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O lugar do afeto na alfabetização

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Academic year: 2021

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GRANDE DO SUL

DHE- Departamento de Humanidades e Educação

CLEUSA MORAIS

O LUGAR DO AFETO NA ALFABETIZAÇÃO

IJUÍ/RS 2015

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CLEUSA MORAIS

O LUGAR DO AFETO NA ALFABETIZAÇÃO

Monografia apresentada pela acadêmica

Cleusa Morais para a obtenção do grau de

Licenciatura em Pedagogia pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI - Departamento de Humanidades e Educação– Curso de Pedagogia – Habilitação em Pedagogia.

Orientadora: Profª. Ms. Lídia Inês Allebrandt

IJUÍ/RS 2015

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Dedico este trabalho ao meu esposo, que é meu exemplo de luta e perseverança, pelo seu apoio durante esta minha caminhada.

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AGRADECIMENTOS

À minha família, que sempre esteve presente me incentivando, respeitando os horários de estudos, ao meu filho que, muitas vezes, enviou-me por e-mail os trabalhos esquecidos em casa, ao meu esposo que sempre esteve ao meu lado dando-me força e auxiliando-me quando necessário.

À minha orientadora Lídia Inês, com quem tive o privilégio de atuar como bolsista no programa do governo federal, o PIBID (Programa Institucional de Iniciação à Docência); educadora que instigou-me a fazer leituras do PNAIC (Plano Nacional pela Alfabetização na Idade Certa), e com quem busquei conhecimentos para poder mediar a prática pedagógica junto ao menino J. (que aceitou aprender comigo); pessoa com quem pude contar com sua dedicação e disponibilidade e que guiou-me pelos caminhos do saber.

À professora Marta Estela Borgmam, que com o seu brilho no olhar e paixão à pedagogia, fez-me desejar saber mais e mais sobre a missão do educar. Enfim, agradecer a todos os professores que integram esse corpo docente, pela paciência e dedicação a nós acadêmicos, professores que têm a minha mais profunda gratidão e admiração.

Meu agradecimento a família do menino que me permitiu ajudá-lo nas suas dificuldades e que no decorrer do processo mantiveram um diálogo sempre esperançoso e motivador.

Por fim, não poderia deixar de lembrar uma pessoa que já não está mais conosco, mas que foi um grande incentivador para que eu fizesse o ENEM e, consequentemente, o PROUNI, um amigo da família Vilson do Rosário que guardarei para sempre em meu coração.

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“Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam não se reduzem à condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender.” Paulo Freire.

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão do curso tem como tema O Lugar do Afeto na Alfabetização e traz à tona a preocupação a respeito de um menino que foi diagnosticado com déficit de atenção e medicado, e que, segundo o parecer da sua professora, tinha pouco interesse e esforço em aprender, apresentava dificuldades na ortografia, distraindo-se frequentemente em sala de aula, por isso estava repetindo, pela segunda vez, o terceiro ano. Neste sentido, realizou-se um estudo de caso com esta criança em processo de alfabetização sobre os efeitos do afeto no processo de alfabetização e letramento; investigou-se o quanto as relações afetivas contribuem para potencializar a autoestima de uma criança e gerar desejo de aprender e/ou manifestar suas dificuldades na aprendizagem da leitura e escrita. Para tanto, buscou-se orientações decorrentes das políticas públicas, como por exemplo, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, na perspectiva de evidenciarconcepções e práticas nos processos de alfabetizar letrando, como ensina Soares, as quais podem fundamentar a ação docente na construção da relação adulto e criança para potencializar aprendizagens. Pesquisou-se a importância do afeto durante aprendizagem em termos de emoção e cognição, e buscou-se estudos sobre o TDAH. Por fim, mediante relação afetiva e paciência que lhe foi dedicada esta criança conseguiu recuperar a autoestima e superar as dificuldades até então presentes na sua vida. Conclui-se que dois sujeitos foram beneficiados a partir de uma situação problema vivenciada, a educadora, que não desistiu da sua busca por ter consciência de que desistir do educando seria desistir de si mesma, e o educando que superou os temores e fragilidades, possuindo agora um sentimento de igualdade e de pertença ao seu grupo social.

Palavras-Chave: Alfabetização; Letramento; Medicalização; Afeto; Relações

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RESUMEN

Este trabajo de finalización del curso se temático El Afecto Colocar en Alfabetización y plantea la preocupación acerca de un niño que fue diagnosticado con déficit de atención medicinal, y que, en opinión de su maestro, tenía poco interés y el esfuerzo en el aprendizaje, mostró dificultades en la ortografía, a menudo se distraen en el aula, así que repetía por segunda vez, el tercer año. En este sentido, hubo un estudio de caso con este niño en proceso de alfabetización en los efectos de afectar a la alfabetización y el proceso de alfabetización; Investigamos cómo las relaciones afectivas contribuyen a mejorar la autoestima de un niño y generar el deseo de aprender y / o expresar sus dificultades para aprender a leer y escribir.

Por lo tanto, se buscó orientación derivada de las políticas públicas, como el Pacto Nacional para la Alfabetización cierta edad con el fin de poner de relieve los conceptos y prácticas en los procesos de letrando alfabetización, como enseñó Soares, que puede apoyar las actividades de enseñanza en construcción de adulto y niño relación con el poder aprendizagens. Pesquisou la importancia del afecto para el aprendizaje en términos de la emoción y la cognición, y trató de estudios sobre el TDAH. Por último, amando relación y la paciencia que se dedicó a este niño logró recuperar la autoestima y superar las dificultades hasta ahora presentes en su vida. Conclui es que dos personas se han beneficiado de una situación problemática con experiencia, el profesor, que no lo hicieron Renunció a su búsqueda de ser conscientes de que dar al estudiante renunciaría a sí mismo, y el estudiante que ha superado los miedos y debilidades, ya que tienen un sentido de igualdad y que pertenecen a su grupo social.

Palabras clave: alfabetización; Alfabetización; La medicalización; afecto; las relaciones pedagógicas.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...09

1. A EDUCAÇÃO E A ALFABETIZAÇÃO ...11

2. O AFETO, APRENDIZAGEM E ALFABETIZAÇÃO...21

3.TDAH: MEDICAR OU DIALOGAR. ...28

4. A EXPERIENCIA DE ALFABETIZAÇÃO PAUTADA NO AFETO...31

CONCLUSÃO...42

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INTRODUÇÃO

O tema desta monografia é apresentar resultados de estudos teóricos e pesquisa com criança em processo de alfabetização sobre os efeitos do afeto no processo de alfabetização e letramento. Neste trabalho investiga-se o quanto as relações afetivas contribuem para potencializar a autoestima de uma criança e gerar desejo de aprender e/ou manifestar suas dificuldades na aprendizagem da leitura e escrita. Para tanto, buscou-se as orientações decorrentes das políticas públicas, como por exemplo o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa1, na perspectiva das concepções e práticas nos processos de alfabetizar letrando, como ensina Soares, e que podem fundamentar a ação docente na construção da relação adulto e criança para potencializar a aprendizagem das crianças.

O problema de pesquisa gerou-se de preocupação decorrente de uma história de um garoto de dez anos de idade, então no terceiro ano, quando a pesquisadora realizou uma brincadeira com ele e outro menino em espaço não escolar e percebeu que o primeiro não sabia ler. Ao expor à sua mãe a respeito, esta afirmou que o menino já estava pela segunda vez no terceiro ano.

Com todas essas questões sem resposta, no papel de pesquisadora indaguei-me: que tipo de educadora eu serei se não tentar ajudá-lo? Seria possível fingir que nada está acontecendo? Deixar que a professora dele se preocupasse? Fechar os olhos para essa criança que precisa de auxílio especial?

Conhecedora da história do menino sabia que ele foi diagnosticado como tendo déficit de atenção, sendo-lhe receitados os medicamentos Carbamazepina e Ritalina, que são altamente questionados pelos seus efeitos.

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São questões que me inquietaram, apesar de ter decidido em não ser professora alfabetizadora e que até preferia desenvolver a docência na educação infantil pelo fato de ter me apaixonado especialmente pelos berçários. Propus-me a ajudá-lo. Posteriormente, quando tinha que escolher o tema do TCC, em conversa com a futura professora orientadora, surgiu o problema de pesquisa ação: Como posso ajudar o menino em seu processo de alfabetização neste momento de sua escolarização?

