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A formação humana e a literatura: fusão entre o mundo real e a fantasia

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Academic year: 2021

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DHE- DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO CURSO DE PEDAGOGIA

PÂMELA TAÍS AGUIAR DA SILVA

A FORMAÇÃO HUMANA E A LITERATURA: FUSÃO ENTRE O MUNDO REAL E A FANTASIA

IJUÍ/RS 2018

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PÂMELA TAÍS AGUIAR DA SILVA

A FORMAÇÃO HUMANA E A LITERATURA: FUSÃO ENTRE O MUNDO REAL E A FANTASIA

Monografia apresentada ao Curso de Pedagogia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul- Unijuí, sobre A Formação Humana e a Literatura Infantil: Fusão entre o mundo real e o Imaginário, como requisito para obtenção do título de graduada em Pedagogia, sob a orientação da Profª Ms. Lídia Inês Allebrandt

IJUÍ/RS 2018

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PÂMELA TAÍS AGUIAR DA SILVA

A FORMAÇÃO HUMANA E A LITERATURA: fusão entre o mundo real e a fantasia

DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE GRADUADA EM PEDAGOGIA Aprovada em / / .

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________ Profª Ms. Lídia Inês Allebrandt

Mestre em Educação UFSC

__________________________________________________ Prof Dr. José Pedro Boufleuer

Doutor em Educação UFRGS

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Acima de tudo, agradeço a Deus por mais esta realização.

Dedico à minha família, amigos e principalmente à professora Lídia por toda colaboração durante o desenvolvimento deste trabalho.

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RESUMO

Este trabalho, que traz como tema “A Formação Humana e a Relação com a Literatura: fusão entre o mundo real e a fantasia”, ressalta a importância que os contos de fadas têm para com a infância e na construção da subjetividade dos sujeitos. Para tanto, aprofunda referenciais sobre educação, aprendizagens, literatura infantil e psicanálise em perspectiva da formação humana. Analisa a intimidade da criança com o mundo da imaginação e da fantasia, a relação entre literatura, psicanálise e constituição infantil, tendo o conto de fadas como mediador em sua formação. O estudo aponta a literatura como instrumento essencial para a formação humana, promovendo a capacidade de construir significado a suas vivências, além de lições fundamentais com sentido sobre o meio cultural e social em que está inserido.

Palavras-chave: Formação humana. Infância. Literatura Infantil. Formação de Leitores. Contos de Fadas. Educação Básica.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: O gato de botas. 44

Figura 2: O gato de botas e o Rato. 46

Figura 3: O gato de botas e o gigante. 46

Figura 4: O gato de botas e o gigante. 47

Figura 5: Os Três Porquinhos 48

Figura 6: A Bela e a Fera. 50

Figura 7: A Bela e a Fera. 51

Figura 8: A Bela e a Fera. 52

Figura 9: A Bela e a Fera. 53

Figura 10: Os três porquinhos. 54

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 9

2. APRENDIZAGENS E A FORMAÇÃO HUMANA NA INFÂNCIA ... 11

2.1 Educação e aprendizagem no contexto mundo cultural e social: desafios para a formação humana ... 12

2.2 A infância na contemporaneidade: quem são as crianças? ... 13

2.3 O papel da escola e do professor na formação e no desenvolvimento da criança ... 15

2.3.1 A Instituição Escolar ... 16

2.3.2 O professor e a docência ... 17

3. DO REAL AO IMAGINÁRIO: A RELAÇÃO DA CRIANÇA COM O MUNDO DA FANTASIA ... 19

3.1 Breve História da Literatura Infantil ... 21

3.1.1 Literatura Infantil Brasileira ... 23

3.2 O Gênero Literário Infantil: função, características, linguagens. ... 25

4. OS CONTOS DE FADAS: RELAÇÃO ENTRE LITERATURA, PSICANÁLISE E A CONSTITUIÇÃO INFANTIL ... 28

4.1 A Psicanálise e os contos de fadas ... 32

4.2 As histórias infantis nos desenhos animados e em filmes ... 34

5. O CONTO COMO MEDIADOR DE CONFLITOS ... 37

5.1 Percurso Metodológico ... 38

5.1.1 Quem são os sujeitos da pesquisa ... 40

5.2 Análises e resultados obtidos ... 41

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 57

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1. INTRODUÇÃO

Na terra do Era uma vez, onde moram a fantasia e os sonhos de criança, o ser humano constrói símbolos essenciais para seu desenvolvimento biológico e social. O homem como sujeito histórico que necessita ser humanizado por outro, está sempre em busca de novos impulsos. Para sobreviver foi preciso compreender que educar uns aos outros possibilita a continuação da espécie, assim, a criança inserida no mundo social aprende, cria conflitos e constrói significados, em um ciclo que evolui e modifica continuamente.

A literatura, que de geração em geração vem se modificando para atender as exigências de seu público, cada vez mais necessita ser compreendida como objeto de arte, algo próprio da cultura. No que diz respeito à formação humana, emerge a necessidade de questionarmos, de que modo, a literatura infantil, pode configurar-se instrumento que busca construir sentidos, constituindo nossos sentimentos e percepções relacionadas ao processo de aquisição do conhecimento.

O gênero literário infantil apresenta-se sob diferentes formas, gerando outros gêneros com inúmeras possibilidades de leitura, nos dedicaremos aos contos de fadas, buscando subsídio para o desenvolvimento dessa pesquisa. Acreditamos que no mundo da fantasia, do faz de conta, a fusão entre mundo real e imaginário contribui para que a criança elabore seus conflitos e crie meios de resolvê-los, sendo os contos de fadas excelentes fontes.

No percurso da pesquisa e elaboração deste trabalho, amparamo-nos em Savater (2012) para referenciar a constituição humana e a efetividade no ato de aprender com o outro, além da necessidade que o ser humano tem em educar-se (Boufleuer, 2013). A aquisição do gosto pela leitura, por Saraiva (2001) e os conceitos que envolvem a literatura infantil mencionadas em Zilberman (1987), conceituam a relação da criança com o mundo da fantasia por intermédio das histórias infantis. Em Corso e Corso (2006) encontramos fundamentos teóricos interligando literatura, psicanálise e subjetividade infantil, embasando ainda as análises propostas, como mecanismo importante para esse estudo de pesquisa. Após o levantamento bibliográfico, apropriando-nos da metodologia de Gutfreind (2003) em O terapeuta e o Lobo, iniciaram-se as interações com as crianças, por meio da conversa, contação de histórias, do desenho e da escrita, para que, por fim,

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pudéssemos dialogar com os autores escolhidos, de modo a responder a problemática deste estudo e atingir o objetivo de nossa pesquisa.

Relativo à estrutura dessa escrita, primeiramente trazemos referências acerca da formação humana, educação e aprendizagens na infância em contexto social e cultural, compreendendo quem são as crianças na contemporaneidade. Posteriormente, abordamos a relação da criança com o mundo real e a fantasia, conceituando literatura infantil e seus gêneros literários, para chegarmos ao capítulo que trata dos contos de fadas e a relação entre literatura, psicanálise e constituição infantil. O penúltimo capítulo, pertencente à análise de dados obtidos na pesquisa, consiste em qualificar o estudo através da investigação para compreender como a criança se apropria dos contos em seus conflitos. Por fim, apresentamos as considerações finais delineando os resultados alcançados no decorrer desse estudo.

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2. APRENDIZAGENS E A FORMAÇÃO HUMANA NA INFÂNCIA

A espécie humana consegue modificar o modo de ser e agir de geração para geração. Diferentemente dos outros seres vivos, que já nascem sendo definitivamente o que são, a constituição do sujeito humano implica na relação com o outro, gerando estímulos essenciais para o seu desenvolvimento biológico e social. Assim, a humanização e a construção histórica do conhecimento precisam ser pensadas de forma contínua e renovada. Nesta perspectiva, para Fernando Savater (2012, p. 24):

Nossa humanidade biológica necessita uma confirmação posterior, algo como um segundo nascimento no qual, por meio do nosso próprio esforço e da relação com outros humanos, se confirme definitivamente o primeiro. É preciso nascer humano, mas só chegamos a sê-lo plenamente quando os outros nos contagiam com sua humanidade deliberadamente e com nossa cumplicidade.

