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O TESTEMUNHO DAS IMAGENS. História e Imagens.

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Introdução

O T E S T E M U N H O D A S I M A G E N S

c m mia sagt meiir ais 1000 Worte. [Umá imagem vale mais do que mil palavras;]

Kurt'Tucholsky:

Este livro está primordialmente interessado no uso de imagens como . evidência histórica. É escrito tanto para encorajar o uso de tal evidência,

quan-to paraadvertir usuár.ios em potencial'á respeiquan-to de^ossíveis perigos. Nos iúlti-mòs tempos, os historiadores têm ampliado consideravelmente seus interesses para incluir não apenas éventos políticos, tendências econômicas e estruturas; sociais; mas támbém a história das mentalidades, a história da vida cotidiana, a h|stória da culturamâteriâl, a história do corpò, etc. Não teria sidopossívei deséçvolverpesquisa iiessçs campos rélatívameiite novos se'eles tíwessèmse li-mitado à fontes tradicionais,,tais, como documentos oficiais produzidos pelais administrações e preservaclõs em seus arquivos. . •

Por essárazãò, lança-se mão, cacla vez mais, de uma gama màis abran- >. gente de evidências, nà qual as imagens têm o seu lugar áo lado de textos lite-rários é testemunhos orais. Tomemos a história do corpo, por exemplo. Imagens constituem u m guia para mudanças de idéias sobre doença e saúde e são ainda mais importantes comô evidência de padrões de beleza eni mutação, ôti da história da preocupação cóm a aparência tant.o de homens quanto de mulheres. Por òütró la<iÒ, a história da çidtura material, diácutidá rio Capítulo ' • 5i'tòrhár-sè-iavirtuáltnente impossíver sem ó tèstémiühhp de imagens, que

também oferecem uma contribuição importante para a história das mentali-dades, como òs. Capítulos 6 e 7 tentarão demonstrar.

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A INVISIBILIDADE D O VISUAL?

É bem possível que historiadores ainda não considerem a evidência de. imagens com bastante seriedade, á tal ponto que uma discussão recente falou da "invisibilidade do visual". Como observado por um historiador da arte, "his-toriadores (...) preferem lidar com textos e fatos políticos ou econômicos e não com os níveis mais profundos de experiência que as imagens sondam", enquan-to outro hisenquan-toriador refere-se à "condescendência em relação a imagens" que

isto implica.1 v ...

Relativamente poucos historiadores trabalham em arquivos fotográfi-cos, comparado áo número desses estudiosos que trabalham em repositórios de documentos escritos e datilografados. Relativamente poucos periódicos históricos trãzem ilustrações e, quando o fazem, poucos colaboradores ápro- ' veitam e'ssa oportunidade. Quando utUizamjmagens, os historiadores 'teií-dèmji..tr.atá:|as como meras i l i M t r a ^ s T r ^ r o d u z i n d o ^ nos

mentários. Nos casos em que as imagens são discutidas no texto, essa çvidên-cia Tfrêquentemente utilizada para ilustrar conclusões a que o autor já havia chegado por outros meios, em vez de oferecer novas respostas oü suscitar .novas questões. .. .

Por que isso acontece? Num ensaio em que descreve sua descoberta das fotografias Vitorianas, o falecido Raphael Samuel descreveu-se e a outros his-' toriadores sociais de suá geração como "visualmente analfabetos". Criança na década de 1940, ele foi e permaneceu, usando sua própria expressão, "complé-'. tamente pré-televisual". Sua educação, tanto na escola quanto na

universida-de, foi um treinamento em ler textos.2 , . '• ,

Apesar disso, uma significativa minoria de historiadores já estava utili-zando a evidência de imagens nessa época, principalmente em períodòs nós quais documentos escritos eram escassos ou inexistehtes.- Seria realmente dir b» fícil escrever sobre a pré-história européia, por exemplo, sem a evidência das

1 FÍFE, Gordon; LAW, John. Ón the Inwsíbflitv of theVisud. In: FYFÉ,.Òordòn;' LAW, John. (Ed.). Picturing Power. London: Rouliedgc, ,19881 p. 1-14; PORTER, Roy. Seeing the Past. Past-arid Present, CXVIIl, p. 186-205, '1988;.BELTING, Hans. Likeness and Presénce (l'99Ò):; London: University of Chicago Press, 1994. p. 3. (Tradiiçáò-inglesa); GASKELL; Ivan. Visual ' -History. In: Neiv Perspectives on Historical Writing. Editecí by Peter'Burke: Cambridge," UK:

Polity Press, 1991. Segunda edição, Cambridge 2000. p. 187-217; BINSKI, Paul, Medieval Death-. Ritual and Representation. London: British Museum.Press, 1996. p. 7.