Desde que iniciei o acompanhamento pedagógico deste menino, fiz registros das atividades desenvolvidas para acompanhar e analisar o seu processo e as nossas interações. No entanto, ao saber das dificuldades de relacionamento na escola e a dificuldade dos pais em ajudá-lo e apoiá-lo afetivamente, busquei analisar o processo e sua aprendizagem pelo viés da afetividade que lhe foi dirigida fora dos ambientes escolar e familiar.

Para tanto, pretendo aprofundar estudos das orientações do PNAIC2 no que diz respeito à alfabetização e ao letramento, depois, conhecer e entender sobre o tema da afetividade, para analisar as consequências que a falta de afeto tanto intrafamiliar como a escolar causam no desenvolvimento das crianças, bem como refletir sobre o uso abusivo de medicamentos administrados às crianças como desculpa pela incapacidade dos adultos de lidar com o problema.

Concluo que existem muitas crianças com problemas de aprendizagem e que não basta apenas mediar conteúdos, precisamos ir além, entender a história de vida desses sujeitos, sua cultura, seus saberes e, então, potencializar as aprendizagens tanto por meio do afeto quanto da cognição e da sua cultura. Uma escola que escuta e valoriza a criança, uma família bem estruturada e afetiva, uma alimentação saudável e assistência médica são de fundamental importância, porém a compreensão dos desejos, os vínculos afetivos, a autoestima, o convívio social e o diálogo aberto devem ser considerados.

2As ações do PNAIC são um conjunto integrado de programas, materiais e referências curriculares e pedagógicas

que serão disponibilizados pelo Ministério da Educação e que contribuem para a alfabetização e o letramento, tendo como eixo principal a formação continuada dos professores alfabetizadores.

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1. EDUCAÇÃO E ALFABETIZAÇÃO

Ler é extremamente necessário, pois é um pré-requisito para que o indivíduo obtenha a sua cidadania, mas tempos atrás isso não era visto dessa maneira, porque saber ler e escrever eram privilégio de quem detinha o poder. Portanto, somente poucas pessoas tinham acesso à escrita, uma vez que, por meio dela, escondiam-se muitos segredos. Felizmente, os tempos mudaram e, desde os fins do sec. XIX tem-se obtem-servado a ampliação dos movimentos em prol da criança e do adolescente, na busca por melhorias no processo de alfabetização, por meio de diversas metodologias.

Como nos explica Feil,

No século XX surgem movimentos paralelos às políticas públicas sociais, dentre estes movimentos destaca-se a escola nova, uma corrente pedagógica fundamentada na capacidade criadora do educando, colocando-o na centralidade educacicolocando-onal. (FEIL, 2010, p.3)

Atualmente, o Brasil encontra-se num processo de universalização e democratização da educação básica, com o compromisso de garantir o direito à educação de qualidade para todos, expressos na Constituição de 1988e na LDB de nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Consta dos Princípios e Fins da Educação Nacional em seu artigo 2º que:

A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 2009, p 1)

As práticas de alfabetização foram questionadas, pois focavam no ensino, no qual o educador era aquele que sabia tudo e o educando nada; o educador passava o conteúdo e o educando recebia, uma metodologia, a qual Paulo Freire chamou de educação bancária que fugia do que dispõe o artigo 2º da LDB, que seria o pleno desenvolvimento do educando.

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No entanto, mesmo estando em um processo de universalização e democratização, ainda hoje, apesar das recentes interferências no processo de alfabetização, muitas escolas vêm se apoiando nos métodos tradicionais, cujas práticas perpetuam a transmissão e a passividade na aprendizagem. E, conforme Cagliari (1999, p. 31), “Apesar de todas as interferências recentes no processo de alfabetização, a prática mais comum em nossas escolas ainda se apoia na cartilha tradicional (a cada ano com nova roupa e maquiagem).”

Mas, felizmente, vem aumentando o número de professores que buscam diferentes métodos no processo de alfabetização visando a capacidade de aprender a ler e escrever no primeiro ano escolar, e se aperfeiçoando nos anos seguintes através do ensino fundamental nove anos3. Para tanto, o governo implementou a formação de professores por meio do PNAIC, além de outros esforços desenvolvidos pelas instâncias municipais e estaduais.

Como constata Cagliari,

Há cada vez mais um número crescente de professores que estão conduzindo um processo de alfabetização diferente do método das cartilhas, procurando equilibrar o processo de ensino com o de aprendizagem, apostando na capacidade de todos os alunos para aprender a ler e escrever no primeiro ano escolar, e desejando que essa habilidade se desenvolva nas séries seguintes até chegar ao amadurecimento esperado pela escola. Cada vez mais os professores estão se dedicando seriamente ao próprio objeto de estudo e ensino, que é a linguagem. (CAGLIARI, 1999, p.31)

É por meio da linguagem que a criança comunica suas ideias, sentimentos, saberes e aprendizagens. Além disso, ao entender que a criança é um ator social que tem práticas sociais e culturais distintas, o professor compreende como pode desenvolver sua prática educativa, envolvendo-a e tornando-a ativa em seu processo de aprendizagem. Professores dedicados e que dialogam com as crianças sobre temas de seu interesse e de sua vida, bem como sobre conhecimentos das diversas áreas de conhecimento contribuem no processo de ensino e de aprendizagem.

3A ampliação para nove anos como o tempo de duração do ensino fundamental obrigatório com início aos seis

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Sobre a valorização da criança na aprendizagem da leitura e da escrita, Cagliari, enfatiza que

[...], as propostas de alfabetização que começaram a valorizar a criança e seu trabalho criaram um clima mais calmo e tranquilo em sala de aula, uma melhor interação entre professor e aluno, proporcionando condições mais saudáveis para que o processo de alfabetização se realizasse. (CAGLIARI, 1999, p.32)

Cagliari afirma que “a alfabetização é o momento mais importante na formação escolar de uma pessoa assim como a invenção da escrita foi o momento mais importante da história da humanidade.” (apud Feil, 2010, p. 2).

O autor acima citado alerta que

para ensinar a criança a ler, é preciso, em primeiro lugar, que o professor saiba como se faz para ler. Os adultos se acostumam com o fato de lerem automaticamente e não se dão conta dos mecanismos e dos conhecimentos de que uma pessoa precisa ter para decifrar e traduzir o escrito em linguagem oral. (CAGLIARI, 1999, p. 75)

A aprendizagem é um desafio aos educadores, pois este precisa compreender e adequar a forma de educar ao novo paradigma que se apresenta, o qual tem exigido destes constantes criatividades e inovação, de maneira a interagir com seus alunos transformando uma aula que seria pacata e autoritária em uma produtiva socialização de conhecimentos e desenvolvimento do pensamento autônomo, criativo e crítico.

Perrenoud enfatiza que:

Organizar e dirigir situações de aprendizagem é manter um espaço justo para tais procedimentos é, sobretudo, despender energia e tempo e dispor das competências profissionais necessárias para imaginar e criar outros tipos de situações de aprendizagem, que as didáticas contemporâneas encaram como situações amplas abertas, carregadas de sentido e de regulação, aos quais requerem um método de pesquisa, de identificação e de resolução de problemas. (PERRENOUD, 2000, p.25),

Para o autor, trabalhar a partir das representações dos alunos requer entender que a escola não constrói a partir do zero nem o aluno é uma tábula rasa, que o educando já possui o seu conhecimento a priori, elaborado e assimilado com respostas que o satisfazem no momento.

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Nenhum professor experiente ignora que os alunos pensam que sabem parte do que o professor deseja ensinar, trabalhar a partir das representações dos alunos não consiste em fazer com que se expressem para desvalorizá-las imediatamente. O importante é dar-lhes regularmente direitos nas aulas, não se surpreender se elas surgirem novamente, quando as julgávamos ultrapassadas e com isso deve-se abrir um espaço de discussão e não censurar as analogias falaciosas. O professor que trabalha a partir das representações dos alunos tenta reencontrar a memória do tempo em que ainda não sabia, colocar-se no lugar do aprendiz, lembrar que se não compreende, não é por falta de vontade, mas porque o que é evidente para o especialista, parece opaco e arbitrário para os aprendizes. (PERRENOUD, 2000, p.28)

Em sua carta ao professor, Paulo Freire argumenta que não existe um ensinar sem aprender, ou seja, sempre estamos aprendendo para poder ensinar ao mesmo tempo em que necessitamos ter a quem ensinar e, principalmente, sempre refletir sobre as nossas práticas.

