadequadas à sua saúde e que têm como desdobramento o adoecimento físico ou mental” (PRAUN, 2016, p. 72). Já os acidentes de trabalho subdividem-se em acidentes típicos e acidentes de trajeto.

Os acidentes típicos são aqueles que ocorrem durante a jornada de trabalho, fatais ou não, geralmente causadores de lesões e ferimentos visíveis no corpo, fraturas, mutilações, entre outros, ocasionados por episódios claramente delimitados no espaço e no tempo, mesmo que com desdobramentos posteriores. Já os acidentes de trajeto são resultado de ocorrências situadas no tempo de deslocamento do trabalhador entre sua casa e local de trabalho e vice-versa (PRAUN, 2016, p. 72).

Observando os dados do Quadro 1, evidencia-se um baixo número de Licenças por Acidente em Serviço na IFES, em 2018. Os dados apontam que 98,8% das ocorrências foram de Licença para Tratamento de Saúde, ou seja, não possuem relação com o trabalho.

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Quadro 1: Análise Geral das Licenças por Motivo de Saúde na IFES em 2018

Licenças por Motivo de Saúde na IFES em 2018 Licença para

Tratamento de Saúde

Licença por

Acidente em Serviço Total

Número de Ocorrências 1359 17 1376

Número de dias de afastamento 19876 392 20268

Número de servidores públicos afastados 689 6 695

Fonte: Elaborado pela autora.

Mesmo que diversos estudos apontem a subnotificação de acidentes e de doenças relacionadas ao trabalho, somente com essa pesquisa quantitativa não é possível afirmar que isso ocorre na IFES estudada. Por isso, ainda é necessário executar a pesquisa de campo com ênfase qualitativa, que contará com entrevistas a serem realizadas com dez servidores que estiveram em licença em 2018.

A pesquisa quantitativa também demonstra que em 2018, as patologias que correspondem ao Grupo dos Transtornos Mentais e Comportamentais (CID F) destacam-se, aparecendo como mais incidentes, como pode-se observar no Gráfico 1.

Gráfico 1: Número de Ocorrências por patologias conforme Grupos da Classificação Internacional de

Doenças/CID 10, na IFES em 2018

Fonte: Elaborado pela autora.

58 22 41 20 7 234 32 77 54 170 135 15 153 62 64 47 87 11 1 3 71 12 0 50 100 150 200 250 CID A CID B CID C CID D CID E CID F CID G CID H CID I CID J CID K CID L CID M CID N CID O CID R CID S CID T CID V CID W CID Z SEM CID

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Ressalta-se ainda, que o Grupo do Transtornos Mentais e Comportamentais, também se destaca no número de dias de afastamento, totalizando 5.600 dias, divididos entre cento e quatro servidores públicos. Desses, cento e três foram afastados do trabalho por Licença para Tratamento de Saúde, sendo quinze Docentes e oitenta e oito Técnicos Administrativos em Educação. E apenas um servidor Técnico Administrativo em Educação esteve afastado em Licença por Acidente em Serviço. Considerando que o adoecimento mental se destaca, vale ressaltar uma particularidade:

[...] as notificações deste tipo de adoecimento ainda estão aquém do número real de casos, tendo em vista que é bastante difícil estabelecer a relação entre transtorno metal (efeito) e as condições de trabalho (causa). Na verdade, as doenças do trabalho, principalmente o adoecimento mental, devem-se não apenas às condições de trabalho propriamente ditas (a nova morfologia social do trabalho), mas também às condições da existência humana no bojo do modo de vida just-in-time, onde o fenômeno da “vida reduzida” tornou-se predominante (precarização existencial). O adoecimento mental de trabalhadores ainda é um assunto tabu dentro dos locais de trabalho reestruturados, cercados de preconceitos, medos e desconhecimento (ALVES, 2014, p. 116).

A proliferação dos adoecimentos laborais representa a precarização do homem-que-trabalha na sua forma extrema, mas muitas vezes mesmo que o sujeito não seja diagnosticado de adoecimento laboral, não quer dizer que ele esteja saudável (ALVES, 2014). Essa é uma tendência muito comum no que se refere ao âmbito da saúde mental, pois o sofrimento acompanha o trabalhador diariamente mesmo sem um diagnóstico e mesmo sem o nexo entre o adoecimento e o trabalho.

As novas relações laborais são construídas e se constituem na negação do outro e se sustentam em autoritarismo, intolerância e desconfiança, indiferença e intimidações, o que contribuí para aumento das exigências afetivas. Logo as relações interpessoais não podem ser geradoras de alegria e respeito mútuo, menos ainda proporcionar qualidade de vida, autonomia e criatividade, mas infelicidade e doenças, submissão e passividade, enfim, impotência para refletir e criar, sendo que, por isso, as condições de trabalho geram insatisfação, estafa, doenças e sofrimento (BARRETO; HELOANI, 2013, p. 111).

