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A regulação dos acessos e usos dos recursos naturais na fazenda/assentamento Angélicas (1930-2010): uma análise figuracional dos processos de mudança ambiental.

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS - PPGCS

A REGULAÇÃO DOS ACESSOS E USOS DOS RECURSOS NATURAIS NA

FAZENDA/ASSENTAMENTO ANGÉLICAS (1930 - 2010): UMA ANÁLISE

FIGURACIONAL DOS PROCESSOS DE MUDANÇA AMBIENTAL

Maria do Socorro Andrade de Sousa

CAMPINA GRANDE - PB

2011

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A REGULAÇÃO DOS ACESSOS E USOS DOS RECURSOS NATURAIS

NA FAZENDA/ASSENTAMENTO ANGÉLICAS (1930 - 2010): UMA

ANÁLISE FIGURACIONAL DOS PROCESSOS DE MUDANÇA

AMBIENTAL

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em Ciências

Sociais da Universidade Federal de Campina

Grande, como requisito para obtenção do

título de Mestre em Ciências Sociais.

Orientador: Dr. Luis Henrique Hermínio Cunha

CAMPINA GRANDE - PB

2011

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Assentamento Angélicas (1930 - 2010) : uma análise figuracional dos processos de mudança ambiental / Maria do Socorro Andrade de Sousa . - Campina Grande, 2011.

159 f.: il. color.

Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade Federal de Campina Grande, Centro de Humanidades.

Orientador: Dr. Luis Henrique Hermínio Cunha. Referências.

1. Assentamento Rural. 2. Figuração. 3. Processo Social. 4. Recursos Naturais. 5. Arranjos Institucionais. I . Título.

CDU 316.35:502(043)

DIGITALIZAÇÃO:

SISTEMOTECA - UFCG

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A R E G U L A Ç Ã O DOS ACESSOS E USOS DOS RECURSOS N A T U R A I S N A F A Z E N D A / A S S E N T A M E N T O A N G É L I C A S (1930 - 2010): U M A A N Á L I S E

F I G U R A C I O N A L DOS PROCESSOS D E M U D A N Ç A A M B I E N T A L

Dissertação apresentada em 15 de dezembro de 2011

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Luis Henrique Hermínio Cunha (UFCG/CH/PPGCS - Orientador)

Profa. Dra. Ramonildes Alves Gomes (UFCG/CH/PPGCS - Examinadora Interna)

Prafa. Dra. Silvana Eloísa da Silva Ribeiro (UFCG/CH/UAE - Examinadora Externa)

CAMPINAGRANDE-PB 2011

(5)

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todo 3 que aaœditam na teallzaçãa do* aanâoó.

Com amai, dedico- eate t-iauathc.

(6)

Para a realização do Curso de Mestrado, desde a concepção do projeto de pesquisa inicial até a finalização desta dissertação, tive a dádiva de encontrar pessoas iluminadas, que contribuíram, em todos os aspectos possíveis e imagináveis, para a concretização desta etapa acadêmica, cujo significado para mim, é imensurável.

Desse modo, os meus agradecimentos, por mais que eu procure palavras, não alcançam a grandeza de cada gesto de apoio que recebi. Ainda assim, vou agradecer com o possível, nesse momento: lembrar de cada um que construiu comigo este trabalho.

A Deus, por ter plantado esse desejo em meu coração.

Ao meu querido pai, Iremar Andrade, que partiu antes que eu pudesse concretizar esse sonho que também era dele.

A minha querida mãe, Mocinha, que mãe extremosa, incentivou nossos voos (meus e de meus irmãos). Obrigada Mamãe. Esta conquista também é da Senhora.

Ao meu orientador, Luis Henrique, pela generosidade na orientação desta dissertação, pela dedicação à carreira acadêmica, pela confiança depositada em mim, pela paciência, por ter dividido comigo a tarefa de elaborar este trabalho. Agradeço imensamente.

Às professoras Ramonildes e Silvana Eloísa, por aceitarem o convite para participar da banca examinadora e pelas contribuições em outros momentos dessa caminhada.

A Vicemário Simões, pela compreensão da importância que tem a qualificação de servidores para a instituição, e dessa forma, ter contribuído para que eu pudesse realizar o Mestrado.

A Hermília Feitosa, pela amizade, pela colaboração e compreensão, quando de minhas ausências no trabalho por conta das atividades do mestrado.

Aos meus amigos Ana Angélica Marinho, Aroldo José, Adriana Dantas, Arthur Muniz, Tereza Brito, Carlos André e Betânia Oliveira, por terem sido muito mais que companheiros de trabalho, foram irmãos com os quais pude contar em todos os momentos.

Ao meu querido esposo José Wilson, pelo companheirismo, incentivo, paciência e imensa colaboração. Divido contigo essa conquista.

A Raquel e Francisco José, meus filhos, motivação maior da minha realização.

Ao meu irmão Francisco e minha cunhada Jenelcida, por não terem medido esforços para que eu pudesse ter todas as informações necessárias em relação ao Assentamento

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Ao meu sobrinho Marcelo pela colaboração durante a realização da pesquisa empírica (meu auxiliar de áudio-visual).

A todos do Assentamento Angélicas, pela acolhida e pela disposição de colaborar com esse trabalho.

Aos servidores da Secretaria do PPGCS, em especial a Rinaldo.

As servidoras da biblioteca setorial do programa, sempre solícitas no atendimento. Aos professores Ronaldo Sales e Ramonildes, pelas valiosas contribuições, por ocasião da qualificação.

A Professora Carmem, da Unidade Acadêmica de Letras, pela generosidade e disposição com que me auxiliou na tradução do resumo.

A todos os professores do programa, em especial aos que foram meus professores: Lemuel Guerra, Mércia Rejane, Marilda Menezes, Roberto Veras, Elisabeth Christina e Gonzalo Rojas.

Enfim, a todos que, de alguma forma, colaboraram na realização desse sonho. Meus sinceros agradecimentos.

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abordagem que focaliza as relações entre mudanças nas figurações, nos regimes de propriedade e transformações nas formas de controle, acesso e uso de recursos naturais. Para a explicação das dinâmicas de mudança numa figuração foi construído um modelo abrangente que mapeou temporal,espacial e simbolicamente, as relações sociais, econômicas, políticas e culturais no contexto do Assentamento Angélicas. Essas dimensões foram analisadas no período de 1930 a 2005, delimitada em três períodos do processo social pesquisado. Foram evidenciadas mudanças nas formas de regulação e controle dos recursos naturais, em cada período, confirmando a hipótese de que as figurações (formadas por moradores e proprietários e, posteriormente, assentados e agentes estatais e não estatais), e o regime de propriedade podem influenciar decisivamente nas ações de preservação dos recursos naturais. Foi evidenciado ainda, que no caso específico do assentamento Angélicas, além da legislação institucional pertinente aos assentamentos rurais, a conjugação de diversos fatores internos e externos ao grupo proporcionou um ambiente propício para a instauração de arranjos de regulação do acesso e uso dos recursos naturais e bens comuns, considerado relativamente eficaz, que favoreceram a preservação e evitaram a "tragédia dos comuns".

Palavras-chave: Assentamento rural; Figuração; processo social; recursos naturais; benscomuns; arranjos institucionais.

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prenant une approche qui se concentre sur les relations entre les changements dans les figurations, dans les regimes de propriété et des transformations dans les formes de contrôle, accès et utilisation des ressources naturelles. Pour l'explication des dynamiques de changement dans une figuration on a construit un modèle global qui a cartographie temporellement, spatialement et symboliquement les relations sociales, économiques, politiques et culturelles dans le contexte de l'établissement Angélicas. Ces dimensions ont été analysées dans la période de 1930 à 2005, délimitées sur trois périodes du processus social étudié. Des changements ont été observés dans les formes de régulation et de contrôle des ressources naturelles dans chaque période, ce qui confirme l'hypothèse que les figurations (composées de résidents et de propriétaires, et plus tard de personnes qui habitent dans les établissements et les agents d'État et ce qui n'appartiennent pas à l'État), et le régime de propriété peuvent influencer de manière décisive les actions de préservation des ressources naturelles. I l a été montré également que dans le cas spécifique de l'établissement Angélicas, au-delà de la législation institutionnelle relative aux établissements ruraux, la conjugaison de divers facteurs internes et externes au groupe, a fourni un environnement propice pour l'instauration d'arrangements de dispositifs d'accès et l'utilisation des ressources naturelles et de biens communs, considéré relativement efficace, qui ont favorisé la préservation et ont éviter la « tragédie des communs ».

Mots-clés: établissement rural; Figuration, processus social, ressources naturelles, biens communs, les arrangements institutionnels.

