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A participação dos ausentes no incidente de resolução de demandas repetitivas

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

MÁRIO ROBERTO DOS SANTOS

A PARTICIPAÇÃO DOS AUSENTES NO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Florianópolis 2019

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Mário Roberto dos Santos

A PARTICIPAÇÃO DOS AUSENTES NO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS

Dissertação submetida ao Curso de Pós-Graduação stricto sensu, Programa de Mestrado em Direito, área de concentração em Direito, Estado e Sociedade, da Universidade Federal de Santa Catarina, para obtenção do Grau de Mestre de Direito.

Orientador: Prof. Dr. Pedro

Miranda de Oliveira

Florianópolis 2019

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AGRADECIMENTOS

A realização do mestrado só foi possível graças à contribuição de inúmeras pessoas, entre familiares, amigos, colegas de trabalho, colaboradores e professores, a quem agradeço profundamente pelo auxílio, incentivo e companheirismo prestados durante esta importante etapa acadêmica.

Agradeço, inicialmente, à minha mãe, Mara Rita de Souza, por toda a dedicação, amor, valores transmitidos e incentivo aos estudos, fundamentais para a vida e que possibilitaram prosseguir nos estudos.

À minha esposa, Mônica de Souza Firmino dos Santos, companheira de vida, agradeço por ter sempre compartilhado comigo a trajetória de estudos e a busca pela realização profissional, tornando os meus dias mais felizes. Agradeço, especialmente, por toda a paciência e renúncia para que esse projeto se concretizasse.

Ao meu amado filho, Gabriel de Souza Firmino dos Santos, por preencher as nossas vidas com sua inocência, alegria e amor. Apesar de sua pouca idade, agradeço-lhe ter sido compreensivo em minhas ausências.

Aos meus sogros, Nelson Firmino e Jadna de Souza Firmino, e dindos do Gabriel, Jaqueline Firmino de Souza e Eduardo Kovalsky de Oliveira Barro, que estiveram presentes em todos os momentos, a fim de que eu pudesse me dedicar aos estudos, desde a fase de elaboração do pré-projeto.

Ao meu irmão, Michael Leopoldo dos Santos, e minha cunhada, Yamila Rocio Edith Martinez, pelo exemplo de dedicação aos estudos e auxílio nos momentos em que precisei.

Ao amigo de infância, Caio Veríssimo, por não ter medido esforços para concretizar minha matrícula em tempo hábil.

Expresso minha gratidão aos amigos Marcelo da Mota e Roger Fabre, por terem influenciado significativamente minha trajetória profissional, desde o período de estágio no MPF, e este pelo incentivo e auxílio para o ingresso no mestrado.

Ao amigo Eloi Francisco Zati Faccioni, pelo auxílio durante minhas ausências, possibilitando a dedicação aos estudos.

Aos servidores e estagiários do MPF em Tubarão (Andrey, Janaína, Alice, Carol, Ronei, Cristiano, Maria, Suellen, Guilherme e Davi), pelo comprometimento e dedicação ao trabalho, tornando a dupla jornada menos cansativa.

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depositada e valiosas lições durante as aulas ministradas e orientação deste trabalho, além de servir de inspiração pelo exemplo de profissional e acadêmico. Agradeço-lhe, também, pelo prazeroso convívio neste período.

Externo meu agradecimento aos membros da banca de defesa da dissertação, Dr. Júlio Guilherme Müller e Dr. Sérgio Cruz Arenhart, pelas importantes contribuições prestadas para o aperfeiçoamento deste trabalho, além de servirem de inspiração para os estudos.

Aos colegas de mestrado, Guilherme Blasi e Márcio André Sachetti, pela aprazível convivência durante as aulas, trocas de ideias e amizade construída.

Aos demais colegas, professores e servidores do PPGD, pelo convívio, lições e auxílio prestados.

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RESUMO

O objetivo do presente trabalho é examinar o incidente de resolução de demandas repetitivas e as formas de legitimar a aplicação da tese jurídica nele firmada em face de sujeitos que não tiveram a oportunidade de participar direta e pessoalmente do incidente. O incidente, disciplinado nos artigos 976 a 987 do Código de Processo Civil, sofre críticas por supostamente violar a garantia constitucional do contraditório, pois afetaria demandas de pessoas que não puderam participar e influenciar na formação da decisão judicial. No sentido de compreender a técnica utilizada, inicialmente discorre-se sobre a insuficiência do processo civil individual e do processo coletivo para tratar das demandas repetitivas. Em seguida, busca-se analisar a disciplina legal do incidente, contemplando os requisitos para instauração, instrução, julgamento e recursos cabíveis. Fixadas essas premissas, parte-se para análise de mecanismos de legitimação da decisão, com o intuito de evidenciar participação indireta dos ausentes, mediante representação adequada, pela via argumentativa, com a estipulação de critérios para a seleção de sujeitos líderes, participação dos sujeitos legitimados à tutela coletiva, dos amici curiae, intervenção dos sobrestados, realização de audiências públicas, interesse e legitimidade recursal ampliados e possibilidade de distinção.

Palavras-chave: Incidente de resolução de demandas repetitivas. Ausentes. Participação. Contraditório. Representação adequada. Representação argumentativa. Sujeitos líderes. Legitimados coletivos. Amicus curiae. Audiências públicas. Legitimidade recursal. Interesse recursal. Distinção.

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ABSTRACT

The objective of the present study is to examine the incident of resolution of repetitive demands and the ways of legitimizing the application of the juridical thesis established in the case of subjects who did not have the opportunity to participate directly and personally in the incident. The incident, disciplined in articles 976 to 987 of the Code of Civil Procedure, is criticized for allegedly violating the constitutional guarantee of the adversary, as it would affect the demands of persons who could not participate and influence the formation of the judicial decision. In order to understand the technique used, we first discuss the insufficiency of the individual civil process and the collective process to deal with repetitive demands. Next, we seek to analyze the legal discipline of the incident, contemplating the requirements for instituting, instructing, judging and appealing actions. Once these premises have been established, it is analyzed the mechanisms of legitimation of the decision, with the purpose of evidencing the indirect participation of the absentees, through adequate representation, through the argumentative way, with the stipulation of criteria for the selection of leading subjects, participation of the legitimized subjects collective tuition, amici curiae, intervention of the petitions, public hearings, extended interest and legitimacy, and possibility of distinction.