2 SAMUEL, Raphael. The Eye of History. In: '.I; •'• .Theátres of memory. Lotidon: Versò; 1994.. v. 1, p. 315-336.

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V »VJtWMtIM"«/ Htw irirU^blM

pinturas das.cavernas d e Altamira e Lasçaux, ao passo que a história .dp. Egit antigo_ seria imensuravelmente mais pobre, sem o testemunho das pinturas nos túmulos. Em ambos os casos, as imagens oferecem virtualmente a .única evidência de práticas sociais tais como 3 caça. Alguns estudiosos trabalhando em períodos posteriores também levaram imagens a sério. Por exemplo, his-toriadores de atitudes políticas, "opjnião pública" ou propaganda já estão uti-lizando há tempos a evidência de imagens. Èm outro exemplo, um reriomado medievalista, David Douglas, declarou há quase ineio século que as Tapeçariàs de Bayeux constituíam "uma fonte primária para a história da Inglaterra" que "merece ser estudada junto com as narrações Anglo-Saxon Chróhicle (Crônica Anglo-Saxã) e de William de Poitiers. . ,

0/ emprego de imagens por alguns poucos historiadores reiríonta há muito mais tempo. "Como destacado por Francis Haskell (1928-2000) em His-tory and its images (^Jiistôria e suas imagensj. as pinturas nas catacumbas'ro-manas foram estudadas no século 17 como evidência para a história dós começos do Cristianismo (e no século 19, como evidência-para a história so- • ciai).3 Ás Tapeçarias de Bayeux (ilustração 78) já erám levadas a sério como fonte histórica por estudiosos no início deste século 18. Na metade deste sé-culo, uma série de pinturas de portos'marítimos franceses, realizada por Jo-seph Vernet (a ser discutida aqui no Capítulo 5), foi elogiada por .um crítico que declarou que, se mais pintores seguissem o exemplo de Vernet, os traba-lhos seriam de utilidade para a posteridade porque "nas pinturas seria possí-vel 1er a história das.práticas, das artes e das nações".'1

*' Os historiadores culturais* JacoJjJÈfe^

zinga (1872-1945), eles próprios* artistas amadores; escrevendo respectivamen-te sobre õ Renascimento e o "outono" da Idade Média, basearam suas descri-ções e interpretadescri-ções da cultura da Itália e da Holanda em quadros de/artistas ^ tais como Raphaël e van Eyck, bem como em textos de época. Burckhardt, que escreveu sobre arte italiana antes de se dedicar à cultura geral do Renascimento, descreveu imagens e monumentos como "testemunhas dé etapas passadas do desenvolvimento do espírito humano", objetos."através dos quais é possível 1er as estruturas de pensamento e representação de uma determinada época".

3 DOUGLAS, David C.; ÒREENAWAY, G. W. (Éd.). English Històrícál Documents, 1042-1185. London: Eyre & Spóttiswoode, 19S3.p,-247.

4 HASKELL, Francis. Historyand its Images. New Haven: Yale UP, 1993. p. 123-124,138-144; a crítica é citada em LAGRANGE, Léon. Les Vernet et la Peinture au 1& siècle. 2. ed. Paris: [s.n.], 1864. p. 77. '

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No que se refere a Huizinga, proferia a conferência inaugural na-Univer-sidade de Groningen em 1905 sobr^ o tema "O elemento estético no pensa-mento histórico" comparando a compreensão histórica à "visão" ou "sensação" (incluindo o sentido de contato direto com o passado), e declarando que,"o que o estudo da história e a criação artística têm em comum é um modo de formar '