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Mapa 1 Situação dos municípios em relação ao estado da Paraíba 23 Mapa 2 Situação do imóvel (Assentamento) em relação aos municípios 23

Mapa 3 Mapa do Semi-árido Brasileiro 24

L I S T A D E B O X E S

BOX 1 - Sobre Nelson Meira (Família Meira) 70 BOX 2 - Sobre José Gadelha (Família Gadelha) 91

L I S T A D E QUADROS

Quadro 1- Grau de Escolaridade no Assentamento Angélicas 121

Quadro 2- Tamanho da área cultivada por família 122 Quadro 3- Número de Arrimais criado no Assentamento/ Número de Famílias que criam... 124

L I S T A D E F O T O S

Foto 1 -Ruínas da antiga casa de Nelson Meira na Fazenda Angélicas 71 Foto 2 -Casa construída por Nelson Meira, onde não chegou a morar 72

Foto 3 -Capela da Antiga Fazenda Angélicas 72 Foto 4 - Ruínas do engenho de rapadura da Fazenda Angélicas 83

Foto 5 - Nova casa da sede da Fazenda, hoje é a sede da Assagassange 87

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Foto 9 - Integrante do Grupo de Beneficiamento de Alimentos em Atividade 125 Foto 10 - Doce produzido pelo grupo de Beneficiamento de Alimentos 126

Foto 11 - Casa de Assentado com Cisterna 128 Foto 12 - Casa de assentado (a mesma de quando era morador) 132

Foto 13 - Cisterna Calçadão com capacidade para 56 mil litros de água 134

L I S T A D E GRÁFICOS

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AESA- PB - Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba APP - Área de Preservação Permanente

ASA - Articulação no Semi-Árido Brasileiro

AS SAGAS S ANGE - Associação de Agricultores do Assentamento Angélicas

CAASP - Central dos Assentamentos do Alto Sertão Paraibano

CEP A L - Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe

CNBB - Comissão Nacional dos Bispos do Brasil

CNMP - Centro Nordestino de Medicina Popular

CNIJMAD - Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente

CONTAG - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura CPT-PB - Coordenação Pastoral da Terra (Coordenação da Paraíba) ENERGISA - Energisa Borborema Distribuidora de Energia S/A

FAEB - Federação das Associações dos Engenheiros Agrônomos do Brasil

FAO - Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação FARGASA - Fazendas Reunidas José Gadelha S/A

FHC - Fernando Henrique Cardoso

FIESP - Federação das Indústrias do Estado de São Paulo

IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

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LP - Licença Prévia

MEB - Movimento de Educação de Base

M I - Ministério da Integração Nacional

MIRAD - Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário -.

MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

ONGs- Organizações não governamentais

ONU - Organização das Nações Unidas

PA - Projetos de Assentamento

PCB - Partido Comunista Brasileiro

PDA- Plano de Desenvolvimento do Assentamento PIN - Programa de Integração Nacional

PIVAS - Perímetro Irrigado das Várzeas de Sousa PNRA - Plano Nacional de Reforma Agrária

POLAMAZÔNIA - Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia POLONORDESTE - Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste PRA - Plano de Recuperação do Assentamento

PROÁLCOOL - Programa Nacional do Álcool

PROTERRA - Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste

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RL - Reserva Legal

RVA- Relatório de Viabilidade Ambiental

SEMA - Secretaria de Meio Ambiente

STRAP-PB - Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Aparecida-Paraíba

SUPRA - Superintendência de Política Agrária

UDR - União Democrática Ruralista

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O recorte teórico-metodológico: construindo o objeto 18

Objetivos 20 Hipótese 21 O contexto empírico da pesquisa 22

Metodologia: Estratégias e técnicas 26

A estrutura da dissertação 29

C A P I T U L O 1

Q U E S T Ã O A G R Á R I A B R A S I L E I R A E Q U E S T Ã O A M B I E N T A L : MARCOS DE

R E F E R Ê N C I A N U M A PERSPECTIVA DE PROCESSOS SOCIAIS 31

1.1. A QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL 32 1.2. DEBATE TEÓRICO SOBRE A QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL 41

1.3. ALGUMAS NOTAS SOBRE ESTRUTURA FUNDIÁRIA DA PARAÍBA 43 1.4. A EMERGÊNCIA D A QUESTÃO AMBIENTAL: MARCOS DE REFERÊNCIA 46

1.5. A QUESTÃO AMBIENTAL NO BRASIL 51 1.6. A INCORPORAÇÃO DA VARIÁVEL AMBIENTAL NAS PESQUISAS E M ÁREAS

DE ASSENTAMENTO RURAL 55

C A P Í T U L O 2

U M A A B O R D A G E M PROCESSUAL DAS FORMAS DE A P R O P R I A Ç Ã O E USO

DOS RECURSOS NATURAIS 58 2.1. A ECOLOGIA POLÍTICA 58 2.2. DA "TRAGÉDIA DOS COMUNS" À TEORIA DOS RECURSOS COMUNS 60

2.3. NORBERT ELIAS: POR U M A SOCIOLOGIA PROCESSUAL 64

C A P Í T U L O 3

T R A N S F O R M A Ç Õ E S FIGURACIONAIS E DINÂMICAS DE MUDANÇA

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3.2. PROPRIEDADE PRIVADA: 1930 A 1980 - O PERÍODO MEIRA 69

3.3. USOS DO SOLO NO PERÍODO MEIRA 79

3.3.1. Atividades agrícolas 79 3.3.2. As culturas de subsistência 80

3.3.3. Algodão: o boi do pobre: "comprava o que precisava, algodão dava, graças a Deus! O

algodão era bom demais!" 81 3.3.4. Os sítios de cana-de açúcar e o engenho de rapadura 83

3.3.5. A atividade pecuarista 85 3.4. O PARCELAMENTO POR HERANÇA - COMEÇAM AS TRANSFORMAÇÕES:

MUDANÇA NO ESPAÇO, N A FIGURAÇÃO E NOS USOS DO SOLO 86

3.5. A VENDA DO DIREITO DE HERANÇA 88 3.6. 1980 A 2005 - PERÍODO GADELHA: SOB NOVA ADMINISTRAÇÃO,

INSEGURANÇA E INCERTEZA NAS RELAÇÕES DE TRABALHO 89 3.7. U M A TENTATIVA MODERNIZANTE? OS USOS DO SOLO NO PERÍODO

GADELHA 93 3.7.1. O projeto de fruticultura irrigada por aspersão e os sítios de fruteiras irrigadas por

inundação: o técnico e o tradicional 95 3.7.2. As culturas de subsistência 96 3.7.3. A atividade pecuarista 96 3.8. NA DIREÇÃO OPOSTA: DECLÍNIO DA GRANDE PROPRIEDADE E ASCENSÃO

DA PROPRIEDADE COMUM/ESTATAL 97 3.9. A SOLICITAÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO 99 3.10. DE 2005 A 2010 - O PERÍODO ASSENTAMENTO - DA DESAPROPRIAÇÃO:

"NÓS FICAMOS ATÉ COM MEDO (RISOS), FICAMOS, EU NÃO VOU MENTIR, EU DISSE : OXENTE, NÓS NUNCA POSSUÍMOS TERRA ZÉ! (SE REFERINDO AO

MARIDO)" 100 3.11. USOS DO SOLO NO PERÍODO ASSENTAMENTO RURAL 103

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FAZENDA/ASSENTAMENTO A N G É L I C A S (1930 - 2010) 109 4.1. REGULAMENTAÇÃO DO ACESSO E USO DOS RECURSOS NOS PERÍODOS

MEIRA 1930 A 1980 E GADELHA 1980 A 2005 110

4.1.1. Recurso Solo 112 4.1.2. Recursos Hídricos e Pesqueiros 113

4.1.3. Recursos de Caça 114 4.1.4. Recursos Madeireiros 115 4.2. ARRANJOS DE ACESSO E USO DOS RECURSOS NATURAIS E BENS COMUNS

NO ASSENTAMENTO ANGÉLICAS 117 4.3. ASPECTOS SÓCIO-ECONÔMICOS DAS FAMÍLIAS ASSENTADAS 120

4.3.1. Dados populacionais 120 4.3.2. Grau de Escolaridade 121 4.3.3. Condições de trabalho e renda 122

4.3.4. Produção agrícola 122 4.3.5. Produção Pecuária 124 4.3.6. Outras Atividades Realizadas Pelos Assentados Dentro e Fora da Área do

Assentamento 125 4.3.7. Condições de moradia das famílias 127

4.4. AS QUATRO ESFERAS DE ANÁLISES DA TEORIA DOS RECURSOS COMUNS

4.4.1. A Estrutura do Sistema de Recursos Comuns 128 4.4.2. Os Atributos e o Comportamento do Grupo de Usuários 129

4.4.3. As Regras de Acesso e Uso Que os Usuários Utilizam Para Manejar os Recursos

Comuns 130 4.4.3.1. Recurso Solo 131 4.4.3.2 Recursos Hídricos 133 4.4.3.3. Recursos pesqueiros 135 4.4.3.4. Recursos de caça 135 4.4.3.5. Recursos madeireiros 135 4.4.3.6. Outros bens comuns existentes no assentamento 136

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(19)

INTRODUÇÃO

As áreas de assentamentos rurais no Brasil têm sido alvo, desde pelo menos meados da década de 1980, de um esforço continuado de investigação empreendido por pesquisadores vinculados às ciências sociais. Ainda assim, há uma lacuna no que se refere aos estudos sobre acesso e uso de recursos naturais, conflitos ambientais e processos de mudança ambiental associados à criação de projetos de assentamento e à conversão de famílias de trabalhadores sem terra em agricultores familiares. Temática que é ainda mais relevante para os assentamentos criados no semiárido brasileiro, região marcada duplamente pela concentração fundiária e pela ocorrência de secas periódicas.