Além disso, vale ressaltar algumas particularidades do contexto laboral nas IFES, onde os servidores públicos vivenciam processos contraditórios por apresentarem-se como conquistas e ao mesmo tempo materializarem pontos importantes da reestruturação produtiva, como por exemplo, a instituição de planos de carreira, que representam a possibilidade de ascensão salarial condicionadas pela constante capacitação e sucessivas avaliações de desempenho. Outra particularidade é a adoção de estratégias de gestão cada vez mais próximas das encontradas na iniciativa privada que incitam a solidão do trabalhador e práticas de assédio moral. A extinção de cargos públicos e a crescente terceirização de atividades no setor de serviços que já ocorrem desde a década de 1990, também implica na necessidade de execução de múltiplas tarefas, tornando o servidor público um trabalhador polivalente. Além disso, é importante destacar o fantasma do desemprego estrutural que

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impulsiona o sonho da estabilidade no mercado de trabalho materializada no concurso público, hoje posta em xeque.

Considerando que na pesquisa os servidores públicos da IFES foram divididos em duas categorias, o Gráfico 2 apresenta os afastamentos por Transtornos Mentais e Comportamentais conforme essas categorias.

Gráfico 2: Ocorrências de licenças com diagnósticos de Transtornos Mentais e Comportamentais por categoria,

na IFES em 2018

Fonte: Elaborado pela autora.

Nesse gráfico, merece destaque a incidência de ocorrências de afastamentos na categoria dos Técnicos Administrativos em Educação, outras pesquisas atribuíram essa incidência maior ao controle eletrônico da jornada de trabalho, que não ocorre com a categoria Docente. Esse dado chama a atenção, pois somente 11% das ocorrências são de docentes, mesmo que esses estejam expostos a constante pressão que impulsiona a produção acadêmica e é indiscriminadamente fomentada pela comunidade científica. Assim, emerge o questionamento a respeito da subnotificação entre os docentes da IFES, o que também será abordado na pesquisa de campo.

Apesar de a pesquisa apontar uma disparidade de ocorrências de licenças entre as duas categorias de servidores públicos, é possivel observar que o diagnóstico mais incidente nas duas categorias foi o CID F43/Reações ao "stress" grave e transtornos de adaptação, que totalizaram noventa e nove ocorrências. Esses resultados parciais da pesquisa, demonstram que a principal causa de incapacidade para o trabalho na IFES está relacionada à saúde

28 0 28 204 2 206 0 30 60 90 120 150 180 210

LTS LAS Total de Ocorrências

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mental, assim faz-se necessário estudar esse fenômeno e a sua relação com o trabalho no contexto atual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os agravos a saúde do trabalhador, na atualidade, são reflexo das novas tendências do mundo do trabalho em razão das mudanças do espaço produtivo, e da inclusão de inovações tecnológicas e organizacionais somadas a um conjunto de inseguranças nas relações de trabalho (LARA, 2011). Para desocultar esse fenomeno nesse momento histórico, é fundamental debater a relação entre adoecimento e trabalho rompendo com a sua invisibilidade para que a sua real dimensão seja conhecida pela sociedade.

A pesquisa realizada no Relatório Anual de Ocorrências de Licença para Tratamento de Saúde e de Licença por Acidente em Serviço/2018 aponta que os Transtornos Mentais e Comportamentais são a pricipal causa de incapacidade para o trabalho totalizando 17% da Ocorrências de Licenças por Motivo de Saúde. Esse achado, apesar de ainda consistir em um resultado parcial, já reforça a necessidade de superar estigmas relacionados ao adoecimento mental e a necessidade de romper com a fragmentação e individualização do adoecimento mental. E também pode subsidiar o planejamento e execução de ações de prevenção, promoção e recuperação da saúde dos servidores públicos na IFES.

REFERÊNCIAS

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ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2009.

ANTUNES, Ricardo; PRAUN, Luci. A sociedade dos Adoecimentos no Trabalho. In: Serviço

Social e Sociedade. n. 123, São Paulo: Cortez, 2015.

BARRETO, Margarida; HELOANI, Roberto. Assédio Laboral e as Questões

Contemporâneas à Saúde do Trabalhador. In: NAVARRO, Vera Lúcia; LOURENÇO, Edvânia A. S. O Avesso do Trabalho III: saúde do trabalhador e questões

contemporâneas. São Paulo: Outras Expressões, 2013.

BRASIL, Presidência da República. Lei Nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais.

HARVEY, David. O neoliberalismo como destruição criativa. In: Revista de Gestão

Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente. Disponível em:

http://www3.sp.senac.br/hotsites/blogs/InterfacEHS/wp-content/uploads/2013/07/trad-2007.pdf. Acesso em: 07 de jul. de 2019.

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LARA, Ricardo. Saúde do Trabalhador: considerações a partir da crítica da economia política. In: Revista Katálysis. v. 14. n. 1, 2011. Disponível em:

https://periodicos.ufsc.br/index.php/katalysis/article/view/S1414-49802011000100010/17721. Acesso em: 29 de jun. de 2019.

MENDES, Jussara Maria Rosa. O Verso e o Anverso de uma História: o acidente e a morte no trabalho. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.

MENDES, Jussara Maria Rosa; WÜNSCH, Dolores Sanches. Serviço Social e a saúde do trabalhador: uma dispersa demanda. In: Revista Serviço Social e Sociedade. n. 107. São Paulo: Cortez, 2011.

PRAUN, Luci. Reestruturação Produtiva, saúde e degradação do trabalho. Campinas: Papel Social, 2016.

ROSSO, Sadi Dal. A Teoria do Valor Trabalho. In: PEREIRA, Potyara A. P. e PEREIRA, Camila P. Marxismo e Política Social. Brasília: Ícone, 2010.

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