Keywords: Incident of resolution of repetitive demands. Absent members. Participation. Contradictory. Adequacy of representation. Argumentative representation. Leaders. Legitimate collectives. Amicus curiae. Public hearings. Recurrent legitimacy. Recurrent interest. Distinction.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas CDC - Código de Defesa do Consumidor

CPC - Código de Processo Civil

IRDR - Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas STF - Supremo Tribunal Federal

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 15

1 NECESSIDADE DE NOVAS TÉCNICAS PARA O ENFRENTAMENTO DA LITIGIOSIDADE REPETITIVA... 17

1.1 Insuficiência do Direito Processual Civil Clássico e do Direito Processual Civil Coletivo... 17

1.2 Crise numérica do Poder Judiciário e responsabilidade estatal...39

1.3 Reformas processuais e constitucional voltadas ao enfrentamento da crise do Poder Judiciário... 43

1.4 Procedimentos de solução em bloco como instrumento de tutela pluriindividual... 51

1.6 Microssistema de formação concentrada de precedentes... 66

1.7 Common law e civil law são tradições jurídicas... 68

1.8 O common law e o sistema de precedentes... 71

1.9 Características do civil law e compatibilidade com um sistema de precedentes... 79

1.10 Aproximação entre o common law e o civil law 84 1.11 Breves apontamentos acerca das técnicas de causa-piloto e procedimento-modelo no Direito estrangeiro... 87

2 INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS... 91

2.1 Fundamentos constitucionais: isonomia, segurança jurídica e razoável duração do processo... 91

2.2 Objeto do IRDR: questões comuns... 93

2.3 Natureza jurídica... 94

2.4 Entre causa-piloto e o procedimento-modelo: sistema híbrido... 98

2.5 Desistência ou abandono... 108

2.6 Pressupostos de admissibilidade... 113

2.6.1 Efetiva repetição de processos... 114

2.6.2 Questão unicamente de direito... 118

2.6.3 Risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica... 122

2.6.4 Requisito negativo: ausência de afetação de recurso repetitivo em tribunais superiores... 123

2.6.5 Causa pendente no tribunal... 125

2.7 Legitimação para requerer a instauração e intervir no IRDR....127

2.8 Competência... 133

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2.8.2 Admissibilidade de instauração em tribunais superiores... 139

2.8.3 Juizados especiais... 147

2.9 Procedimento... 153

2.9.1 Distribuição e juízo de admissibilidade... 153

2.9.2 Delimitação do objeto (questão de direito) e decisão de afetação... 158

2.9.3 Suspensão das demandas repetitivas pendentes... 162

2.9.4 Suspensão em todo o território nacional... 166

2.9.5 Possibilidade de distinção e prosseguimento... 167

2.9.6 Ausência de suspensão da prescrição das pretensões individuais... 169

2.10 Instrução... 170

2.11 Julgamento... 174

2.12 Recorribilidade da decisão que julga o mérito do IRDR... 177

2.13 Despesas processuais: custas e honorários advocatícios... 183

2.14 Consequências do julgamento do IRDR... 183

3 PARTICIPAÇÃO DOS AUSENTES NO IRDR... 187

3.1 Constitucionalização do processo civil... 187

3.2 Devido processo legal... 193

3.3 Princípio do contraditório: direito de participação e influência... 196

3.4 A relação entre processo e democracia... 203

3.5 Perspectiva panprocessual das garantias fundamentais: inviabilidade de participação direta de todos que serão afetados pela decisão... 205

3.6 Dos Ausentes... 217

3.7 A representação adequada no IRDR... 218

3.8 Mecanismos de legitimação do IRDR em relação aos ausentes... 223

3.8.1 Critérios de seleção dos sujeitos processuais líderes... 223

3.8.2 Intervenção dos sobrestados... 231

3.8.3 Intervenção do amicus curiae... 233

3.8.4 Realização de audiências públicas... 243

3.8.5 Interesse e legitimidade recursais ampliados... 245

3.8.6 Divulgação e publicidade... 251

3.8.7 A importância do regimento interno e da decisão de organização do incidente (decisão de afetação)... 252

3.8.8 Importância da distinção... 253

3.9 Triagem dos processos... 254

CONCLUSÃO...257

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INTRODUÇÃO

Diante da massificação das relações sociais, que se multiplicam em larga escala, decorrente da revolução industrial e tecnológica, em um mundo globalizado, verificou-se o surgimento de demandas repetitivas, bastante semelhantes, que não são adequadamente resolvidas com a aplicação do processo civil individual, assim como pelos processos coletivos, por diversos motivos, dentre eles, culturais.

Nesse contexto, o CPC de 2015 busca otimizar a gestão e julgamento de processos repetitivos, mediante a introdução de um sistema de precedentes formalmente vinculantes, do qual o IRDR faz parte. Essas mudanças geraram intensos debates e divergências na comunidade jurídica, incluindo sua compatibilidade com a tradição do civil law, que fica mais próxima do common law, sendo, contudo, um dos pontos mais polêmicos a existência de ofensa à garantia constitucional do contraditório, entendido como direito de participação e influência.

Embora siga tendência reformista já iniciada com o Código de 1973, a introdução do IRDR e a incorporação de manifesta ótica precedentalista, objeto de aplausos e críticas contundentes, é uma novidade. O objetivo deste trabalho é contribuir, observadas as limitações do autor, com as reflexões sobre o novo instituto, com ênfase em sua compatibilidade com a garantia constitucional do contraditório em face dos ausentes, isto é, os sujeitos que não puderam participar da decisão acerca da questão jurídica e serão por ela afetados.

Para esse desiderato, o raciocínio apresentado é dividido em três capítulos.

O primeiro capítulo trata das transformações sociais, decorrentes da revolução industrial e tecnológica, em um mundo globalizado, que, diante da insuficiência do processo civil clássico (individual), acarretaram o surgimento de processos coletivos, influenciando sobremaneira a compreensão do fenômeno processual. Ainda, busca-se demonstrar a insuficiência dos processos individuais e coletivos para tratar dos conflitos de massa, repetitivos, e evidenciar a aproximação entre as tradições de civil law e common law, além de expor brevemente a existência de tendência no direito estrangeiro de buscar novas técnicas para a mesma finalidade.

A partir das premissas estabelecidas, o segundo capítulo busca analisar amplamente o incidente de resolução de demandas repetitivas, desde seus fundamentos constitucionais, objeto, requisitos para

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instauração, instrução, julgamento e recursos cabíveis. A pretensão é refletir a respeito de seu funcionamento, dentro de uma lógica de precedentes, e verificar se ocorrem restrições significativas à participação de sujeitos que serão afetados pela eficácia do precedente nele firmado.

No terceiro capítulo, procura-se investigar a extensão da garantia constitucional do contraditório e se ela é respeitada no IRDR, tendo em vista os mecanismos disponibilizados pelo legislador no intuito de legitimar a decisão em face dos terceiros que não puderam participar do processo.

O trabalho foi realizado sobre o método dedutivo, iniciando-se com considerações gerais sobre as transformações sociais, jurídicas e políticas para encaminhar-se para conclusões específicas em torno da temática. A pesquisa foi bibliográfica, focada em obras doutrinárias, buscando abarcar alguns trabalhos mais clássicos, mas, em razão de se tratar de instituto novo, principalmente obras mais recentes da doutrina nacional e algumas estrangeiras.

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1 NECESSIDADE DE NOVAS TÉCNICAS PARA O ENFRENTAMENTO DA LITIGIOSIDADE REPETITIVA 1.1 Insuficiência do Direito Processual Civil Clássico e do Direito

Processual Civil Coletivo

O Código de Processo Civil revogado – Lei 5.869/1973 – preocupava-se com a resolução de litígios individuais,1 próprios do Estado Liberal, em que a sociedade poderia ser caracterizada como “individualista, liberal e patrimonial”.2 Não por acaso, destinava-se à resolução de conflitos relacionados à propriedade, relações contratuais, família e sucessões.3 Esse perfil individualista fez com que as regras do Código fossem estruturadas para tratar dos conflitos existentes entre duas pessoas, ofertando a prestação jurisdicional de forma individualizada, levando em conta as especificidades de cada conflito.4

O direito processual civil clássico, orientado para a resolução de conflitos individuais, bilaterais, sofreu forte influência da Escola italiana de processo, notadamente de Enrico Tulio Liebman, centrando-se nos dogmas da busca da certeza processual, separação entre processos de conhecimento e execução – do qual deriva o brocardo latino nulla

1 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Anotações sobre

as ações coletivas no Brasil – presente e futuro. In: ASSIS, Araken et al (Coord.). Processo coletivo e outros temas de direito processual: homenagem 50 anos de docência do professor José Maria Rosa Tesheiner, 30 anos de docência do professor Sérgio Gilberto Porto. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 609-620, 2012. p. 609.