Os esforços analíticos j á empreendidos nesse campo têm priorizado estudos reducionistas, cujos objetivos buscam demonstrar ora a degradação, ora a conservação, em detrimento de "esforços analíticos que busquem compreender os processos de mudança ambiental, a institucionalização das políticas de proteção da natureza e os conflitos ambientais que emergem em áreas de assentamento" (CUNHA e NUNES, 2008, p. 28).

Este trabalho, coerente com a crítica acima formulada, buscou esclarecer alguns aspectos da problemática ambiental em assentamentos rurais, assumindo uma abordagem que focaliza as relações entre mudanças nas figurações, nos regimes de propriedade e transformações nas formas de controle, acesso e uso de recursos naturais. Assim, orientamos nosso olhar para o processo social pelo qual se deu a desestruturação do modelo de propriedade privada, com a subsequente criação de um assentamento rural e as mudanças ambientais ocorridas ao longo de 80 anos. Nesse sentido, minha pesquisa foi norteada pelos conceitos de figuração e processo social de Norbert Elias, como também pela ecologia política e pela teoria dos recursos comuns, desenvolvida, entre outros, por R. Wade, E. Ostrom e J. Baland e Plateau.

O objeto empírico da pesquisa foi o Assentamento Angélicas, criado em 2005 e localizado no município de Aparecida-PB, no Sertão da Paraíba. O processo de desapropriação da então Fazenda Angélicas foi desencadeado pelo pedido de vistoria, encaminhado ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), através do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Aparecida-PB (STRA - PB), com o apoio da Comissão Pastoral da Terra - Coordenação da Paraíba (CPT - PB). Foram assentadas 34 famílias, das quais, a maioria era de moradores e ex-moradores da própria fazenda, havendo casos em que

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um mesmo grupo familiar de assentados congrega quatro gerações - moradores mais antigos nascidos na fazenda desapropriada, um deles com 86 anos de idade, outro com 75 e outro com 74 anos - os filhos, netos e bisnetos desses assentados. Também há as famílias de dois ex-empregados da fazenda: o vaqueiro e o técnico agrícola.

O recorte teórico-metodológico: construindo o objeto

O conceito de figuração expressa a ideia de que os seres humanos são interdependentes e devem ser entendidos enquanto tais. O cerne desta pesquisa consiste justamente em realizar uma abordagem que privilegie a compreensão das teias de

interdependência que formam as figurações e ao mesmo tempo as transformam. Dinâmicas de mudança numa figuração podem ser explicadas a partir de modelos abrangentes que mapeiem, temporal, espacial e simbolicamente, as relações sociais, econômicas, políticas e culturais de um grupo ou sociedade. Nesse sentido, a abordagem figuracional permite a compreensão das relações de interdependência existentes entre os diferentes grupos sociais e no interior destes (MIRANDA, 2011).

Em termos analíticos, o estudo de uma figuração não pode ser dissociado das categorias de interdependência, função e coerção, centrada na compreensão dos condicionamentos que os seres humanos estabelecem mutuamente e nas transformações que sofrem, individualmente ou em grupo, devido ao aumento ou redução de suas interdependências e às variações de poder (QUINTANEIRO, 2006). Quanto ao conceito de processo social, Elias assevera:

O conceito de processo social refere-se às transformações amplas, contínuas, de longa duração - ou seja, em geral não aquém de três gerações - de figurações formadas por seres humanos, ou de seus aspectos, em uma de duas direções opostas. Uma delas tem, geralmente, o caráter de uma ascensão, a outra o caráter de um declínio. [...] Logo, é inerente às peculiaridades dos processos sociais que eles sejam bipolares. [...] Analogamente, os instrumentos conceituais para a determinação da investigação de processos sociais são pares conceituais como integração e

desintegração, engajamento e distanciamento, civilização e descivilização, ascensão e declínio (ELIAS, 2006, p. 27-28).

Desse modo, acredito dispor de instrumentos conceituais mais adequados à realidade, com os quais se pode evitar o tradicional dilema da sociologia que é a dicotomia entre indivíduo e sociedade.

Já a teoria dos bens comuns, como formulada por Elinor Ostrom (1990), em seu modelo analítico e explicativo, demonstra que grupos de indivíduos, com interesses em

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recursos comuns, podem se organizar e se transformar nos agentes de defesa da proteção e uso sustentável desses recursos. Essa autora sustenta que trata-se de uma teoria dos arranjos institucionais relacionados ao governo e manejo efetivos de recursos comuns.

Para defesa dessa teoria, Ostrom fundamentou-se em evidências produzidas em vários estudos realizados ao redor do mundo. Tais evidências contradiziam verdades solidamente construídas no meio acadêmico, como por exemplo, a defendida por Garret Hardin (1980) que tinha como pressuposto a privatização ou o controle estatal como solução para a preservação de patrimônios pertencentes a uma sociedade ou grupo.

Contrária a essa ideia, a teoria dos bens comuns articula quatro esferas de análise, (Ostrom, 1990 apud Cunha, 2004, p. 19): "a) a estrutura do sistema de recursos comuns; b) os atributos e o comportamento do grupo de usuários; c) as regras de acesso e uso que os usuários utilizam para manejar o recurso comum; e d) os resultados obtidos pela adoção dessas regras e pelo comportamento dos usuários". Além disso, foram considerados fatores externos e internos ao grupo, analisados à luz da ecologia política

A análise dessas esferas se mostrou fecunda, no contexto específico do Assentamento Angélicas, uma vez que há um bom número de famílias "antigas", residentes nessa propriedade há várias décadas, com alguns indivíduos nascidos na década de 1930, fator fundamental para esclarecer alguns aspectos, que só a memória coletiva dos que viveram o processo social evidenciado nessa pesquisa poderia informar.

Considerando os aspectos figuracionais dos processos que engendraram as mudanças ambientais e sociais ocorridas na Fazenda/Assentamento Angélicas, foi pertinente recorrer também à perspectiva do novo institucionalismo, no sentido de relacionar o regime de apropriação privada dos recursos, existente antes da desapropriação (propriedade privada) e o regime existente depois da criação do assentamento (misto de propriedade estatal/propriedade comum/propriedade familiar/privada).

Optei por tais referenciais teóricos por acreditar que estes oferecem ferramentas adequadas à articulação necessária entre as teorias, a metodologia e as técnicas e instrumentos metodológicos aplicados, para a coleta e sistematização das informações que permitiram a compreensão e elucidação das questões levantadas.

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Objetivos

Busquei, nessa pesquisa, compreender o processo social ocorrido na Fazenda/Assentamento Angélicas entre 1930 e 2010 e, a partir disso, refletir sobre as dinâmicas sociais dos processos de mudança ambiental, e, nesse sentido, relacionar as mudanças ambientais às transformações figuracionais, a partir da história da propriedade, incluindo nessa perspectiva sua história ambiental, na medida em que tratei das formas de acesso e uso dos recursos naturais.

Para facilitar a compreensão, delimitei três períodos do processo social pesquisado, considerando para cada período as figurações (formadas por moradores e proprietários e, posteriormente, assentados e agentes estatais e não estatais), o regime de propriedade e os arranjos institucionais para regulação do acesso e uso dos recursos naturais. Cada período recebeu uma denominação relacionada ao sobrenome da família detentora do direito de propriedade à época, quando estava sob o regime de regulação privada e, a denominação Assentamento Rural, quando j á estava sob um regime de regulação em que percebi elementos de propriedade estatal, comunal, familiar/privada. Assim, o primeiro período, de 1930 a 1980, foi denominado período Meira; o segundo período, de 1980 a 2005, foi denominado período

Gadelha; e o terceiro período, de 2005 a 2010, foi denominado período Assentamento Rural.