Imagens" Mais tarde, ele descreveu o m étodo dá história cultural em termos

vi-suais como "o método do mosaico".' Huizinga confessou em sua autobiografia que o seu interesse por história foi estimulado pelo hábito de colecionár moe-das na infância, e que foi atraído pela Idade Média porque visualizava o perío-do como "repleto de nobres cavaleiros usanperío-do elmos enfeitaperío-dos de plumas", e que sua troca de interesse dos estudos orientais para á história da Holanda foi estimulada por uma exibição de pinturas flamengas èm Brugies èm 1902- Hiii-' zinga também foi um entusiasmado, defensor dos museus históricos.^

Outro estudioso da geração de Huizinga; Aby Warburg (1866-1926), que começou como um historiador da arte no estilo, de B u r k a r d t , terminou a carreira tentando produzir uma história cultural baseada tanto em imagens, cjuanto em textos. Õ Instituto Warburg, que se desenvolveu, a partii da biblio-teca de'Wa'rburg e foi trazido de Hamburgo para Londres após á ascensão de Hitler ao poder, continuou a estimular esse ènfoque. Assim, a historiadora re-nascentista Frances. Yates (1899-101), que começou a freqüentar o Instituto no final da década de 1930, descreveu-se como sendo "iniciada na técnica de Warburg que utiliza evidência visual como evidência histórica'^ • ' /

j . A evidência de pinturas e fotografias também foi utilizada na década de 1930 pelo sociólpgo-històriador-brasileiro: Gilberto Freyre, (1900-1987), que descreveu a si mesmo como um pintor histórico ao estilo de Ticiano e seu en-foque da história social como uma forma dé "impressionismo" no sentido dé uma "tentativa de surpreender a vida em movimento": Seguindo os passos de Freyre, um historiador americano dedicado á estudos do Brasil, Robert Levi-.ne, p ^ f i w u l i ^ _ s é r i e d e fotografias da vida na América Latina no final do século 19 e início do século 20 corri um comentário que nãò apenas insere ás

5 HASKELL, Francis. History and its Images. New Haven: Yale UP,1993. p. 9,309,335-346,475, ' 482-494; BOrckhardt npud GOSSMAN, Lionet, fimel in the Age of Burckhardt Chicago: University of Chicago Press, 2000. p. Í61-362; sobre Huizinga, cf. STRUPP>ChristopH. fohan Huizinga: Geschichtswiss'enschaft ais. Kuiturgeschichté. Gõttingén: Vahdenhfoeck ui\,d Ruprecht Verlag, .1999. espAp. 67-74,116,226. .

6 YATES, Frances A. Shakespeare's Last Plays. London: Routledge and Kèg;an Paul, 1975. p; 4; cf.' YATES, Frances A. Ideas arid Ideals in the North EuropeaniRenaissance. London: Routledge-Sc K;Pauí, 1984. p. 312-315,321.

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fotografias no contexto, mas também discute os principais problemas suscita-, dos pela utilização desse tipo de e v i d ê n c i a ^

Imagens constituíram-se no ponto de partida para dois estudos impor-tantes realizados peló historiador que se autodenominou "Historiador do-mingueiro", PhiUppc.Áritej[19l^?§2)j-_uma história da infância e uma his-tória'da morte, sendo que em amt>as à$ fontes visuais foram tratadas como "evidência de sensibilidade e vida* igualadas em valor à "literatura è docy-mentos de"arquivos" O trabalho de Aríès será~£scüti"dõ inaís áetaíhadamente num capítulo posterior. Seu enfoque foi seguido por alguns historiadores franceses de destaque na década de 1970, entre eles MichelVòvelle, que traba-lhou sobre a Revolução Francesa e o antigo regime~qüe a precedeu, e Maurice Àgulhon, que se dedica especialmente à França do séctílo 19.® .

-~~ Essa "virada pictórica" como" a tem denominado o crítico americano Wil-liam Mitchell, também é visível no cenário do muhdô anglofônico.' Foi no final da déçada_de 1960, como ele próprio confessa, qiie Raphael Samuel e alguns de seus contemporâneos tornaram-se cojasaentes do coimo evi-dência para a história social do século , l^àuxiliando-os a construir "uma histó-, n ã a " partir de baixo", focalizando o cotidiano e-.as experiêndas.de'i^oas eoz. muns. Entretanto, considerando o influente periódico Pàstand Presenteomo re-presentante de novas tendências em escrita histórica no mundo anglofônico, é chocante a descoberta de que, entre 1952 a 1975, nenhum dos artigos lá pubücá-dos incluía imagens. Na década de 1970, foram publicapubücá-dos no periódico dois ar-tigos ilustrados. Na década de 1980, por outro lado, o número subiu para catorze.