2 CAMBI, Eduardo; FOGAÇA, Mateus Vargas. Incidente de resolução de demandas

repetitivas no novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo, vol. 243, p. 333-362, maio 2015. p. 334. Da mesma forma, Heitor Vitor Mendonça Sica: “Contudo, excetuado o aprimoramento terminológico, a melhor estruturação das matérias e alguns avanços pontuais, pode-se dizer que o CPC/1973 (LGL\1973\5) era substancialmente igual ao diploma que o antecedeu (CPC/1939 (LGL\1939\3)):2 ambos ainda fortemente

arraigados às tradições herdadas do direito lusitano medieval3 e cunhados com o objetivo

primordial à solução de conflitos intersubjetivos eclodidos em uma sociedade ainda majoritariamente rural” (SICA, Heitor Vitor Mendonça. Brevíssimas reflexões sobre a evolução do tratamento da litigiosidade repetitiva no ordenamento brasileiro, do CPC/1973 ao CPC/2015. Revista de Processo, São Paulo, vol. 257, p. 269-281, jul. 2016. p. 270).

3 NUNES, Dierle. Processualismo Constitucional Democrático e o Dimensionamento de

Técnicas Para a Litigiosidade Repetitiva. Revista de Processo, São Paulo, vol. 199, 41-83, set. 2011. p. 42.

4 CUNHA, Leonardo Carneiro. Anotações sobre o Incidente de Resolução de Demandas

Repetitivas Previsto no Projeto do Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo, vol. 193, p. 255-280, mar. 2011. p. 255.

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executio sine titulo –, em que vigorava, como regra, a ordinarização do procedimento.

A Lei da Ação Popular foi o primeiro diploma direcionado à proteção dos direitos coletivos. Em 1977, a Lei 4.717/1965 foi reformada para nela incluir que se considerava “patrimônio público” os bens de valor artístico, estético, histórico ou turístico, o que favoreceu o ajuizamento de diversas ações populares em defesa do meio ambiente. Em que pese o avanço, ainda era insuficiente para a tutela dos direitos difusos, pois somente era cabível diante de ilegalidades praticadas pelo poder público, enquanto grande parte das lesões ou ameaças de lesões dos interesses difusos eram provenientes de particulares. Acrescente-se, ainda, que a disciplina legal não contemplava a possibilidade de sua utilização por corpos intermediários, mais estruturados e capacitados para o enfrentamento das ameaças e lesões ao meio ambiente.5

Com efeito, foi com a Lei da Ação Civil Pública que se intensificou o rompimento com o individualismo reinante no Código de 1973, iniciado com a Lei da Ação Popular, mediante a instituição de princípios e regras próprias para o tratamento dos interesses transindividuais, inicialmente relacionados à defesa do meio ambiente e ao direito do consumidor, ensejando tutela diferenciada que veio a influenciar o Estatuto Processual então vigente e consagrar o Brasil como pioneiro na implementação de processos coletivos entre países de civil law. Posteriormente, essa proteção foi universalizada pela Constituição de 1988 e complementada pelo Código de Defesa do Consumidor, em 1990, momento a partir do qual se passou a contar com um microssistema processual coletivo.6

Com a inovação, modificaram-se dogmas processuais clássicos referentes à legitimidade, ao interesse de agir, à representação e substituição processuais, ao contraditório e aos limites objetivos e subjetivos da coisa julgada, autorizando-se o Ministério Público e demais entes legitimados a defenderam os interesses de classes, categorias ou grupos de pessoas.7

5 GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; MULLENIX, Linda. Os processos

coletivos nos países de civil law e common law: uma análise de direito comparado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 227-228.

6 GRINOVER, Ada Pellegrini. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al (Coord.). Código

brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Processo Coletivo (arts. 81 a 104 e 109 e 119). v. 2. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 25.

7 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. 1. 6. ed.

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Com o passar do tempo, diante das transformações políticas, econômicas e sociais ocorridas na sociedade, fruto da Revolução Industrial e, também, do advento da Constituição Cidadã, em 1988, que conferiu amplo leque de direitos e garantias fundamentais, com ênfase no acesso à jurisdição, o instrumental disponibilizado pelo direito processual civil tradicional não se mostrava mais suficiente, sendo indispensável a adoção de novos instrumentos para fazer frente aos novos direitos (meio ambiente, cultura, consumidores etc). Nesse contexto, adveio a consciência da necessidade de tutela de interesses supraindividuais, próprios das sociedades de massa, referindo-se amplamente a direitos e interesses transindividuais.8

Ada Pellegrini Grinover observou que a ruptura paradigmática do advento do Estado Social e previsão de direitos difusos acarretou modificações no próprio conceito de processo, diante da necessária adaptação para a resolução de conflitos metaindividuais, considerados tipicamente políticos. Por conseguinte, o direito de ação passa a ser encarado como meio de participação política, em nítida abertura do ordenamento jurídico e renovação da finalidade da jurisdição, deslocada da simples proteção de direitos individuais para a promoção da consciência do coletivo e do social, ensejando a necessidade de participação por intermédio da justiça.9

José Carlos Barbosa Moreira, em 1989, já apontava a existência de “ações coletivas”, que poderiam ser levadas à apreciação do Poder Judiciário individualmente, mas que interessariam a uma pluralidade de sujeitos, sem que fosse necessária a presença de tais sujeitos interessados no processo. Ressaltava, ao contrário, que a tendência era permitir-se que essas demandas fossem levadas ao Judiciário individualmente. Para contextualizar a percepção que possuía da massificação das relações sociais e suas implicações no plano do direito processual, transcreve-se a seguinte passagem:

Falar em litígios coletivos é falar num tema que, como todos sabem, tem atraído com grande freqüência, nos últimos tempos, a atenção dos especialistas, dos estudiosos de direito processual, e não só de direito processual. Realmente, as características da vida contemporânea produzem

8 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. 1. 6. ed.

São Paulo: Malheiros, 2009. p. 159.

9 GRINOVER, Ada Pellegrini. A tutela jurisdicional dos interesses difusos. Revista de

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a emersão de uma série de situações em que, longe de achar-se em jogo o direito ou o interesse de uma única pessoa, ou de algumas pessoas individualmente consideradas, o que sobreleva, o que assume proporções mais imponentes, é precisamente o fato de que se formam conflitos nos quais grandes massas estão envolvidas, e um dos aspectos pelos quais o processo recebe o impacto desta propensão do mundo contemporâneo para os fenômenos de massa: produção de massa, distribuição de massa, cultura de massa, comunicação de massa, e porque não, processo de massa?10

Pode-se referir, como integrantes do microssistema processual de tutela coletiva, anteriormente aludido, dentre outras, a Lei 4.717/1965, que regula a ação popular; Lei 7.345/1985, que trata da ação civil pública; Lei 7.913/1989, que dispõe sobre a ação civil pública por danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários; Lei 7.853/1989, que dispõe sobre o apoio às pessoas com deficiência; Lei 8.078/90, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor; Lei 8.069/1990, que dispões sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente; Lei 10.257/2001, comumente designada de Estatuto da Cidade; Lei 10.741/2003, conhecida como Estatuto do Idoso; e a Lei 12.016/2009, que previu o mandado de segurança coletivo.11

10 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Ações coletivas na Constituição Federal de 1988.