Os meus questionamentos acerca da problemática formulada foram no sentido de compreender, nos três períodos do processo social, as transformações nas figurações - o que pressupõe diferentes relações de poder - e as dinâmicas de mudança ambiental: as transformações no uso da terra e dos demais recursos naturais e bens comuns, os possíveis conflitos ambientais existentes e as estratégias adotadas de regulação do acesso e uso dos recursos naturais. Para tanto tomei como referência o seguinte princípio:

A tarefa de uma teoria dos processos sociais consiste no diagnóstico e na explicação das tendências de longo prazo e não planejadas, mas ao mesmo tempo estruturadas e orientadas, no desenvolvimento de estruturas da sociedade e estruturas da personalidade, que constituem a infra-estrutura daquilo que em geral denominamos

história (ELIAS, 2006, p. 197).

No assentamento, além dos grupos familiares que passaram a residir naquela localidade a partir da criação do assentamento, convivem também, como informado anteriormente, grupos familiares cujos membros mais idosos vivem na propriedade desde que nasceram. Esses moradores mais antigos tiveram filhos e netos, que por sua vez nasceram, cresceram, também constituíram família e continuam vivendo na propriedade, congregando

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até quatro gerações de uma mesma família. A partir dessa constatação, verifiquei que esses assentados (em especial os mais idosos) dispunham de informações valiosas sobre a história da propriedade, baseadas nas experiências vividas no passado e na memória coletiva construída ao longo do tempo.

Hipótese

A minha hipótese é que as mudanças ambientais e respectivas mudanças nas formas de regulação do acesso e uso dos recursos, estão, em grande medida, relacionadas às figurações e ao regime de propriedade (o que remete às relações de poder). Assim, as transformações no regime de propriedade associadas à criação de assentamentos relacionam-se com desafios de instituição e regulação de novas formas de acesso e uso dos recursos naturais, particularmente aqueles que passam a assumir o status de bens comuns, ainda que estes estejam, também, sob regulação estatal, caso das áreas de reserva legal e de preservação permanente, por exemplo. Acredito que esses desafios, quando bem assimilados, podem evitar a "tragédia dos comuns".

O resgate histórico das relações desses moradores com o meio ambiente e com o poder dominante neste espaço, ao longo desses anos, permitiu a compreensão das dinâmicas dos processos sociais ocorridos, observando as categorias de ascensão e declínio presentes nesses processos, e sua influência nas formas de acesso e uso dos recursos naturais, bem como as coerções, ou os arranjos estabelecidos pelos proprietários, tanto para os moradores/assentados quanto para indivíduos externos à comunidade.

A definição desse objeto de estudo se deve a diversos fatores, dentre os quais, a ausência de estudos recentes que tratem da questão ambiental em assentamentos rurais, atrelada ao processo social no qual se deu nesse espaço, o declínio do modelo de estrutura fundiária tradicional, ou seja, a história sócio-ambiental de uma propriedade privada e seus moradores, e sua transformação em propriedade estatal/comum, com vistas ao parcelamento das terras, em favor de um grupo historicamente excluído desse direito.

Um outro fator, muito decisivo para mim advém da minha curiosidade em saber mais sobre personagens, fatos e lugares, que compõem o enredo e o cenário dessa história, e que, em alguns momentos, se confunde com a história de pessoas da minha família. O meu avô paterno foi um dos "gerentes" da Fazenda Angélicas, quando esta era de propriedade de Nelson Meira. Nesse local, nasceram e foram criados o meu pai e seus oito irmãos. Meu

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irmão mais velho também nasceu nessa Fazenda, mas minha família deixou a propriedade quando ele tinha 06 meses de idade. Por esses motivos, tive alguns contatos, embora muito esporadicamente, com a história dessa fazenda.

Em 2001, meu irmão mais velho, já técnico agrícola, foi contratado para trabalhar na Fazenda Angélicas, para prestar assistência técnica em um projeto de fruticultura irrigada. A partir desse marco, novamente voltei a ter contato com a fazenda e seus moradores e, por fim, sobre a desapropriação da mesma para fins de reforma agrária. Esses acontecimentos recentes, como a desapropriação e transformação da fazenda em assentamento rural, despertaram em mim a curiosidade sobre o processo que resultou em tamanhas e significativas mudanças naquela propriedade. Refletindo sobre tais acontecimentos tive alguns insights e falei com o meu orientador sobre as minhas inquietações e pretensões à respeito da minha pesquisa, e assim, fui orientada a buscar compreender processos de mudança fíguracional e ambiental nessa propriedade, reconstruindo a sua história ambiental.

O contexto empírico da pesquisa

O imóvel objeto da pesquisa empírica deste trabalho, denominado até outubro de 2005 de Fazenda Angélicas, e, posteriormente, em virtude da desapropriação realizada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Regional da Paraíba (INCRA-PB), no citado mês e ano, denominado Assentamento Angélicas, está localizado na região Nordeste, no Estado da Paraíba, entre os municípios de Sousa, Aparecida e São José da Lagoa Tapada. A distância entre o assentamento e a sede do município de Aparecida é de 14 Km, e entre o assentamento e a cidade de Sousa é de 34 km. Quanto à localização geo-política, faz parte da zona rural do município de Aparecida. Esses municípios situam-se na sub-região brasileira denominada Semi-árida e sub-região nordestina denominada Sertão. O mapa 1 mostra a situação desses municípios em relação ao Estado e o mapa 2 a situação do Assentamento em relação aos municípios.

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Mapa 2

Situação do imóvel (Assentamento) em relação aos municípios Aparecida, São José da Lagoa Tapada e Sousa

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A área classificada oficialmente como a sub-região do Semi-árido brasileiro passou por uma atualização em sua delimitação em 2005, determinada através da Portaria do Ministério da Integração Nacional - MI. Essa nova delimitação geográfica foi estabelecida com base no resultado obtido por um grupo de trabalho, formado por uma equipe interministerial que utilizou critérios técnicos como o índice pluviométrico, o índice de aridez e o risco de seca, para a seleção e inclusão de novos municípios. Assim, 102 municípios enquadrados em pelo menos um dos três critérios passaram a integrar o semiárido brasileiro, juntamente com os 1.031 municípios já incorporados anteriormente, totalizando 1.133

municípios (mapa 3).

Mapa 3

Mapa do Semi-árido Brasileiro Fonte:

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O que caracteriza essa sub-área são aspectos de origem climática, hídrica e fitogeográfica, tais como "baixos níveis de umidade, escassez de chuvas anuais, irregularidade no ritmo de precipitações ao longo dos anos, prolongados períodos de carência hídrica, solos problemáticos tanto do ponto de vista físico quanto do geoquímico [...] e ausência de rios perenes" (AB'SÁBER, 1999, s.p). Quanto às características climática e da vegetação as informações são:

Em termos climatológicos o Município de Aparecida [onde está localizado o Assentamento Angélicas] está inserido no denominado "polígono das secas" constituindo um tipo semi-árido quente e seco, segundo a classificação de Koppen (1956). As temperaturas são elevadas durante o dia, amenizando a noite, com variações anuais dentro de um intervalo de 23 a 30° C, com ocasionais picos mais elevados, principalmente durante a estação seca. O regime pluviométrico, além de baixo é irregular com médias anuais de 920,0 mm/ano, com mínimas e máximas de 528,9 e 1777,4 mm/ano respectivamente. Devido às oscilações dos fatores climáticos, podem ocorrer variações com valores para cima ou para baixo do intervalo referenciado. No geral, caracteriza-se pela presença de apenas 02 estações: a seca que constitui o verão, cujo clímax é de Setembro a Dezembro e a chuvosa denominada pelo sertanejo de inverno, restrito a um período de 3 a 4 meses por ano. A vegetação é de pequeno porte, típica de caatinga xerofítica, onde se destaca a presença de cactáceas, arbustos e arvores de pequeno a médio porte (CPRM -SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL, 2005, p. 3).

O Assentamento possui uma área total de 1.016 hectares, das quais, mais de 50% desse total correspondem às áreas de reserva legal (RLs) e de preservação permanente (APPs), determinadas por lei, que no assentamento são as áreas de "reserva da serra" e as áreas próximas aos "reservatórios de água" (açudes, barragens, riachos).