As atas de uma conferência de historiadores americanos, realizada em 1985, e voltada para "a arte como evidência", comprovam que, òs anos 80 sig-nificaram uma virada a respeito «deste assunto. Publicado numa edição espe-cial do Journal òfJnterdisciplinaryHistory, o simpósio atraiu tanto interesse que em. seguida foi publicado em. forma de livrdü9 Desde então, um dós

colá-( j ^ j L E V l N E , Robert M. Images of History. 19th and Early 20th Century Latin American Photographs.» Documents. Durharn, N O D»ke UP, 1&89." • • 8 ARIÈS, Philippe. Un Historien de dimanche. Paris: Seuil, 1980. p. 122; cf. VOVELLE, Michel

• (Ed.). Iconographie et histoire des mentalités:Aix: [s.n.J, 1979; AGULHON, Maurice. Marianne

into Battle: Republican Imagery and,Symbolism in France, 1789-1880 (1979). Cambridge;

Cambridge UP, 1981. (Tràduçâo inglesa). . , . . " . - . ' \ ;; ; • , 9- MITCHELL, William J. T. (Ed.). Ari and the Public Sphere. Chicago: University'of Chicago

• ^ Press, 1992. întioduçâo^ '• ... ' •••"<•• f l O }ROTBERG, Robert I.; RABB>Theodoré K.'(Ed.j. 'Art and HistoryAmages and their Meanings;

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boradores, Simon Schama, tornou-se conhecido pelo seu uso da evidência vi-sual em estudos que vão da exploração da cultura holandesa do século 17, The EmbarrassmentofRiches (O incômodo das riquezás) (1987), a uma.análise das atitudes ocidentais em relação à paisagem ao longo dos séculos, Landscape and Memory (Paisagem e memória) (1955).

• A própria coleção Picturing History (Imagem e História*), que foi lan-çada em 1995 e inclui o volume que você lê agora, é uma evidência adicionai da nova tendência. Nos próximos anos, será interessante observar como os historiadores de uma geração exposta a computadores, bem comó à televisão, praticamente desde o nascimento e que;, sempre viveu num mundo saturado de imagens vai enfocaria evidência visual em relação ao passado. ;

FONTES E INDÍCIOS

Tradicionalmente, os historiadores têm se. referido aos seus documen-tos como "fontes", como sè eles estivessem enchendo baldes no riacho da Ver-. dade, suas histórias tornando-se cada vez mais puras, à medida que se apro-ximam das origens. A metáfora é vívida,' mas também ilusória no sentido de ' que implica a possibilidade de úm relato do'passado que não. seja.cbntamÍ-:':

nado por intermediários. É certameiite impossível estudar o passado, sem a assistência de toda uma cadeia de intermediários, incluindo , não apenas os :

primeiros historiadores, mas também os arquivistas "que orgánizaram ós do-cumentos, os escribas que os escreveram e .as testemunhas cujas palavras fo-ram registradas, g o m o sugeriu o historiador holandês GüstaafRenier, (1892r:

'1962) há meio século, pode ser útil sjubstituir a ídéiá de fontes pela.de indí^-:

-cios do passado no presente." O termo "indícios" refere-se a mahuscritos, li-vros imprèssÒs7prédios,"mobília, paisagem (como modificada pela explora-, ção humana), bem como a muitos tipos diferentes de imagens: pinturas,

es-tátuas, gravuras, fotografias. . ' " : . ,

, O uso de imagens por historiadores não pode e não deve ser limitado à . "evidência" no sentido estrito do termo (como discutido especificamente nos Capítulos 5 , 6 e 7). Deve-se também deixar espaço para o que Francis Haskelí denominou "o impacto da imagem ná imaginação histórica". Pinturas,

está-* (N.T.)