Quero dizer que ensinar e aprender se vão dando de tal maneira que quem ensina aprende, de um lado, porque reconhece um conhecimento antes aprendido e, de outro, porque, observado a maneira como a curiosidade do aluno aprendiz trabalha para apreender o ensinando-se, sem o que não o aprende, o ensinante se ajuda a descobrir incertezas, acertos, equívocos. (FREIRE,2001, p.259)

Para Freire, quem ensina deve ser humilde, estar aberto a questionamentos e a curiosidade dos alunos, pois há muitas maneiras de aprender para além da escola e dos livros, aprende-se no cotidiano, no seu convívio cultural e social a criança já vem para a escola com uma bagagem de conhecimentos acumulados. Finalizamos este capítulo com suas palavras:

O aprendizado do ensinante ao ensinar se verifica à medida em que o ensinante, humilde, aberto, se ache permanentemente disponível a repensar o pensado, rever-se em suas posições; em que procura envolver-se com a curiosidade dos alunos e dos diferentes caminhos e veredas, que ela os faz percorrer. (FREIRE, 1997, p. 27)

Nessas linhas de pensamento, infere-se que o educador deve estar sempre refletindo sobre suas práticas, revendo as suas ações, e procurando satisfazer a curiosidade dos alunos nos diferentes caminhos e oportunidades de descoberta que levam ao desconhecido superando as expectativas de seus alunos.

Sendo assim, verificamos que há décadas educadores brasileiros têm se questionado a respeito da maneira como o ensino vem sendo feito nas escolas, por

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meio de repetição e memorização, o educador apenas ensinava o que vinha nas cartilhas sem conhecer o aluno considerando a classe como homogênea, uma grande parcela de crianças permanecia no primeiro ano. Cagliari (1999) argumenta que devemos dar oportunidade ao aluno de tomar decisões considerando as explicações que ele recebe, aventurando-se e procurando saber a maneira correta de dar o passo seguinte e que a essa metodologia chamamos aprendizagem. Por conseguinte, novos trabalhos têm influenciado novas práticas educativas mais precisamente na alfabetização.

Consta no material do PNAIC um lembrete aos professores de que,

No campo da alfabetização, os trabalhos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky sobre a Psicogênese da Língua Escrita (FERREIRO & TEBEROSKY, 1984; FERREIRO, 1985) vão influenciar no desenvolvimento de novas práticas de alfabetização. Demonstrando que a escrita alfabética não era um código, o qual se aprenderia a partir de atividades de repetição e memorização, as autoras propuseram uma concepção de língua escrita como um sistema de notação que, no nosso caso, é alfabético. (BRASIL, PNAIC, 2012, Ano 1, livreto 1, p.16)

Os estudos de Teberosky e Ferreiro afirmam que tanto as crianças como os adultos analfabetos passam por diferentes fases relacionadas à escrita alfabética e que ao ler ou escrever levantam hipóteses. Desta forma,

Inicialmente apresentariam uma escrita pré-silábica, em que não há correspondência grafofônica, depois passariam pela escrita silábica, em que já há essa correspondência, mas no nível da sílaba (uma letra representaria um sílaba)e não do fonema para posteriormente poderem chegar à escrita alfabética, na qual percebem a relação fonema-grafema, ainda que apresentem trocas de letras na notação de alguns sons, já que essa fase não pode ser confundida com domínio da norma ortográfica sendo, esta última, uma tarefa de aprendizagem posterior.(BRASIL, PNAIC, 2012 livreto 1,p.16)

Nessa concepção, é necessário que as crianças entendam o sistema de escrita e seu funcionamento, o som, a grafia, os segmentos sonoros, identifiquem que o que se anota no papel são os sons das palavras. “Para isso, é fundamental que compreendam o que a escrita nota (ou “representa”, “grafa”) e como a escrita cria essas notações (ou “representações”)”. (Brasil, PNAIC, 2012, Ano 1, livreto 1, p.16)

Para Ferreiro e Teberosky (1984) e (REGO,1988), é interagindo com a escrita, contemplando seus usos e funções, que as crianças se apropriariam da escrita

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alfabética, e não a partir da leitura de textos “forjados” como os presentes em diferentes cartilhas de alfabetização. (apud Brasil, PNAIC,2012, livreto 1,p.17).

Para as autoras, tanto na escola como fora, dela pode-se vivenciar experiências com diferentes gêneros textuais usados no cotidiano familiar e social e isso contribui no processo de alfabetização.

Por diversas vezes já presenciei crianças que ainda não estão alfabetizadas pegarem um livro e agir como que estivessem lendo uma história, usando como referência as imagens e a memória. A isso, alguns autores, como Soares, chamam de letramento.

No Brasil, o termo letramento não substituiu a palavra alfabetização, mas aparece associada a ela. Atualmente ainda convivemos com um alto índice de analfabetos, mas não podemos dizer que essas pessoas são “iletradas”, pois sabemos que um sujeito, criança ou adulto, que ainda não se apropriou da escrita alfabética, envolve-se em práticas de leitura e escrita por meio da mediação de uma pessoa que sabe ler e escrever e, nessas práticas, desenvolve conhecimentos sobre os textos que circulam na sociedade (REGO, 1988; MORAIS e ALBUQUERQUE, 2004).Assim, por exemplo, podemos ver que crianças pequenas que escutam frequentemente histórias lidas por adultos (em casa ou na escola),são capazes de pegar um livro e fingir que leem a história usando, para isso, uma linguagem característica desse gênero (apud Brasil, PNAIC,2012, Ano 1, livreto 1,p.17).

Estudos atuais enfatizam que somente o acesso aos textos que estão em circulação não basta para que a criança se aproprie da escrita alfabética, pois a aprendizagem da língua requer um trabalho de reflexão sobre o sistema de escrita. No entanto, ainda constata-se problemas de aprendizagem da leitura e da escrita, pois

A despeito das novas concepções de alfabetização e de mudanças nas práticas de ensino da leitura e da escrita com base nas novas perspectivas teóricas, muitos alunos continuaram a concluir o primeiro ano e mesmo o primeiro segmento do Ensino Fundamental sem saber ler e escrever. Resultados de avaliações em larga escala, sejam internacionais (PISA), nacionais (SAEB, Prova Brasil), estaduais ou municipais, têm revelado o baixo desempenho dos nossos alunos em leitura e confirmam o fracasso da escola em ensinar os estudantes a ler. (BRASIL, PNAIC,2012, Ano 1, livreto 1, p. 18)

Várias medidas foram tomadas a nível nacional e nas diferentes secretarias de educação para tentar superar os problemas em relação ao aprendizado da leitura e

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da escrita para que ocorram avanços na educação de qualidade e que garanta os direitos de aprendizagem das crianças. Pode-se citar

A ampliação do Ensino Fundamental para 9 anos como forma de garantir que os alunos da rede pública de ensino iniciem o processo formal de alfabetização aos seis anos de idade (BEAUCHAMP; PAGE NASCIMENTO, 2007), a definição dos três primeiros anos do Ensino Fundamental como o período destinado à alfabetização (PNE 2011/2020 - BRASIL, 2011), o investimento na formação continuada de professores, por meio da criação da Rede Nacional de Formação de Professores e do desenvolvimento de programas de formação continuada como o Pró-Letramento.(BRASIL,PNAIC,2012, Ano 1, livreto 1, p. 18)

Conforme o Plano Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa, para que se estabeleça a leitura e a escrita pela criança é necessário que consideremos para cada ano do ciclo da alfabetização, o que queremos ensinar, os conhecimentos já construídos pelos alunos, a natureza do objeto do conhecimento a ser enfocado, como se organiza o SEA (sistema de escrita alfabética), e como os alunos se apropriam dele.