Revista de Processo, vol. 61/1991, Jan.-Mar./1991, p. 187-200, versão digital.

11 Fernando da Fonseca Gajardoni destaca que, apesar dos avanços obtidos com as ações

coletivas, a fragmentação de sua disciplina em diversas leis têm dificultado a interpretação adequadas de seus dispositivos, muitos deles com sentidos contrapostos. Outrossim, destaca as principais tentativas de resolução do problema: “Houve tentativas de se mudar esse panorama e tornar o processo coletivo brasileiro, ao menos, mais organizado do ponto de vista legal. Além dos movimentos de Codificação (Código Modelo de Processo Coletivo para Ibero América; Anteprojeto do Instituto Brasileiro de Direito Processual – CBPC-IBDP; e Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos – CBPC-UERJ/UNESA), tentou-se, também, conduzir a estrutura normativa disposta no microssistema coletivo a um único corpo legal, buscando assentar as principais lições doutrinárias e jurisprudenciais colhidas nas duas décadas de chancela coletiva. Esse é o caso do PLC 5139/2009 – arquivado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados –, que objetivava atualizar a Lei da Ação Civil Pública. Todas as tentativas foram frustradas até o momento. O avanço legislativo mais próximo é, atualmente, o buscado no PLS 282/2012 (em trâmite), que objetiva aperfeiçoar o capítulo do CDC relativo às ações coletivas, inclusive incorporando a ele muitas das propostas apresentadas no PLC 5139/2009” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca. O processo coletivo refém do individualismo. In: ZANETI JR., Hermes (Coord.). Processo coletivo.

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Possibilitou-se, assim, a defesa de direitos difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos,12 mediante o manejo da ação popular e da ação civil pública, esta inspirada nas class action norte-americanas, seguindo o movimento de acesso à justiça que se intensificou a partir de 1970, influenciado pela obra Mauro Cappelletti e Bryant Garth.13

O Código de Defesa do Consumidor fornece a definição legal dos interesses ou direitos coletivos em sentido amplo em seu artigo 81:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que Salvador: Juspodivm, 2016. p. 134).

12 Luís Roberto Barroso leciona que os direitos individuais homogêneos correspondem à

class action for damages do direito norte-americano (BARROSO, Luís Roberto. A proteção coletiva dos direitos no Brasil e alguns aspectos da class action norte-americana. Revista de Processo, São Paulo, vol. 130, p. 131-153, dez. 2005. p. 133).

13 Mauro Capelleti e Bryant Garth sustentaram a existência de três ondas renovatórias do

direito processual, dentre as quais se inclui a tutela coletiva de direitos (segunda onda renovatória), inspirada nas class actions norte-americanas (CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988). Ada Pellegrini Grinover esclarece que: “O estudo dos interesses coletivos ou difusos surgiu e floresceu na Itália nos anos 70. Denti, Cappeletti, Proto Pisani, Vigoriti, Trocker antecipara o Congresso de Pavia de 1974, que discutiu aspectos fundamentais, destacando com precisão as características que os distinguem: indeterminados pela titularidade, indivisíveis relativamente ao objeto, colocados a meio caminho entre os interesses públicos e os privados, próprios de uma sociedade de massa e resultados de conflitos de massa, carregados de relevância política e capazes de transformar conceitos jurídicos estratificados, como a responsabilidade civil pelos danos causados no lugar da responsabilidade civil pelos prejuízos sofridos, como a legitimação, a coisa julgada, os poderes e a responsabilidade do juiz e do Ministério Público, o próprio sentido da jurisdição, da ação e do processo” (GRINOVER, Ada Pellegrini. n: GRINOVER, Ada Pellegrini et al (Coord.). Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Processo Coletivo (arts. 81 a 104 e 109 e 119). v. 2. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 39-40.

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seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.14

A pretendida diferenciação entre direitos subjetivos e interesses evidencia a concepção individualista que então vigorava acerca do processo coletivo, que marcou a dogmática jurídica no século XIX, já que os direitos supraindividual, em razão da indivisibilidade de seu objeto e imprecisa titularidade, não se enquadravam adequadamente no rígido conceito de direito subjetivo. Por isso, em razão da ausência de outra terminologia que se considerasse mais adequada, preferiu-se denominar de interesses difusos.15

Pode-se afirmar, contudo, que as expressões foram empregadas como sinônimas no Código de Defesa do Consumidor, pois interesses amparados pelo direito possuem o mesmo status de “direitos”, não havendo razões de ordem teórica ou prática na busca de uma diferenciação ontológica entre eles.16

14 Antonio Gidi esclarece que o Código Modelo adotou os conceitos do Código de Direito

do Consumidor brasileiro, mas afirma que essa diferenciação possui pouca utilidade, em que pese a possibilidade de serem definidas e utilizadas no momento histórico atual de desenvolvimento do processo coletivo: “Estas definiciones abstractas son de influencia claramente italiana. No son utilizadas ni em Francia ni em Alemania, ni em los países escandinavos, ni em los países de coomon law que poseen las class actions. Em verdad, los conceptos de derechos difusos, colectivos e individuales homogéneos tinenen poca utilidad. Hubiera sido mejor que el Código Modelo hubiese adoptado el criterio tradicional de los países de common law, que es de la existencia de 'cuestiones comunes de hecho o de derecho'. Este outro enfoque concede la necesaria flexibilidad para tratar com los derechos de grupo”(GIDI, Antonio. La Tutela de Los Derechos Difusos, Colectivos e Individuales Homogéneos: Hacia un Código Modelo Para Iberoamérica. México: Porrúa, 2004. p. 27). Contudo, embora não haja essa conceituação nos Estados Unidos, as três categorias são objeto das class actions, após as emendas de 1966 à Rule 23 (GRINOVER, Ada Pellegrini. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al (Coord.). Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Processo Coletivo (arts. 81 a 104 e 109 e 119). v. 2. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 59).

15 GIDI, Antonio. La Tutela de Los Derechos Difusos, Colectivos e Individuales

Homogéneos: Hacia un Código Modelo Para Iberoamérica. México: Porrúa, 2004. p. 25-26.

