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A padronização da beleza como imposição social e sua relação com o feminino

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IJUÍ, DEZEMBRO, 2018 FABIELI DA SILVA SOUZA

A PADRONIZAÇÃO DA BELEZA COMO IMPOSIÇÃO SOCIAL E SUA RELAÇÃO COM O FEMININO

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IJUÍ, DEZEMBRO, 2018

A PADRONIZAÇÃO DA BELEZA COMO IMPOSIÇÃO SOCIAL E SUA RELAÇÃO COM O FEMININO

FABIELI DA SILVA SOUZA

Orientador (a): Professora Dra. LálaCatarinaLenzi Nodari

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Psicologia como requisito parcial para obtenção do título de Psicólogo junto ao Departamento de Humanidades e Educação - DHE da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI.

UNIJUI

DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO- DHE CURSO DE PSICOLOGIA

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Aos meus pais, por embarcarem neste sonho comigo e por me ampararem em todos os momentos, sem vocês talvez não fosse possível.

Aos meus avós maternos, por todo o apoio e carinho, por acreditarem e apostarem em mim desde o início dessa jornada.

Ao meu namorado, pela compreensão e paciência, mas principalmente por ter sido meu refúgio diante das adversidades, me cercando de amor, carinho e incentivo. Ao Bento, meu sobrinho e afilhado, por trazer tanta alegria desde o primeiro segundo que descobrimos tua existência.

Aos amigos que conquistei durante esta caminhada, por serem amparo, e estarem presentes nos momentos tristes e felizes.

Aos professores, supervisores de estágio, e à minha orientadora por todo o conhecimento transmitido.

Por fim, mas não menos importante, agradeço a todos aqueles que não mencionei e que direta ou indiretamente fizeram parte deste percurso, me incentivando e transmitindo força.

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O presente trabalho tem como tema central refletir sobre a padronização da beleza no cenário atual e entender a sua relação com a mulher, pois o padrão de beleza recai principalmente sobre o feminino, e o número crescente de mulheres que buscam o ideal de beleza sem medir esforços justifica a relevância de se pensar sobre o tema. Dessa forma, procuramos compreender as possíveis causas que levam as mulheres a se submeterem aos padrões de beleza, desse modo, investigou-se sobre o papel da cultura, da sociedade e da mídia, considerando que atualmente na nossa cultura o corpo da mulher é enaltecido pela mídia e pelo social, tornando as mulheres refém da indústria do consumo na busca incessante do ideal de beleza. Com base no referencial psicanalítico compreende-se como se dá a constituição do corpo e da sua imagem.

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INTRODUÇÃO ... 5

CAPÍTULO I: CONSIDERAÇÕES ACERCA DA CONSTITUIÇÃO DOS PADRÕES DE BELEZA FEMININOS...7

1.1 Papel da cultura e da sociedade na padronização da beleza...7

1.2 A mídia e o capitalismo como influência sobre o padrão de beleza...12

CAPÍTULO II: O CORPO E O SOFRIMENTO PSÍQUICO...22

2.1 A busca feminina pelo padrão de beleza...22

2.2 Sobre a constituição do corpo e da imagem...26

CONCLUSÃO ... 34

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INTRODUÇÃO

Considerando que a existência de padrões de beleza vem de outras épocas e que permanece em evidência na contemporaneidade, o trabalho ora proposto tem como tema principal a problemática que envolve os padrões de beleza, visto que o atual cenário social enaltece um determinado ideal de beleza, ocupando lugar de destaque principalmente no universo feminino.

As formas do corpo e a grande diversidade de meios e procedimentos para modificá-lo são temas que fazem parte do discurso e imaginário das mulheres, que passam a se preocupar com questões estéticas, levando as mesmas a refletir sobre seu próprio corpo, comparando-o com imagens alheias.

A presente pesquisa busca compreender as possíveis causas que levam as mulheres a se submeterem aos padrões de beleza, sendo este o objetivo geral. O estudo deste tema se justifica pelo notável aumento de mulheres na busca pelo ideal de beleza, de forma que elas não medem esforços para alcançar, acreditando em vários procedimentos, profissionais e produtos que prometem a desejada beleza. Essa busca desenfreada pode proporcionar inúmeros riscos à saúde, tanto física quanto psicológica, pois o padrão de beleza imposto é inatingível para a maioria das mulheres.

Neste sentido, os objetivos específicos são: identificar o papel da cultura e da sociedade sobre os padrões de beleza; analisar a influência da mídia e do capitalismo na padronização da beleza feminina; apontar algumas formas que a mulher busca para corresponder ao ideal de beleza. E apresentar a constituição do corpo e da imagem através da teoria psicanalítica.

A presente proposta de estudo é, sobretudo, de cunho teórico, ou seja, baseada em uma pesquisa bibliográfica. Realizada através de estudos e do entendimento de conceitos e teorias implicados com a temática.

A pesquisa divide-se em dois capítulos. O primeiro destinou-se a tratar sobre o papel da cultura e da sociedade, e para isso abordamos o conceito de cultura, e a forma como essa e a sociedade formam e influenciam os padrões de beleza; em seguida abordamos a questão da mídia e do capitalismo sobre os padrões de

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beleza, trazendo primeiramente um pouco da evolução da mídia até o momento atual, para pensarmos na influencia que a mídia exerce sobre a sociedade, tendo como foco principal a mulher.

Quanto ao segundo capítulo, aborda a busca da mulher pelo ideal de beleza, trazendo alguns meios utilizados pelas mulheres para obter o padrão imposto, assim como se ocupa em abordar o sofrimento psíquico da mulher diante dessa problemática. Em seguida, destina-se a abordar a constituição do corpo e da imagem, e para isso utilizou-se a teoria psicanalítica, trazendo conceitos importantes como narcisismo, Estádio do Espelho e o Complexo de Édipo.

Este tema deve ser aprofundado por estudantes e profissionais de psicologia, uma vez que a preocupação com a estética vem aumentando em nossa cultura, fazendo a mulher refém da estetização e insatisfeita com a própria imagem. Deve-se, portanto, pensar a relação da mulher com os padrões de beleza.

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CAPÍTULO I: CONSIDERAÇÕES ACERCA DA CONSTITUIÇÃO DOS PADRÕES DE BELEZA FEMININOS

“O corpo (...) se tornou um sintoma da cultura, isto é, o corpo virou uma ancoragem entre o gozo e os imperativos da vida em sociedade”.1

1.1 Papel da cultura e da sociedade na padronização da beleza

Primeiramente é importante entendermos o que é cultura, de modo que a seguir possamos compreender qual o seu papel na construção dos padrões de beleza existentes. Sendo assim “a ideia de cultura foi cunhada e batizada no terceiro quartel do século XVIII como termo sintético para designar a administração do pensamento e do comportamento humanos.”. (BAUMAN, 1925, p.71).

A cultura fornece significados de diversos aspectos, dando sentido a tudo aquilo que cerca um indivíduo, ou seja, o mundo ao seu redor, que dessa forma passam a ser operacionalizados por uma sociedade. Segundo Sidekun (2006) a cultura:

Trata-se de símbolos, conhecimentos, crenças, artes, mercadorias e principalmente inclui de maneira substancial o conjunto de práticas codificadas em modelos e comportamentos, de moral, leis, costumes e rituais. (p.109).

Podemos dizer que a cultura é a autoafirmação do que somos e do que devemos ser, ou seja, ela regula a nossa vida social. Sendo assim a cultura é a identidade de uma sociedade, que passa de geração à geração e é construída pelos próprios indivíduos. Desse modo:

Em termos gerais, a transmissão cultural é um processo evolucionário razoavelmente comum que permite que cada organismo poupe muito tempo e esforço, para não falar de riscos, na exploração do conhecimento e das habilidades já existentes dos co-específicos. (TOMASELLO, 2003, p.5).

O homem precisa dar significado ao seu mundo e aos valores que acredita. Significados estes, que são compartilhados e construídos no decorrer do tempo, isso é o que chamamos de cultura.