Nesse sentido, é preciso que no final do 2º ano, os alunos dominem as correspondências entre letras e grupos de letras e seu valor sonoro, de modo a ler e escrever, palavras formadas por diferentes estruturas silábicas; saber segmentar as palavras na escrita de textos e utilizarem diferentes tipos de letras. Ademais conhecendo a forma como as crianças aprendem e o professor poderá planejar melhor a sua intervenção.

O PNAIC orienta para a questão do uso das letras no primeiro ano quando a criança ainda está em construção dos saberes, e após esse período quando ela já se apropriou deste conhecimento.

No primeiro ano quando os alunos não construíram uma hipótese alfabética recomenda-se o uso de letra de imprensa maiúscula por serem mais fácil de reconhecer e de grafar. Mas ainda no 1º ano depois de que as crianças já tiverem compreendido funcionamento do SEA, isto é, quando já tiverem construído uma hipótese alfabética, deve-se investir sistematicamente na apresentação de outros tipos de letra, como a de imprensa minúscula e a cursiva maiúscula e minúscula, que são usadas em diferentes gêneros textuais, em diferentes situações sociais de leitura e de escrita[...] ( BRASIL, PNAIC,2012, Ano 2, livreto 3,p.17)

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No dia a dia em sala de aula vemos o quanto é importante para alguns alunos o momento da escrita cursiva, mas para outros isso pode tornar-se um problema. “A letra cursiva é valorizada pelos alunos, sobretudo quando percebem que a conquista do seu registro próprio passa a ser um ganho pessoal, que revela traços identitários.” (Brasil, PNAIC, 2012, Ano 2, livreto 3, p. 30)

Conforme livreto 3 do PNAIC (2012, p.30)

Quanto a esse aspecto, Chartier, Clesse e Hérbrard (1996, p. 20) apontam a apropriação da grafo motricidade como uma aprendizagem pertinente às crianças que se encontram em processo de construção de conhecimentos acerca da escrita alfabética. É preciso lembrar que é fundamental garantir, primeiro, a compreensão da escrita alfabética pelos alunos para, posteriormente, levá-los a reconhecer e a grafar, de forma sistemática, diferentes tipos de letras. Contudo, a apresentação dessa variedade, desde o início do processo de alfabetização, é garantia de uma transição mais tranquila do uso de uma para outra letra.

A heterogeneidade no processo da alfabetização absorve diferentes conhecimentos e diferentes entendimentos. Sobre esta questão, Alexsandro da Silva, afirma que “Os alunos agrupados em uma mesma sala de aula, apesar de ter a mesma idade, ou idades próximas, não aprendem as mesmas coisas, da mesma maneira, e ao mesmo temo, cada aluno é um ser único, é impossível existir uma sala homogênea.” (apud Brasil, PNAIC, 2012,Ano 2,livreto 7, p.6)

As crianças aprendem com o meio onde vivem e é na interação com o outro que descobrem o mundo, por isso “consideramos que a interação entre crianças com diferentes níveis de conhecimento em uma mesma atividade pode ser promotora de aprendizagens diversas.” (Brasil, PNAIC, 2012, Ano 2, livreto 7, p.6).

Vygotsky acredita que aprendizagem é uma experiência social, mediada a partir da interação entre a linguagem e a ação, ou seja, é necessário que o sujeito se aproprie daquilo que ele é capaz de compreender, e vivencie na prática, para que a construção da aprendizagem seja efetiva. Ele introduz no debate o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal que tem oportunizado aos educadores pensar a educação na perspectiva da aprendizagem que gera o desenvolvimento.

O conceito desenvolvido por Vygotsky(1896-1934), de zona do desenvolvimento proximal (ZDP) refere-se à distância entre o nível de

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desenvolvimento real (representado pelo que a criança pode fazer de forma independente) e o nível do desenvolvimento potencial (relativo ao que a criança consegue fazer com a ajuda do outro). (BRASIL, PNAIC, 2012, Ano 2, livreto 7, p. 13)

No processo de alfabetização, espera-se que o aluno ao término do 2º ano consiga ler pequenos textos (poemas, canções, tirinhas) com autonomia. “No entanto, para que o aluno consiga gradativamente ler e produzir textos com autonomia, é necessário que já tenha compreensão do sistema de escrita alfabética SEA e domine a maioria das correspondências som-grafia de nossa língua. (PNAIC 2012, Ano 2, livreto 7, p.6)

Caso essas crianças não consigam desenvolver essas habilidades como se espera neste tempo planejado, então deverão ser aprofundadas ou consolidadas no último ano do ciclo. O PNAIC traz o relato da professora Edjane que evidencia o que ela pensa sobre a exclusão da criança no processo de aprendizagem e o quanto isso interfere na sua autoestima.

[...]eu acho que, quando a criança começa a sentir essa dificuldade e ela vai passando de uma turma pra outra turma, a dificuldade vai se ampliando, ela vai aumentando. Em vez de a gente estar incluindo, a gente está excluindo, porque a criança fica na turma, mas ela não fica bem. Ela sabe que não sabe, ela sabe que tem uma dificuldade muito maior do que as outras. Eu acho isso muito mais prejudicial pra ela, porque o ideal era que, de fato, ela tivesse uma oportunidade de aprendizado num outro momento, no contra-turno, ou em alguma outra situação, num tempo maior, pra que pudesse, de fato, aprender e que o ensino fosse centrado naquilo, naquela dificuldade específica. A gente não consegue dar conta na sala de aula, porque a gente está com uma turma muito grande, vários níveis, e aí a gente não consegue dar conta dessa dimensão. [...] eu estou falando assim, porque eu estou no segundo ano, mas eu já estive no quarto, já estive no quinto, e quando chega no quinto ano e a criança ainda não sabe ler e escrever, é como se ela estivesse desistindo, porque ela diz: ah, eu já passei por tantas turmas e até agora não aprendi, como é que eu vou aprender agora? Então, às vezes, pra fazer ela acreditar nela mesma, de novo, é muito mais difícil. (BRASIL, PNAIC, 2012, Ano 2, livreto 7, p. 14)

Alguns professores defendem a volta da repetência no 1º ano, como forma de evitar que os alunos avancem sem o domínio da leitura e da escrita, mas “o que acontece é que não se defende a aprovação automática, mas sim, o compromisso com as aprendizagens e a construção de conhecimento ao longo do ano escolar e do ciclo.” (Brasil, PNAIC, 2012, livreto 8, p.9).

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Este período do ciclo é destinado à progressão do ensino com o objetivo de não melindrar a criança tornando-a repetente, neste sentido vai se avançando a mesma disponibilizando aulas de reforço em turnos inversos ao das aulas buscando fazer com que essa criança alcance os demais alunos.

Soares (2004, apud Brasil, PNAIC, 2012, livreto 8, p. 9), o que temos vivenciado em relação às práticas de alfabetização em sistemas organizados em ciclos é uma diluição das metas e dos objetivos a serem atingidos ao longo do ciclo inicial, o que fez crescer o número de crianças que concluíam os anos do ciclo de alfabetização sem terem se apropriado da escrita alfabética.

Embora todas as informações sobre formas de mediar situações de aprendizagem estejam disponíveis para qualificar a docência, ainda fica-se sabendo que algumas professoras vão tocando conteúdo para não deixarem as crianças desocupadas para que não baguncem na sala, por isso alguns alunos que não conseguem acompanhar vão ficando para trás em sua aprendizagem. O que se constata é que algumas crianças passam de ano sabendo e outras passam, mas sem entender os conceitos que a cada ano tornam-se mais complexos, fato este que acarreta falta de interesse e muitas chegam ao terceiro ano sem estar alfabetizado ou com dificuldades na escrita e leitura.

Fica evidente que o ciclo de alfabetização não está correspondendo às expectativas no sentido que no final do 3º ano os alunos estejam alfabetizados dominando as correspondências entre letras e grupos de letras e seu valor sonoro de modo a ler e escrever, por conta disso, constatamos que os resultados das avaliações têm revelado um baixo desempenho dos alunos em leitura e com isso o fracasso escolar.

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2.