16 WATANABE, Kazuo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al (Coord.). Código brasileiro

de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Processo Coletivo (arts. 81 a 104 e 109 e 119). v. 2. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 70. Hugo Nigro Mazzilli, por sua vez, sustenta que interesse é o gênero; direito subjetivo é apenas o interesse protegido pelo ordenamento jurídico. Considerando que nem toda pretensão à tutela judicial é procedente, temos que o que está em jogo é a tutela de interesses, nem

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Antes mesmo da definição legal de interesse difuso, Ada Pelegrini Grinover afirmava que a característica fundamental desse interesse residiria em sua metaindividualidade, por corresponder a interesses comuns a uma coletividade, sem que houvesse uma relação jurídica base, isto é, um vínculo jurídico bem definido entre elas. Caracterizar-se-ia por uma ampla conflituosidade, típica de escolhas políticas, transcendendo a conflituosidade existente entre indivíduo e autoridade. Assim, interesse difuso seria aquele para cuja tutela ainda não houve atuação ou houve atuação insuficiente dos procedimentos de mediação do sistema político. Logo, pretender-se a tutelabilidade desses interesses significaria acolher novas formas de participação, como instrumento de racionalização do poder. Daí surgiria a necessidade de institucionalização das formas de participação, direcionadas à gestão racional de determinados setores da vida coletiva, centrada no valor educativo da participação, decorrendo a imprescindibilidade da busca de novas formas de democracia para tratar adequadamente dos progressos e riscos da revolução técnico-científica. Nesse contexto, os grupos e os “corpos intermediários” aparecem com novas tarefas e a pessoa física, inserida no grupo social, situada em contexto diverso.17

Kazuo Watanabe, após sublinhar a dificuldade de compreensão e conceituação dos direitos difusos, frisou a inexistência de relação base (sociedade, condomínio) entre os membros do grupo, ressaltando que a relação entre elas decorre de dados de fato, apresentando alguns exemplos de situações que, para ele, caracterizariam essa nova espécie de interesse. Furtou-se, contudo, de conceituar interesse difuso,

sempre direitos. Assim, para que os interesses difusos, coletivos ou individuais sejam tutelados pelo Poder Judiciário, é preciso que esses interesses estejam garantidos pelo ordenamento jurídico; e esse é, precisamente, o caso do direito ao meio ambiente sadio, do direito à defesa do consumidor, do direito à proteção às pessoas portadoras de deficiência, do direito à defesa do patrimônio cultural etc. É falso dizer, portanto, que interesses transindividuais não configuram direito subjetivo: podem configurar (MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 58). José Maria Tesheiner e Deise Nicola Tanger Jardim, de outro lado, afirmam que os interesses difusos são protegidos pelo ordenamento, mas não são direitos subjetivos, porque visam à aplicação do Direito objetivo, porquanto não se referindo a direitos individuais de pessoas determinadas ou determináveis. Reconhece, contudo, a utilização das expressões como sinônimos pelo Código de Defesa do Consumidor (TESHEINER, José Maria; JARDIM, Deise Nicola Tanger. Coisa julgada nas ações relativas a interesses difusos. Revista de Processo, São Paulo, vol. 230, p. 235-254, abr. 2014. p. 236).

17 GRINOVER, Ada Pellegrini. A tutela jurisdicional dos interesses difusos. Revista de

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passando a tratar da legitimação para agir, que em sua concepção seria o problema fundamental da tutela jurisdicional em questão.18

Mesmo após a conceituação legal, Hugo Nigro Mazilli definiu interesse difuso de forma bastante semelhante, salientando que interesse difuso se relacionaria com grupo ou grupos de pessoas menos determinado, entre as quais não há vínculo jurídico ou fático muito preciso, como, por exemplo, o meio ambiente.19

Rodolfo de Camargo Mancuso, mais recentemente, apresenta a seguinte conceituação de interesses difusos:

(…) são interesses metaindividuais, que, não tendo atingido o grau de agregação e organização necessários à sua afetação institucional junto a certas entidades ou órgãos representativos dos interesses já socialmente definidos, restam em estado fluido, dispersos pela sociedade civil como um todo (v.g., o interesse à pureza do ar atmosférico), podendo, por vezes, concernir a certas coletividades de conteúdo numérico indeterminado (v.g., os consumidores). Caracterizam-se pela indeterminação do sujeito, pela indivisibilidade do objeto, por sua intensa litigiosidade interna e por sua tendência à transição ou mutação no tempo e o espaço20. De outro lado, os interesses ou direitos coletivos também são transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas, mas a relação jurídica entre elas ou com a parte contrária é preexistente à lesão ou ameaça de lesão, não se confundindo, portanto, com a relação jurídica daí decorrente, conforme adverte Kazuo Watanabe. Exemplifica o autor com a relação havida entre o fisco e os contribuintes do imposto de renda, em que a relação jurídica é preexistente, possibilitando-se determinar as pessoas atingidas por medida ilegal ou abusiva. Por se tratar de direitos transindividuais e de natureza indivisível, afasta-se a tutela de interesses individuais agrupados, pois estes são divisíveis. Pontua que a própria organização

18 WATANABE, Kazuo. Tutela jurisdicional dos interesses difusos: a legitimação para

agir. Revista de Processo, São Paulo, vol. 34, p. 197-206, abr./jun. 1984. p. 197-198.

19 MAZZILLI, Hugo Nigro. Interesses coletivos e difusos. Revista dos Tribunais, São

Paulo, vol. 668, p. 47-57, jun. 1991. p. 48.

20 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir.

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do grupo, categoria ou classe de pessoas não é essencial, pois esta apenas existirá nos casos em que houver relação jurídica entre eles, dispensando-se na hipótese em que a relação jurídica é formada apenas com a parte contrária.21

Assim, a diferença entre direito difuso e coletivo é a determinabilidade e a coesão como grupo, categoria ou classe anterior à lesão, o que se constata apenas nos direitos coletivos stricto sensu e não ocorre nos direitos difusos, de acordo com Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr..22

Da mesma forma, Luís Roberto Barroso aponta a determinabilidade dos titulares do direito como traço distintivo, por conta do caráter mais restrito das pessoas afastadas. Nos casos de pessoas ligadas entre si por uma relação jurídica base, vitimadas por um dano coletivo, menciona, a título exemplificativo, os acionistas de uma sociedade por ações que foram prejudicados por decisão ilegal da diretoria, bem como os casos em que a exigência irrazoável da prefeitura afeta dos os condôminos de um edifício de apartamentos. Com relação aos danos coletivos em que a relação jurídica base se dá com a parte contrária, ilustra a situação com a hipótese em que alunos de determinada universidade, portadores de deficiência física, postulam a construção de acesso especial para cadeira de rodas.23

Nos direitos individuais homogêneos, diversamente, o vínculo jurídico com a parte contrária é proveniente da própria lesão, exigindo-se que exigindo-sejam todos os interesexigindo-ses individuais “decorrentes de origem comum”. Aqui, enfatiza Kazuo Watanabe, a relação jurídica nascida da lesão é individualizada relativamente a cada um dos prejudicados, ofendendo-os de forma diversa, o que permite a determinação ou a determinabilidade dos indivíduos atingidos. Esclarece que essa determinação torna-se efetiva no momento em que cada lesado exercita o seu direito, individualmente ou por meio de habilitação na liquidação de sentença genérica proferida em demanda coletiva.24

21 WATANABE, Kazuo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al (Coord.). Código brasileiro

de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Processo Coletivo (arts. 81 a 104 e 109 e 119). v. 2. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 73 e 75.

22 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR. Hermes. Curso de direito processual civil: processo

coletivo. v. 4. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 70.

23 BARROSO, Luís Roberto. A proteção coletiva dos direitos no Brasil e alguns aspectos

da class action norte-americana. Revista de Processo, São Paulo, vol. 130, p. 131-153, dez. 2005. p. 133.

24 WATANABE, Kazuo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al (Coord.). Código brasileiro

de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Processo Coletivo (arts. 81 a 104 e 109 e 119). v. 2. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 74.