A sobrevivência biológica de nossa espécie justifica a constituição da família, com base no instinto de sobrevivência animal. Porém é no anseio de educar e viver em sociedade sob a forma da recriação, inovação, e não apenas mera repetição, que encontramos a explicação para a capacidade de produzirmos aprendizagens, nos reinventando até o último dia de vida. Segundo Boufleuer (1991, p. 21):

Para os homens, o mundo se apresenta como problemático e desafiador, exigindo-lhes decisão. Ao decidirem, eles se comprometem, assumem suas vidas e agem conforme objetivos e finalidades a que se propõe. É esta capacidade de decisão e opção que faz os homens disporem de seu ser, tornando-os “seres para si” (grifos do autor).

A criança desde seu nascimento passa por um processo longo de aprendizagem, que não se finda com o passar do tempo, pois no vínculo com o outro é que estamos subordinados a aprender de forma especificamente humana. Somos, então, seres de cultura, a qual Cortella (1998, p. 41) define como conjunto dos resultados da ação do humano sobre o mundo por intermédio do trabalho.

Se afirmarmos que o conhecimento humano está no ato de aprender com e diante de outros, como o ato de aprender efetivamente ocorre na sociedade da informação e do conhecimento? E, ainda, quais são os saberes necessários sobre aprendizagem no processo educativo? Tais questões norteiam para o fato de que somos impulsionados através das experiências que vivenciamos, e as mesmas são construídas de forma inovadora sempre em perspectiva própria.

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Aprendemos de fato com o outro, no envolvimento e na cumplicidade com sujeitos que aprenderam antes. Savater (2012, p. 35), em suas reflexões sobre a educação, afirma:

Ninguém é sujeito na solidão e no isolamento, sempre se é sujeito entre outros sujeitos: o sentido da vida humana não é um monólogo, mas provém do intercâmbio de sentidos da polifonia coral. Antes de mais nada, a educação é a revelação dos outros, da condição humana como um concerto de cumplicidades inevitáveis.

Na ótica de Boufleuer:

A educação sempre se refere a algo da tradição que se pretende manter como referência viva no tempo presente. Saberes, crenças e valores são ensinados exatamente por não terem garantias de continuidade nos novos tempos. Mas esse ensinamento requer o diálogo com o tempo presente, com os dinamismos do mundo contemporâneo, com as novas questões que vão se pondo (2017, p. 178).

Ainda para o autor:

Em sentido mais geral, pode-se dizer que a educação implica um diálogo qualificado entre as gerações. E diálogo sempre pressupõe polos dialogantes, no caso, mediações entre o ontem e o hoje, entre a geração educadora e a geração a ser educada (2017, p. 178-9).

Sob o ponto de vista educacional, podemos, então, tematizar as aprendizagens embasadas nas motivações que temos de educar os mais novos em perspectiva de uma educação intencional, para que não seja preciso reiniciar sempre do zero. Para Boufleuer (1991, p. 21):

Nas suas relações com o mundo, os homens se manifestam como capacidade criativa e inventiva, o que lhes permite um acrescentamento ao meio natural. Este não é apenas um espaço físico ao qual se acomodam, mas também um espaço histórico, objeto de sua ação transformadora.

Dessa forma, as experiências de cunho pedagógico precisam proporcionar algo novo, na qual a educação em seu sentido mais amplo possui a responsabilidade de recriação e não mera repetição, isso porque todo aprendizado é novo para nós humanos.

2.1 Educação e aprendizagem no contexto mundo cultural e social: desafios para a formação humana

O fato de a criança nascer e viver no mundo, recebendo influências e movendo-se em vigor de sua época, não se torna o suficiente para a sua educação. Para Boufleuer, educamos porque temos um mundo comum, nosso, portanto

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precisamos apresentá-lo para cada novo humano, partindo do princípio da igualdade, uma regra para a convivência em sociedade.

Boufleuer reforça que:

Todos os empenhos em favor da educação [...] devem se articular, de alguma forma, com as razões do educar no âmbito da sociedade humana. Nesse sentido, nunca é demais lembrar que nós nos constituímos como sociedade humana graças ao desenvolvimento de uma capacidade pedagógica, vinculada, em última instância, ao desenvolvimento da capacidade comunicativa, que permite que aprendamos na interação com os outros (2003, p. 4).

De acordo com Marques (1990, p. 52), a educação também pode ser definida:

[...] em oposição ao processo espontâneo e natural da interação humana no meio ambiente, a educação se faz ação proposital de um grupo humano sobre si mesmo e sobre a continuidade através das novas gerações. Essa tomada de consciência e esse distanciamento explícito é o que denominamos de prática pedagógica.

Educar propõe desafios para a sociedade, primeiramente porque é preciso gerar esforços para contar às novas gerações como é ser e estar no mundo, interagindo e aprendendo com o outro. A sociedade incumbida de preparar os novos para viver coletivamente, procura ensinar de forma que não prevaleça o instinto natural e sim o que a sociedade deseja que esse sujeito seja. O grupo em que um novo membro está inserido impõe as aprendizagens, assim, não estão pensando apenas em formar indivíduos aparentemente aceitáveis, mas buscam prevenir-se de desvios não condizentes com a realidade na qual esse sujeito está inserido.

A educação nunca é neutra. A sociedade sempre procura proporcionar aprendizagens consideradas dignas de ser conservada, mas que inevitavelmente vão se transformando, pois o humano não é algo acabado, e de igual forma o contexto no qual ele vive não pode ser de um todo fixo, imutável.

2.2 A infância na contemporaneidade: quem são as crianças?

Para falarmos sobre a infância na contemporaneidade, precisamos primeiramente falar sobre a construção da identidade humana, a qual, Martinazzo (2010, p. 33) identifica que:

[...] é um traço característico de cada ser que permite distinguir um indivíduo do outro, um grupo de outros grupos ou ainda uma civilização de outra. Refere-se, de modo específico, às características próprias de cada um, da espécie humana e da sociedade. Ela demarca as semelhanças e diferenças entre os seres humanos, destacando suas características físicas, seu modo

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de pensar, ser e agir, bem como permite ao sujeito construir e desenvolver os traços de sua própria história.

A construção da identidade humana se inicia muito cedo, ainda na primeira infância, e marca a vida toda do ser humano. A participação da criança na sociedade até ser adulta faz parte do transcurso de ordem cultural, não se limitando apenas ao desenvolvimento biológico. Mesmo em diferentes culturas, o homem sempre definiu a infância como um tempo de espera e preparação para a fase adulta, no qual, então, iria desenvolver-se e formar sua personalidade com base em seu tempo já vivido. Atualmente, a concepção de infância é bem diferente, com direitos que incluem a criança na sociedade como um ser que possui particularidades, assim sendo, parte integrada da sociedade.

As Diretrizes Curriculares para Educação Infantil (2010, p.12) definem criança como:

Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura.

Na ótica de Savater (2012, p. 55):

Na família a criança aprende – ou deveria aprender – atitudes fundamentais, como falar, limpar-se, vestir-se, obedecer aos adultos, proteger os menores (ou seja, conviver com pessoas de diferentes idades, compartilhar alimentos e outros bens com quem a cerca, participar em jogos coletivos respeitando as regras, rezar para os deuses (se a família for religiosa), distinguir em nível primário o que é bom do que é mau segundo as pautas da comunidade a qual pertence etc.