AFETO, APRENDIZAGEM E ALFABETIZAÇÃO

O tema do afeto na vida da criança é fundamental para o seu desenvolvimento e sua aprendizagem integral, quer na família, na escola ou em outros espaços sociais. A criança vista como sujeito, como pessoa em formação, um ser frágil e não mais como simples objeto do mundo adulto, com direito à vida, à dignidade ao respeito entre outros, é o que está demarcando um campo especial na Constituição Federal de 1988.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,

ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010, p 72)

Igualmente o Estatuto da Criança e do Adolescente4, nos artigos 3 e 4, esclarece a proteção complementar instaurada pela nova doutrina ao afirmar que à criança e ao adolescente são garantidos todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, bem como são sujeitos a proteção integral.

Art.3° A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Oliveira (2009) afirma que a família seria o início da vida de toda criança, protegendo-a, dando-lhe segurança e possibilitando o primeiro contato com o mundo e é onde a criança inicia seu desenvolvimento.

A família é o espaço que deve apresentar condição essencial para o crescimento da criança, de forma saudável em todos os sentidos, pois é nesse ambiente que se encontram as condições sociais e psicológicas que influenciam positiva e negativamente o seu desenvolvimento. (OLIVEIRA, 2009, p. 27)

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Em seu artigo Silveira cita Rodrigues (1976) “que enfatiza que os motivos para o ser humano aprenderem qualquer coisa são profundamente interiores.” E que a criança deve ser tratada como única para que ela aprenda melhor e mais depressa sendo que os “motivos da criança para aprender são os mesmos que ela tem para viver, pois não se dissociam de suas características físicas, motoras, afetivas e psicológicas.” (apud, Silveira, 2014, p 2 ).

Desta forma, o clima afetivo é importante na aprendizagem de uma criança desde o nascimento até a idade escolar, mas, muitas vezes, não é o que acontece tanto nas escolas como na relação intrafamiliar, pois como destaca Deleuze (apud Feil, 2010, p. 11),

Infelizmente nem todas as crianças têm o privilégio de viver num ambiente produtor de desejos, muitas crianças vivem imersas em histórias reais permeadas por questões como violência, drogas fome, sem brinquedos e espaços para brincadeiras, sem livros e nem pessoas dispostas para ler e contar histórias [...].

Num ambiente em que a criança não se sente suficientemente amada, protegida, educada, e que estimule o seu desenvolvimento permeado de afeto (como de regra deveria ser todo convívio familiar), pode resultar um sentimento de revolta, o qual, muitas vezes, pode causar danos para o resto da vida.

Wallon (1995) enfatiza que toda pessoa constitui um sistema específico e ótimo de trocas com o meio. Tal sistema integra suas ações num processo de equilíbrio funcional que envolve motricidade, afeto e cognição. A motivação para aprender surge a medida que a criança busca dominar algo como meio de satisfazer certas necessidades, ser colocada em um ambiente que não lhe desperte medo, mas incentive a explorá-lo ter a sua atenção dirigida a aspectos significativos para si mesma, são elementos que ampliam o sucesso da criança na grande aventura do conhecer. (apud SILVEIRA,2014,p.4)

Seguindo o raciocínio de Silveira (2014), a afetividade e inteligência, mesmo tendo funções definidas e diferentes, são inseparáveis no desenvolvimento psicológico. O cognitivo e o afetivo complementam-se e nas interações há indícios de conflitos e oposições.

Wallon, destaca o conflito eu-outro, característico da fase do personalismo (aproximadamente dos 3 aos 6 anos) e da adolescência, evidenciando que o conflito emocional estimula o desenvolvimento, pois resolvê-lo implica manter

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o equilíbrio entre razão e emoção, o que levará a um maior amadurecimento tanto da afetividade quanto da inteligência. (apud SILVEIRA, 2014, p. 7)

Morin (2000, p.20) adverte que os sentimentos de afeto estão ligados à aprendizagem “O sentimento, a raiva, o amor e a amizade podem-nos cegar. Mas é preciso dizer que já no mundo mamífero e, sobretudo, no mundo humano, o desenvolvimento da inteligência é inseparável do mundo da afetividade”.

Portanto, há uma estreita relação entre o intelecto e a emoção, e a capacidade de raciocínio podem ser diminuídas pela ausência de afeto. [...] “Há estreita relação entre inteligência e afetividade: a faculdade de raciocinar pode ser diminuída, ou mesmo destruída, pelo déficit de emoção” (Morin,2000, p.20)

Wallon (1995) desenvolveu seus estudos sobre afetividade numa perspectiva histórico-cultural, afirmando em sua teoria da Psicogênese da Pessoa Completa, que a dimensão afetiva, ao longo de todo o desenvolvimento do indivíduo, tem um papel fundamental para a construção da pessoa e do conhecimento. Foi também o primeiro teórico a abordar especificamente as emoções dentro da sala de aula, e ver os conflitos com uma visão positiva, assim como pontuar questões referentes à importância dos movimentos corporais da criança neste contexto.

Segundo Wallon,

O afeto é essencial para todo o funcionamento do nosso corpo nos dando coragem, motivação, interesse, e contribuindo para nosso desenvolvimento. E é pelas sensações que o afeto nos proporciona que sabemos quando algo é verdadeiro ou não. Principalmente para a criança o afeto é importantíssimo, pois ela precisa sentir-se segura para poder desenvolver seu aprendizado, e é necessário que o professor tenha consciência de como seus atos são extremamente significativos nesse processo, porque essa relação aluno-professor é permeada de afeto, e as emoções são estruturantes da inteligência do indivíduo. (WALLON, 1995, p.5)

Com Wallon (apud, Mahoney & Almeida,2005, p.22), aprendi que cada estágio é considerado como um sistema completo em si, isto é, a sua configuração e o seu funcionamento revelam a presença de todos os componentes que constituem a pessoa. Como a criança chega ao adulto, do ponto de vista afetivo. Desta forma, a dimensão temporal do desenvolvimento, que vai do nascimento até a morte, está

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distribuída em estágios que expressam características da espécie e cujo conteúdo será determinado histórica e culturalmente.

Para o autor (Wallon 1995, apud, Mahoney & Almeida, 2005, p.22), o processo ensino-aprendizagem, no que tange à afetividade, se revela pela disposição do professor de oferecer diversidade de situações, espaço, para que todos os alunos possam participar igualmente e pela sua disposição de responder às constantes e insistentes indagações na busca de conhecer o mundo exterior, e assim facilitar para o aluno a sua diferenciação em relação aos objetos.

O sujeito se constitui passando por diversos estágios, mas é no 4º estágio que focarei a atenção. Esse estágio, segundo Wallon é o categorial (6 a 11 anos), pois nele a criança percebe a diferença entre o eu e o outro e começa a explorar o mundo externo e uma compreensão mais nítida sobre si mesma. O mesmo coincide com o início do período escolar, as aprendizagens e a criança fazem descoberta de diferenças e semelhanças entre objetos, imagens e ideias. O predomínio é da razão a qual possibilita expressar em representações claras, precisas, que se transformarão, com o tempo em conceitos e princípios. “Levar ou não em consideração o que o aluno já sabe o que precisa saber para dominar certas ideias, os exercícios necessários, formas de avaliação, revelam sentimentos e valores e favorecem ou não essa descoberta do mundo”.(Wallon apud, Mahoney & Almeida, 2005, p.23).

Vygotsky e Wallon (1992), afirmam que a relação afetividade-inteligência possui um caráter social e fundamental para todo o processo de desenvolvimento do ser humano. E cabe ao educador integrar o que amamos com o que pensamos, trabalhando razão e emoção. De modo que todo indivíduo tenha condições de usar tanto a razão quanto os sentimentos, e aprenda a conhecer-se a si mesmo e a seus semelhantes. (apud Silveira,2014, p.10).

Pela mesma razão, a relação tanto familiar como profissional, devem ser permeadas de afeto, pois a emoção e os sentimentos de alegria ou tristeza influenciam no aprendizado do ser humano.

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Por conseguinte, considerando que o educador é muitas vezes visto como um exemplo a ser seguido, este pode estimular a aprendizagem no educando ou deixá-lo à própria sorte como afirma Freire “Às vezes, mal se imagina o que pode passar a representar na vida de um aluno um simples gesto do professor. O que pode um gesto aparentemente insignificante valer como força formadora ou como contribuição à do educando por si mesmo.” (Freire, 2002, p.19).