(28)

Com efeito, o Código de Defesa do Consumidor refere laconicamente que os direitos individuais homogêneos são aqueles provenientes de “origem comum”, não esclarecendo do que efetivamente se trata.25

Kazuo Watanabe enfatiza que a homogeneidade e a origem comum são os requisitos para o tratamento coletivo dos direitos individuais. Quanto à origem comum, considera que ela pode ser de fato ou de direito, não se exigindo unidade factual e temporal. Ademais, amparado nas lições de Ada Pelegrini Grinover, aduz que a origem comum pode ser próxima ou imediata, como na queda de um avião que vitimou diversas pessoas, ou remota ou mediata, a exemplo de um dano à saúde decorrente de um produto nocivo, que poderia ter como causa próxima tanto as condições pessoais quanto o seu uso inadequado. Destarte, quanto mais remota a causa, menos homogêneos serão os direitos.26

Sérgio Cruz Arenhart afirma ser necessária a ampliação da tutela coletiva dos direitos individuais, propondo, com base em critério de proporcionalidade panprocessual, que haja o julgamento conjunto de questões comuns, quando preenchidos três critérios: a) inviabilidade de formação do litisconsórcio em demanda comum; b) a presença de afinidade de questões (de fato ou de direito); c) a existência de utilidade predominante para as partes e o Poder Judiciário no enfrentamento da questão mediante o manejo de ação coletiva. Como limite à coletivização, elenca, dentre outros fundamentos, a impossibilidade de preservação da representatividade adequada dos interesses dos ausentes, isto é, quando for evidente o interesse de participação individual na resolução do litígio, os casos em que houver sido exercido o direito de autoexclusão, que deve ser garantido em todos os casos, ressalvados os casos em que ele seja incompatível com o objeto da aglutinação e, ainda, se houver desproporção entre a aglutinação realizada e o resultado obtido.27

Vale frisar, porém, que uma mesma situação fática poderá dar ensejo a direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Nesse

25 VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios

coletivos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 103.

26 WATANABE, Kazuo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al (Coord.). Código brasileiro

de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Processo Coletivo (arts. 81 a 104 e 109 e 119). v. 2. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 76.

27 ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela coletiva de interesses individuais: para além da

proteção dos interesses individuais homogêneos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 153.

(29)

sentido, o consagrado exemplo de Nelson Nery Jr. sobre o acidente envolvendo o “Bateau Mouche”, em que a pretensão do Ministério Público postulando a interdição do barco para evitar outros acidentes e mais vítimas visaria a tutelar direito difuso; já a pretensão formulada por “Associação de Empresas de Turismo” para obrigar a empresa proprietária da embarcação à colocação de equipamentos de segurança eficientes, objetivando a manutenção da boa imagem do setor seria uma pretensão de direito coletivo; e, por fim, a possibilidade de serem formuladas pretensões individuais relativas aos prejuízos sofridos pelas vítimas do acidente. Conclui o autor, portanto, que a pretensão formulada em juízo irá definir a espécie de direito tutelada.28

Teresa Arruda Alvim Wambier sustentava tratar-se a definição das espécies de direitos coletivos em sentido amplo de conceito misto, alicerçado em elementos de direito material e processual. A indivisibilidade seria referente ao próprio direito, ao passo que o fato de só poderem ser defendidos coletivamente e a forma como se coloca a problemática da legitimidade são características predominantemente processuais.29

De acordo com Edilson Vitorelli, optou-se, à época, pela conceituação legislativa dos direitos coletivos com o intuito de evitar que os direitos transindividuais fossem tratados como meros interesses pelos juízes, não passíveis de tutela jurisdicional. Assim, elaborou-se conceito legal centrado em preocupações de ordem prática, visando à obtenção da tutela desses direitos, que atendeu os objetivos propostos. Contudo, a questão central acerca da definição desses direitos e determinação da respectiva titularidade permanecem atualmente sem resposta, pontos esses fundamentais para a determinação da tutela jurisdicional adequada, pois, “não existe referencial concreto para que se avalie a adequação da pretensão posta em juízo pelo legitimado coletivo, nem da tutela jurisdicional outorgada”30.

Nessa perspectiva, classifica os litígios coletivos em simples e complexos. No primeiro, não haveria maiores dificuldades na atuação

28 NERY JR., Nelson. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al (Coord.). Código brasileiro

de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Processo Coletivo (arts. 81 a 104 e 109 e 119). v. 2. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 225-226.

29 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Apontamentos sobre as ações coletivas. Revista

de Processo, São Paulo, vol. 75, p. 273-283, jul./set. 1994. p. 277-278.

30 Edilson Vitorelli aborda a insuficiência conceitual relativa aos direitos transindividuais

e propõe nova classificação dos litígios transindividuais em litígios de difusão global, local ou irradiada (VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 20-22).

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do legitimado coletivo, enquanto nos conflitos complexos a tutela jurisdicional poderá revestir-se de diversas formas, não sendo claro de antemão aquela mais eficaz para a prevenção ou reparação da lesão ao bem jurídico, o que enseja divergências entre os próprios legitimados coletivos e, mais acentuadamente, entre os membros do grupo titular do direito. Ressalta que essa problemática também se verifica em relação aos direitos individuais homogêneos, mas é agravada no tocante aos direitos transindividuais (direitos difusos e coletivos em sentido estrito), por conta da maior extensão da coisa julgada coletiva e indefinição da titularidade dos direitos tutelados, o que será abordado mais adiante.31

Isso porque a atribuição desses direitos não levou em conta a Sociologia, tendo sido utilizada pelo processo coletivo concepção organicista de sociedade, com a consequente homogeinização dos titulares dos direitos coletivos perante o Poder Judiciário, mediante a utilização dos conceitos de “grupo”, “sociedade”, “coletividade”, uniformizando a vontade do grupo substituído, a qual seria personificada pelo legitimado coletivo. Todavia, em litígios coletivos complexos há inúmeras subdivisões no próprio grupo atingido, as quais se manifestam em divergências legítimas relativas à pretensão de tutela do direito lesado, ressaltando que, nos Estados Unidos, a Rule 23 das Federal Rules of Civil Procedure dispõe sobre a necessidade de as subclasses que compõe a classe serem levadas em consideração, observando-se suas singularidades.32

Embora concorde-se com a insuficiência conceitual apontada, a classificação legal é aquela usualmente aplicada, o que explica, em boa medida, as dificuldades enfrentadas para conter a litigância de massa. Prossegue-se, assim, com a classificação legal e tradicional.

Parcela majoritária da doutrina passou a classificar os direitos coletivos em sentido amplo em direitos ou interesses essencialmente coletivos, que englobam os direitos difusos e coletivos em sentido estrito, e direitos ou interesses acidentalmente (ou formalmente) coletivos, categoria em que se situam os direitos individuais homogêneos33.

31 VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios

coletivos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 22-26.

32 VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios

coletivos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 22-26.

33 Confira-se a lição de Eduardo José da Fonseca Costa: “Na realidade, trata-se de direito

subjetivo coletivo por equiparação legal ou ficção jurídica (…).. Entretanto,

ontologicamente, trata-se de direitos subjetivos individuais, se bem que molecularizados, não singularizados e replicáveis (o que lhes confere alguma nota de pré-coletividade)”

(31)

José Carlos Barbosa Moeira foi o autor da classificação dos direitos ou interesses em essencialmente coletivos e acidentalmente coletivos, antes mesmo do advento do Código de Defesa do Consumidor.34

Teori Albino Zavascki, adotando posição semelhante, referiu-se à tutela de direitos coletivos (direitos difusos e coletivos em sentido estrito) e tutela coletiva de direitos (direitos individuais homogêneos) em obra que se tornou referência sobre o tema.35

Da mesma forma, Teresa Arruda Alvim Wambier afirma que os direitos individuais homogêneos são direitos coletivos “'por acaso', ou circunstancialmente”.36

Na mesma linha, Sérgio Cruz Arenhart conclui que os direitos individuais homogêneos não se tratam de uma categoria de direito material, mas simplesmente uma nuance da tutela processual de direitos individuais.37

De outro lado, corrente minoritária considera existente substrato jurídico de direito material coletivo nas ações que tutelam direitos individuais homogêneos.