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Freud em O futuro de uma ilusão, escrito em 1927 nos trás o termo civilização sem distinção do termo cultura, Para ele a cultura:

Inclui todo o conhecimento e capacidade que o homem adquiriu com o fim de controlar as forças da natureza e extrair a riqueza desta para a satisfação das necessidades humanas; por outro, inclui todos os regulamentos necessários para ajustar as relações dos homens uns com os outros e, especialmente, a distribuição da riqueza disponível. (FREUD, 1927, p.16).

Dessa forma, a cultura é o que permite a vida em sociedade, pois ela modifica o meio, de forma que, os indivíduos pertencentes a este meio ajam conforme as leis, crenças e comportamentos formados e transmitidos através da cultura. “Assim, a cultura é o modo de viver de um povo.” (SIDEKUN, 2006, p.105).

A cultura se apresenta conforme Ratzinger (2007, p.59) como “a forma de expressão comunitária, desenvolvida historicamente, que marca com seu cunho os conhecimentos e valores da vida de uma comunidade”.

Segundo Bauman “O termo “cultura” entrou no vocabulário moderno como uma declaração de intenções, o nome de uma missão a ser empreendida”. (1925, p.13). Sendo assim na contemporaneidade, a cultura se apresenta como formadora de comportamentos.

Na atual cultura, considera-se que a felicidade e a beleza estão interligadas, e passam a ser uma imposição com a consolidação do regime capitalista, deixando de ser uma possibilidade e transformando-se numa obrigação a ser cumprida.

Nessa construção cultural da atualidade, a beleza está posta como fenômeno. O belo passa a ser exigência da cultura contemporânea, como forma de reconhecimento, ou seja, para ser reconhecido socialmente é preciso beleza.

Cabe ressaltar que a definição do que é ser belo, e a idealização do corpo feminino, se modificam conforme o tempo e o lugar, pois os padrões estéticos variam de uma cultura à outra. No período Renascentista eram consideradas belas as mulheres rechonchudas, na atualidade a beleza está nos corpos magros com músculos definidos.

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Sendo a cultura uma importante regulamentadora do comportamento humano, é compreensivo que o individuo seja influenciado pelo meio em que está inserido. Sendo assim, na contemporaneidade os fatores socioculturais o influenciam em relação à sua própria imagem.

Na atualidade a mulher e seu corpo são de certa forma, influenciados e cobrados a corresponder a um padrão de beleza, o qual está relacionado à juventude e à mudança, um corpo, portanto “objetificado” que pode ser manipulado, moldado e modificado. De acordo com Sant’Anna (2000, p.38), “[...] torna-se natural à busca de um corpo e de um perfil subjetivos mais fluidos, móveis, recicláveis, flexíveis, características que são, aliás, bem ao gosto do mercado”.

Figura 1 - Imagem de propaganda da marca Dafra, onde o uso do corpo feminino é mero objeto. Fonte: http://pensar-e-preciso.blogspot.com/

A beleza externa pode ser considerada como uma construção social, que no decorrer do desenvolvimento se modifica. Então, o corpo aparece como objeto de desejo, e com o objetivo de responder ao desejo do outro, busca-se o ideal de beleza que é imposto pela sociedade, como corpos magros, bem trabalhados e moldados em academias.

O culto ao corpo contemporâneo parece resultar de uma ampla ruptura com o passado: ruptura em relação às regras de condutas misóginas e filiadas ao eugenismo³; ruptura perante a tradição religiosa, devota a pureza sexual; ruptura com uma moral do sacrifício e, enfim, ruptura com as informações contidas no patrimônio genético de cada um. (SANT’ANNA, 2000, p.35).

O padrão de beleza atual é imposto pela sociedade em forma de normas e medidas, que se apresentam como a única verdade, como uma ditadura da beleza, roubando a singularidade das mulheres, julgando a essência da natureza de cada uma. Como afirma Maciel Júnior (2016, p.40) “[...] o belo em si é a invenção de uma

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vontade de verdade que se impõe moralizando a beleza e usa o recurso do julgamento por meio de uma ficção que faz apelo a um ideal”.

A sociedade impõe, e de certa forma cobra, o padrão de beleza como forma de permissão para conviver socialmente, ou seja, para ter lugar na sociedade é necessário que a mulher se encaixe nos padrões exatos da ditadura da beleza.

O padrão de beleza é uma construção imaginária da sociedade, sendo um conjunto de traços específicos, assim como características, que vem definir se a pessoa é bela ou não. A sociedade atual guarda e faz circular um imaginário coletivo sobre padrão de beleza, que se sustenta em torno de representações e narrativas.

A beleza na atual cultura é sinônimo de felicidade, de forma que somente aquelas que se encaixam no padrão de beleza contemporâneo, podem ser consideradas felizes, e são aceitas socialmente. Para as mulheres que não se enquadram, restam os olhares cheios de julgamentos e condenações. Restar-lhes-ia dessa maneira, uma constante busca por alcançar o ideal de beleza.

A ditadura da felicidade, não é a felicidade enquanto possibilidade, pelo prazer, mas sim, pelo afastamento do desprazer, ou seja, a felicidade é não passar pelo desprazer. Freud em O Mal-Estar na civilização, escrito em 1929-1930 diz “que um homem pense ser ele próprio feliz, simplesmente porque escapou a infelicidade ou sobreviveu ao sofrimento, e que, em geral, a tarefa de evitar o sofrimento coloque a de obter prazer em segundo plano.” (p.85).

Acredita-se que para ser feliz é necessário eliminar e substituir tudo aquilo que for insuportável, a fim de manter afastado o sofrimento. Nesta busca errônea de felicidade acabam por não consegui-la. “A felicidade, contudo, é algo essencialmente subjetivo.” (FREUD, 1930, p.97).

São diversas as receitas de como alcançar a felicidade, e o objetivo de conquistar a felicidade é compartilhado por todos os indivíduos, pois não se sentir feliz o tempo todo, para a sociedade, é sinal de que se esta fazendo algo errado, como se a tristeza, o sofrimento e a dor não fossem válidos, criando a ilusão de que é possível bani-los.

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Atualmente a ditadura da felicidade recai principalmente sobre a beleza, onde se é cobrado determinadas características, exigindo que siga o padrão de beleza como promessa de felicidade. Deve-se destacar que a cobrança maior recai sobre a mulher, visto que é a imagem feminina bela e feliz que estampa as publicidades.

Dessa forma, a cultura e a sociedade interferem na subjetividade das mulheres, que são sujeitadas a homogeneidade, deixando suas peculiaridades. O padrão de beleza é a perda da singularidade do sujeito subjetivo e seguindo esta linha de pensamento, Maciel Júnior (2016, p.41) diz “[...] que a moralização do belo é a expressão de práticas sociais empenhadas em produzir subjetividades sujeitadas”.

A mulher acaba sentindo a necessidade de seguir esse padrão determinado, de adequar-se diante da moda, e daquilo que é visto como “belo”, pois estes paradigmas influenciarão no social. Podemos afirmar que, “[...] criou-se uma cultura que induz a mulher a acreditar ser possível a perfeição estética, a mesma submeter-se com afinco e força de vontade a todo arsubmeter-senal técnico – cosmetologia, cirurgias estéticas, massagens e academias” (NOVAES, 2010 p.3).

Pode-se dizer que de forma inconsciente todos os indivíduos sentem-se pressionados pela padronização, pois a beleza se tornou uma obrigação social, fazendo com que as mulheres sintam a necessidade de seguir as normas, sentindo-se em dívida com o social e desentindo-sejando alcançar o ideal do que é sentindo-ser belo na contemporaneidade.

As mulheres sentem-se culpadas ao não seguirem o padrão, e sobre isso Horkheimer (apud Calligaris, 1996, p. 21) fala sobre dois termos, são eles: razão objetiva e razão subjetiva, que são duas formas opostas que norteiam as escolhas e ações dos seres humanos.

A razão objetiva é aquela vivenciada como um sistema de princípios e valores, imanente à realidade ou à herança cultural: ela é a própria das sociedades tradicionais. Já a razão subjetiva é vivenciada como uma faculdade autônoma do simples indivíduo: ela é própria do Ocidente e de sua modernidade. (HORKHEIMEIR apud CALLIGARIS, 1996, p.21).