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tuas, publicações e assim por diante permitem a nós, posteridade, compartilhar as experiências não-verbais ou o conhecimento de culturas passadas (experiên-cias religiosas, por exemplo, discutidas no Capítulo 3). Trazem-nos o que po-demos ter conhecido, mas não havíamos levado tão a sério antes. Em-resumo, imagens nos permitem "imaginarão passado de forma mais vívida. Como su-gerido pelo crítico Stephen Bann, npssa posição face a face com uma imagem, nos coloca "face a face com a história." O uso de imagens, em diferentes perío- ^ dós, como objetos de devoção ou meios de persuasão, de transmitir informa-ção ou de oferecer prazer, permite-lhes testemunhar antigas formas de religião, de conhecimento, crença, deleite, etc. Embora os textos também ofereçam indí-cios valiosos,.imagens constituem-se no níjelhor guia para o poder de repre-sentações visuais nas vidas religiosa e política de. culturas passadas.12 ,

Este livro investigará, portanto, o uso de diferentes tipos de imagem, no . sentido em que os advogados chamam de "evidência aceitável" para diferentes tipos_de íiistória. A analogia legai tem um ponto a seu favor. Afinal, nos últi;-: mos anos, assaltantes de banco, torcedores de futebol desordeiros e policiais violentos têm sido condenados com base na evidência de vídeos. Fotografias policiais de cenas de crime são comumente usadas como evidência, Por volta de 1850, o Departamento Policial de Nova York havia criado lima "Galeria de Marginais", permitindo que ladrões fossem reconhecidòs.13 Na yerdadé, antes . de 1800, registros policiais franceses já incluíam retratos de principais

suspei-tos em seus arquivos pessoais. , .

' A proposta essencial que este livro tenta defender e ilustrar é a de que imagens, assim como textos e testemunhos'òrais, constituem-se numa.forma Impõrtànte de evidência histórica. Elas' registram atos de testemunho ocular. Não há nada de novo a respeito .dessa idéia, como demonstra uma famosa imagem, chamada "Retrato de Arnolfini" de úm casal na Galeria Nacional de Londres. Há no retrato uma inscrição (Jan van Eyck èsteye aqui), corrio. se o pintor tivesse sido uma testemunha do casamento. Ernst Gómbrich escreveu sobre "o princípio do testemunho ocular", em outras palavras, a regra que ar-tistas em algumas culturas têm seguido, a partir dos antigos Gregos, para

re-12 HASKELL, Francis. History and its lmages, New Haven: Yale UP, 1993. p. 7; BANN, Stephen. Face-to-face with History. New Literary History XXIX, p. 235-246,1998.

13 TAGG, John. The Burden of Representàtion: Esèays on Photographies and Histories. Amherst: . University of Massachusetts Press,. 1988. p. 66-102; TRACHTENBERG, Alan. Readiríg

American Photográphs-, lmages as History, Mathew Brady to Walker Èváns. New York: Hilíand Wang, 1989. p. 28-29.

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presentar o que, e somente o que, uma testemunha ocular poderia ter visto de

u m ponto específico num dado momento.':1 ~ .

Em estilo semelhante, a expressão "o estilo testemunha ocular" foi intro-duzida num estudo dos quadros de Vittore Cârpaccio (c. 1465-c. 1525), e algunà' dos seus contemporâneos venezianos, á fim de fazer referência ao gosto pelos detalhes revelado por esses quadros e,ao desejo dos artistas e mecenas por "um quadro que parecesse o mais real possível, de acordo com os padrões vigentes de; evidência e. prova".15 Os textos algumas vezès reforçam nossa impressão de que u m artista estava preocupado em forrtecer testemunho preciso. Por exemplo, 1 numa inscrição no verso do seu Ride for Liberty(1862) mostrando três escravos a cavalo, homem, mulher e criança, o pintor americano Eastman Johnson (1824-1906) descreveu sua pintura como o règistro de "um incidente vçrdádei-ro durante a Guerra Civil, observado por mim mesmo." Termos tais como es ti-: lo "documentário" ou "etnográfico" também têm sido utilizados para caracteri-zar imagens, equivalentes de períodos posteriores (abaixo p. 24; 162,173).