Sendo assim,

Nenhuma formação docente verdadeira pode fazer-se alheada, de um lado, do exercício da criatividade que implica a promoção da curiosidade ingênua à curiosidade epistemológica, e do outro, sem o reconhecimento do valor das emoções, da sensibilidade, da afetividade, da intuição ou adivinhação. (FREIRE,2002, p.20)

Em suma, é através da afetividade que o professor pode orientar os educandos sem ser autoritário criando possibilidades para a sua construção, pois como nos ensina Freire,

O meu bom senso que me adverte de que exercer a minha autoridade de professor na classe, tomando decisões, orientando atividades, estabelecendo tarefas, cobrando a produção individual e coletiva no grupo não é sinal de autoritarismo de minha parte, é a minha autoridade cumprindo o seu dever. (FREIRE, 2002, p.25)

Para Petrovski (1985, p. 298), “a realização exitosa de uma série de ações provoca no indivíduo uma sensação de segurança. Cada realização feliz de uma ação volitiva abre e facilita involuntariamente o caminho para a execução de novas ações volitivas”. Neste contexto, o método usado pelo educador deve favorecer a realização das atividades pela criança para que ela sinta-se motivada a participar e produzir e, desta forma, não sentir-se frustrada em não obter resultados na sua aprendizagem.

E não sendo possível separar os processos intelectuais e afetivos faz-se necessário estabelecer um vínculo que direcione a atenção do aluno ao objeto do conhecimento. “O processo pedagógico é motivador quando faz sentido para ele, como uma resposta a sua necessidade de compreender melhor sua vida e a vida em sua sociedade.” (Eidt &Tuleski, 2010, p.141).

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Do mesmo modo, o sentimento de afeto é importante para todo o funcionamento do corpo humano dando coragem, motivação, interesse e contribuindo para o seu desenvolvimento. Por meio da afetividade que sabemos o quanto somos amados e respeitados na nossa singularidade, e para a criança a sensação de afeto é considerável para que ela sinta segurança no meio social em que vive sendo assim “é necessário que o professor tenha consciência de como seus atos são extremamente significativos nesse processo, porque essa relação aluno-professor é permeada de afeto, e as emoções são estruturantes da inteligência do indivíduo.” (Wallon, 1995, apud, Silveira, 2014, p.4).

O papel do professor é ser mediador do conhecimento. Queira ou não, ele é um modelo na sua forma de expressar valores, resolver conflitos, comunicar-se; na forma de ouvir, falar e de relacionar-se com os outros professores e com os alunos. Em suas reflexões, Silveira, analisando as contribuições de Wallon, afirma que

[...] a forma como o professor se relaciona com o aluno se reflete nas relações do aluno com o conhecimento e na relação aluno-aluno. Nessa relação há um antagonismo entre emoção e atividade intelectual que Wallon chama de antagonismo de bloqueio, ele também diz que quando não são satisfeitas as necessidades afetivas, estas resultam em barreiras para o processo ensino-aprendizagem e, portanto, para o desenvolvimento, tanto do aluno como do professor e que esses conflitos são essenciais ao desenvolvimento da personalidade (SILVEIRA, 2014, p.7)

Silveira analisa que o medo, a angústia, a ansiedade e a frustração são sentimentos que desgastam o aluno, e que a serenidade e a tranquilidade dos professores auxiliam na redução, ou até eliminação, desses sentimentos desagregadores, que Dantas chama de “destravamento” da atividade cognitiva (Dantas, 1994, apud, Silveira, 2014, p.7).

Silveira (2014) evidencia que mesmo que os professores no estresse do dia a dia e esgotamentos causados pelo deslocamento de uma escola para outra, queixas de baixos salários, entre outros fatores, não devem deixar transparecer ao aluno a sua frustração como educador, pois o ambiente escolar deve ser motivo de orgulho, de pertença, de oportunidades e construção de conhecimento, e quando o educador deixa de lado o afeto, a ludicidade, está deixando de lado também o aluno. Poderia

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se dizer que se a criança nota que o professor desistiu dele, também desiste de si mesma.

Do exposto, pode-se afirmar que o ambiente em sala de aula deve ser motivador, afetuoso, lúdico onde todos os alunos sintam-se confortáveis e confiantes para que seu aprendizado seja pleno e as suas habilidades cognitivas despertadas.

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3.

TDAH: MEDICAR OU DIALOGAR

Ao tomar conhecimento que o menino em questão havia sido encaminhado à consulta ao especialista por motivo de não aprendizagem e que passara a tomar os medicamentos receitados pelo especialista, pois teria sido diagnosticado como déficit de atenção, e, que no parecer de sua professora constava que tinha pouco interesse e esforço em aprender, e tinha dificuldades na ortografia distraindo-se frequentemente em sala de aula, procurei conhecer sobre o assunto TDAH, pois havia mais crianças no bairro fazendo uso da mesma medicação e com o mesmo diagnóstico.

O Transtorno de Déficit de Atenção/hiperatividade é um nome usado atualmente para um transtorno mental de início na infância que tem referência na literatura médica desde o século XIX. (2006, p. 141).

Um dos aspectos mais inquietantes do TDAH para os pais e que ele evolui com o crescimento da criança.

O que funcionou aos 6 anos pode não funcionar com a idade de 16. Até 80% das crianças em idade escolar com diagnostico de TDAH continuarão a ter a doença na adolescência, e entre 30 e 65% continuarão a apresentá-lo na vida adulta, dependendo de como o transtorno e definido em cada caso particular. (Barkley, 2002, p.105, grifos Eidt e Tulesk, 2010, p.125).

Conforme VICTOR (2006), o Transtorno de Déficit de Atenção (TDAH) no estado atual gera conflitos, pois o debate sobre a questão transcende os limites estreitos dos consultórios e repercute na família, na escola, e na cultura de um modo geral, sugere-se que estejamos no meio de uma epidemia.

Victor menciona o quanto a nossa sociedade nos impõe regras e torna-se intolerante com quem não se enquadra no sistema chamado normal e de como a medicina interfere nesse quadro. “Sendo a medicina a guardiã tradicional da saúde e, geralmente, também dos bons costumes tende a ser adaptativa e conservadora, nada revolucionária.” (VICTOR, 2006, p.143).

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Desta forma na atualidade há um abrandamento cultural para prescrição de medicação para as crianças, cada vez mais a dificuldade de aprendizagem da criança vem sendo tratada como doença, pois isso tira a responsabilidade dos pais e educadores passando a responsabilidade para a criança.

Como já afirmava Eidt, em 2004

No contexto escolar, a hiperatividade e/ou déficit de atenção apresenta-se como justificativa corrente para o fracasso escolar de um número expressivo de crianças, atribuindo-se a elas a responsabilidade por não aprender e isentando de análise o contexto escolar e social em que estão inseridas (EIDT, 2004, apud EIDT E TULESKI, p.122,2010).

Em artigo de Eidt e Tuleski (2010, p.122) o psiquiatra infantil Juan Vasen (apud Isaías, 2007) diz que “toda criança que apresenta dificuldades de atenção, que é hiperativa ou impulsiva, pode ser englobada na classe de TDAH. E passa a ser TDAH”. Para ele, essa classificação tornou-se um “balaio de gatos”, pois existe uma forte tendência a homogeneizar, ao invés de identificar. “Por trás dessas crianças que se portam mal pode haver situações de disputa, violência doméstica, mudanças, divórcios. E, em lugar de indagar sobre o problema, de interpretá-lo, de analisá-lo, este é dissimulado por comprimidos”.

Neste contexto, enxergamos nos comprimidos uma solução miraculosa para o indivíduo que sofre de falta de atenção e hiperatividade, e, desta forma, cresce a procura pelos tratamentos químicos ao invés de ouvirmos nossas crianças.