Há, segundo Freud em “O Mal-Estar na civilização” (1930) uma divergência entre o desejo do sujeito e as exigências impostas pela cultura, apontando esta

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como principal causa do mal-estar na modernidade. O sujeito sente-se dividido entre aquilo que ele realmente deseja, e aquilo que é o desejo do Outro.

Sendo assim, é natural que ao seguir a razão subjetiva, ou seja, nossas próprias vontades, acabamos nos sentindo culpados, há medo de ser diferente, e medo da solidão. “Pois a vergonha e a culpa espreitam necessariamente qualquer escolha que não se sustente na autoridade de uma tradição”. (CALLIGARIS, 1996, p.21).

Estar na moda é corresponder ao padrão de beleza, que está intimamente ligada à mídia e ao consumo, precisando ter um padrão de vida alto para que se possa acompanha-la, o que gera exclusão social. A moda não é algo estável, ela muda constantemente, ou seja, está sempre a movimentar o comércio.

Bauman diz: “Em cada período da história, em cada território habitado pelos seres humanos e em cada cultura, a moda assumiu o papel de operador chefe da transformação da mudança constante em norma do modo de vida humano.” (1925, p.26).

Para acompanhar a moda, as novas tendências, o principal meio de propagação são os meios de comunicação. A mídia está sempre a repercutir tudo aquilo que é novo, influenciando nos padrões de beleza, portanto, a seguir nos aprofundaremos nesse assunto, falando sobre o papel da mídia sobre os padrões de beleza.

1.2 A mídia e o capitalismo como influência sobre o padrão de beleza

A mídia, primeiramente surgiu como impressa, através da escrita. Na pré-história os símbolos gravados marcaram a existência humana, e permitiam transmitir o conhecimento para futuras gerações. As marcas e símbolos descobertos na pré-história marcaram o inicio da escrita.

Segundo Milanesi (2002) o homem encontrou na própria natureza formas e materiais para que pudesse realizar seus registros, como pedra, areia, barro, madeira, entre outros. Isso possibilitou que fosse transmitida a herança cultural, repassando conhecimento para outras gerações.

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Evoluímos da comunicação oral para escrita e podemos considerar a escrita como uma das principais bases para o processo de comunicação social, pois ela contribuiu para que fosse possível contar histórias e transmiti-las a outras pessoas, bem como testemunhar a existência humana. A escrita, desse modo, possibilitou o acesso à informação.

Para além do surgimento da escrita há outros fatores que contribuíram para a propagação dos meios que possibilitam a transferência de informação. Um dos fatores é o aumento de pessoas alfabetizadas, outro fator, e bastante relevante seria a Revolução Industrial. Straubahaar e La Rose nos trazem que:

Conforme a Revolução Industrial tomou velocidade, meios de massa com base industrial tais como livros e jornais, apareceram e se proliferaram Conforme a demanda de massa por meios impressos crescia, os meios tendiam a se tornar mais baratos. A maioria dos países presenciou o crescimento de grandes jornais urbanos e um aumento da publicação de livros. (2004, p.33-34)

Desde então, pode-se dizer que a manifestação do pensamento exerce a influência de uma pessoa sobre outra e, portanto, determina e idealiza um padrão de comportamento. A mídia é o principal meio de manifestação de pensamentos que atinge mais pessoas ao mesmo tempo. Nesse sentido, podemos dizer que a mídia reflete aquilo que é a sociedade, ao mesmo tempo em que também tem forte influência na forma de organização dessa. Ou seja, a mídia reafirma aquilo que a sociedade, ou pelo menos, sua maioria, acredita e pensa, tendo forte impacto sobre a mesma, pois desta forma coloca como verdade aquilo que já é pensado por alguns indivíduos.

É importante ressaltar, que o uso do termo mídia, se refere a todas às formas de veiculação, podendo ser virtual, televisiva, falada, escrita, e outros meios possíveis. E por ter tantos meios de chegar até o individuo a mídia acaba adquirindo muita potência.

Atualmente, com o avanço das tecnologias e a velocidade da comunicação por meio das mídias sociais, a publicidade ganhou maior visibilidade, aumentando a força que a mídia tem sobre as pessoas, podendo dessa forma, atingir um grande público como “num piscar de olhos”.

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A mídia aumenta seu poder de influência sobre as pessoas, pois passa a instigar os indivíduos a seguir uma ideia, a crer no mesmo ponto de vista apresentado por ela. De certa forma, podemos dizer que a mídia se apresenta para o individuo como grande sedutora. E segundo Lipovetsky:

Hoje, a publicidade criativa solta-se, dá prioridade a um imaginário quase puro, a sedução está livre para expandir-se por si mesma, exibe-se em hiperespetáculo, magia dos artifícios, palco indiferente ao princípio da realidade e à lógica da verossimilhança. A sedução funciona cada vez menos pela solicitude, pela atenção calorosa, pela gratificação, e cada vez mais pelo lúdico, pela teatralidade hollywoodiana, pela gratuidade superlativa. (1989, p.188).

Compreende-se, portanto, que a sedução da mídia dá-se por meio do espetáculo, da apresentação do original, e de toda uma fantasia que ali representa a possibilidade de tornar-se real. Para Lipovetsky (1989, p.188) “A sedução provém da suspensão das leis do real e do racional, da retirada da seriedade da vida, do festival dos artifícios”.

O que se pode afirmar é que para a publicidade seduzir os indivíduos, o principal requisito é o uso da estética, é a atração daquilo que a mídia propõe em conjunto e sintonia com a beleza daquilo que está a representar a proposta, ou seja, a sedução está posta na imagem que se apresenta.

Valorização plástica do produto, fotos caprichadas, interior de luxo, refinamento dos cenários, beleza dos corpos e dos rostos, a publicidade poetiza o produto e a marca, idealiza o trivial da mercadoria. Qualquer que seja a importância tomada pelo humor, erotismo ou extravagância, a arma clássica da sedução, a beleza, não deixa de ser amplamente explorada. (LIPOVETESKY, 1989, p.189).

Sendo assim, a mídia é um dos principais meios de propagação de opiniões e pensamentos. Principalmente de estereótipos de beleza feminina ideal, impondo na publicidade com o uso de mulheres, que a beleza está nos corpos esculturais, podendo tornar, dessa maneira, a mulher refém da indústria da beleza.

Na contemporaneidade pode-se observar que as relações estão sujeitadas a uma liquidez. Tudo e todos passaram a ser descartáveis. Isso se deu porque o capitalismo influencia a forma de viver das pessoas, incentivando, desse modo, o consumo. O incentivo diário ao consumismo pode fazer com que alguns valores de

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ordem subjetiva sejam alterados. E é disso que a mídia se apropria, fazendo com que as pessoas sejam transformadas em objetos de fácil manipulação.

Os anúncios publicitários, ao exporem uma atraente modelo na propaganda, provocam não só o desejo masculino, como o feminino, pois quando se põe em jogo a magia da sedução, a mercadoria faz o papel de mulher desejável para ser copiada ou seguida pelas mulheres, e desejada pelos homens. (JORDÃO, 2005, p.91).

Na publicidade brasileira, o uso da mulher é visto como objeto de consumo, mais especificadamente o corpo feminino é usado para atrair os homens. Dessa forma a mídia contribui com a padronização da beleza, fazendo com que as mulheres sintam-se insatisfeitas com sua realidade, e desejem ser atrativas como exposto nas propagandas.

A proliferação de textos e imagens sobre a beleza da mulher jovem, alta, branca e magra, não apenas vende um estilo de ser, portar-se e vestir-se, como opera, principalmente, um modo de subjetivação que associa o imperativo da beleza à atratividade sexual. (BORGES e RODRIGUES, 2000, p.120).

Com isso, a preocupação com a aparência é algo que aumentou entre as mulheres, e dessa forma a mídia aproveita para proliferar o consumo, lhe apresentando diversas formas de alcançar o ideal da beleza, alguns métodos aos quais as mulheres se submetem podem valer a sua vida.

A mídia leva em consideração somente a aparência feminina, usando-a como isca para o mercado de consumo, porém não é levado em consideração que esse perfil feminino, posto como requisito de beleza não condiz com a realidade da maioria da sociedade.