Ê desnecessário dizerque o uso do testemunho de imagens levanta mui-tos problemas incômodo^.Imagens são testemunhas mudas, e é difícil traduzir, ém palavras o seu testemunho. Elas podem ter sido criadas para comunicar uma mienkgem própria, mas historiadores não raramente ignoram essa men-sagem, a fim de ler as pinturas nas "entrelinhas" e aprender algo que Os artistas desconheciam estar ensinando. Há perigos evidentes nesse procedimento. Pára utilizar a evidência de imagens de forma ségurá, è dè modo eficaz, é necessáriOj como no caso de outros tipos de fonte, êstar consciente das suas fragilidades. A "crítica dajfonte" de documentosescritos Hamuito tempo ;tomoü-se untagas-te êisèricialda qualificáção dos historiadores. Em.cpm"paráçãp> a crítica-áe evi--; dênçia visual_£ermapèce pouco desenvolvida, embora o testemunho de ima-gens, como o dos textos, suscite problemas de contexto* função, retórica, recor-dação (se exercida pouco, ou muito, tempo depois do acontecimento), teste-m u n h o de segunda teste-mão, etc. Daí porque certas iteste-magens ofereceteste-m teste-mais evidên-cia confiável do que outras. Esboços, por exemplo, desenhados a partir de ce-nas reais da vida (figs. 1,2);e l i b e r t o ^ o s constrangimentos do "grande estilô"

14 PANOFSKY, Érwin. £ar// Netheríandish Painting. Cambridge;.MA: Harvard ÜP, 1953.2 V.; e i ;• - SEIDEL, Linda. Jan van Eyck's Arriolfmi Portrait Stories of an Icón. Cambridge: Cambridge ' UP, 1.993; G'OMBRICH, Ernàt H. Thelmage and thi Éyii London: Pháidon, 1982. p. 253., '. 15 BROWN, Patrícia F. Vtnetíait NarrativePainting in theAge óf'Carpàccto:New'Havèn: Yak: • . UP, 1988. p. 5,125.

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(discutidos no Capítulo 8) sãomais confiáveis comç testemunhos do que o são pinturas trabalhadas posteriormente nò estúdio do artista. No caso de Eugène Delacroix (1798-1863), esse aspecto pode. ser ilustrado, pelo contraste entre seu esboço, Deux Femmes Assises (Duas mulheres sentadasj, e sua pintura Les Femmes d'Alger (As mulheres de Argel) (1834), que paréce mais teatral e, ao con-trario do esboço original, fâz referência a outras imagens.

• •• ÎS : : • ?

1. Eugène Delacroix, Esboço para Les Femmes d'Alger (As mulhereé de Argel), ç. 1832, aqua-rela com vestígios de'grafite. Museu do Louvre, Paris.

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' Intrnthiriifl

2: Constantin Guys, Esboço e m aquarela do sultão dirigindò-se à mesquita, 1854. Coleção

particular.

Em que medida e de que formas as imagens.oferécem evidência confiá-vel do passado? Seria insensato tentar produzir uma única resposta geral a tal questão. Um ícone da virgem Maria datado do século 16 e um pôster de Staiin datado do século 20 dizemaoshistoriadoresalgo sobre a cultura fússa.Noen-tanto, a despeito de algumas semelhanças intrigantes, existem, é claro, enor-mes diferenças tanto com relação ao que essas imagens deixam transparecer quanto ao que elas omitem. Nós ignoramos, e isto é um perigo, à variedade de. imagens, artistas, usos de imagens e atitudes para com as mesmas em d i f e r e n -tes períodos da histórià.

VARIEDADES DE IMAGEM

Este ensaio- está mais voltado pará "imagens"..do que para "arte", um ter-mo que só começou a ser utilizado no Ocidente ao longo do Renascimento e especialmente a partir do século 18, quando função estética das iitiagens, pelo menos nos círculos de elite, passou a dominar os muitos outros usos des-ses objetos. Independentemente de sua qualidade estéticá,-qualquer imageni

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pode servir como evidência histórica. Mapas, pratos decorados, ex-votos (fig. 16), manequins e os soldados de cerâmica enterrados nás tumbas dos primei-ros imperadores chineses têm todos alguma coisa a dizer aos estudantes de história.