Savater (2012, p. 56) confirma ainda que:

Na família as coisas se aprendem de um modo bem diferente de como ocorre depois com o aprendizado escolar: o clima familiar é aquecido pela afetividade, existem poucas barreiras distanciadoras entre os parentes que vivem juntos e o ensino apoia-se mais no contágio e na sedução do que em lições objetivamente estruturadas.

O aprendizado com a família proporciona à criança um desenvolvimento potencializador e é no ambiente familiar que a educação precisa funcionar em primeira instância, na qual, por meio do exemplo, compromete intensamente a forma como essa criança é educada, refletindo, assim, no modo de ser desse sujeito.

Dessa forma, podemos identificar o tempo da infância como um tempo em que a criança tem espaço para viver suas emoções, à medida que o ensinar se intensifica a cada dia, sob responsabilidade das instituições familiares e escolares. Um novo olhar para a criança requer de tais órgãos ou instituições, que são os mais

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próximos à mesma, um empoderamento comprometedor para que esse sujeito infantil desenvolva suas potencialidades plenamente. A infância faz parte da particularidade da criança, e é o que caracteriza essa fase da vida humana.

Foram muitos anos para que a criança conseguisse ser vista como um sujeito de direitos. As transformações que o mundo sofreu e têm sofrido com o passar dos anos foram de grande ajuda para que tais direitos fossem compreendidos como necessários para toda a humanidade. Podemos ver o direito à educação como sendo o ponto chave para toda essa transformação a respeito da criança e a infância.

2.3 O papel da escola e do professor na formação e no desenvolvimento da criança

A educação na modernidade assume um caráter público em uma perspectiva diferente da educação familiar ou religiosa, por exemplo, na qual a escola possui papel essencial e relevante, tornando-se o ambiente responsável por promover possibilidades de um ensino democrático, social e político.

Para iniciarmos a compreensão acerca do papel da escola e do professor na formação e desenvolvimento da criança, enquanto sujeito central da educação, precisamos ter como ponto de partida a ideia de que somos sujeitos humanos, e que, de acordo com Boufleuer (2013, p.104), o mundo humano é o que nos torna uma espécie diferenciada em relação às outras espécies.

Mais adiante, Boufleuer (2013, p.105), prossegue afirmando que:

Quando falamos de educação e de docência nos referimos, de alguma forma, ao desejo que alimentamos de que a experiência de termos um mundo humano se mantenha e se aprofunde. O nosso esforço, ou nossa disposição em educar os filhos, e as novas gerações de um modo geral, deve-se ao fato de acreditarmos que esse mundo humano, que se expressa por meio de crenças, valores, técnicas, competências, modos de ser, etc., constitui um legado que vale a pena ser transmitido às novas gerações.

A complexidade que envolve ensino e docência possui uma longa caminhada para se chegar ao que temos hoje em termos de educação escolar. O processo de escolarização no Brasil, em pleno séc. XXI, para Fensterseifer (2005, p.168), deve articular o fenômeno educativo na escola, com os tempos, espaços, sujeitos, conhecimentos e práticas escolares.

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2.3.1 A Instituição Escolar

A criança ao nascer encontra na família o primeiro contato essencial para o desenvolvimento humano. O espaço escolar, por sua vez, possui papel tão importante quanto o familiar, assim, torna-se um espaço privilegiado para a consolidação da cultura, na qual a criança está inserida. Nessa perspectiva, Savater (2012, p. 43) ressalta que:

A instituição educacional aparece quando o que é preciso ensinar é um saber científico, não meramente empírico e tradicional, como a matemática superior, a astronomia ou a gramática. À medida que as comunidades vão evoluindo culturalmente, os conhecimentos vão se tornando mais abstratos e complexos, sendo por isso difícil ou impossível que qualquer membro do grupo os possua de modo suficiente para ensiná-los.

Com base na BNCC (2017, p. 37), podemos afirmar que a:

Instituição escolar precisa promover oportunidades ricas para que as crianças possam, sempre animadas pelo espírito lúdico e na interação com seus pares, explorar e vivenciar um amplo repertório de movimentos, gestos, olhares, sons e mímicas com o corpo, para descobrir variados modos de ocupação e uso do espaço com o corpo (tais como sentar com apoio, rastejar, engatinhar, escorregar, caminhar apoiando-se em berços, mesas e cordas, saltar, escalar, equilibrar-se, correr, dar cambalhotas, alongar-se etc.).

A escola ocupa papel fundamental no processo de aprendizagem e formação do sujeito. Para Boufleuer e Prestes:

A escola, especialmente a partir da Modernidade, tem tido a tarefa de auxiliar na formação de padrões coletivos de agir e de conviver. Trata-se, enfim, dos objetivos fundamentais da escola em transmitir e renovar as tradições culturais, socializar as novas gerações e formar sujeitos com identidades pessoais. Nesse processo está incluída a questão da atualização da própria escola para o contexto do presente (2013, p. 243).

Ainda segundo Boufleuer (2014, p. 10):

A educação moderna e contemporânea fundamenta seus processos e finalidades nesse paradigma que aposta no potencial criador do pensar e fazer do homem. Todas as grandes correntes de pensamento que se estabelecem a partir do Renascimento fazem a aposta num mundo mais feliz e desenvolvido a partir da exploração do potencial de racionalidade dos sujeitos humanos. À educação caberia, em todos os casos, a tarefa de contribuir para a otimização dessas potencialidades da razão.

Savater (2012, p. 70) reconhece que a atual tarefa da escola é duplamente complicada, pois,

Por um lado, ela precisa se encarregar de muitos elementos de formação básica da consciência social e moral das crianças que antes eram responsabilidade da socialização primária realizada no seio da família. Antes de tudo, é preciso suscitar o princípio de realidade necessário para que elas aceitem submeter-se ao esforço do aprendizado, uma disciplina

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que é anterior ao próprio ensino mas que a escola deve administrar junto com os conteúdos secundários do ensino que tradicionalmente lhe são próprios.

Desse modo, Boufleuer (2002), descreve o princípio da igualdade no que se refere ao direito à educação, como um pressuposto pedagógico, com iguais condições de ensino. Assim, mesmo que rodeados pela modernidade, a escola permanece ocupando um espaço essencial de produção intencional, na qual se articula ao mundo humano comum e se refaz acompanhando as necessidades dos sujeitos que a ocupam e dão sentido a sua existência.

2.3.2 O professor e a docência

O papel do professor na formação do sujeito consiste em abrir possibilidades, principalmente moral, social e crítica de seus educandos. Em meio às inúmeras tecnologias as crianças chegam às escolas abarrotadas de notícias e visões de mundo que se diferem e geram conflitos em um mesmo grupo. Ao professor cabe desenvolver meios que ajudem esses sujeitos a organizar tais informações de forma que sua autonomia e identidade sejam asseguradas.

Para pensarmos a docência, primeiramente precisamos compreender que, segundo Boufleuer, a mesma só se faz na interação com o aluno, com sua cumplicidade no processo de aprendizagem. Como salienta o autor:

Pode-se dizer que no processo educativo a aprendizagem aparece como resultado de uma instigação, de um envolvimento, de uma inquietação que o professor seja capaz de provocar no aluno. Afinal, o aluno se instiga a aprender quando vê “o brilho nos olhos” (grifos do autor) do professor, quando percebe nele a diferença que faz ter um conhecimento como o que lhe é proposto (2013, p. 114).

No entendimento de Boufleuer:

Como que ao modo de uma performance, o conhecimento não é algo que se pode trocar, transmitir, simplesmente captar. Todo o conhecimento é conhecimento para alguém. Ele não existe independentemente da história específica, de uma experiência própria, de um suporte pessoal de sentidos. [...] aprender implica cumplicidade, envolvimento, articulação de sentidos, considerando as experiências já vividas, as ideias preexistentes, os pré-juízos, e que no ato de aprendizagem se articulam de modo novo, de modo modificado (2013, p. 113).