A indústria cultural, que é fruto do desenvolvimento capitalista, trouxe a mercantilização do erotismo, e utiliza o desejo e o sonho como seu principal ingrediente, não para por aí, pois o que realmente se deseja obter é o lucro que esse mercado de erotismo pode alcançar. (JORDÃO, 2005, p.91). Compreende-se, portanto, que com o crescimento do capitalismo, a padronização da beleza transformou-se em uma regra. Sendo uma forma de controle do sistema capitalista sobre as pessoas, que visa o aumento do consumo do arsenal de cosméticos e procedimentos oferecidos pela indústria da beleza.

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mídia nos transmite, ou seja, a mídia é a principal incentivadora do consumismo, apresentando em forma de felicidade, produtos para serem consumidos.

Sendo assim a mídia faz com que consumamos a nós mesmos, quando apresenta inúmeras formas de nos modificarmos, e nos transformamos conforme o padrão estabelecido. Debord (1997, p. 115) diz “[...] a organização técnica do consumo está no primeiro plano da dissolução geral que levou a cidade a se consumir a si mesma”.

A mídia influencia no desenvolvimento de comportamentos, normas, e padrões de beleza, automaticamente ligados à indústria do consumo. E dessa forma, ao seguir as regras impostas, e consumir desenfreadamente, faz com que os indivíduos esqueçam da sua própria verdade, para tornar-se a verdade que o outro quer.

A publicidade é quem estabelece o elo entre a beleza imposta e o público. E assim, a busca pela beleza ideal é aliada do capitalismo, ultrapassando as barreiras da realidade do individuo e, portanto, do bem estar e da saúde, pois são muitas as formas de consumo com promessa de atingir o padrão de beleza, nem todas possíveis para todas as classes, assim como também, nem sempre saudáveis.

Vivemos em mundo onde talvez a subjetividade só encontre consistência pelas imagens que o repertório mediático nos propõe como amáveis (não tanto por nós, mas pelos outros). A cada esquina nos deparamos com espelhos invertidos que não nos refletem: são imagens pintadas que nos delegam paradoxalmente a tarefa de refleti-las. (CALLIGARIS, 1996, p.97).

As mulheres visualizam as imagens, e apesar de as quererem ser, por tudo aquilo que viria proporcionar, não se veem nelas, não se encaixam automaticamente nelas. Dessa forma, podemos dizer que o conceito de beleza que a mídia nos faz crer, além de sugerir sinônimo de felicidade, também está associado ao capitalismo, ou seja, ao consumo.

A beleza que a sociedade e a mídia nos cobram, e que tem como promessa a felicidade, é uma beleza que precisa de dinheiro, afinal precisamos consumir para obter essa beleza e por fim obter felicidade. A mídia nos vende imagens femininas jovens e felizes, como se a juventude fosse à fonte da beleza e a conquista da felicidade. Debord (1997, p.109) diz “nos bombardeios publicitários restantes, é nitidamente proibido envelhecer. É como se houvesse uma tentativa de manter em

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todo indivíduo um capital-juventude”.

O padrão de beleza imposto atualmente, na realidade é uma utopia, baseia-se no anseio dos indivíduos de serem amados, e apoia-se no consumismo. A beleza das mulheres que passam na mídia, não condiz com a realidade da maioria que assiste.

As imagens propostas a nossa paixão de sermos amados nunca foram tão massificadas como hoje (não se preocupe, ainda pode piorar). Por isso mesmo, nunca doeu tanto a decepção de um cotidiano vivido como tragicamente distante dos modelos que lhe são propostos. De fato, quando menos estes são diversificados, tanto menos eles são atingíveis. (CALLIGARIS, 1996, p.97-98).

O corpo da mulher é idealizado, pois segundo Ribeiro e Miranda (2016, p.182) “A imagem é constituída no espelho do olhar do Outro, e na medida em que esse olhar não pode ser todo apreendido, o humano se agarra a uma imagem idealizada que o faria potente e feliz para sempre”.

Ainda a esse respeito:

Entre o que ele deseja, e o que vê refletido no olhar do Outro a distância se impõe como o impossível de representar, de dizer e pior de admitir como verdade. A angústia suscitada aí leva o homem a recobrir o corpo, pelo viés do registro imaginário, de postiços na busca desenfreada do todo e do belo”. (RIBEIRO e MIRANDA, 2016, p. 182).

Dessa forma, a mídia e a sociedade ganham maior importância, pois na busca de ter o olhar do outro totalmente apreendido, as mulheres vão em busca daquilo que a sociedade destaca como beleza. Segundo o pensamento de Borges e Rodrigues (2000):

Ao mesmo tempo que a imagem feminina surge na cultura contemporânea com força total, é usada como objeto de consumo tanto pela cinematografia como pelos jornais, revistas e outdoors. Rostos e corpos femininos inundam a mídia cotidianamente, espelhando ora individualidade e felicidade, ora dependência. (p.127).

O padrão de beleza vem a ser um trunfo para o capitalismo, visto que a indústria da beleza nunca para de inovar, e as mulheres estão sempre a consumir. Borges e Rodrigues dizem:

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[...] já foi amplamente analisado que o “novo” na imprensa feminina é uma categoria muito presente, porém nem sempre se trata de uma dimensão crítica. Frequentemente apela-se para o consumo de novidades que vendam, sem uma verdadeira reflexão sobre elas. Nesse sentido, a mulher é instada a renovar-se dia a dia, da cabeça aos pés. (2000, p.128).

O que a publicidade nos apresenta através de figuras femininas, são mulheres magras, com músculos definidos, com cabelos e pele perfeitos, usando uma determinada marca de produto, de roupa, de calçado e etc... Dessa forma, as mulheres além de quererem se parecer com aquela figura, também vão atrás da marca apresentada.

A competição entre as marcas e a estandardização industrial impulsionam uma corrida interminável para o inédito, o efeito, o diferente, para captar a atenção e a memória dos consumidores. Imperativo do novo que respeita, contudo, a regra imprescindível da legibilidade imediata das mensagens e das conveniências do momento. (LIPOVETSKY, 1989, p.186).

A publicidade contribui, portanto, para lançar moda, aumentando o consumo das marcas que investem em publicidade, e que passam a fazer parte do padrão de beleza, pois vestir-se com roupas caras e, portanto, de marca, faz parte da padronização da beleza feminina capitalista.

A sociedade atual preza muito pelo bem estar. E por meio do consumo exagerado, a civilização não tem seus desejos refreados, principalmente pela mídia o incentivo é acentuar o consumo, assim como exaltar o corpo. Segundo Lipovetsky (2005) “A fruição do momento presente, o culto de si próprio, a exaltação do corpo e do conforto passaram a ser a nova Jerusalém dos tempos modernos”. (p.29)

Refém da indústria da beleza, a mulher luta de todas as formas para chegar ao ideal da beleza, porém nesta luta, é possível imaginar os inúmeros obstáculos que podem surgir, visto que o padrão de beleza imposto pela sociedade está longe de ser favorável às mulheres, pois as características de um ideal de beleza são incompatíveis com a real aparência das mulheres.

As mulheres tentam de todas as formas corresponderem a esse ideal, como uma necessidade para ser feliz. Nesta busca desenfreada se submetem às diversas formas de modificação da imagem disponíveis atualmente, e veiculadas pela mídia a todo instante.

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Sendo assim, acabam não medindo esforços para obter os resultados desejados, sem pensar nas possíveis consequências de alguns métodos, e sem perceber que estão se deixando escravizar, acreditando na indústria de consumo e na mídia, que lhes vendem produtos e formas de atingir aquilo que na verdade é inatingível “o padrão de beleza ideal”.

O bombardeio de noticias, resultado de uma mídia capitalista, que nos influencia a consumir sempre mais, faz com que a mulher chegue a esquecer sua individualidade, e assim, não consiga se olhar em frente ao espelho e apreciar a imagem que vê.

A mídia em conjunto com a sociedade, faz com que a insatisfação da mulher em relação à sua beleza e ao seu próprio corpo aumente. As mulheres sentem-se insatisfeitas com o reflexo que veem e, portanto, querem modificar-se para atingir o padrão de beleza, que é justamente o desejo da sociedade capitalista de consumo.

A mulher sente-se pressionada ao ser cercada por imagens femininas fabulosas, que representam felicidade, beleza e juventude, pois ao passar na mídia, a sociedade reage como afirmativa a isso, e, portanto, passa a cobrar da mulher, como sendo um dever.