Para complicar a situação, é necessário levar em conta mudanças no tipo^ de imagem disponível em lugares e épocas específicos, e especialmente duaç re-~ voluções na produção.de imagep.vp surgimento da imagem impressa (gravura / em madeira, entalhe, gravura em àgua-forte, etc.) durante os séculos 15 e 16, e j •o surgimento da imagem fotográfica (incluindo filme e televisão) nos séculos

dezenove e vinte. Seria necessário um livro bastante extenso para analisar as . conseqüências-dessas duas rèvoluções da maneira detalhada que elas merecem, porém algumas observações gerais podem ser útejs de qualquer maneira» :

Por éxerripló, a aparência das imagens mudou. Nos estágios iniciais tan-to da gravura em madeira quantan-to da fotan-tografia, imagens em pretan-to-e-branco substituíram pinturas a cores. Refletindo um pouco, pode sér sugerido, como ; tem sido feito no caso da transição das mensagens orais para as impressas, que a imagem em preto-è-branco é, usando a famosa èxpressão de Marshall McLu-h'án, uma forma mais "serena" de- comunicação do que a colorida, que é mais ilusionista, e estimula um certo distanciamento por párte do observador. Retó-ma-sé a idéia de que imagens impressas, da mesma fprma que as fotografias mais tarde, poderiam ser elaboradas e transportadas mais rapidamente do que as pinturas, dé tal forma que imagens de eventos que estavam acontecendo po-deriam chegar aos observadores enquanto :0s eventos ainda estivessem vivos iia memória, um ponto que será desenvolvido no Capítulo 8. ' .

Outro ponto importante a considerar, nó caso de ambasas revolu-ções, é que eEs^õ7siBiritafaffl"um''gFande"iTúmento no número de imagens disponívéiTás pessõãs"cômuns. De fato, tornou-sè difícil até mesmo i m a g p nar quão poucas imagens iitãvam em circulação geral durante á Idade Mé-dia/uma vez que os manuscritos ilustrados qüe hoje nos são familiares em museus ou em reproduções ençontravam-se geralmente nas mãos de parti-culares, deixando apenas retábulos de altar oü afrescos em igrejas visíveis para o público em geral. Quais foram as conseqüências culturais.desses dois

avanços? ••• • ' ;

As conseqüências da imprensa têm comuníentè" sido discutidas ém termos da padronização e da fixação de textos em forma permanente, e pon-tos semelhantes podem ser levantados sobre imagens.impressas. William M. Ivins jr. (1881-196,1), um curador de impressos em Nova York, levantou à

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questão da importância dos impressos do século 16 como "afirmações picto-riais possíveis de serem repetidas com exatidão". Ivins destacou que os anti-gos Greanti-gos, por exemplo, haviam abandonado a prática de ilustrar tratados botânicos devido à impossibilidade.de produzir imagens idênticas da mesma planta em diferentes cópias.de manuscritos do mesmo trabalho. A partir do. final do século 15, por outro lado, ervas e plantas eram sistematicamente ilus-tradas com gravuras em madeira. Mapas, que começaram á sèr impressos em

1472, oferecem outro exemplo da méieira pela q M ã c o m ã n t c ã ç 8 o ' d ^ infor-mação através de imagens foi facilitada pelá possibilidade da repetição asso-; ciada com a impressão.16

A era^dajotografia, de acordo com o crítico marxista

Ben jamin Tl892-ÍHQ.) num famoso ensaio da década de 1930, mudou o ca-ráter da obra de arte. A.máquina "substitui a única èxistência. pela pluralidade de cópias" e produz um deslocamento do "valor culf da imagem para seu "yâ-lor de exibição". "Aguilo que.murára na era da • r e p r o . d u ^ n ^ ^ ç á ^ á a u i r à dojrabalho de arte". Dúvidas podem existir e foram levantadas a respeito des-sa tese. O dono de uma gravura em madeira, por exemplo, pode tratá-la com o respeito devido a uma imagem individual, em vez de considerá-la como uma cópia entre várias. Existe evidência visual.de pinturas holandesas de ca-sas e estalagens do 'século 17, por exemplo, mostrando que gravuras em ma-deira e entalhes eram colocados em exposição nas paredes; da mesma forma que as pinturas. Mais recentemente, na era da fotografia, como Michael Ca-mille apontou, a reprodução de uma imagem pode realmente aumentar á sua, aura, da mesma forma que séries de fotografias aumentam o encanto de um astro de cinema em vez de diminuí-lo. Se nós consideramos imagens- indivi-duais com menos seriedade do que o. fizeram nossos antepassados; uni aspec-to que ainda deve ser provado, isaspec-to pode ser um resultado não dá. própria re-produção, mas sim dá saturarão de nosso mundo^ de experiência pór „umá_ quantidade crescente de imagens.17