Continuando, o autor expõe que:

Se o aluno não aprende propriamente do professor ele pode, isso sim, aprender por causa do professor, em virtude da instigação que é capaz de lhe fazer. Para isso é necessário que ele revele suas percepções diante do aluno, como que o convidando a apreciar a sua pretensa validade. Não

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instiga o professor que repete o discurso de outro, que fala como se sua vida não estivesse em questão nessa sua manifestação (Boufleuer, 2013, p. 113).

Sintetizando, podemos afirmar que o professor precisa ser testemunha daquilo que prega para o aluno, buscando uma comunicação envolvente e que da mesma forma que ensina está apto a aprender. Outro ponto importante refere-se à autoavaliação do professor, a qual buscará compreender se de fato houve intercâmbio de saberes entre os sujeitos envolvidos e, nesse processo, colocando-se como aprendente.

A espécie humana se baseia nas relações que constrói e, com base nas múltiplas linguagens, produz sentido às suas vivências, estruturando o processo de aprendizagem acerca das próprias concepções. Os sujeitos da educação deixam suas marcas na construção das aprendizagens humanas, em um ritmo de continuidade, e propõem que quem educa sinta-se responsável por proporcionar condições favoráveis e essenciais para o novo, em um tempo futuro.

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3. DO REAL AO IMAGINÁRIO: A RELAÇÃO DA CRIANÇA COM O MUNDO DA FANTASIA

Inúmeras são as descobertas que rodeiam a criança, sua infância e que acompanham a construção de sua identidade. Como pudemos perceber no capítulo anterior, aprendemos de fato com o outro, nas interações com quem aprendeu anteriormente. O processo de alfabetização ocupa papel de destaque quando nos referimos ao aprender com o outro, e a escola assume a responsabilidade de agente intermediário nesse processo.

Conforme Juracy Saraiva (2001 p. 23):

A escola assume a responsabilidade de iniciar a criança no processo de alfabetização e de, paulatinamente, aperfeiçoar sua leitura, de modo a garantir-lhe o domínio de uma prática cuja finalidade não se esgota em si mesma. Assim, embora o processo de alfabetização se dirija à apropriação das operações de um código – a língua escrita, com seus mecanismos de leitura e escritura, complementares entre si -, a preparação do leitor efetivo passa pela adoção de um comportamento em que a leitura deixa de ser atividade ocasional para integrar-se à vida do sujeito como necessidade imperiosa, de que decorrem prazer e conhecimento.

O ato de ler produz novos significados ao ser e estar no mundo. A leitura possui papel fundamental e se faz presente em todos os níveis educacionais das sociedades letradas. Com base em Saraiva, Mello e Varella (apud Saraiva, 2001, p. 81), podemos compreender o quanto a leitura é essencial e o como relaciona-se com a capacidade de promover indivíduos:

O domínio da leitura é uma experiência tão importante na vida da criança, que determina o modo como ela irá perceber a escola e a aprendizagem em geral. Em decorrência disso, o esforço despendido pela criança no reconhecimento de letras e palavras precisa aliar-se à certeza de que será compensado pela leitura de textos altamente estimulantes.

Na ótica de Jean Foucambert (1994, p. 5):

Todos sabem que há diferença entre ver e olhar, ouvir e escutar... Ler não é apenas passar os olhos por algo escrito, não é fazer a versão oral de um escrito. [...] Ler significa ser questionado pelo mundo e por si mesmo, significa que certas respostas podem ser encontradas na escrita, significa poder ter acesso a essa escrita, significa construir uma resposta que integra parte das novas informações ao que já é.

Para a criança a leitura precisa oportunizar prazer, envolvendo assim toda a ludicidade e curiosidade de uma mente que possui imaginação livre e apta a receber diferentes mensagens que o ato de ler possibilita. Quando o professor auxilia a criança fornecendo os instrumentos necessários para que a mesma compreenda as informações de uma leitura, devem ser pensados meios para que esse sujeito seja

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um formador de opinião e não apenas um intérprete que não se apropria de suas leituras e faz uso em sua realidade sociocultural.

Quando lemos, fazemos em perspectiva de dar conta da realidade que vivemos, assim como dos desafios que a vida nos impõe. A leitura, como podemos perceber, proporciona meios que elevam os sujeitos a pensar, mas é preciso cuidado, pois seu domínio não é apenas uma questão de repetição ou imitação. Ler é processo de aprender e estabelecer relações com as experiências que já vivemos, em perspectiva de ampliar horizontes, dando sentido ao que nos rodeia.

[...] uma proposta de trabalho escolar que se situe além das preocupações alienantes e individualistas do currículo tradicional e que articule as diferentes áreas do conhecimento pressupõe uma capacidade comum – a leitura -, valor, pré-requisito e, ao mesmo tempo, objetivo do trabalho coletivo na escola (KLEIMAN e MORAES, 1999, p. 15).

A leitura nos leva a vários rumos. Quando a criança de anos iniciais encontra na leitura significados que enriqueçam seu mundo interior e seus sonhos, suas potencialidades e prazer em ler serão aguçados. Ler como fonte de prazer é instigar a criança a tornar-se um leitor, que em contato com vários modos de informação possui facilidade de ampliar seus conhecimentos. O ato de ler provoca comportamentos e renova padrões sociais.

Quando o assunto é ludicidade, liberdade em sala de aula e motivação para que a criança seja receptiva, a literatura infantil possui requisitos e atrativos necessários que entram em harmonia com o mundo da criança. É na história literária que muitas significações de experiências humanas são enriquecidas e o imaginário expandido além das limitações às quais estamos expostos diariamente. Para Becker (2001, p. 39):

A literatura, por instituir situações que abrangem problemas humanos e por provocar a afetividade dos indivíduos, é concebida, pois, como núcleo gerador de solidariedade e como uma energia tanto liberadora das tensões quanto liberadora das constrições da vida comum e rotineira. Acrescenta-se, ainda, que, por reaproximar os homens devido a seus traços identitários e a sua herança coletiva, a literatura é um espaço de resistência contra a homogeneização cultural.

A literatura revela de forma compreensiva o que muitas vezes o ser humano não consegue representar ou dizer em situações reais. O texto literário exerce várias funções, dentre as quais acrescenta e transforma em experiência ensinando lições de vida, provocando a afetividade e solidariedade, entre os mais íntimos e profundos

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sentimentos humanos. A literatura faz germinar no leitor a vontade ir além da ficção, ela possibilita um novo olhar, capaz de transformar a realidade vivida.

Não menos importante que a literatura destinada ao público adulto, à literatura infantil, por sua vez, dirige-se imediatamente ao imaginário da criança, despertando os desejos provocados pelos contos de fadas, por exemplo, e as inúmeras histórias que ensinam lições de vida e propõem experiências que libertam e se materializam.

3.1 Breve História da Literatura Infantil

Dentre as formas literárias presentes que podemos contemplar, a literatura infantil é considerada uma das mais recentes. As narrativas populares europeias transmitidas de forma oral, segundo Zilberman (1987), por volta do século XVIII, não eram destinadas diretamente ao público infantil, serviam de auxílio aos camponeses que precisavam resistir a longas noites frias. Seus conteúdos perpassavam vários temas, de forma que sua intencionalidade não se firmava nos medos e perigos existentes no mundo, mas, sim, em minimizar a crueldade com a qual o inverno dizimava a vida dos mais frágeis.

Já no século XIX, em plena Revolução Industrial, com a ascensão da família burguesa, o início do reconhecimento da infância e a reorganização das escolas, emergiu a necessidade de que as histórias fossem convertidas em instrumentos pedagógicos, deixando de lado seu poder estético. Regina Zilberman (1987, p. 4) aponta que:

A conceituação da literatura infantil supõe uma consideração de ordem histórica, uma vez que não apenas o gênero tem uma origem determinável cronologicamente, como também seu aparecimento decorreu de exigências próprias de seu tempo. Outrossim, há um vínculo estreito entre seu surgimento e um processo social que marca indelevelmente a civilização europeia moderna e, por extensão, ocidental.