Para a concepção predominante,38 os direitos individuais (COSTA, Eduardo José da Fonseca. Jurisdição constitucional, jurisdição coletiva e tutela de instituições. Revista de Processo, São Paulo, vol. 244,p. 247-284, jun. 2015. p. 257). No mesmo sentido, exemplificativamente: ZAVASCKI, Teori. Processo Coletivo. Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 195-196; GIDI, Antonio. La Tutela de Los Derechos Difusos, Colectivos e Individuales Homogéneos: Hacia un Código Modelo Para Iberoamérica. México: Porrúa, 2004. p. 35; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Ilegitimidade do Ministério Público para defesa de direitos individuais não homogêneos. Revista de Processo, São Paulo, vol. 2, p. 701-729, out. 2012.; OSNA, Gustavo. Direitos individuais homogêneos: pressupostos, fundamentos e aplicação no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 75; e VENTURI, Elton. O problema da “representação processual” das associações civis na tutela jurisdicional dos direitos individuais homogêneos segundo a doutrina de Alcides Alberto Munhoz da Cunha e a atual orientação do Supremo Tribunal Federal. Revista de Processo, São Paulo, vol. 255, maio 2016, p. 277-290.

34 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Tutela jurisdicional dos interesses coletivos ou

difusos. Revista de Processo, vol. 39/1985, Jul./1985, p. 55.

35 ZAVASCKI, Teori. Processo Coletivo. Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de

Direitos. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 33-34.

36 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Apontamentos sobre as ações coletivas. Revista

de Processo, São Paulo, vol. 75, p. 273-283, jul./set. 1994. p. 274.

37 ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela coletiva de interesses individuais: para além da

proteção dos interesses individuais homogêneos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 141.

38 De acordo com Edilson Vitorelli, os direitos individuais homogêneos são “hoje quase

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homogêneos são autênticos direitos individuais tutelados coletivamente visando a proporcionar a uniformidade das decisões, mediante resolução molecular dos conflitos, economia processual e o acesso à justiça, tendo em vista a existência de danos ou ameaça de danos a direitos subjetivos de pequena monta, individualmente considerados, mas que, coletivamente, adquiriam relevante expressão. A adoção da técnica, contudo, não alteraria a categoria dos direitos defendidos em juízo, que permaneceriam como autênticos direitos individuais.

Dessa conclusão resultam consequências relevantes em relação aos limites subjetivos da coisa julgada, pois reforçaria a opção legislativa de extensão da coisa julgada apenas para beneficiar individualmente os titulares dos direitos individuais lesados, denominada extensão da coisa julgada secundum eventum litis, não podendo prejudicá-los, em respeito ao exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa. Com efeito, o processo coletivo brasileiro não adota o sistema de opt in ou opt out, no sentido de ser facultado aos titulares dos direitos materiais discutidos a opção de sofrer ou se autoexcluir dos efeitos da coisa julgada, daí por que somente seria legítima a extensão da coisa julgada para beneficiá-los, jamais prejudicá-los.39 Exige-se tão somente que seja realizado requerimento de suspensão da ação individual, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.40

processo legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 25).

39 A propósito, o escólio de Artur César de Souza: “Observa-se, portanto, que a coisa

julgada nas demandas coletivas que tenham por objeto direitos individuais homogêneos somente poderá beneficiar, jamais prejudicar, os direitos individuais dos membros do grupo. Com isso, o sistema brasileiro deixa de aplicar o sistema norte-americana de opt out e do opt in. No sistema opt out, permite-se que cada indivíduo, membro da classe, requeira em juízo sua exclusão da demanda coletiva de modo a ser considerado terceiro, não sujeito a coisa julgada. Todos os demais, que não exerceram essa faculdade, são considerados partes e sofrem os efeitos da coisa julgada, seja ela positiva ou negativa. Já o critério do opt in possibilita aos membros devidamente notificados, que ingressem na demanda coletiva voluntariamente, tornando-se parte e sendo, desta forma atingido pela coisa julgada favorável ou desfavorável. Se não houver manifestação para ingressar na demanda, não será atingido pela coisa julgada, não sendo prejudicado nem favorecido pela decisão” (SOUZA, Artur César de. Resolução de demandas repetitivas. São Paulo: Almedina, 2015. p. 107-108).

40 É o que dispõe o artigo 104 do Código de defesa do consumidor: “As ações coletivas,

previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do artigo 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida a suspensão no prazo de trinta dias a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação”. Entretanto, André Vasconcelos Roque salienta que:

(33)

Outrossim, trata-se de opção consciente do sistema jurídico pátrio, que refuta a implementação dos sistemas de inclusão/exclusão dos efeitos da coisa julgada diante das dificuldades provenientes das dimensões continentais do território nacional, existência de grande parcela da população sem conhecimento de seus direitos ou mesmo acesso efetivo à justiça (precária assistência jurídica, distância dos Fóruns onde tramita a demanda etc), o que poderia acarretar prejuízos ao direito de acesso à justiça e às garantias do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, caso atingidos pelos efeitos da coisa julgada, sem possibilidade de participar e influenciar a decisão judicial, no caso do sistema opt out.41

Com relação ao sistema opt in, sua adoção acarretaria risco de ineficiência, diante da pouca adesão à demanda coletiva, frustrando os seus objetivos. Ademais, países que adotam esses sistemas de autoinclusão ou autoexclusão realizam o controle judicial da representatividade adequada do portador judicial dos direitos coletivos o que, no Brasil, não é previsto em lei, porquanto o adotado o critério legal para tanto – ope legis –, mediante a definição dos legitimados ativos. A ausência do controle judicial deslegitimaria a extensão da coisa julgada em face daqueles que não participaram do processo,

“Ao não adotar nem o sistema de inclusão (optin), nem o de exclusão (optout), o prazo de trinta dias previsto no art. 104 do CDC para que o autor requeira a suspensão de sua demanda individual passa a ser ilusório.Ainda que se entenda que a publicação do edital no Diário Oficial bastaria para dar início ao prazo previsto no dispositivo, provavelmente poucas pessoas terão conhecimento efetivo da demanda coletiva e menos indivíduos ainda suspenderiam seus processos. O resultado dessa equação é trágico: várias ações civis públicas e individuais sobre a mesma questão tramitam ao mesmo tempo em diversos juízos, comprometendo seriamente os objetivos da tutela coletiva” (ROQUE, André Vasconcelos. As Ações Coletivas no Direito brasileiro contemporâneo: de onde viemos, onde estamos e para onde vamos? Revista Brasileira de Direito Processual, Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 93-120, out./dez. 2013. p. 97).