As mulheres, a partir daí, são julgadas pelo seu corpo e são incitadas a fazer o exame de si, para uma desejável e necessária transformação... de fazer-se atraente não só para si, mas para toda uma sociedade, levando-as a desenvolver internamente duas versões. A primeira, a verem-se como algo já concebido, instituído; a segunda, estar sempre sob o olhar masculino e sua idealização. Uma imagem construída a partir do outro. (BORGES e RODRIGUES, 2000, p.120-121).

A mulher desde sempre foi vista apenas como objeto, e a mídia projeta para a sociedade uma forma de pensamento que muito se luta para desconstruir e, portanto continua alimentando a imagem da mulher como um objeto sexual, fazendo com que o pensamento machista permaneça.

Assim, o público – a sociedade – é cotidiana e sistematicamente colocado diante de uma realidade artificialmente criada pela mídia, e que se contradiz, se contrapõe e frequentemente se superpõe e domina a realidade real que ele vive e conhece. Como o público é fragmentado no leitor e ou no telespectador individual, ele só percebe a contradição quando se trata da infinitesimal parcela de realidade da qual ele é protagonista, testemunha ou agente direto, e que, portanto, conhece. A imensa parte da realidade, ele a capta por meio da imagem artificial e irreal da realidade criada pela imprensa. (ABRAMO, 2003, p.24)

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Mesmo as mulheres tendo conquistado muitos direitos, ao falarmos da imagem feminina e do termo beleza, pode-se pensar que ainda não se obteve muitos resultados positivos, principalmente se considerarmos a mídia, que insiste em retratar a mulher como objeto de sedução, usando sua imagem como uma estratégia de marketing.

O que acontece, é que a mídia e a sociedade fazem com que as mulheres sofram por uma imagem estética feminina irreal, sendo uma forma de violência psicológica sobre esta, e que, portanto gera uma relação conflituosa da mulher com seu próprio corpo, pois essa passa a se espelhar na imagem da beleza feminina ideal.

De fato, as imagens que eles nos apresentam, para que possamos refleti-las como tantos espelhos, acabam nos perseguindo. É em relação a erefleti-las que medimos nossa inadequação; elas constituem um assíduo e frustrante dever. (CALLIGARIS, 1996, p.59-60).

Conforme as imagens femininas aparecem, o desejo das mulheres é ter aquele reflexo, e quando a imagem real aparece ao se olhar no espelho, não se consegue aprovar a si mesmo como se é, apenas reprovar tudo aquilo que não se encaixa, em comparação com a imagem desejada.

Pode-se dizer que a mídia pratica uma violência contra a mulher, que pela sociedade é naturalizada, violência de ser vista apenas como um objeto de consumo, de ser desumanizada, vendo seu corpo exposto em diversas propagandas na tentativa de atrair olhares masculinos.

A mídia é uma das maiores disseminadoras de preconceitos em nossa sociedade. As mulheres, foram transformadas em objeto de consumo ou em escravas domésticas, deixaram de ser pessoas. Basta assistir uma propaganda de cerveja ou de sabão em pó para perceber isso. Ao mesmo tempo a mídia tenta criar uma falsa aparência de igualdade entre os sexos. Assim, ratifica o machismo promovendo violências de gênero. (CHAVES, 2010, p. 218).

Visto que a mídia é propagadora do consumismo, e, portanto, incentivadora do padrão de beleza feminino, e que por ter tantos meios atinge a toda a população. Sabemos então, que a mídia tem papel fundamental na subjetivação da sociedade.

Transformar a mulher em um objeto de consumo produz graves problemas dentro da sociedade, pois dessa forma, deixa-se de ver a mulher como um ser

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humano. Fazendo com que o desrespeito com a mulher, as várias violências, sejam aceitas pela sociedade e, portanto naturalizadas.

Para, além disso, a mídia também impõe padrões estéticos que são discriminatórios, e que não leva em consideração a representatividade, propondo a homogeneidade. Como resultado, as mulheres que não se enquadram tendem a ser excluídas e julgadas, ou então, estarão se submetendo a todo o arsenal de consumo existente para moldar-se conforme o padrão.

Dessa forma, percebe-se que a mídia e a sociedade se entrelaçam no incentivo e na constituição dos padrões de beleza e, portanto dão força ao capitalismo, incentivando o consumo exagerado. E por fim, prejudicam a saúde física e mental das mulheres diante do sofrimento psíquico que estas estão submetidas. Desse modo, as mulheres recorrem aos meios que são apresentados e incentivados pela mídia com a proposta de atingir o padrão de beleza, portanto, a seguir serão abordados os meios existentes e usados pelas mulheres na busca pelo corpo perfeito.

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CAPÍTULO II: O CORPO E O SOFRIMENTO PSÍQUICO

“A possibilidade angustiante de não ser aceito é debitada na conta do corpo que nunca está na forma ideal”.2

2.1 A busca feminina pelo padrão de beleza

Com o avanço da ciência e da tecnologia os meios de modificação corporal, assim como outros meios que tem como finalidade atingir a beleza ideal, se multiplicaram e com o apoio da mídia se propagaram. Segundo Couto (2000, p.57) “somos todos envolvidos por anúncios que garantem a excepcionalidade da perfeição”.

Seguindo neste pensamento o autor ainda diz “a cada dia somos surpreendidos por novos recursos, terapias, regimes, cirurgias plásticas, implantes e transplantes de órgãos que prometem revolucionar o funcionamento corporal”. (COUTO, 2000, p.57).

Para alcançar o corpo perfeito, as mulheres aceitam que revirem seus corpos, liberando a si mesmo para serem modificadas através de cutucadas, deslocamentos, substituições, entre outros meios bastante invasivos, para que dessa forma estejam de acordo com o padrão de beleza imposto.

Com o bombardeio de informações recebidas, o individuo pode vir a se contaminar e, portanto, se deixar influenciar, ficando preso na busca pela beleza ideal e saúde perfeita, e assim, já não pode mais deixar de transformar e remodelar a si mesmo.

Torna-se fadado às mudanças, busca desnaturalizar o sofrimento e produzir o prazer como sinônimo de satisfação pessoal permanente. Quanto mais a exigência do bem estar se acentua maiores são as ambições de decifrar os corpos e a proliferação de novas técnicas. (COUTO, 2000, p.60)

A busca pelo corpo ideal sempre vem junto de argumentos que a tentem justificar. Buscam encontrar amor, ser olhado e reconhecido pelo Outro, conseguir um bom emprego. Acredita-se que esses argumentos sustentados pelo imaginário virão a ser alcançados através do corpo perfeito.

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A atual configuração da sociedade tem gerado uma significativa preocupação do homem com sua imagem; um investimento de si, uma auto-observação estética que instiga, ao mesmo tempo, o prazer de ver e de ser visto, de exibir-se ao olhar do Outro e do Mundo. (PITOMBO, 2000, p.87).

As mulheres tentam de todas as formas corresponderem a este ideal, como uma necessidade para ser feliz, preocupando-se cada vez mais com sua aparência física. Nesta busca desenfreada se submetem as diversas formas de modificação da aparência disponíveis atualmente, sem medir esforços para obter os resultados desejados.

A busca pelo padrão de beleza tem levado muitas mulheres a se submeterem a mesas cirúrgicas, assim como, a injetarem e passarem substâncias invasivas no seu corpo. Essa insaciável busca, faz com que as mulheres sejam capazes de não se importar com a própria saúde, como se o mais importante fosse à beleza.

Vendo a necessidade crescente das mulheres de conquistar o corpo perfeito, a indústria da beleza cresceu, e desenvolveu inúmeros meios para conquistar este ideal. “Com isso amplia-se o consumo de produtos da indústria cosmética que prometem acabar com rugas, celulites, flacidez, manchas e até se propõem a “corrigir” pequenos defeitos”. (BORGES e RODRIGUES, 2000, p.123).

E da mesma forma, também surgiram inúmeras clínicas clandestinas com atendimento facilitado, porém sem condições de salubridade, oferecendo incontáveis riscos para as mulheres. A procura por procedimentos invasivos tende a ser maior, pois grande parte das mulheres quer obter resultados imediatamente.