Ainda nessa mesma linha de considerações, a autora enfatiza que:

As ascensões respectivas de uma instituição como a escola, de práticas políticas, como a obrigatoriedade do ensino e a filantropia, e de novos campos epistemológicos, como a pedagogia e a psicologia, não apenas estão inter-relacionadas, como são uma consequência do novo posto que a família, e respectivamente a criança, adquire na sociedade, É no interior desta moldura que eclode a literatura infantil (ZILBERMAN, 1987, p. 4).

O campo ilimitado de ações que a literatura infantil tem a oferecer incorpora fantasia a real origem das histórias. Charles Perrault, século XVII, e Irmãos Grimm, início do século XIX, apropriaram-se de contos de fadas, adaptando-os para a

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infância, dando vida a heróis, fadas, príncipes e princesas. Com a inclinação pedagógica e o uso do gênero literário infantil de forma didática, desencadeia-se, então, um conflito entre fantasia e realismo.

A natureza peculiar da literatura infantil, diferentemente da literatura adulta em sua realização artística, passou, então, a transitar como meio de informações moralistas e normas de convivência em sociedade, assumindo caráter educacional. A respeito disso, Zilberman destaca que:

É este o limite externo do livro para jovens, que não se liberta de uma índole teleológica, originada no caráter pragmático e finalista da ideologia burguesa que patrocinou seu aparecimento. Assume então, traços educacionais, fazendo-se útil à formação da criança e capturando-a efetivamente, ao transformar o gosto pela leitura numa disposição para o consumo (o que explica sua aproximação, por parte de alguns teóricos, à cultura de massas e à história em quadrinhos) e para a aquisição de normas (ZILBERMAN, 1987, p. 22).

A autora afirma ainda, o quão primordial é para a sobrevivência da literatura infantil, que:

[...] o texto precisa ser coerente e verossímil, sem o que não coincidirá com as expectativas do leitor. Cabe-lhe, pois, ser literatura, e não mais pedagogia. Nesta medida, pode-se dizer que o sucesso do livro dependerá de sua orientação para o recebedor, desde que em termos literários e artísticos, jamais educativos, comprovando a correspondência simétrica nos dois movimentos que conduzem à justificativa da existência do livro para a infância: da produção para a recepção, da pedagogia para a literatura (ZILBERMAN, 1987, p. 22).

Mesmo que as primeiras obras literárias infantis tenham surgido na França, é na Inglaterra que elas se potencializam. O comércio, as rotas marítimas e o acesso à matéria prima para produção na Europa, tornam-se condições favoráveis para que a literatura infantil possa assumir seu lugar até chegar às crianças. A escola ocupa, então, papel fundamental nesse processo, pois participa da relação entre criança e livro.

Ao longo da evolução dos últimos séculos, muitas foram as produções didáticas que se mantiveram na linha de uma literatura conduzida de forma pedagógica, da mesma forma que autores se consagraram e, ainda hoje, são destaque por permanecerem fiéis à qualidade estética que a literatura infantil merece. Autores como os irmãos Grimm em sua coleção de contos de fadas continuam sendo referência e sinônimo de literatura infantil.

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3.1.1 Literatura Infantil Brasileira

Ao final do século XIX, a literatura infantil começa chegar ao Brasil. Da mesma forma que na Europa, o texto literário foi usado como promotor de padrões comportamentais.

[...] quando se começa a editar livros para a infância no Brasil, a literatura para crianças, na Europa, apresenta-se como um acervo sólido que se multiplica pela reprodução de características comuns. Dentro desse panorama, mas respondendo a exigências locais, emerge a vertente brasileira do gênero, cuja história, particular e com elementos próprios, não desmente o roteiro geral (LAJOLO eZILBERMAN, 1988, p. 21).

Essa primeira fase, na qual as histórias ocupavam caráter pedagógico, apresentava um grande problema, pois, segundo Becker (apud Saraiva 2001), as traduções e adaptações de livros vindos da Europa possuíam distanciamento linguístico, além disso, não representavam a identidade cultural dos que aqui viviam. Já na década de 20, em meio a um sistema educacional fragilizado, podemos contemplar o surgimento da Escola Nova e com ela uma nova fase da literatura infantil brasileira.

É nesse momento, então, que, em 1921, o grande escritor Monteiro Lobato delimitou um marco histórico importante, inovando e aproximando a literatura da realidade dos brasileiros. Não podemos falar de literatura infantil brasileira sem reverenciar Monteiro Lobato, que em sua preocupação com a arte literária percebe uma necessidade de que as histórias para crianças precisavam ser escritas em uma linguagem que as interessasse.

Becker (2001, p. 37) sustenta que:

A criação literária do autor paulista dirigida às crianças centrou-se no receptor e, nessa trajetória, seguia os passos da elite artística, que buscava uma identidade de tipos e de linguagem na produção literária. Adaptaram-se os clássicos, e o folclore constituiu fonte preciosa para revelar um mundo bem brasileiro nos textos infantis.

No entanto, ainda que em meio às inovações, algumas obras de Monteiro Lobato permaneciam em caráter pedagógico, relacionando com o a realidade a qual os sujeitos estavam inseridos, pois seu sonho era de que o Brasil avançasse e desenvolvesse. O Sítio do Picapau Amarelo foi o ponto de partida das grandes aventuras escritas por Lobato, onde personagens como dona Benta, Narizinho, Pedrinho e Tia Nastácia, conviviam com seres mágicos, boneca e animais falantes, entre outros, que surgiam a cada nova aventura.

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[...] o sítio não é apenas o cenário onde a ação pode transcorrer. Ele representa igualmente uma concepção a respeito do mundo e da sociedade, bem como uma tomada de posição a propósito da criação de obras para a infância. Nessa medida, está corporificado no sítio um projeto estético envolvendo a literatura infantil e uma aspiração política envolvendo o Brasil – e não apenas a reprodução da sociedade rural brasileira.

As metáforas usadas por Monteiro Lobato em suas obras revelam o desejo que o autor possuía em contemplar uma pátria digna de se viver, e em cada nova história as críticas são notáveis, de modo que o sítio era ocupado pelas melhores e mais interessantes aventuras que, em sua afinidade social e estética, proporcionam um novo modo de olhar e pensar o meio no qual os sujeitos estão inseridos. Lobato estava à frente de sua época em suas escritas, pois conseguia capturar a verdadeira essência da literatura, elevar o sujeito que lê a pensar e produzir novos significados em suas vivências.

Já nas décadas de 50 e 60 a literatura brasileira sofre os impactos políticos. A população em meio a repressões e censura, para com os meios de comunicação, sofre o terror político que atinge fortemente e educação. A perseguição de professores, alunos e quem mais se voltassem contra o regime político era de duras consequências. A cultura de massa se apropria de meios mais modernos e a televisão ocupa papel de destaque como meio de comunicação. Desse modo, a literatura infantil assume um caráter conservador, passando a explorar temas ambientais que privilegiam a agricultura, e mais uma vez torna-se meio pedagógico pensado para defender uma ideologia.

Só nos períodos das décadas de 70 e 80, quando em meio à crise econômica a democracia volta a fazer parte do processo político no país, é que a literatura se reencontra com seu caminho artístico e poético liberado pelas linguagens. Para Becker (2001, p. 41):

O percurso da literatura infantil brasileira revela ao estudioso uma série de percalços ao longo da trajetória empreendida. Em alguns momentos, constatou-se o predomínio da quantidade; em outros, da qualidade [...] Nascida em um período em que toda a mentalidade despertava da alienação, a caminhada da literatura infantil segue um caminho rumo à maturidade do gênero dentro das propostas estéticas feitas por Monteiro Lobato no longínquo ano de 1921.