Quanto aos recursos hídricos, o Assentamento conta com um açude grande (Açude da Sede) com capacidade de mais de três milhões de metros cúbico de água, três açudes de pequeno porte (Açude do Belém de Baixo 1, Açude do Belém de Baixo 2 e Açude do Mororó) e uma pequena barragem. Ainda existem reservatórios como tanques, poços artesianos e amazonas e cisternas nas residências com capacidade para dezesseis mil litros de água, sendo algumas do tipo cisterna calçadão, com capacidade para cinquenta e seis mil litros de água.

No Assentamento, encontram-se 34 unidades familiares com o título de posse. Chama a atenção o fato de que em dezembro de 2010, apenas 03 destas unidades familiares estavam ocupadas por pessoas que não eram moradoras ou não tinham vínculos familiares com ex-moradores da fazenda (as indicadas pelo sindicato).

As demais (31 unidades) eram ocupadas por pessoas que moravam na fazenda, por

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Nesse grupo estão incluídos também casos de familiares de moradores que se instalaram na fazenda, j á considerando a provável desapropriação e, por conseguinte, se anteciparam na "defesa de seu quinhão" e, ainda, os filhos de moradores que se apressaram em casar, com o mesmo objetivo e os que casaram depois da desapropriação e foram ocupando as unidades que vagaram, em decorrência de desistências, descumprimento de prazos, entre outros motivos que levaram algumas famílias a deixarem o assentamento.

Metodologia: estratégias e técnicas

Para a realização de uma pesquisa que objetivou compreender o processo social ocorrido numa propriedade entre 1930 e 2010, e suas dinâmicas de transformações figuracionais e mudanças ambientais, foi exigido da pesquisadora uma atenção redobrada quanto à definição do aparato teórico-conceitual-metodológico adequado a uma pesquisa dessa natureza. Minayo (2007. p. 15) lembra que a metodologia "inclui as concepções teóricas da abordagem, articulando-se com a teoria, com a realidade empírica e com os pensamentos sobre a realidade".

Nesse sentido, foi necessário pensar criativamente num modelo abrangente que pudesse mapear temporal, espacial e simbolicamente, as relações sociais, econômicas, políticas e culturais nesse objeto empírico de pesquisa. Dessa forma o processo social analisado foi mapeado em períodos. Cada período recebeu uma denominação relacionada ao sobrenome da família detentora do direito de propriedade à época, quando estava sob o regime de regulação privada e, a denominação Assentamento Rural, quando j á estava sob um regime de regulação em que percebi elementos de propriedade estatal, comunal, familiar/privada.

Assim, o primeiro período, de 1930 a 1980, foi denominado período Meira; o segundo período, de 1980 a 2005, foi denominado período Gadelha; e o terceiro período de 2005 a 2010, foi denominado período Assentamento Rural.

A presente pesquisa incluiu uma revisão bibliográfica sobre o tema da pesquisa, a utilização de instrumentos como entrevistas para coleta de relatos orais, aplicação de questionário e pesquisa em material documental escrito, como certidões cartoriais, pesquisa genealógica da família Meira e atas das assembleias da Associação de Agricultores do Assentamento Angélicas (ASSAGASSANGE).

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As entrevistas foram realizadas com alguns assentados estratégicos para a obtenção de informações primordiais para a compreensão almejada, do processo social em análise. Dessa forma entrevistei quatro assentados/moradores mais antigos; dois assentados filhos e dois assentados netos desses (mais antigos); dois assentados ex-moradores/funcionários, que tinham salário fixo mensal e dois assentados outsiders (que não tinham morado na propriedade antes da desapropriação).

Essas entrevistas puderam resgatar, através da memória coletiva construída ao longo do tempo, e as memórias coletivas mais recentes, as figurações formadas nessa propriedade em cada período delimitado e também as formas de regulação do acesso e uso dos recursos naturais em cada um dos períodos. Concordei com Gomes (2006, p. 17) quando ela afirmou que as entrevistas, mesmo semi-estruturadas, "permitiram explorar com uma maior profundidade, amplitude e liberdade as respostas". Além disso, completa essa pesquisadora, "era possível associar os gestos, as emoções e as omissões aos fatos verbalizados, ao contexto e aos princípios transfigurados nos valores atribuídos pelas pessoas a uma série de elementos materiais e imateriais".

Inicialmente, em janeiro de 2010, estive na fazenda para falar da minha pretensão de pesquisa com o presidente da associação e demais assentados. Em março de 2010 encaminhei à Associação do assentamento uma solicitação de autorização para realização da pesquisa empírica, a qual foi aprovada em assembleia. Assim, em dezembro de 2010 iniciei a aplicação do questionário e em janeiro de 2011 realizei as entrevistas.

Os entrevistados foram os chefes de família da unidade familiar. Nessas ocasiões, eu informava ao entrevistado que ele poderia escolher um local onde pudesse se sentir mais à vontade para a realização da entrevista. No entanto, todos preferiram ser entrevistados em casa, geralmente na presença das esposas, que em alguns momentos também faziam intervenções acrescentando ou esclarecendo informações quando solicitadas pelos maridos.

A aplicação do questionário permitiu a obtenção de informações e dados sobre todas as unidades familiares do assentamento, nos aspectos sociais, econômicos e produtivos, como também sobre o acesso e uso dos recursos naturais no assentamento. Esclareço, que por ocasião das primeiras visitas que fiz às famílias para explicar o objetivo da pesquisa e solicitar a colaboração nessa empreitada, tanto para a concessão de entrevistas, quanto para a aplicação do questionário, eles se mostraram tímidos e receosos de não saberem responder às perguntas.

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Nesse momento eu expliquei que as perguntas seriam relativas aos conhecimentos que eles tinham sobre à história da Fazenda/Assentamento, com informações relativas aos ex-proprietários, aos ex-moradores e assentados e sobre as formas de regulamentação do acesso e uso dos recursos naturais e bens comuns nessa história. Também expliquei que os informantes teriam suas identidades preservadas com a identificação das famílias por código aos quais, só eu e o próprio informantes teríamos acesso. Essa informação os tranquilizou e os deixou à vontade para as entrevistas e a aplicação dos questionários. Assim, estabeleci aleatoriamente, os códigos de FA 1 (Família Assentada 1) a FA 34 (Família Assentada 34). Em alguns momentos eu cito nomes em informações que não comprometem os informantes.

Esclareço ainda, que a pesquisa foi voltada para a obtenção de informações do ponto de vista histórico-figuracional-ambiental dos assentados, sobre as suas memórias e impressões à respeito do processo social em análise. Dessa forma, outros agentes não foram incluídos nas entrevistas e questionários, emergindo nessa pesquisa enquanto agentes passivos, participantes das figurações dos informantes, obtidas através do material coletado.

Os materiais documentais escritos, como as certidões cartoriais, permitiram a confirmação de algumas informações, obtidas através dos relatos orais dos entrevistados, sobre quem eram os donos da propriedade em cada período delimitado. Já a análise das atas foram fundamentais para explicitar como os assentados se organizaram e instituíram arranjos de regulação de acesso e uso dos recursos naturais e bens comuns, para além da regulamentação jurídico/institucional j á existente. Além dos instrumentos e técnicas citadas, lancei mão também da observação, no sentido de apreender a realidade que se revela no cotidiano e evidencia contradições entre o dito, o registrado em regulamentações institucionalizadas ou não e as práticas dos assentados.

Considerando ainda que a discussão que deu sustentação à pesquisa foi baseada na nos conceitos de Figuração e processo social, na teoria dos bens comuns (com suas quatro esferas de análises citadas anteriormente) e nos regimes de propriedade, e considerando também a necessária articulação entre as abordagens teóricas e "o caminho do pensamento e a prática exercida na abordagem da realidade" (Minayo, op. cit. p. 14) utilizei o método da análise e sinopse das configurações como o ponto de convergência, das evidências expressas nos demais métodos e técnicas utilizados na pesquisa para retratar a realidade. Segundo Elias,

a análise e sinopse das configurações consiste em observar e conceituar sistematicamente o modo como os indivíduos se agregam, como e por que eles formam entre si uma dada configuração ou como e por que as

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configurações assim formadas se modificam e, em alguns casos, se desenvolvem (ELIAS, 2000, p. 56).

Esse método desempenha um papel na construção de modelos de grande e pequena escala (modelos de burocracias e vilarejos, de sistemas de relações de força e de famílias); tais modelos e resultados das pesquisas de configurações, dos padrões ou estruturas sociais podem ser tão precisos e fidedignos quanto o resultado da mensuração quantitativa de fatores e variáveis isolados, e, fazem parte de um campo crescente de investigação, cujo desenvolvimento se pauta na possibilidade de revisões críticas e aperfeiçoamentos, fruto de novas investigações (ELIAS. op. c i t ) .