A mulher sente-se mais pressionada pelo padrão de beleza, visto que para a sociedade a valorização da aparência confirma a feminilidade da mulher, a imagem da mulher confunde-se com o conceito de beleza, ou seja, a mulher para ser considerada feminina precisa ser vaidosa, ela deve ser bonita para ser mulher e cuidar-se é um dever e uma obrigação dela. Há diversos estudos que dizem que as brasileiras são as que mais se submetem a sacrifícios para ser bela, incluindo dietas, academias, remédios, cosméticos, e tantos outros meios que prometem atingir o

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inatingível.

A maioria das mulheres já não se importa com os riscos que estão correndo. A lipoaspiração e as próteses de silicone, injeções de substancias químicas como é o caso do hidrogel que é aplicado no músculo, substâncias químicas para alisamento de cabelos que contém formol, procedimentos que são banalizados, esquecendo o quanto tais métodos podem ser prejudiciais à saúde.

Há mulheres que após começarem a realizar procedimentos de transformação estética acabam não conseguindo mais parar de modificar a si mesmo, o excesso de cirurgias plásticas, por exemplo, pode resultar em algo desastroso. Por fim, muitas acabam ficando irreconhecíveis, e bastante diferentes da sua natureza biológica.

Um caso para servir de exemplo é o da socialite Jocelyn Wildenstein, que acreditou que realizando cirurgias plásticas poderia salvar seu enlace matrimonial, pois dessa forma supôs que seu marido não lhe deixaria, porém as cirurgias plásticas transformaram-se num vício, e a milionária gastou mais de 2 milhões de Euros realizando inúmeras cirurgias plásticas em seu corpo.

Figura 2: O antes e as fases de modificações de Jocelyn Wildenstein.

Fonte: https://www.portaldenoticias.net/socialite-chama-atencao-na-web-por-excesso-de-cirurgias-plastiscas/

Assim como Jocelyn, há outros casos de mulheres que acabaram gastando muito dinheiro em modificações corporais. A estetização feminina se apresenta como uma cobrança social e cultural e acaba se tornando um vicio para as mulheres, que sempre encontram imperfeições e inadequações diante do padrão de

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beleza.

Desde criança as meninas internalizam o que é ser feminina através da boneca Barbie, pois os brinquedos representam um universo simbólico, e dessa forma a Barbie pode vir a tornar-se um representante da feminilidade, podendo servir de parâmetro de aparência.

Barbie gosta de shopping, cuida demais de suas aparências, é anorexicamente fina de cintura, etc.; em suma, ela pode parecer um simulacro do que há de mais vazio e narcísico na modernidade tardia... submissa aos ideais de consumo, e aos estereótipos narcísicos...(CALLIGARIS, 1996, p.205).

Calligaris (1996) ainda nós trás que a invenção e produção de estereótipos não são da boneca Barbie, mas que ela os reflete. Pois como já vimos, os padrões de beleza fazem parte das diferentes culturas e, portanto não é a boneca quem os produz, mas ela é o reflexo daquilo que a cultura e a sociedade acreditam que deve ser a mulher, lugar da feminilidade. Segundo o mesmo autor “Barbie, como ícone social, é um cabide que ninguém pode vir a ser.” (p.207).

Essa transmissão de valores estéticos que a Barbie repassa é um modelo homogêneo, o mesmo que a mídia nos vende, fazendo com que as mulheres se submetam a cirurgias e demais procedimentos oferecidos. Quando não é possível realizar procedimentos, na tentativa de emagrecer, há mulheres que acabam ficando doentes, seguindo dietas fantasiosas e consequentemente muitas acabam desenvolvendo bulimia e anorexia, doenças que podem levar a morte.

A preocupação com a alimentação, componente importante do culto ao corpo na contemporaneidade, vem assumindo novas facetas psicopatológicas. Recentemente tem sido enfatizado que a busca exagerada por uma dieta correta e saudável pode se transformar em um distúrbio alimentar de contornos nitidamente obsessivos. (FERNANDES, 2016, p.219).

Pensando em todos os métodos que as mulheres se submetem para atingirem o padrão de beleza, e também a imposição da sociedade e a cobrança desta sobre a mulher, são diversas as consequências que recaem sobre esta, tanto fisicamente em forma de doenças biológicas, quanto subjetivamente com a baixa autoestima.

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A estetização contemporânea, longe de promover maior bem-estar subjetivo, aliena o sujeito aos ideais pré-estabelecidos como se fossem os únicos possíveis, promovendo mais mal-estar. Abundancia dessas imagens no mundo moderno forma uma percepção abstrata das coisas que frequentemente não existem mais por elas mesmas, mas somente por meio das imagens (NOVAES e VILHENA, 2016, p.10).

E é na prisão do seu próprio corpo que o sujeito sente o mal-estar, pois sem referências simbólicas, o sujeito contemporâneo não se interroga através de suas necessidades subjetivas, pois sua subjetividade esta atingida pelas rápidas e inúmeras transformações de forma que este fique incapaz de elabora-la, não tendo percepção real do mal-estar e então não demandando mudanças. A seguir nos aprofundaremos sobre a constituição do corpo e da imagem pela ótica psicanalítica, para entendermos porque as mulheres buscam desenfreadamente seguir os padrões de beleza.

2.2 Sobre a constituição do corpo e da imagem

Conforme visto anteriormente, a cultura tem importante papel na percepção do sujeito3 em relação ao seu próprio corpo, devido às modificações culturais decorrentes de cada época. Porém, segundo a ótica psicanalítica, a inserção do sujeito e, portanto, de seu corpo à ordem da cultura é relativo ao processo de subjetivação, que vai se constituir por meio das relações parentais..

Para que haja constituição psíquica, ou seja, o individuo desenvolver-se enquanto sujeito, é necessário que este esteja inserido em um contexto cultural e, portanto, marcado pela linguagem e pelo desejo. Dessa forma, é através das relações da primeira infância que o sujeito constitui sua imagem corporal. O recém-nascido ainda não sabe definir o que é seu, e o que pertence ao Outro, ou seja, ele ainda não se reconhece, não sabe o que é seu corpo, e se confunde com o Outro e com os objetos. A criança é apresentada a sua imagem corporal através da função materna, no delimitar o corpo e no cuidar da higiene da criança.

No que concerne ao Outro, vemos que:

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Sujeito: ser humano submetido às leis da linguagem que o constituem, e que se manifesta de forma privilegiada nas formações inconsciente (CHEMAMA, 1995, p.208)

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O conceito de Outro foi introduzido por Lacan para definir aquilo que é anterior ao sujeito e o determina em sua constituição: a linguagem. Escreve-se com maiúscula para diferenciá-lo do Escreve-semelhante (outro), com o qual Escreve-se estabelecem identificações imaginárias que dão lugar à rivalidade e ao amor. O Outro, por sua vez, é o lugar do significante em relação ao qual o sujeito precisará vir a se situar, guardando, portanto, uma profunda assimetria com o sujeito. Ainda que este conceito remeta, de modo amplo, à ordem e a lei da linguagem, é fundamental notar que é por meio de um agente materno que um bebê recebe marcas significantes e é inscrito no campo da linguagem. (JERUSALINSKY, 2002, p. 58).

É somente quando o Outro (Mãe) dá significação, através do discurso, ao outro corpo, que este passa a ser subjetivado. É o discurso e, portanto, o atravessamento da linguagem que permite ao corpo constituir-se enquanto sujeito.

Nesse sentido:

O tempo de ser bebê corresponde à posição lógica do infans, que etimologicamente denomina aquele que ainda não fala, e, portanto, que é ainda incapaz de contar sua própria história. Não se trata apenas de que não tenha adquirido a legalidade sintática da língua e a sua correta modulação fonoarticulatória, mas de não ter nem sequer inscritas as coordenadas psíquicas que fazem possível a enunciação do desejo (JERUSALINSKY, 2002, p. 258).

Desta forma, o sujeito é efeito da linguagem e, portanto, depende da presença e função do Outro para se constituir enquanto sujeito, é necessário que o corpo seja marcado pelo desejo do Outro.