Em continuidade, Becker completa que:

A qualidade estética que reveste as produções destinadas ao público infantil na atualidade permite ao professor a possibilidade de apresentar o mundo mágico da literatura como suporte para as atividades de alfabetização. Ao se valer dela, o professor não só confere nova motivação a esse processo

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de aprendizagem, como também contribui para a construção da subjetividade da criança (BECKER, 2001, p. 41).

Como podemos compreender, a literatura infantil passou por vários processos para se chegar ao que é na contemporaneidade. Atualmente, a história da literatura infantil precisa ser aceita como ato poético e estético, que tem em sua principal finalidade promover fontes de fantasia, prazer e que provoca o imaginário infantil, contemplando-se em si mesma.

Porém não podemos desfazer o importante papel que a escola ocupa, mesmo que de forma pedagógica, para que a literatura seja apresentada às crianças. O livro Literatura na Escola Propostas para o Ensino Fundamental, de Saraiva e Mügge (2006), serve-nos de subsídio para compreendermos o quanto escola e literatura são parceiras há muito tempo. É no âmbito escolar que, muitas vezes, as crianças terão seu único contato com os livros, portanto não podemos nos desfazer da ligação que ocorre entre escola, ensino e literatura.

Saraiva e Mügge (2006) atentam para o uso de práticas literárias nas escolas, de modo que as mesmas promovam principalmente atitudes críticas no leitor, como meio de sua formação humana. Para as autoras a literatura exerce função de:

[...] indicar caminhos para um convívio mais humano e fraterno entre os indivíduos, dar resposta a dilemas humanos, integrar culturas, aprimorar o senso estético, promover a reflexão crítica sobre circunstâncias históricas, evidenciar a exploração das possibilidades expressivas da língua, instigar a inventividade e, como tarefa acessória, embora não menos importante, aprimorar o domínio linguístico (SARAIVA e MÜGGE, 2006, p. 23).

A literatura contempla, então, um conjunto de aspectos que qualificam e reforçam a necessidade de sua presença na escola e na vida das crianças e a leitura de obras literárias, seja para fins pedagógicos ou prazerosos, proporcionam à criança possibilidades significativas para seu processo formativo.

3.2 O Gênero Literário Infantil: função, características, linguagens.

A literatura infantil possui uma rica história que nos possibilita compreender sua evolução. A arte literária destinada ao público infantil foi construindo sua identidade, tornando-se essencial para a formação dos sujeitos. O gênero literário infantil atinge diretamente o interior do leitor e, na ótica de Saraiva, Mello e Varella (2001, p. 82):

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A criança deixa-se fascinar por essas narrativas, porque elas materializam seu desejo de crescer, de se transformar e de transformar o mundo. Projetando-se nos heróis, ela libera suas emoções e conflitos interiores, saindo fortalecida da experiência proporcionada pela leitura.

Ainda nessa mesma linha, podemos destacar que:

As narrativas infantis abrangem várias espécies literárias, que podem ser agrupadas, quanto à origem, em folclóricas e artísticas. Na primeira, incluem-se as histórias criadas coletivamente pelo povo em diferentes épocas, como fábulas, contos populares, lendas e contos de fadas tradicionais. Na segunda, estão as obras escritas por autores identificados nominalmente, abrangendo contos de fadas modernos, textos infantis que, por sua brevidade, simplicidade de enredo e relação estreita entre discurso e imagem, são denominados histórias curtas e narrativas formadas somente por imagens (SARAIVA e MELLO e VARELLA, p. 82).

Dessa forma, compreendemos que a criança impulsiona suas leituras segundo seus interesses e, de fato, as espécies literárias precisam ser exploradas pelas mesmas para que possa encontrar-se com o que as identifica. No ramo da literatura infantil, com base em Vale (2001), podemos encontrar as fábulas, lendas, contos populares, contos de fadas tradicionais, narrativas curtas e narrativas por imagens, que são espécies de narrativas folclóricas e artísticas que compõe o gênero literário infantil.

As narrativas curtas apresentam um enredo simples, direcionadas principalmente para crianças que estão sendo alfabetizadas e possuem pouca experiência de leitura. Já as narrativas por imagens surgem compostas unicamente por imagens visuais, e é o leitor que vai construindo a história. As fábulas são narrativas curtas com morais implícita ou explícita, ideal para discutir questões morais, relacionando com o meio no qual a criança está inserida.

As lendas possuem principalmente a função de explicar o surgimento de algo no universo, amparadas pela oralidade que perpassa gerações. Os contos populares, juntamente com as fábulas e as lendas, originam-se no folclore, porém os contos buscam adentrar o imaginário humano provocando os sonhos e as fantasias. Os contos de fadas, por sua vez, têm em suas características a intencionalidade de povoar o imaginário da criança, com personagens marcantes e que possuem uma estrutura simbólica e linguística, capaz de expressar e transmitir representações sociais e psicológicas no universo infantil.

Para Saraiva, Mello e Varella (2001, p. 82):

Os contos de fadas e outras histórias do gênero propõem uma ruptura com o real imediato e dirigem-se a regiões do inconsciente, fortalecendo a

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necessidade de beleza interior e sabedoria, valores tão precários em um mundo chamado realidade.

Considerando a afirmação das autoras, a trajetória oferecida pelos contos de fada e seu valor estético pressupõe a representação do real tangível e real psíquico da criança. Assim, precisamos analisar o quanto as obras literárias, mais especificamente os contos de fadas, podem influenciar na formação e subjetividade dos sujeitos, e de que modo podem se configurar instrumentos de humanização do ser humano, buscando potencializar suas vivências.

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4. OS CONTOS DE FADAS: RELAÇÃO ENTRE LITERATURA, PSICANÁLISE E A CONSTITUIÇÃO INFANTIL

Os contos de fadas desafiam o tempo e requerem um olhar especial, pois seus atributos perpassam gerações, além de possuírem uma validade infinita, diferentemente de muitas histórias contemporâneas de sucesso momentâneo, que nascem e morrem rapidamente. Como podemos compreender até o presente momento, a literatura, mais especificadamente a literatura infantil, revela-se como detentora de várias funções que acrescentam e transformam-se em experiências primordiais à formação humana. Nesse capítulo iremos nos deleitar no empréstimo da fantasia dos contos de fadas interligando literatura, psicanálise e subjetividade infantil.

O livro Fadas no Divã, de Diana Corso e Mario Corso (2006), nos conduz por um longo caminho de análises de diversos contos de fadas, que sobrevivem e continuam encantando crianças até os dias de hoje, mesmo em meio às tecnologias. As histórias que perpassam gerações propiciam instantaneamente que a criança elabore problemas e crenças, com finais resolutivos e compreensíveis.

Ao referir-se sobre os contos de fadas Corso e Corso (2006, p. 178) nos trazem a definição de que tais histórias são identificadas como narrativas curtas, onde um drama complica todo o enredo, mas no final tudo acaba se resolvendo, assim, os que escutam e entram na história não permanecem na angústia da espera pelo final feliz, ele sempre acontece. É assim que acontece, por exemplo, em histórias clássicas como Os três porquinhos, A Bela e a Fera, Pinóquio e Branca de Neve, citadas em Fadas no Divã (CORSO e CORSO, 2006).

Branca de Neve, história tradicional dos Irmãos Grimm, conta o drama da menina que sofre ameaças por parte da madrasta. Incomodada com a presença da bela jovem no castelo, a invejosa mulher incumbe um caçador de sua corte que leve Branca de Neve até a floresta, mate-a e traga provas de que completou o serviço. Dotado de compaixão, o homem deixa a menina fugir e retorna com partes de um animal em seu lugar. Fugindo para o outro lado da floresta a menina chega à cabana dos sete anões, pequenos mineiros, que são movidos de compaixão pelo drama da jovem. Eles permitem que ela fique em sua morada com a condição de que a jovem tome conta da casa enquanto eles trabalham.