41 As dificuldades de implementação do sistema opt out são bem esclarecidas por Ada

Pellegrini Grinover: “Essa solução, que tem demonstrado sua ineficácia até nos Estados Unidos, exige, em primeiro lugar, um complicadíssimo sistema de notificações, até pessoais, que entram em conflito com a idéia de se atingirem centenas ou milhares de pessoas, membros da classe, num único processo. Por outro lado, em países da comunidade latino-americana, outros elementos advogam contrariamente à chamada de todos os membros da classe a juízo: a falta de informação e conscientização de amplas camadas da população, a dificuldade do acesso à justiça, a distância e a inalcançabilidade do fórum onde corre o processo coletivo. Com o resultado iníquo de que quem não soube, não pôde ou não conseguiu exercer o opt out vai ser ferido de morte, em seus direitos subjetivos pessoais, pela coisa julgada negativa que poderá se formar” (GRINOVER, Ada Pellegrini. Coisa julgada erga omnes, secundum eventum litis e secundum probationem. Revista de Processo, São Paulo, vol. 126, p. 9-21, out. 2010. p. 18).

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notadamente diante da possibilidade de conluio ou insuficiência (técnica, financeira, probatória etc) da atuação do legitimado extraordinário.42

Logo, verifica-se que, ao contrário das ações coletivas que tratam de direitos difusos e coletivos em sentido estrito, que fazem coisa julgada erga omnes e ultrapartes, respectivamente, dada a indivisibilidade do objeto – ressalvando-se que, em ambas, a coisa julgada é formada secundum eventum probationis43 e estendida aos

42 GRINOVER, Ada Pellegrini. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al (Coord.). Código

brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Processo Coletivo (arts. 81 a 104 e 109 e 119). v. 2. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 52-56. Marcos de Araújo Cavalcante enfatiza que: “O sistema processual norte-americano, por exemplo, autoriza a utilização das class actions for damages como um eficiente mecanismo de resolução de litígios de massa. O sucesso desse tipo de class actions está intrinsicamente ligado à possibilidade de o magistrado exercer, com qualidade, o controle judicial da representatividade adequada. Por meio dele, o magistrado verifica se as partes representativas e os advogados podem efetuar a mais leal e adequada defesa dos interesses da classe. É, portanto, o fundamento que possibilita os efeitos da decisão coletiva alcançarem todos os membros do grupo representado, independentemente de seu resultado, favorável ou não” (CAVALCANTE, Marcos de Araújo. Incidente de resolução de demandas repetitivas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 45-46). Acerca do regime da coisa julgada, confira-se as ponderações de André Vasconcelos Roque: “Um exemplo é o regime da coisa julgada, em que não se aderiu à sistemática pro et contra (com a formação de coisa julgada material erga omnes independentemente do resultado), nem à alternativa do modelo secundum eventum litis (em que somente haverá formação de coisa julgada material em caso de vitória do grupo). O legislador brasileiro procurou contornar os inconvenientes dos dois modelos clássicos, ao estabelecer um regime peculiar, no qual a coisa julgada opera com eficácias diferentes nos planos coletivo e individual. No plano coletivo, a coisa julgada se apresenta pro et contra, impedindo que sejam repropostas ações coletivas idênticas por qualquer dos colegitimados, independentemente do resultado da demanda. Entretanto, a extensão de seus efeitos à esfera jurídica dos membros da coletividade terá eficácia secundum eventum litis, somente para beneficiar o grupo (art. 103 do CDC). Embora talvez seja a hora de repensar o regime da coisa julgada nas ações coletivas brasileiras,não se pode deixar de reconhecer que a solução apresentada é bem interessante” (ROQUE, André Vasconcelos. As Ações Coletivas no Direito brasileiro contemporâneo: de onde viemos, onde estamos e para onde vamos? Revista Brasileira de Direito Processual, Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 93-120, out./dez. 2013. p. 96).

43 No ano de 1988, Álvaro Luiz Valerry Mirra, ao comentar a redação original do artigo

16 da Lei 7.345/1985, já considerava acertada a opção legislativa acerca do regime legal da coisa julgada: “Parece-nos adequada a posição legal. Por um lado, evitou-se submeter o réu vencedor a reiteradas ações infundadas, de forma indiscriminada; por outro, minimizou-se o inconveniente de subordinar os co-titulares do interesse tutelável que não participaram do contraditório à autoridade da coisa julgada quando não houver material probatório suficiente para autorizar a procedência da ação. Previne-se, aqui, também, o conluio entre o autor legitimado e o réu, evitando-se ações simuladas, as quais, devido à atuação insatisfatória daquele, poderiam ser julgadas improcedentes, com a garantia da

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titulares de direitos individuais secundum eventum litis –, as ações coletivas que tratam de direitos individuais homogêneos apenas estendem a coisa julgada para beneficiar os titulares dos direitos individuais,44 convivendo, portanto, com a possibilidade de ajuizamento concomitante de demandas coletivas e individuais, o que reduz a possibilidade de resolução molecular dessa espécie de conflito. Assim, a proteção dos direitos individuais pela técnica coletiva não impediu, como esperado, a pulverização das demandas, que continuam sendo resolvidas de forma atomizada.

Com relação à corrente minoritária (substancialista ou materialista), atente-se para inexistência de uniformidade entre os autores que sustentam que os direitos individuais homogêneos constituem-se em direito material coletivo.45

Para Alcides A. Munhoz da Cunha, pioneiro na visão materialista, os interesses individuais homogêneos não são um terceiro gênero de direitos metaindividuais, mas uma peculiar modalidade de interesses difusos ou coletivos. Para a sua conceituação, seria necessária a análise conjugada do art. 81, III, e art. 91, ambos do Código de Defesa do Consumidor, concluindo que os direitos individuais homogêneos são

coisa julgada fraudulentamente obtida.

Encontrou-se um meio-termo entre a eficácia ultra partes e a não incidência da coisa julgada, conciliando-se com os princípios da isonomia e do contraditório; verdadeiro equilíbrio entre as garantias do ‘devido processo legal’ e a tutela de situações que transcendem os esquemas individuais” (MIRRA, Álvaro Luiz Valerry. A coisa julgada nas ações para tutela de interesses difusos. Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 631, p. 71-82, maio 1988. p. 78).

44 Edilson Vitorelli salienta que a ideia de que o processo coletivo apenas serviria para

beneficiar os indivíduos, jamais prejudicar, foi um mito que propiciou o nascimento e desenvolvimento do processo coletivo. Pondera que: “A realidade se mostrou mais rica que a teoria. A sentença de procedência pode prejudicar os direitos da coletividade, pois exclui outras possibilidades de formulação da pretensão em relação ao lítígio, que poderiam ser demandadas. O pleito de tutela contido na petição inicial de uma ação coletiva relativa a litígios coletivos complexos necessariamente adota um ponto de vista em relação ao conflito, excluindo os demais, que com ele são contraditórios. Se o grupo ausente não é unânime em suas visões do conflito, a adoção desse ponto de vista privilegia uma parte dele e exclui as demais. (…) Em relação aos direitos individuais homogêneos, ainda que se adote uma visão liberal do art. 103, III, do CDC, para afirmar que o indivíduo poderia buscar tutela diversa da obtida no processo coletivo – o que não seria incontroverso, uma vez que o teor do dispositivo afirma a eficácia erga omnes da sentença de procedência –, haverá perda de tempo, a qual, tratando-se de relações consumeristas, sujeitas a exíguos prazos prescricionais, poderá redundar em extinção das pretensões individuais (VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 26-29).

45 OSNA, Gustavo. Direitos individuais homogêneos: pressupostos, fundamentos e

Referências

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