16 Em relação a textos,i McLUHAN, Marshall. The Gutenberg Galàxy. Toronto: University.of Toronto Press, 1962; cf. EISENSTEIN, Elizabeth. The Printing Press aí an Agent of Change. Cambridge: Cambridge'UP, 1979. 2 v. Sobre as imagens,"IVINS JR., William H. Prints and

Visual Communication. Cambridge, MA: Harvard UP, 1953; cf. LANDÁU, David; PÁRSHALL,

Peter.' The Renaissance Print Í470-1550. New Haven: Yale UP, 1994; p. 239.Y. •; ;

17 BENJAMIN, Walter. The Work of Art in lhe Age of Mechanical, Reproduction (1936). In:.

... Illuminations. London: Pimlico, 1968. p. 219*244. (Tradução inglesa); cf. CÁM1LLE,

Michael.-...'1 The Três Riches Heures: An Illuminated Manuscript in the "Age of Mechanical Reproduction. Critical Inquiry XVII, p. 72-107,1990-1991; ' . • '

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"Estude o historiador antes de começar a estudar os fatos", disse a"seus lei-tores o autor do conhecido livro What is history?.18 Da mesma forma, deve-se aconselhar, alguém que planeje utilizar o testemunho de imagens para que inicie estudando os^difecQ»fes.ptõpásitcg-dos realizadores dessas imagens. Relativa-mente confiáveis, por exemplo, são trabalhos que foram realizados primeira-mente como registros, documentando ás ruínas de Roma antiga, Ou a aparência e costumes de culturas exóticas. As imagens dos índios de Virgínia pêlo artista, elizabetano John White (fl. 1584-1593), por exemplo (fig. 3), foram feitas no lo-cal, como as imagens de havaianos e taitianos feitas pelos desenhistas que acomV panharam o capitão Cook e-outros exploradores, precisamente a fim de registrar o que havia sido descoberto. "Artistas de guerra", enviados a campo para retratar batalhas e a vida dos soldados em campanha? (Capítulo 8), afivos desde a expedi-ção do imperadpr Carlos V à Tunísia até a intervenexpedi-ção americana no Vietnã, sé não mais tarde, são usualmente testemunhas mais confiáveis, especialmente no ; que se refere a detalhes, do que seus colegas que trabalham exclusivamente em casa. Podemos descrever os trabalhos relacionados neste parágrafo como "arte documentária". ' • . ^

~7EpêsãFdi^sso, serià imprudente atribuir a esses artistas repórteres um "olhar inocente" no sentido de um olhar que fosse totalmente objetivo/livre ' de expectativas ou preconceitos de qualquer tipo. Tanto literalmente quanto]. metaforicamente, esses esboços e pinturas registram "um ponto de vista". No caso de White, por exemplo, precisamos ter em mente que elé estava pessoal-mente envolvido na colonização da Virgínia e pode ter tentado passar uma boa impressão do local, omitindo cenas de nudez," sacrifício humano e qual-quer outro aspecto que pudesse chocar colonizadores èm potencial. Historia-dores usando documentos desse tipo não podem dar-se ao luxo de ignorar á possibilidade da piropagándà (Capítulo .4), ou a das visões estereotipadas; do "outro" (Capítulo 7), ou esquecer a importância.dasconvenções visuais acei-tas como naturais numa determinada cultura ou num determinado gênero, .tais como o quàdro-batalha (Capítulo 8). ' . ,.,.

À fim de apoiar essacrítica db olho ihocénte, pode ser útil tomar alguns exemplos nos quais o testemunho histórico de imagens se situa, ou.pelo menos parece situar-se, de forma relativamente clára é direta: fotografias e retratos. '

Referências

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