O final da história faz jus às características de um conto de fadas tradicional. A madrasta ao descobrir pelo seu espelho falante que a moça não estava morta tenta

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por três vezes livrar-se dela pessoalmente. Nas duas primeiras tentativas os anões a salvam, porém na terceira vez, com a famosa maça vermelha envenenada, é que a malvada madrasta alcança seu objetivo de livrar-se da enteada. Mesmo após sua morte, Branca de Neve parecia estar apenas adormecida, de modo que os anões decidiram colocá-la em uma caixa de vidro, para que todos que por ali passassem pudessem contemplar sua beleza.

Um belo príncipe que por ali passava ficou encantado com tamanha beleza, e pediu para os anões que deixassem levá-la para seu palácio, de modo que ele se comprometeria a honrá-la. No caminho para o castelo um dos homens que transportava o caixão acabou balançando-o e fez com que o pedaço da maça que a Branca de Neve havia engolido soltasse de sua garganta, quebrando assim a maldição do sono enfeitiçado. Com o despertar da jovem o príncipe se declara e é aceito por ela. Ao comparecer à festa do casamento a madrasta é castigada e obrigada a dançar no fogo até sua morte.

A Bela e a Fera, assim como a história de Branca de Neve, possui uma trama em que o final compreende a união do amor entre os personagens principais do conto. Bela, prometida por seu pai para um ser extremamente horrendo, porém muito rico, é surpreendida pela educação e afetividade com a qual a Fera lhe tratava. A convivência com a Fera provoca no coração da jovem moça os sentimentos mais puros, de modo que, mesmo sendo ele um ser horrendo, ela já não consegue mais viver sem sua companhia.

Quando o pai de Bela adoece e ela vai cuidá-lo promete à Fera que voltará logo, porém acaba descumprindo o prazo estabelecido. Ao retornar para o castelo, movida de culpa por ter demorado mais que o prometido, encontra Fera morrendo. Tomada por profundo remorso se declara para seu amado e, nesse momento, a horrenda criatura se transforma em um belo jovem, quebrando o feitiço de uma bruxa que lhe havia feito. Por fim Bela compreende que o amor verdadeiro precisava acontecer no interior ultrapassando a aparência exterior.

Diferentemente de Branca de Neve e a Bela e a Fera, o conto de Pinóquio e dos Três Porquinhos possuem uma narrativa que envolve perigos e aventuras em busca de proteção. A história dos Três Porquinhos narra a saída de casa quando precisam providenciar meios para sobreviver. O primeiro porquinho, com muita preguiça, constrói uma casa de palha, o segundo faz sua casa um pouco melhor com madeiras, porém o terceiro constrói sua casa com materiais mais sólidos para

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se prevenir do lobo. A disposição para trabalhar do terceiro porco é o que propõe o final da história em beneficio dos três.

Quando o lobo chega à casa do primeiro e do segundo porquinho, ambas são destruídas com a força do sopro do lobo, sobrando refúgio apenas na casa do irmão que trabalhou mais para construir sua casa. Tentando entrar na casa para devorar os porquinhos, o lobo tenta de diversas formas até que resolve descer pela chaminé, quando cai em uma panela de agua quente e é comido no jantar pelos porquinhos. A estratégia utilizada para vencer o lobo fez com que os irmãos aprendessem a lição e repensassem seus modos para sobreviver.

Pinóquio, por sua vez, é um conto em que um boneco de madeira é confeccionado por Gepeto. Uma marionete perfeita que o artesão esculpe acaba provocando enormes confusões, de modo que todas as tentativas de Gepeto para educar e transformá-lo em um bom menino não são suficientes. Pinóquio, sempre fascinado pelo mundo, ao sair de casa em busca de aventuras se depara com diversas situações que nunca lhe são suficientes para aprender a lição.

Quando em meio a muitas travessuras acaba indo parar na barriga de uma baleia em alto mar lá encontra Gepeto muito doente. Ao conseguir tirar Gepeto da barriga do animal, Pinóquio precisou cuidar dele, devido a sua saúde fragilizada, assim, trabalhou dia e noite, retornou aos seus estudos, sendo perdoado de tudo que havia aprontado de errado. Como recompensa, a fada o transforma em um menino de verdade, arruma a casa de seu pai Gepeto e lhe concede 40 moedas de ouro.

Em ambos os contos, podemos perceber a estrutura que tais histórias oferecem à infância. Corso e Corso (2006, p. 178) consideram que:

Para a infância, os contos de fadas representam uma condição que a ficção contém como um todo: a de ser uma vasta biblioteca de histórias que passam de pai para filho, garantindo um acervo comum de personagens que demonstram esperanças, fraquezas e medos, enfim, capazes de encarnar todos os sentimentos humanos imagináveis.

As narrativas dos contos que citamos anteriormente fazem parte da infância de muitos de nós. Ainda que vagamente, guardamos lembranças dos tempos de criança, de que algum dia, em algum lugar, alguém também nos contou uma dessas histórias. Tramas como esses que transcendem gerações são capazes de provocar os mais inusitados sentimentos, além do que são fortes referências para as novas gerações.

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Com base em análises psicanalíticas, Corso e Corso demonstram que:

[...] os contos de fadas têm grande potencialidade para retratar a passagem da criança do interior da família para a vida adulta, na qual encontrará abrigo nos braços de outro tipo de amor [...] os contos de fadas são uma boa fonte para equacionar o tema da construção da identidade masculina e feminina, da identificação com os pais e das dificuldades próprias da época da juventude (CORSO e CORSO, 2006, p. 171).

A criança, ao garimpar e encontrar nas histórias fatos que podem ser relacionados com sua vida descobre-se na empatia com personagens que muitas vezes refletem os seus dramas ou medos internos, assim como suas alegrias que chegam com o passar do tempo. Mais uma vez nos deleitamos, então, nas afirmações de Corso e Corso (2006) enfatizando que:

O que fica de um conto para a criança é o que ele reverberar na sua subjetividade, aliado ao fato de como chegou até lá. Caso tenha vindo pela mão de um adulto, pode ser tomado pela criança como se ele tivesse tido a intenção de dizer algo através da escolha daquele trecho dramático específico. Por sua vez, a criança faz suas encomendas, quer escutar determinada história, pede que lhe alcancem certo livrinho, propõe que se brinque com ela considerando-a como se fosse uma personagem. Enfim, essas trocas entre adulto e a criança, tendo os contos como intermediários, podem operar como uma espécie de diálogo inconsciente (CORSO e CORSO, 2006, p. 29).

As ficções apresentadas pelos contos infantis podem oferecem inúmeros caminhos, tanto ao nosso consciente, quanto ao inconsciente, assim como não há um único significado para a leitura. As inúmeras interpretações disponíveis não permitem que nos fixemos em conclusões pré-determinadas. De fato, é preciso compreender o modo como cada sujeito se encontra no momento da leitura e o quanto a mesma lhe impacta.

[...] os efeitos de determinados contos nas crianças são os mais variáveis e imprevistos, as histórias de fadas possuem personagens e passagens fortes que cativam vivamente, mas no seu uso os efeitos são únicos. Os contos, como os mitos, são estruturas geradoras de sentidos, eles não têm um sentido em si (CORSO e CORSO, 2006, p. 166).

Portanto, torna-se necessário que não façamos nenhuma interpretação de modo inacabado. A psicanálise dos contos de fadas, como percebemos ao longo de todas as análises feitas por Diana em Mario Corso em Fadas no Divã (2006), nos mostram claramente que podem ocorrer variadas interpretações acerca de um conto de fadas, não havendo uma verdade absoluta. Os pedaços da ficção fornecem e sugerem estímulos, mas é o sujeito que se apropria e adapta as fantasias a suas necessidades.