Todo esse instrumental teórico-metodológico permitiu a compreensão do processo social em análise e a elucidação das questões levantadas nessa pesquisa, no sentido de esclarecer até que ponto, o modelo do regime de apropriação dos recursos, as relações figuracionais e suas transformações, podem influenciar nas mudanças ambientais, informadas pelas iniciativas, bem sucedidas ou não, de instituição de arranjos que permitam a preservação e uso sustentável dos recursos naturais e bens comuns.

A estrutura da dissertação

A Dissertação está constituída por uma introdução, cujo texto contempla a apresentação geral dos objetivos e das dimensões teóricas e metodológicas do trabalho, além de quatro capítulos, considerações finais, referências bibliográficas e anexos.

No Capítulo I procurei historicizar o processo de estruturação do espaço agrário paraibano, que por rebatimento tem sua origem no próprio processo de ocupação e colonização do território brasileiro, motivo pelo qual, em primeiro lugar realizei uma breve incursão nessa origem, através de pesquisa bibliográfica. Nesse esforço de compreensão do desenrolar dos principais fatos e ações relacionados à questão agrária brasileira, procurei contextualizar tais fatos e acontecimentos dentro do cenário e dos debates político-econômico-sociais e teóricos nos quais foram conformados, e a partir daí, relacionar com o contexto histórico específico do objeto de estudo, considerando as suas peculiaridades, uma vez que existe sempre a possibilidade do surgimento de novos elementos, tendo em vista a especificidade de cada localidade.

No capítulo I I apresento as diretrizes teórico-metodológicas que inspiraram as análises realizadas nesta dissertação. Em síntese, trata-se de um esforço de, a partir da teoria

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dos recursos comuns, de Ostrom (uma crítica ao trabalho de Hardin, a tragédia dos Comuns), e do debate acerca dos regimes de propriedade, incorporar a dimensão histórica - recorrendo para isso ao conceito de figuração e processo social proposto por Norbert Elias e à ideia de mudança ambiental, na perspectiva da ecologia política.

No capítulo I I I reflito sobre as relações entre mudança social e mudança ambiental a partir das transformações nas figurações (relações de poder), considerando duas variáveis principais: as transformações nos regimes de propriedade, que levaram do latifúndio ao assentamento, no processo social analisado, com as transformações nas formas de uso dos recursos naturais, dando maior ênfase nesse capítulo ao recurso solo, ao analisar as atividades produtivas desenvolvidas nos três períodos delimitados. Para isso, foi preciso apresentar a Fazenda/Assentamento Angélicas, em suas características passadas e presentes.

No capítulo IV, as relações entre processo social e mudança ambiental são analisadas a partir das transformações nas formas de regulação do acesso e uso de recursos naturais na Fazenda/Assentamento Angélicas, nos três períodos delimitados nos últimos 80 anos. Pautei minha análise em duas abordagens teóricas cujos questionamentos e reflexões se complementam, no debate aqui proposto: a ecologia política, que apresenta elementos analíticos primordiais para a pesquisa dos conflitos ambientais e processos de mudança ambiental e a teoria dos recursos comuns, que defende a capacidade humana de organizar estratégias de proteção a recursos que pertencem a uma sociedade ou grupo, de modo a garantir tanto a sua preservação quanto o seu uso sustentável, e garantir ainda que os benefícios desses recursos sejam estendidos a todo o grupo (OSTROM, 1990). Considerei as formas de regulação relativas a recursos como solo, matas/madeira, animais/caça, água/açudes e demais reservatórios, pesca e demais bens comuns.

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C A P I T U L O 1

QUESTÃO AGRÁRIA B R A S I L E I R A E QUESTÃO A M B I E N T A L : M A R C O S D E REFERÊNCIA NUMA P E R S P E C T I V A D E P R O C E S S O S S O C I A I S

Apesar da dimensão ambiental estar presente em diversas leis agrárias do Brasil, inclusive no Estatuto da Terra (Lei n° 4.504/64), até bem pouco tempo a variável ambiental foi negligenciada nas discussões, propostas e execução da reforma agrária (ARAÚJO, 2006). Somente em 1987, com a criação da modalidade de Projeto de Assentamento Extrativista, a variável ambiental foi introduzida nas atividades do INCRA. No tocante aos Assentamentos de Reforma Agrária merece destaque a introdução do Programa de Assessoria Técnica Social e Ambiental - ATES, das Normas de Execução n° 43 e 441 (NUNES, 2008) e a aprovação da

Resolução CONAMA n° 289/2001, que instituiu diretrizes para o licenciamento ambiental de Projetos de Assentamento de Reforma Agrária.

No meio acadêmico, o debate específico que faz interseção da questão ambiental em áreas de assentamento de reforma agrária prescindem, ainda, de um maior dimensionamento, tendo em vista a complexidade dessa relação e a variedade de aspectos que podem ser averiguados nesse contexto. Na maioria das vezes, as pesquisas realizadas quando contemplam a questão ambiental, o fazem de forma indireta, ou então, como questão secundária.

Entretanto, alguns especialistas têm chamado a atenção para a necessária inclusão, nas pesquisas que se propõem a retratar essa realidade social, de perspectivas que possam ampliar o dimensionamento dessa intrínseca e complexa relação. Dessa forma, "qualquer diagnóstico da realidade social deve partir, primeiramente, do esforço de compreensão dos processos históricos que conformaram esta realidade (CUNHA et al., 2005, p. 42). Neste Capítulo, realizei o primeiro esforço de compreensão desses processos.

1 estabelecem os procedimentos para aplicação dos recursos destinados à recuperação/conservação de recursos

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1.1 A QUESTÃO AGRÁRIA NO B R A S I L

A estrutura fundiária brasileira, cuja característica marcante é a concentração de terras nas mãos de poucos proprietários, teve sua origem na forma de ocupação do território pelos colonizadores. Desde a chegada e 'invasão' do chão brasileiro pelos portugueses, em

1500, até a Independência, em 1822, a coroa portuguesa mantinha o monopólio da propriedade de todo o território brasileiro, optando pela "concessão de uso", com direitos hereditários da posse e exploração das terras, entretanto, sem direito a venda ou compra, uma vez que não havia ainda legislação que regulamentasse a propriedade privada das terras. Esse processo se deu, inicialmente, com o sistema de capitanias hereditárias, que consistiu na doação de grandes extensões de terra a senhores de posses vinculados à Coroa Portuguesa, e, posteriormente, com a concessão de Sesmarias (STEDILE, 2005).

Como critérios fundamentais para a "concessão de uso", com direito a herança, figuravam a posse de capital e o compromisso, por parte do donatário, de produzir mercadorias para exportação, destinadas ao mercado europeu, atendendo dessa forma, às necessidades de consumo e aos interesses mercantis capitalistas que j á se instalara na Europa. Para este fim, foi adotado o modelo de produção agrícola denominado líplantatiorí\

caracterizado pela prática da monocultura em grandes fazendas de área contínua, com a utilização de mão-de-obra escrava (STEDILE op. cit.).

Após a Independência, por volta de 1950, o regime escravocrata estava em crise, a Coroa Brasileira era pressionada pela Inglaterra para que houvesse a substituição do trabalho escravo pelo trabalho assalariado. Era iminente a abolição da escravidão. Antevendo esse fato e utilizando-se de uma manobra jurídica na qual se impedia, ainda que de forma implícita, que os futuros ex-escravos ocupassem pequenas áreas de terra, D. Pedro I I , então Imperador do Brasil, promulgou a Lei 601 (Lei de Terras), em 18 de setembro de 1850.

Ora, j á havia por essa época muitas revoltas populares, como também mobilização por parte de grupos abolicionistas que promoviam fugas de escravos revoltados contra as condições de vida e trabalho, às quais estavam submetidos. Era crescente o número de escravos fugitivos que iam se juntar a outros tantos em quilombos. Além disso, pequenas

2 Cultura exclusiva dum produto agrícola (Ferreira, 2004, p. 1.354). No caso citado tratava-se da monocultura da

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áreas de terras devolutas3 estavam sendo ocupadas por homens livres. Embora essa ação não

promovesse mudanças perceptíveis na estrutura fundiária, era preciso barrar essa via de ocupação de terras, considerando inclusive, que com a inevitável abolição que se enunciava, multidões de escravos que se tornariam homens livres, logo em breve, poderiam se tornar camponeses, ocupando pequenas áreas de terra.