A imagem corporal, portanto, é constituída através do Outro. Para tornar-se sujeito é necessário ser desejado, primeiramente pela mãe, posteriormente por si mesmo e pelo Outro, permanecendo sempre como objeto de desejo de si mesmo, porém com o Outro inconsciente marcado.

Cabe aqui diferenciar imagem corporal de esquema corporal, para que possamos pensar a respeito da imagem corporal. Esquema corporal, portanto, diz sobre o corpo biológico, apontando aquilo que há no corpo (braços, pernas, peso...) e é algo consciente, que esta na ordem do tempo, que pode ser visto e tocado.

A imagem corporal é o corpo conforme a psicanálise, ou seja, o que é inserido na linguagem e no social, com a própria história do sujeito, delimitado pela mãe. Ela é singular, portanto, própria de cada um, e é constitutiva. É a partir do Outro, que seria quem faz a função materna, que surge o sujeito, com sua própria imagem

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corporal.

Fala-se em função materna, porque remete à da pessoa que cuida, e não precisamente à mãe biológica, remete a pessoa ou as pessoas que fazem o papel de mãe, e que, portanto, dão significado ao corpo da criança, cuidando com dedicação o pequeno corpo e logo devolvendo à própria criança o significado de cada parte, inserindo-a no campo da linguagem, e fazendo papel de espelho.4

Primeiramente a mãe ocupa o lugar do Outro, posteriormente é a cultura quem o ocupa. “O Outro primordial, a mãe, faz, neste sentido, um verdadeiro esforço: toma o peito como um dom, o cocô como um presente, a voz como chamado, o olhar como interpelação” (JERUSALINSKI, 2002, p.26). A mãe interpreta tudo que vem do bebê na ordem da demanda e supõe ali um sujeito desejante.

Mas a mãe não só estabelece a demanda do bebê – colocando em cena seu saber inconsciente para ler, para outorgar significação ao choro –, ela produz outro movimento fundamental: após formular uma resposta à demanda do bebê, ela se certifica de que a significação que atribuiu a tal demanda tenha sido acertada. É como se a mãe se interrogasse: “Será que é isso mesmo que ele queria?”. Neste movimento, ela supõe sujeito no bebê, supõe nele um desejo que necessariamente coincidiria com o dela. A mãe sustenta uma suposição de sujeito desde muito cedo, ainda quando as reações do recém-nascido são reflexas, carecendo de qualquer intencionalidade, ela está a supor um desejo no bebê (JERUSALINSKY, 2002, p. 137).

Compreende-se assim que é o Outro quem apresenta através da linguagem, corpo e objeto para o bebê, e assim, lhe dá a possibilidade de transformar aquilo em algo que tenha representação, pois é o Outro que dá um sentido, viabilizando um significado. Dessa forma, o sujeito tem acesso ao saber e, portanto, permite a escolha do objeto de satisfação, podendo não ser mais aquilo que o Outro lhe oferece.

A abertura que é deixada pelo Outro; que permite ao sujeito desejar e instaura a falta, ou seja, é através da relação mamãe-bebê que se permite deixar uma falta, uma possibilidade de espaço para que o bebê possa escolher por si mesmo o que deseja.

4

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O sujeito desejante surge no contexto de uma relação simbólica com o Outro e pelo desejo do Outro, necessariamente incluído na sua demanda. Na medida em que a mãe, representante do Outro, dá lugar à falta, na satisfação da demanda, a criança se conforta com a ordem da perda, passando a ter condições de desejar. A perda do objeto primordial e consequentemente vazio deixado por sua falta, essência do desejar, instauram a busca alucinatória e incessantemente desse objeto desejar, no sentido de restaurar a experiência de satisfação original (DIAS, 2009, p. 51).

É através da linguagem que a criança se desenvolve, ou seja, que o sujeito vai se construindo de forma subjetiva. Isso quer dizer que mesmo antes de a criança atingir certo grau de maturidade, o Outro antecipa imaginariamente essa capacidade, a possibilidade de se implicar como sujeito.

Segundo Jerusalinsky (2002, p. 160):

A antecipação imaginária de um corpo, de um Eu do bebê, dá lugar a antecipação funcional pela qual os pais, ao antecipar realizações instrumentais do bebê, introduzem ofertas e demandas propiciadoras de tais realizações. Assim, por exemplo, ao tomar o balbucio do bebê como palavra, produz-se uma antecipação linguística, ou ao ofertar uma nova postura ao bebê produz-se uma antecipação psicomotora.

O corpo e a imagem da criança só recebem sentido através do desejo e saber da função materna, é o estruturante de uma imagem com a qual a criança vai se identificar e dessa forma construir a apreensão corporal. É a inauguração do sujeito assumindo sua própria imagem

Ao se distanciar do filho, a mãe instaura a falta, fazendo com que a criança busque a satisfação em outros objetos, porém permanecendo insatisfeita, e é justamente essa a condição de um sujeito desejante, que estará sempre em busca de algo que se perdeu. Esse distanciamento ocorre aos poucos, através do desmame, do controle do xixi e das fezes, e o desejo da mãe pelo pai, que denominamos de função paterna, na qual a mãe ama alguém além da criança, e o amor é dividido entre a criança e o pai.

É essa falta, que se apresenta num jogo de presença e ausência que permite à criança se deslocar do corpo da mãe, processo que Freud designou de Fort-da, que consiste num jogo de presença e ausência de um objeto, que vem dessa forma, simbolizar o desaparecimento e reaparecimento da mãe, que significa uma construção simbólica do psiquismo da criança, ou seja, ela internaliza a presença do

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objeto mesmo em sua ausência, compreendendo que mesmo que o objeto não esteja sendo visualizado, ele continua a existir. A criança se percebe castrada5 “compreendendo” que não é única na vida da mãe.

Com a entrada da função paterna, há um corte na relação dual mãe/filho, e então se instaura a lei, possibilitando que a criança assegure-se mais de sua própria identidade, saindo da relação única com a mãe, deixando de ser um prolongamento dessa. O processo de descolamento do corpo da mãe, permite ao sujeito constituir-se enquanto Eu.

A falta é necessária para a constituição do sujeito desejante. Trata-se de uma ferida narcísica. Cabe ressaltar, que o narcisismo é constituinte do sujeito, e para que possamos pensar a questão do corpo é preciso explorar o conceito de narcisismo. Freud (1914) fala que o narcisismo está presente em toda criatura viva, e que nele a energia sexual (libido) volta-se para o ego, ou seja, volta-se para si mesmo.

O narcisismo divide-se em dois momentos, sendo eles: narcisismo primário e secundário. O primário diz do tempo dual mãe/filho em que a libido é autoerótica tendo pulsões parciais, o que faz o bebê sentir-se completo, sem faltas. Nesse momento não há função paterna. No narcisismo secundário, a pulsão é direcionada para um objeto. Aqui a função paterna passa a existir, rompendo com a dualidade, com a completude e instaurando a falta. Assim passa a buscar o objeto faltante, tornando-se desse modo sujeito desejante.

Lacan retoma a obra de Freud em 1949, e propõe em seu estudo que o conceito de narcisismo seria dividido em três tempos. Essa nova teoria formulada denomina-se “Estádio do Espelho”. Lacan trás que: “basta compreender o estádio do espelho como uma identificação” (1949, p.97). Entende-se, portanto, que Lacan não se refere ao espelho propriamente dito, mas sim as pessoas que fazem função de espelhamento ao sujeito.

Anterior ao estádio do espelho, a criança não consegue ver seu corpo como

5Castrada: termo que vem do conceito de “Complexo de Castração” que designa “o sentimento inconsciente de ameaça experimentado pela criança quando ela constata a diferença anatômica entre os sexos” (ROUDINESCO, E. & PLOND, M. 1998: p.104).

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totalidade, o vê como fragmentado, sem conseguir separa-lo do corpo da mãe, nem do mundo ao redor. Somente a partir do estádio do espelho a criança começa a diferenciar-se dos outros, reconhecendo a imagem como sua, de forma unificada.