E como afirma Isaias,

“[...] às voltas com um estilo de vida hiperativo, nos, adultos, temos poucas oportunidades de dar atenção às nossas crianças e jovens: filhos, alunos, pacientes”. (ISAIAS 2007, apud, EIDT E TULESK, 2010, p. 128)

O TDAH é descrito como dificuldades para processar e mediar adequadamente a enorme quantidade de estímulos e impulsos que atravessamos no campo da percepção e da atenção dos indivíduos e dos grupos. Segundo Isaias

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essas dificuldades não tem a ver justamente com um estilo cognitivo de conduta, com uma maneira de se relacionar com o mundo e de conhecê-lo, produzida pela mesma sociedade midiática e consumista na qual se encontram imersas as crianças de hoje? Por que então supor que elas padeçam de um déficit de caráter genético ou neurológico? Estaremos medicando uma enfermidade nas crianças que nos mesmos, como sociedade, causamos a elas? A impaciência por resultados e o rápido abandono diante do fracasso, a distração, a hiperatividade, a falta de escuta cuidadosa, o excesso de ruído não são, nesse caso, evidencias de uma aprendizagem social bem-sucedida por parte das crianças? (ISAÍAS, 2007, tradução de EIDT E TULESKI, 2010)

Nesse sentido, penso que se a criança não consegue aprender, se apropriar do conhecimento e logo é tratada como sujeito com déficit de aprendizagem, muitas vezes é o contexto social em que ela vive que se transforma no causador de inúmeras reações biológicas que afetam o seu desempenho escolar, os maus tratos psicológicos seguidos pela falta de afeto contribuem para que haja uma desmotivação para o estudo e, consequentemente, para a vida. Em observações em sala de aula constatamos que as crianças quando não conseguem acompanhar os colegas ficam enciumados e agitados e fazem de tudo para chamar a atenção, desta forma o chamam de hiperativo.

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4. EXPERIÊNCIA DE ALFABETIZAÇÃO PAUTADA NO AFETO

O aprofundamento dos estudos sobre alfabetização e letramento, afeto e medicalização para Transtorno de Déficit de Atenção (TDAH) surgiram quando decidi contribuir na aprendizagem da leitura e da escrita de um menino que já estava no terceiro ano do ensino fundamental e ainda não conseguia ler e escrever como o esperado para quatro anos de escolarização. A decisão foi emotiva e, mesmo sem experiência com classe de alfabetização, somente estágio curricular, saí em busca de métodos de ensino. Confesso que, apesar de ter estudado sobre o tema, as tentativas que realizei (muitas vezes frustradas por falta de ter exercido docência e, principalmente por ter constatado o baixo grau de autoestima do menino por estar desacreditado dele mesmo) deram-me incentivos para buscar mais e de fato contribuir na sua aprendizagem. Estava motivada e desafiada.

Essa história começa num domingo à tarde no ano de 2014 quando dois meninos vizinhos5 vieram à minha casa e eu6 peguei a apostila de língua de sinais e perguntei se eles gostariam de aprender libras. Disseram que sim, então pedi que lessem e depois faríamos o sinal. L, que tem sete anos e está no segundo ano, prontamente leu a palavra corretamente, mas o J. não quis ler ficou encabulado e disse:

J-Ah, vamos brincar de outra coisa. C-Tenta, J., lê.

L- Que burro!

Ele baixou a cabeça e eu entendi que ele não sabia ler, então sugeri que o L. lesse e nos faríamos o sinal, pois notei que o J. tinha facilidade em fazer o sinal.

5Não usarei os nomes dos meninos para proteger a sua integridade, usarei a letra inicial L para identificar o menino

que conseguiu ler e a letra J para o menino que não conseguiu ler e com o qual desenvolvi este estudo.

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Quando ficamos a sós eu perguntei se ele gostaria que eu o ensinasse a ler, ele falou que sim, mas quando pedi que lesse outra palavra ele falou: J.- Eu não sei. Senti em sua fala uma profunda tristeza misturada com vergonha. Falei para ele: “Tenta, se você errar não faz mal, nós vamos te ensinar.” Meu marido complementou: “R. - Não precisa ter medo de errar.”

Mas, antes de prosseguir, é necessário contar que esse menino já havia sofrido

bulyng quando estava na educação infantil. Sua mãe havia lhe tirado da escola em

que ele estava porque ficaria mais fácil levá-lo na escolinha onde ela trabalhava, pois era disponibilizada vaga aos funcionários. Tudo ia bem à nova escola até que um dia sem mais nem menos o J. não queria ir mais à escola e chorava cada vez que era deixado pela sua mãe. Ela estranhando o fato começou a indagar o menino dos motivos que o levavam a não querer mais ir à escola. Soube que, na percepção da criança,

J.- Mãe, a professora não gosta de mim, ela me chacoalhou e disse que eu não pertenço àquela escola, que é pra mim voltar pra escola de onde eu vim, que é pra mim falá pra senhora que não gosto da escola e que quero voltar pra outra.

É uma situação que, no meu entender, prejudicou o menino, pois alguém havia lhe dito que ele não era ninguém, que não fazia parte do lugar. Às vezes uma simples palavra pode erguer o sujeito ou derrubá-lo. E, pensando nisso, cito novamente Paulo Freire (2002, p.19) que alerta: “Às vezes, mal se imagina o que pode passar a representar na vida de um aluno um simples gesto do professor. O que pode um gesto aparentemente insignificante valer como força formadora ou como contribuição à do educando por si mesmo”.

Voltando à experiência que foi desenvolvida com J, certo dia escolhi a história Os três lobinhos e o Porco Mau, de Eugene Trivizas e Helen Oxembury, e pedi que lesse comigo. Ele ia soletrando algumas letras como (m), (a), mas, na maior parte do tempo, eu lia e ele acompanhava porque não conseguia ler sozinho. Ficamos lendo aquela enorme história até sentirmos cansaço. Notei que ele conhecia as letras, mas não conseguia juntá-las, então resolvemos parar a leitura.

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Segui intrigada e pensei: o que eu faço? Fui falar com a mãe dele e disse-lhe que tínhamos que ensiná-lo a ler, senão J. repetiria de ano, pois no terceiro ano já reprovava, então descobri que ela já havia reprovado no ano passado e estava repetindo o ano. Levei um choque, como não sabia isso? Sempre ouvia ela comentando que J. ia mal nos estudos, mas não sabia que era assim.

No final de semana seguinte pedi que J. lesse um livro que tinha um texto sobre animais. Fomos lendo devagar e, ao final da palavra cobra (soletrada co-bra) pedi que lesse novamente. Quando terminou ele repetiu com um olhar de surpresa e sorrindo e disse a palavra sem soletrar. Percebeu que juntando aquelas sílabas ele havia formado a palavra cobra. Foi uma emoção, pois usou a memória e fez uma descoberta.

Nas práticas que desenvolvíamos, percebi que ele ficava muito inquieto na cadeira, mas não chamava a sua atenção, costumava colocar o braço esticado na frente pra que eu não visse ele escrevendo, então eu falava com suavidade: “- Não precisa colocar o braço J. eu vou olhar depois, se você errar nós vamos acertar.”

Comecei a fazer ditados com ele. E, ao entregar para eu ler, dizia: “J.- Ah, eu já sei que errei!”

Cagliari (1999) afirma que não se aprende fazendo ditados, mas o ditado servia para detectar o quanto ele já sabia ou lembrava-se do que havíamos estudado. Notei que a todo o momento ele se colocava como se nunca fosse aprender, pois sua autoestima estava muito baixa.

Quando fizemos a primeira leitura, notei que não diferenciava as letras p-b- d- q, também não sabia dar nome a elas, mas reconhecia as demais letras do alfabeto, mas tinha dificuldade em juntá-las.Com o intuito de sanar esta dificuldade, escrevi as letras e expliquei:

C. - A letra p, tem esse risquinho que passa a linha do caderno e a bolinha fica em cima no final do risquinho em cima da linha, o b tem o risquinho e a bolinha fica no lado debaixo no risco na tua direita e todo ele é em cima da linha. O d também é em cima da linha e a bolinha é pro lado esquerdo. À

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medida que ia escrevendo eu ia mostrando o seu lado esquerdo e direito, pois ele não dominava noções de lateralidade.

Como integro o grupo de bolsistas do subprojeto de Pedagogia do PIBID7 e estudamos a legislação referente aos anos iniciais do ensino fundamental de nove anos, bem como o material usado no PNAIC, lembrei-me que havia lido sobre esse assunto no caderno do PNAIC e quis saber o porquê isso acontece para.