A Lei de Terras determinou então que "qualquer" cidadão brasileiro poderia se tornar proprietário privado de terra, "desde que pudesse comprá-la". Na verdade, essa possibilidade tinha como objetivo evitar a ocupação de terras devolutas via regime de posse ou direito de usucapião4. Como o preço das terras era elevado, os futuros ex-escravos não poderiam

comprá-las e permaneceriam, portanto, dependentes dos fazendeiros, como assalariados. Assim, a partir desse marco jurídico, a terra (um bem da natureza) passou a ser mercadoria (bem de valor), favorecendo a consolidação da estrutura fundiária baseada no latifúndio, socialmente injusto e excludente, acessível apenas aos ricos (ibidem).

Na trajetória dos processos sociais e históricos ocorridos no Brasil, alguns momentos foram marcantes, em certos aspectos da questão agrária:

• o processo de eliminação do trabalho escravo iniciado em 1851 que culminou com a abolição da escravatura em 1888. Segundo Stedile (2005), quase dois milhões de adultos ex-escravos abandonaram o trabalho agrícola e se dirigiram às cidades, agravando a crise existente no modelo agroexportador de produção: chega ao fim o modelo plantation. Embora tenha aumentado o número de propriedades rurais nessa época, não

houve, entretanto, mudanças significativas na estrutura agrária;

• a proclamação da República, cujo período conhecido como República Velha (1889-1930) foi dominado pela oligarquia5 cafeeira, em que predominava, no setor

agrícola, a utilização de mão-de-obra exercida por imigrantes, principalmente camponeses

3 "Terras devolutas podem ser definidas como aquelas que pertencem ao Estado, sem que tenham algum uso

público já determinado" (Araújo, 2005. p. 21).

4 Segundo Ferreira (op. cit. p. 2.027) é "modo de adquirir propriedade móvel ou imóvel pela posse pacífica e

ininterrupta da coisa durante certo tempo".

5 Governo de poucas pessoas. Ocorre quando um pequeno grupo de pessoas pencentes a uma mesma família,

grupo econômico ou de um partido governa um país, estado ou município. Nessa forma de governo os interesses políticos e econômicos do grupo que está no poder prevalecem sobre os da maioria.

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pobres europeus, excluídos pelo sistema capitalista que avançava na Europa no final do século XLX. A esse novo regime de trabalho, deu-se o nome de colonato6; e,

• a Revolução de 1930 que provocou a queda da oligarquia cafeeira e alavancou o processo de industrialização. Do ponto de vista da questão agrária, o período que vai de 1930 a 1945, chamado por alguns teóricos de período nacional desenvolvimentista, foi caracterizado "pela subordinação econômica e política da agricultura à indústria. As oligarquias rurais continuam donas das terras, continuam latifundiárias e produzindo para exportação, mas não mais detêm o poder político" (STEDILE, 2005, p. 28).

No que pese a importância desses fatos para a vida política e econômica do país, influenciando em alguns aspectos da questão agrária, observa-se, entretanto, que até meados do século X X , não houve mudanças significativas na distribuição das propriedades privadas, mantendo-se inalterada a estrutura fundiária (SPAROVEK, 2003).

No final da década de 1950 e início da década de 1960, surgiram organizações no campo, como as Ligas Camponesas do Nordeste com militâncias políticas de trabalhadores rurais e movimentos sociais. Tais "organizações passaram a contestar o grau de desigualdade social e de concentração fundiária existente no País e pressionaram o governo para a realização da reforma agrária" (MIRALHA, 2006 apud ARAÚJO, 2006, p. 26).

Em resposta a essas ações, foi criada, em 1962, a Superintendência de Política Agrária - SUPRA e em 1963 foi aprovado o Estatuto do Trabalhador Rural. Estas foram as primeiras medidas que acenavam para a realização da reforma agrária. O então Presidente João Goulart contrariava os interesses das elites agrárias nacionais, ao tomar medidas que poderiam dar início à efetiva desapropriação de terras e ao propor mudanças na Constituição Federal, no sentido de promover a reforma agrária, o que gerou uma série de reações, das quais, o crescente interesse pela questão e a pressão popular pela reforma na estrutura fundiária e nas relações de trabalho no campo, são apontadas por Prado Jr. como alguns dos fatores que estimularam o golpe militar de 1964, que depôs o citado Presidente.

Entretanto, é preciso destacar que o golpe se deu, mais como uma reação aos movimentos dos trabalhadores rurais e movimento social pelas reformas em geral, que como uma reação exclusiva ao programa fundiário do governo João Goulart, uma vez que este pautava-se pelo "reformismo populista", e não se propôs de fato a acabar com o latifúndio,

6 Regime de produção sob a forma de colonato, assim rotulado por sociólogos, foi o estabelecimento de relações

sociais específicas na produção de café, entre os fazendeiros e os colonos, não se tendo noção de sua adoção em nenhum outro país ( S T E D I L E , 2005, p.25).

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muito menos investiu pesado nas reformas de base. Era temível sim, a possibilidade de realização de uma reforma agrária 'na marra', pela via alternativa proposta pelo movimento dos trabalhadores rurais. Havia o perigo de uma eventual ruptura de alianças tradicionais que, até então, davam sustentação às formas de dominação, prevalecentes no campo brasileiro (MENDONÇA, 2006).

O debate político em torno da questão, por esse viés da reforma, foi então interrompido, passando a discussão a focar outras dimensões, notadamente pelo pensamento de economistas conservadores que tinham suas preocupações voltadas para a "oferta e demanda de produtos agrícolas e seus efeitos sobre os preços, a taxa de emprego e o comércio exterior" (DELGADO apud ARAÚJO, 2006, p. 26). Não obstante, o governo militar precisava incluir a reforma agrária em sua agenda política, em resposta, tanto a pressões externas, pelo compromisso assumido com a assinatura da Carta de Punta dei Leste7, quanto

pela necessidade de evitar novos conflitos que poderiam ser desencadeados pelos movimentos dos trabalhadores rurais.

Assim, um dos primeiros atos do Governo de Castelo Branco (primeiro governo militar) foi a promulgação do Estatuto da Terra, que, segundo Mendonça,

teve como especificidade o fato de conter em seu bojo duas estratégias distintas: uma claramente 'distributivista', voltada à democratização da propriedade da terra; e outra, produtivista, concentradora, já assinalando a opção que prevaleceria nos anos de 1970, a assim chamada 'modernização conservadora (MENDONÇA, 2006, p. 39).

Não se tratava, portanto, de uma legislação ameaçadora do latifúndio, mas um instrumento para forçar a modernização no campo, inserindo neste o conceito de empresa, a qual era isenta de desapropriação, segundo o referido Estatuto. Desse modo, para fins de reforma agrária, o instituto da desapropriação, na prática, não surtiu efeito. Lima (2007) afirma que, não havendo interesse, por parte do governo militar, em alterar, de fato, a estrutura fundiária, este priorizou o deslocamento de levas humanas para regiões pouco habitadas.

Assim, a partir de 1970, o governo lançou vários programas especiais de desenvolvimento regional, entre os quais, o Programa de Integração Nacional - PIN (1970); o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste -PROTERRA (1971); o Programa Especial para o Vale do São Francisco - PROVALE (1972);

7 No artigo 6o deste documento, os países se comprometem a impulsionar, respeitando as particularidades de

cada país, programas de reforma agrária integral.[...] a fim de substituir o regime de latifúndios e mmifündios por um sistema justo de propriedade (GUEDES PINTO, 1996 apud ARAÚJO, 2006, p. 26).

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O Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia - POLAMAZÔNIA (1974); O Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste -POLONORDESTE (1974) (BRASIL, 1997).

Destes, os que mais mereceram atenção e recursos foram o PIN e o PROTERRA. O PIN objetivava ocupar parte da Amazônia, ao longo da Rodovia Transamazônica, através de projetos de colonização em torno de agrovilas. Contudo, estudos demonstraram que na prática, o número de famílias assentadas foi reduzido, o impacto sobre a região foi insignificante e os custos dessa empreitada foram muito altos. O PROTERRA também deixou a desejar: além de conceder muitos benefícios aos proprietários das terras - estes escolhiam as áreas a serem desapropriadas, recebiam o pagamento à vista e ainda tinham direito a créditos altamente subsidiados - assentou apenas cerca de 500 famílias depois de quatro anos de criação (BRASIL, op cit.).

Em suma, nos primeiros anos de vigência do Estatuto da Terra, o Capítulo referente à reforma agrária foi abandonado, enquanto que o que tratava da política agrícola foi executado em larga escala, com a modernização do campo. Nesse modelo de modernização econômica da agricultura brasileira, os trabalhadores rurais foram submetidos à lógica da agricultura capitalista, em detrimento da produção agrícola em unidades familiares.