A teoria que se divide em três momentos, tem o primeiro momento como construtor de um tempo em que a criança não percebe seu próprio corpo, não reconhece sua imagem corporal, vê um corpo fragmentado e não consegue se separar do Outro. No segundo momento a criança descobre que o Outro do espelho não é real, mas sim uma imagem refletida. Isso se dá com a mãe fazendo papel de imago6, ou seja, apresentando a criança ao mundo externo, a partir daí esta começa a apropriar-se do que seria sua imagem corporal, se identificando no espelho, marcando este como o terceiro momento do estádio do espelho.

Ao reconhecer sua imagem no espelho, a criança antecipa imaginariamente a forma total de seu corpo e se identifica com ela. Esse momento de reconhecimento da imagem de seu corpo é acompanhado pela expressão de jubilo, enquanto observa sua própria imagem refletida no espelho e a relação desta com o ambiente refletido. Se a criança manifesta por meio de gestos, mímicas e gritos, seu interesse pela imagem no espelho é porque reconhece algo nela que lhe diz respeito: uma realidade que acompanha e se associa ao seu próprio comportamento (DIAS, 2009, p. 56).

A partir do jogo de espelhos que a criança constituirá a imagem do seu corpo, tornando-se único. Para este processo se realizar, necessita-se de um adulto para ser mediador da relação, como espelho, pois é o adulto que dirá que a imagem refletida no espelho é da criança e que é dessa forma que os outros a veem, se essa pessoa não ajudar a criança a se inscrever no imaginário, não se organizará o estádio do espelho.

“Esse momento em que se conclui o estádio do espelho inaugura, pela identificação com a imago do semelhante e pelo drama do ciúme primordial, a dialética que desde então liga o [eu] a situações socialmente elaboradas” (LACAN, 1949, p.101).

O Estádio do Espelho é uma estruturação que inaugura o Complexo de Édipo, pois o sujeito com sua própria imagem constituída se insere no campo social, ou

6

Imago: Designa uma representação tal como o pai (imago paterna) ou a mãe (imago materna), que se fixa no inconsciente do sujeito e ulteriormente oriente sua conduta e seu modo de apreensão do outro. (CHEMAMA, 1995, p.105)

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seja, começa a se relacionar socialmente . Essa estruturação acompanha o sujeito à vida inteira, pois a imagem do corpo estrutura a identidade do sujeito.

“Ao sair da fase identificatória do estádio do espelho, a criança, em quem já se esboça um sujeito, nem por isso deixa de estar numa relação de indistinção quase fusional com a mãe.” (DOR, 1989, pp. 80-81). Desse modo, compreende-se que a criança ainda não se constituiu completamente como sujeito, e ainda depende muito da mãe.

O Complexo de Édipo é um momento da constituição do sujeito. Mas para que possamos analisar esse momento, é necessário abordar o conceito de “falo”. Esse conceito foi inicialmente trabalhado por Freud, que lhe dá o nome de pênis, porém esta parte seria um representante do falo, pois o pênis, pela sua representação, seria um objeto de desejo.

O falo não existe no Real, mas é o que mantém o sujeito desejante, vivo, pois é a satisfação que nunca será alcançada. Ele é o significante7 simbólico do ter, ou seja, representa o objeto que proporcionaria satisfação. Dessa forma os objetos fálicos da cultura contemporânea são diversos, como por exemplo, um corpo bonito. A criança, portanto, busca ser o objeto de desejo da mãe, ou seja, a criança quer ser o objeto do que é o suposto faltar na mãe, o falo. Lacan divide o Complexo de Édipo em três tempos lógicos, no primeiro o desejo da criança está ligado ao desejo da mãe, a criança acredita ser o falo da mãe. No segundo tempo acontece a frustração que vem pela privação, pois a criança fica privada da mãe e a mesma da criança, a função paterna é a responsável pela privação. No terceiro tempo há a castração, neste momento a falta é instaurada no campo simbólico, e o sujeito se depara com a própria falta.

O sujeito passa de “ser” o falo para “ter” o falo, ele deixa de ser o falo do Outro, e passa a ter algo a desejar, indo em busca do falo, da satisfação nunca atingida. Isso se dá de forma diferente para as meninas e os meninos.

E sobre isso, Lacan diz: 7

Significante: elemento do discurso, referível, tanto ao nível consciente como inconsciente, que representa e determina o sujeito (CHEMAMA, 1995, p.197)

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É nessa medida que o terceiro tempo do complexo de Édipo pode ser transposto, isto é, a etapa da identificação, na qual se trata de o menino se identificar com o pai como possuidor do pênis, e de a menina reconhecer o homem como aquele que o possui (1958, p.203).

Primeiramente as crianças acreditam que o pênis é um órgão universal, Freud diz “a suposição de uma genitália idêntica (masculina) em todos os seres humanos é a primeira das notáveis e momentosas teorias sexuais infantis” (1905, p. 184). Quando as crianças então percebem que a parte anatômica falta nas mulheres, os meninos pensam ser uma punição, pois acham que as mulheres já tiverem um pênis e o perderam, estes então ficam com medo de perdê-lo também. Já as meninas tem esperança de que seu clitóris cresça.

Posteriormente as meninas percebem que seu órgão genital não é igual ao dos meninos, mas sim ao das outras mulheres, inclusive sua mãe. A partir desse momento a menina sente-se inferiorizada, e a mãe torna-se objeto de ódio, pois acredita que a mãe quem não lhe deu um pênis; então sente-se incompleta e toma o pai como objeto de amor, esperando que este lhe dê um filho, o que será recalcado no período de latência8

Após a passagem pelo Complexo de Édipo, o sujeito passa a buscar o objeto perdido, apesar de nunca o ter tido. Portanto, o ser humano está sempre na busca deste objeto, defrontando-se com a falta de algo impossível de ser ter. Isso impulsiona o sujeito na busca de SER.

As identificações que ocorrem no Complexo de Édipo, não se resumem só à esse momento, pois o sujeito continua reelaborando suas identificações por toda sua vida, porém o Outro desliza para a cultura.

A cultura passa a ocupar papel fundamental na vida do sujeito, portanto, a demanda da mãe passa a ser demanda da cultura, e o sujeito responde a elas de maneira singular, porém parecidas. Cabe ressaltar, que a demanda é sempre demanda de amor, sendo da mãe ou da cultura, pois a relação do sujeito com a cultura vem do modo como ele se relaciona com a mãe.

8Período de latência: “período que vai do declínio da sexualidade infantil até o início da puberdade, e que marca uma pausa na evolução da sexualidade.” (LAPLANCHE, Jean. 1998, p.263)

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CONCLUSÃO

É chegado o tempo de concluir sobre tudo aquilo que nos foi possível pensar e compreender durante os anos de graduação, e o presente trabalho trouxe a oportunidade de aplicar alguns aprendizados adquiridos e de se questionar diante do atual cenário social.

Tendo como proposta compreender as possíveis causas que levam as mulheres a se submeterem aos padrões de beleza. Tivemos como principal dificuldade a falta de literatura disponível, que discutisse o tema escolhido no viés da psicanálise.

Por outro lado, a vasta pesquisa realizada e o extenso estudo sobre o corpo em psicanálise nos possibilitou compreender as questões que trazíamos na realização do trabalho.

Primeiramente, ao abordarmos a cultura, a sociedade e a mídia, compreendemos que estas são as principais formadoras de um padrão de beleza, pois são elas que o apresentam ao sujeito como algo necessário. A sociedade inserida numa dada cultura que enaltece um determinado padrão tende a cobra-lo do sujeito como forma de viver em sociedade, ou seja, de ser aceito socialmente.

Diante disso, o sujeito sente-se em dívida com o social, sentindo necessidade de corresponder a essa demanda, com o propósito de ser reconhecido socialmente. Logo a mídia apresenta imagens que possibilitam medir a sua inadequação, lhe apresentando em seguida formas, métodos e procedimentos que podem lhe adequar ao padrão de beleza, como promessa de felicidade e lhe permitindo pertencer a um grupo.

Cabe salientar, que o desejo de ser belo não é o problema que nos interroga neste estudo, o que refletimos aqui é a busca pela beleza ideal enquanto obrigação, como um dever a ser cumprido.

Na tentativa de corresponder à demanda da cultura, assim como ser aceito socialmente, o sujeito passa a não medir esforços para alcançar o ideal imposto, ignorando qualquer possível consequência, e submetendo-se a todo arsenal

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