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4.1 A Psicanálise e os contos de fadas

Como compreendemos até o momento, os contos de fadas, ainda que não identificados como único meio lúdico para a criança, dispõem de um variado conjunto de elementos que auxiliam e servem de apoio para a resolução de muitos conflitos que cercam os sujeitos desde a infância até a passagem para a vida adulta.

Ao nos sensibilizarmos com as análises propostas por Corso e Corso (2006) em Fadas no Divã, encontramos abordagens de contos que perduram e encantam crianças, de modo que os autores nos sugerem hipóteses do que estaria mantendo tais narrativas vivas até a atualidade, ao mesmo tempo em que nos proporcionam o pensar sobre a evolução dos contos de fadas.

Entre as análises propostas por Corso e Corso (2006), a história do Patinho Feio contempla um dos primeiros dramas de grande sucesso, no qual as crianças se identificam até os dias atuais. O conto de Hans Christian Andersen contempla o sofrimento de uma ave que era diferente dos demais ao seu redor. De um ovo diferente no ninho de uma pata nasce uma ave que não correspondia às características dos demais filhotes. É aí que se inicia a sequência de tragédias que sempre levam o Patinho Feio a se sentir só, rejeitado, sem sorte e desastroso. Eis que em meio à solidão surge a transformação. Do estranho e sofrido animal cinzento agora todos poderiam contemplar o mais belo dos cisnes.

Com base no conto do Patinho Feio, Corso e Corso (2006, p.33) identificam que:

Poucas histórias infantis foram capazes de uma empatia tão forte e duradoura com o público, certamente devido ao mérito de traduzir muito bem a angústia da criança pequena. O calvário do cisnezinho, que foi cair no ninho errado é igual ao de todos nós. Na verdade, a trama sintetiza duas fantasias assustadoras: uma dos pais, o medo de ter o filho trocado por outro – hoje, por um equívoco na maternidade, outrora por alguma artimanha de alguém ou do destino; e outra dos filhos, a de descobrirem-se adotivos. Na primeira, o filho está no ninho errado; na segunda, ele vem de ovo errado.

E seguem afirmando:

Ambas, entretanto, evocam uma certa verdade: somos todos adotivos, o laço biológico não nos oferece as garantias necessárias para sentir-se amado. Mesmo que sejamos nascidos da mesma mãe que nos amamentará e educará, ainda resta um vago e desagradável sentimento de ser ovo errado no ninho errado (CORSO e CORSO, 2006, p. 33).

O conto do Patinho Feio não se distancia da realidade das crianças que, de alguma forma, enfrentam seus conflitos diários. A sociedade impõe seus padrões,

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então o exótico e o diferente encontram muitas dificuldades para serem percebidos como normalidades criadas no grupo social que não podem impedir os sujeitos de viverem suas individualidades.

Já no conto da Branca de Neve, que resumimos anteriormente, a análise proposta por Corso e Corso (2006) traz uma face mais obscura do despertar feminino para a vida adulta. Questões como a inveja materna, amor e ódio entre mãe e filha e a passagem da infância para a adolescência, posteriormente para a vida adulta, são indagações feitas pelos autores da relação conturbada entre madrasta e enteada.

O tom da narrativa, na perspectiva de Corso e Corso (2006), traz uma interpretação relevante para o conto. A mãe da Branca de Neve ao morrer no parto faz versão ao ideal materno que idealiza seu filho para suas satisfações, o que acaba se tornando uma frustração futura. A mãe má, representada pela madrasta, que faz uso de um espelho mágico para aguçar sua vaidade, não aceita que seu amado admire outra mulher. É nesse ponto então que entra a figura paterna, possível definição do espelho, que deveria ter olhos apenas para uma única mulher.

A despeito disso, desencadeando o enredo com bases na psicanálise de Corso e Corso (2006, p. 80), os autores afirmam que:

O espelho então enuncia que há uma jovem mulher em casa, sua própria mulher já não é mais a única e está ficando para traz. [...] De qualquer forma, nessa família só há lugar para uma mulher ser desejada. À filha só resta à expulsão, partir em busca de seu próprio espelho, ou seja, de um amor.

Os fatos que ocorrem posteriormente no conto levam a jovem ao encontro de seu amado, com quem se casa e passa a viver a plena felicidade. Ainda referente à análise do conto da Branca de Neve, Corso e Corso (2006, p. 84) sustentam que:

Essa maldade que sai pela culatra não é uma contradição do conto, é apenas uma prova de que para a jovem a inveja de sua mãe não é necessariamente nociva. Essa inveja é um móvel importante de confirmação de suas qualidades femininas, uma espécie de fermento que permite a expansão de seus encantos.

E finalizam a análise do conto dizendo que:

[...] deve ficar bem claro que a jovem a ser invejada está em posição bem diversa da menininha que a mãe enfeita para a sua própria glória. A criança rosada, arrumada com babados e fitas, deve ser envenenada, deve morrer para que fique claro que agora só restou a jovem cujos atributos não se endereçam à mãe, mas sim a um príncipe encantado de amor pela sua imagem (CORSO e CORSO, 2006, p. 84).

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Os autores de Fadas no Divã, ao longo de todo o livro, propõem um olhar minucioso para contos folclóricos e contos modernos que repercutiram e que, mesmo na atualidade, proporcionam, com méritos, grande influência à subjetividade infantil.

Descrever a psicologia infantil e conjecturar sobre seu funcionamento particular devem servir para nos aproximar das crianças, não para reduzi-las ao convívio com especialistas que seriam os únicos a saber o que está acontecendo com elas. Pais assim alertados, ao lerem contos de fadas para uma criança, vão ficar inibidos como se fossem mexer num texto sagrado (CORSO e CORSO, 2006, p. 164).

Ainda é importante destacar que:

[...] alterações e criações são mais que bem vindas, serão sempre uma oportunidade de movimentar as fantasias que fazem sofrer as crianças e suas famílias. As coisas ruins, patológicas, ficam escondidas nos cantinhos escuros da mente, produzindo angústia, medo agitação e irritabilidade. Mas, se essas fantasias encontrarem algum tipo de tradução na narrativa do adulto e no diálogo com a criança, terão o potencial de oferecer alívio, cura e auxiliar no crescimento infantil (CORSO e CORSO, 2006, p. 164).

As tensões, os medos e angústias aguçados pela fantasia dos contos de fadas não podem e nem devem ser interpretados como sem importância pelos pais ou qualquer que seja a pessoa que conte tal narrativa para a criança, pois como podemos perceber com base na afirmação dos autores não há regras sobre como utilizar uma história. O que se pede é que qualquer que seja a obra compartilhada com a criança, esta precisa transmitir valorização pelo que está sendo lido, criando novos meios de provocar a sua fantasia.

4.2 As histórias infantis nos desenhos animados e em filmes

As animações infantis, cinema, história em quadrinho e TV, são manifestações que fazem parte da indústria cultural. O mercado, que se apropriou e transformou muitas das histórias infantis em filmes de grande sucesso, atua, ainda hoje, e está sempre à procura do novo, o atraente, na busca de suprir as demandas das novas gerações. Ao referir-se às novidades que chegam às crianças, Corso e Corso consideram que:

Se crescerem num ambiente estimulante, serão curiosas, pois sua vida tem necessidade de fantasia para apoiar suas brincadeiras e seu pensamento mutante. Se possível, buscarão a fantasia em todas as formas: brinquedos, filmes, games, livros, teatro, brincadeiras com os amigos, programas de televisão, narração de histórias, etc. Não há um meio privilegiado de consumo de ficção, e hoje existe uma multiplicidade de modalidades pelas

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