Segundo estudos do PNAIC (Brasil, PNAIC, 2012, Unidade 3, p. 11), o processo de apropriação do SEA envolve, além da compreensão, pelos aprendizes, de distintas propriedades conceituais (o que a escrita nota e como), a memorização de algumas convenções, como a de que, em nossa língua, escrevemos, geralmente, de cima para baixo e da esquerda para a direita. Morais (apud Brasil, PNAIC 2012, p. 51), ao teorizar sobre as propriedades conceituais e convenções, afirma que: as letras têm formato fixo e pequenas variações produzem mudanças em sua identidade (p, q, b, d), embora uma letra assuma formatos variados (p,q,b,d).

Esta retomada deu-me segurança para continuar desenvolvendo a prática e buscando referências teóricas e metodológicas. A incerteza me causava angústia, pois havia aprendido que deveríamos usar palavras inteiras e não silabas para alfabetizar e eu havia aprendido pelas sílabas quando fui alfabetizada. Então, numa tarde, lendo uma apostila de uma colega, li que não devíamos ter preconceito com as sílabas, e pensei: vou tentar.

No próximo encontro com J., disse-lhe que ia ensiná-lo a juntar as vogais somente, mas antes fiz com que ele escrevesse o alfabeto inteiro, e expliquei que entre elas tinham as vogais que eram: a, e, i, o, u. e que iríamos formar pequenas palavras apenas com elas. Expliquei então que (ai) é quando você se machuca, (ei) quando chama alguém (ui) também quando se machuca, (ou) é quando você fala tu vai lá em casa (ou) eu vou na tua?

7Integro o subprojeto Docência: formação acadêmica e experiência compartilhada nos anos iniciais do ensino

fundamental, pelo PIBID/UNIJUI (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência, mantido pelo Ministério da Educação- Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul), com apoio financeiro da CAPES -Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, edital. Nº 061/2013.

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Notei que ele percebeu que as letras têm significado com os sons que fizemos e com isso ficou repetindo as vogais-vogais como se estivesse meditando sobre elas, neste sentido “a criança compreende que se escreve com base em uma correspondência entre sons menores que as silabas (fonemas) e grafemas.” (Brasil, PNAIC, 2012, ano 2, livreto 3, p 8).

No outro dia, ele trouxe da escola um livro, fizemos a leitura juntos e, após, um ditado. Nesta ocasião, constatei que ele não completava com o R no fim da palavra, e não conseguia soletrar o (R), e quando era (L), por exemplo, em final, ele escrevia (finao) Por esta razão, solicitei que pronunciasse a palavra oralmente, para que pudesse se ouvir e perceber a posição da língua.

O que eu percebia nos momentos desta prática era que J. não tinha a compreensão sonora das silabas e por isso não compreendia a escrita. Então, nas reuniões do PIBID, conversei com a professora coordenadora do subprojeto da Pedagogia sobre o processo do J e o que estava propondo a ele. Ela orientou-me a fazer um ditado temático com palavras que continham diferente número de sílabas e também uma frase para sabermos em que nível da psicogênese da escrita J. se encontrava, pois a partir deste conhecimento seria possível propor situações de aprendizagem da escrita e da leitura.

Consta no caderno na unidade três (3) do PNAIC que para compreensão do sistema de escrita alfabética e a consolidação da alfabetização, é importante o desenvolvimento das habilidades de reflexão fonológica no processo de apropriação e consolidação da aprendizagem da correspondência som-grafia.

Segundo a psicogênese da escrita,

Na hipótese pré-silábica: a criança ainda não compreende que existe relação entre a escrita e a pauta sonora, podendo usar letras, pseudoletras, números, rabiscos e desenhos, e na hipótese silábica a criança estabelece uma correspondência entre a quantidade de letras utilizadas e a quantidades de silabas orais das palavras, podendo usar letras com ou sem valor sonoro convencional; no entanto, na hipótese silábica-alfabética, a criança começa aperceber que uma única letra não é suficiente para registrar as silabas, estabelece relação entre fonema e grafema; e, por fim, na hipótese alfabética, a criança compreende que se escreve com base em uma correspondência

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entre sons menores que as silabas ( fonemas) e (grafemas).( BRASIL, PNAIC,2012,Ano 2, livreto 3,p. 8)

Fiz o ditado e a professora ajudou-me na análise. J. era alfabético, mas não ortográfico. A professora sugeriu ler histórias para ele, pedir que recontasse e escrevesse do seu jeito, anotar e refletir sobre o que J. evidenciava em termos de escrita.

Continuamos os estudos. Eu pedia para que ele copiasse uma parte da história, mas ele se mostrava meio desanimado, parecia que sem vontade e parecia que o que ele havia construído num dia no outro desconstruía. Eu ficava desapontada e pensava: como pode ele não se lembrar do que fizemos ontem, se ele leu ontem porque hoje não consegue?

Novamente procurei a professora e expliquei a situação, falei-lhe do meu despontamento, perguntei o que fazer quando você explica e a criança entende, lê e, no dia seguinte, já não sabe mais. Será que realmente não conseguiríamos?

No entanto, a professora disse que se é processo a criança precisa praticar a leitura e a escrita e que a aprendizagem da ortografia não se dá de uma hora para outra, pois a criança erra porque pensa e precisa entender como a escrita funciona daí internaliza e usa a convenção. Isso me confortou e deu-me esperanças. Procurei a mãe de J. e comuniquei o que estava acontecendo e que J. estava aprendendo. Ela também trouxe boas notícias, disse-me:

Mãe: -C., eu ia te chamar esses dias pra te falar que eu tô bem contente, porque a professora fez um exercício que tinha uma frase e daí era pra ele completar com o nome da figura e ele escreveu sanduíche (sadce), “do jeito dele”, mas dava pra entender. Antes era só risco.

Quando iniciei as leituras com J. sua escrita cursiva era conforme aparece abaixo, mas quando solicitava que lesse, não entendia o que tinha escrito.

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Pelo que se pode observar, ele escreve às vezes de modo ilegível e outras vezes alfabeticamente e também ortograficamente, mas não conseguia ler ou escrever com autonomia palavras. Continuamos fazendo leituras e ditados, trabalhamos consoantes e encontros consonantais (lh, ç,br, pr, ). Ele escreveu (bicare), brincar e (peto), preto.

Notava progressos. Um dia ele pediu-me: “-C, faz um ditado, mas coloca nota!”

Constatei que já estava se sentindo mais confiante, então fiz o ditado, mas escolhi

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que, consequentemente, acertasse e isso o estimulasse a querer estudar mais. Ele acertou sete de dez. Tirou setenta e ele sorriu quando eu falei com entusiasmo: “-Nossa você acertou sete e só não acertou mais porque você “esqueceu” de colocar essa letrinha!”

Certa ocasião, pedi que me trouxesse o seu caderno da escola. Nele havia um texto com um questionário e verifiquei que J havia marcado erradas as respostas das questões. Li o texto para ele e fiz as questões oralmente. J. respondeu corretamente, conclui então que possuía facilidade em interpretação de texto, mas não respondeu corretamente porque não sabia ler.

Na continuidade dos estudos, resolvi propor a escrita de frases. Eu ditava e ele escrevia, procurei usar nome de pessoas do convívio dele, então formulava frase simples como: João foi levar o tapete para lavar. Ele ainda tinha muita dificuldade em usar consoante-consoante-vogal, e continuava omitindo letras por exemplo, tapete (tapt).

Voltei a conversar com a professora do PIBID sobre J. e ela sugeriu que organizasse uma situação de aprendizagem de produção textual. Indicou a história Brinquedos, de André Neves, porque a mesma não possui texto verbal e possibilitaria que J. lesse as imagens e desenvolvesse seu próprio texto. Ela sugeriu, ainda, que eu solicitasse que ele escrevesse usando a letra palito, pois intuía que um dos problemas poderia ser a letra cursiva e para saber em que momento da aprendizagem da escrita e da leitura J. se encontrava.

Mostrei a história usando a versão digital e pedi para que escrevesse como entendia a história, primeiro usando letra cursiva e, depois a letra palito.

Referências

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