Autores como Delgado (1997) e Stedile (2005) enfatizam que esse processo de modernização conservadora8 foi impulsionado por algumas iniciativas do Estado que

privilegiavam as empresas capitalistas. Entre outras iniciativas, Delgado (op. cit.) destaca a criação do sistema nacional de crédito rural, o estímulo às exportações de grãos, especialmente a soja, o estabelecimento de políticas de incentivos, que ofereciam tanto benefícios fiscais quanto facilidades de créditos financeiros, para a produção de algumas culturas, a exemplo do Programa Nacional do Álcool - PROALCOOL, como também, a implantação dos complexos agroindustriais e, ainda, o fomento à produção de matéria prima e insumos agrícolas (ferramentas, máquinas agrícolas, adubos químicos, agrotóxicos, etc).

Acompanhando as transformações ocorridas na base técnica da produção no campo foram observadas também mudanças significativas nas relações sociais de produção, como o avanço do assalariamento no campo, a expropriação e/ou expulsão de camponeses das terras, o crescente êxodo rural estimulado pela lógica capitalista que propagava a ilusão de uma vida

8 "Processo de industrialização da agricultura com a manutenção das suas estruturas, ou seja, com a permanência

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melhor para os filhos de camponeses, seduzidos por empregos e salários ao trabalharem como operários nas fábricas.

Os camponeses cumpriam, dessa forma, tanto o papel de fornecer mão-de-obra barata à nascente indústria na cidade, quanto os que ficaram no campo, o de produzir alimentos a preços baixos para a cidade, em especial para suprir a demanda da nascente classe operária. O crescente movimento migratório para as grandes cidades, por sua vez, provocou uma urbanização acelerada com uma generalização do subemprego nas grandes cidades, baixos salários e a formação do chamado exército de reserva 9 (STEDILE, 2005). Enfim, no

campo ou expulsos para a cidade, permanecia a condição de pobreza, exclusão e subordinação às elites dominantes.

E interessante observar que as medidas tomadas pelo Estado, embora revestidas de propósitos que acenavam para mudanças na estrutura fundiária, na verdade, guardavam em sua essência, propósitos "reformistas" que buscavam integrar ou adaptar o setor agrário aos interesses do capital comercial, industrial e financeiro, e, em grande medida, privilegiavam sempre as classes dominantes, que sabidamente, sempre foram ferrenhos opositores à idéia de reforma agrária. Stedile, ao realizar a apresentação do trabalho de Sônia Maria Mendonça, intitulado A classe dominante agrária: natureza e comportamento - 1964-1990 (2006) corrobora com esse entendimento, ao sintetizar tão bem o pensamento da referida autora sobre a classe dominante agrária. Vejamos:

O texto nos auxilia no entendimento do papel que essas classes dominantes desempenham no cenário político-econômico-ideológico, suas formas de organização, seus vínculos com o Estado Brasileiro, o domínio que exercem sobre esse Estado e sobre os poderes constitucionais e o uso que fazem das instituições e da legalidade para manter seus privilégios ( S T E D I L E , 2006, p. 12).

Assim, o período histórico de 1965 a 1982 representou uma fase de grande desenvolvimento da agricultura capitalista, aliada à economia industrial e urbana e com fortes influências da economia externa. Delgado (2005, p.21) refere-se a esse processo de modernização como "um pacto agrário tecnicamente modernizante e socialmente conservador". Essa política contraditória no setor agrário provocou, no final da década de

1970 e início da década de 1980, uma série de conflitos e com eles muita violência nas lutas sociais no campo.

9 consiste no excedente de mão-de-obra desempregada, essencial para o funcionamento do capitalismo, pois é ele

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Nesse mesmo período, inaugura-se uma nova fase de ordem econômica e política no País, houve um recuo no ciclo do crescimento econômico e chegou ao fim a ditadura militar. Aumentaram as lutas por mudanças no campo: dos posseiros contra as grandes fazendas; dos seringueiros contra a devastação de suas florestas; de indígenas pela demarcação de suas terras, de pequenos agricultores atingidos por obras públicas modernizantes, e, outros tantos, agricultores sem terra. Enfim, nesse contexto, ocorreu uma série de articulações entre os movimentos e entidades engajadas na defesa dessa questão.

Pode-se dizer que houve uma oxigenação das forças sociais no país, e com relação à questão fundiária, surgem vários movimentos em defesa da reforma agrária, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a reorganização da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), além, do fortalecimento da Comissão Pastoral da Terra e do surgimento de organizações não-governamentais, também em defesa dessa causa (DELGADO, 2005).

Corroborando com esse entendimento Cunha et al. (2005) afirmam que entre os principais fatos políticos que influenciaram a reforma agrária no Brasil, como a elaboração da Constituição de 1988 e as transições de governo, também tiveram peso significativo, com forte presença na agenda governamental, "as lutas camponesas no Brasil e os movimentos sociais de trabalhadores sem-terra que emergiram novamente a partir do fim da década de 1970, nas suas mais diferentes organizações" (Cunha et al., op. c i t , p. 43).

Com o fim do regime militar e a redemocratização, a reforma agrária retorna à agenda política governamental, passando a fazer parte do pacto formal do futuro governo de Tancredo Neves, que faleceu antes de assumir o cargo. A Presidência da República foi assumida pelo Vice-Presidente José Sarney, em março de 1985. Já em outubro desse mesmo ano, através de Decreto Presidencial foi aprovado o I Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Também a Constituição Federal aprovada em 1988 destinou o terceiro capítulo ("Da política agrícola e fundiária e reforma agrária"), do sétimo título, à matéria, inserindo o tema de forma definitiva, como prioridade de política pública de Estado (NUNES, 2008). Ainda nesse governo foi criado o Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário - MIRAD.

Após a aprovação desses marcos legais, muitos outros complementares foram editados, numa constante variação entre avanços e retrocessos que contribuíram para a ineficiência e a negligência do Estado, em tornar efetiva a política de reforma agrária. Em suma, mesmo com a redemocratização, com a mudança de governo militar para governo civil,

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com mudança de governantes (José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luis Inácio Lula da Silva) e com um aparato legal que possibilitaria a reforma agrária, esta, de fato não aconteceu, pois as poucas ações implementadas nesse sentido tiveram resultados irrisórios, diante do alto grau de desigualdade na distribuição da terra no Brasil, medida pelo índice de G i m1 0, que em 2006, quando foi realizado o último

censo agropecuário, era de 0,872.

Registre-se que em toda essa trajetória de lutas e de injustiças ligadas à questão agrária (e em algumas vezes atreladas à questão ambiental, como no caso da luta dos seringueiros na Amazônia), foram muitos os conflitos que culminaram com verdadeiras tragédias, algumas emblemáticas, a exemplo do assassinato dos sindicalistas Margarida Alves - PB (1983) e Chico Mendes - AC (1988), o massacre de camponeses em Corumbiara - RO (1995) e em Eldorado dos Carajás - PA (1996).

Outro registro, indispensável para uma melhor compreensão da trajetória desse processo, é o de um importante movimento, contrário ao movimento de reforma agrária, que deu origem à União Democrática Ruralista - UDR, em 1985. Articulando diversas forças em defesa dos grandes proprietários rurais, essa entidade ganhou projeção na mídia e elegeu representantes no Congresso Nacional, chegando ao seu ponto máximo, com o lançamento de Ronaldo Caiado, líder dessa entidade, à presidência da República (STEDILE, 2005). A bancada ruralista na Constituinte, sob o comando da UDR, exerceu grande pressão, no sentido de barrar a maioria dos avanços que poderiam ser estabelecidos na Carta Magna, em favor da reforma agrária. Além disso, essa entidade pregava o uso da força contra as invasões de terras. No início da década de 1990 houve o revigoramento dos movimentos sociais no campo, que se expandiam por todo o país aumentando o poder de pressão sobre o governo. Através de ocupações de fazendas e de atividades articuladas que aconteciam em todo o Brasil, ganharam espaço na mídia e apoio popular. O governo de Fernando Henrique Cardoso tinha como foco principal a política de estabilização econômica e combate à inflação, negligenciando a política de reforma agrária. Entretanto, situações de forte tensão no campo foram registradas em seu primeiro mandato, com o crescente número de ocupações promovidas pelo MST e outras entidades de luta pela terra.

O índice de Gini aplicado à estrutura fundiária mede o grau de desigualdade na distribuição das terras. Numericamente o índice varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de zero menor a desigualdade na distribuição das terras, quanto mais próximo de um, maior a desigualdade na distribuição, ou seja, maior a concentração de terras nas mãos de poucos.

Referências

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