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A significação das pinturas de Padre Jesuíno

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Resgate – História e Arte II - https:sites.google.com/site/resgatehistoriaearte/ e-mail: carlosgutierrezcerqueira@google.com.br

A significação das pinturas de Padre Jesuíno

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Inicialmente quero afirmar que tudo o que temos feito até aqui, tanto na igreja da Ordem Terceira do Carmo de S. Paulo como as prospecções realizadas aqui em Itu, no forro da igreja do Carmo, decorre dos estudos realizados por Mário de Andrade sobre Padre Jesuíno do Monte Carmelo.

Há exatos 65 anos, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tornava público o estudo realizado por Mário de Andrade acerca deste personagem singular de final do Período Colonial paulista – outro mulato dentre diversos outros que alcançaram notoriedade e reconhecimento em vida, seja pelo viés artístico, como pintor e músico e talvez entalhador, seja pelos seus dotes intelectuais, como padre – cuja atividade não se limitou apenas ao sacerdócio, como se sabe, tornando-se líder de um grupo de padres que periodicamente se reunia nas dependências da igreja por ele arquitetada e construída, com o auxílio da população e donativo do Príncipe D. João, aonde pretendeu fundar uma congregação nova no interior da Igreja Católica, cujas finalidades a professora Magda Ricci procurou desvendar em seu robusto estudo sobre seu discípulo e seguidor, o Padre Antonio Diogo Feijó (Assombrações de um Padre

Regente), também amigo e confessor de Jesuíno. Mário de Andrade interessou-se notadamente

pela obra pictórica, reunindo uma gama enorme de informações, artigos e estudos de autores diversos, realizou ou orientou pesquisas, descobriu documentos, esforçando-se por reconstituir sua vida desde Santos onde nasceu, filho de Domingas Inácia de Gusmão, parda forra, sobrinha-neta do Padre Voador – Bartolomeu Lourenço de Gusmão – e de pai incógnito. Mário, preocupado em fundamentar a análise do artista e sua obra no seu tempo histórico, procura identificar as condições sócio-culturais em que estava inserido – a sociedade colonial escravista brasileira –, a posição de seu grupo social – os mulatos – e suas motivações pessoais, incursionando inclusive no campo psicológico do artista na determinação de sua produção artística. Reconstituiu a trajetória de sua vida que lhe pareceu estar sempre ligada aos Religiosos da Ordem do Carmo, desde Santos até Itu, vindo depois para a cidade de S. Paulo – tempo de viuvez e preparação para o sacerdócio – onde deixou obra completa de pintura nos forros da capela dos Terceiros paulistanos, agora em vias de se revelar plenamente, após mais de um século permanecida em boa parte oculta, recoberta por re-pinturas, e que agora estão sendo gradativamente resgatadas pelas mãos habilidosas da equipe de restauradores de Julio Moraes.

A despeito das dificuldades existentes à época, empreendeu um estudo de todas as pinturas atribuídas a Jesuíno, desde aquelas que teria sido Jesuíno um mero colaborador de José Patrício da Silva Manso – as telas que ornam as paredes da capela-mor da Matriz ituana – até as pinturas que seriam comprovadamente suas – as da igreja do Carmo de Itu, de que restaram apenas o magnífico painel do forro da capela-mor e o medalhão central da nave representando Santa Teresa; as que executou na Ordem Terceira do Carmo de S. Paulo; e as telas que fez para a igreja de Nossa Senhora do Patrocínio da cidade de Itu.

Disse que Mário de Andrade enfrentou dificuldades para efetuar suas análises. Explico: Ocorria então o que os técnicos do IPHAN executavam nas obras de restauro arquitetônico, ou seja, o contrário do que afirmam alguns críticos do Patrimônio (de que as obras de restauro eram apenas orientadas com o fito de conferir aos edifícios um pseudo-estilo colonial, criado na

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Resgate – História e Arte II - https:sites.google.com/site/resgatehistoriaearte/ e-mail: carlosgutierrezcerqueira@google.com.br mente dos modernistas do Patrimônio), o planejamento de restauro iniciava-se com levantamento de dados históricos e sobre tudo com a realização de prospecções nos edifícios de maneira a resgatar indícios de seus elementos originais, que haviam sido adulterados por reformas que lhes alteraram a fisionomia primitiva, geralmente acrescentando novos elementos e anexos para outras funções mais apropriadas aos novos tempos que lhe sucederam. Tal procedimento permitia aos arquitetos-restauradores reconhecer os elementos e as características originais dos edifícios e seu sistema construtivo, com o que orientavam, passo a passo, projeto e obra de restauro.

Essa metodologia foi elaborada gradativamente pelos arquitetos-restauradores do IPHAN e aplicada no restauro especialmente dos monumentos nacionais considerados mais representativos da época colonial, embora não se restringisse apenas a este período inicial de formação da nacionalidade brasileira, abrangendo também outros do século XIX e XX.

Tal metodologia não era ainda possível de ser utilizada – ao menos nos anos iniciais de atividade do IPHAN no Brasil – com respeito às pinturas que haviam sofrido retoques ou mesmo re-pinturas a título de restauração, e que na verdade acabavam por esconder as camadas originais das pinturas, adulterando-as gravemente, chegando às vedzes à sua completa desfiguração. Na verdade, nos dias em que Mário de Andrade procedia aos estudos das pinturas de Jesuíno, era ainda assim o procedimento utilizado para “restaurar” pinturas, ou seja, os proprietários ou responsáveis pela conservação dessas pinturas faziam uso de pintores presumivelmente capazes de fazer retoques em áreas que por alguma razão haviam sido danificadas, raspadas, perdido traços e colorido enfim.

Mário quando, após estudar atentamente o que sobrou de original da composição que Jesuíno fez no forro da nave da capela dos Terceiros paulistanos e dos elementos ornamentais recompostos pelo arquiteto Ricardo Severo nos anos 1920, formulou com o auxílio do arquiteto Luís Saia hipótese de provável existência de um painel central que estaria encoberto por pintura mais recente, erroneamente atribuída a Pedro Alexandrino. Mais não se podia fazer àquela época. Somente quinze anos depois, já contando o IPHAN com a figura do Professor Edson Motta, restaurador único do órgão de preservação durante anos a fio, é que ocorreu a oportunidade de com ele contar para uma primeira averiguação que não deixou porém relatório algum mas que confirmava a existência de uma pintura antiga existente por debaixo desta nova. Naquele mesmo ano (1959), a antiga capela carmelitana sofria a ameaça de destruição para a construção do prédio da Secretaria da Fazenda e o alargamento do que viria a ser a atual avenida Rangel Pestana. O IPHAN intercedeu e impediu a sua demolição. Caso não lograsse êxito, Luís Saia tinha um Plano B: desmontar os forros da igreja, guardá-los para posterior restauração quando se reunissem as condições técnicas e financeiras necessárias.

No caso aqui de Itu, Mário de Andrade, depois de um primeiro contato, em dezembro de 1941, com o pintor responsável pela última restauração sofrida pela pintura do teto da capela-mor da igreja do Crmo (em 1918), envia carta ao diretor do IPHAN declarando que esperava provar em sua futura monografia sobre o pintor as principais deformações de traço e colorido,

com que o infeliz restaurador enfeitou a obra original. Opinião que, todavia, se desfez após

colher depoimento de Peri Blackmann, o qual descreveu a Mário os materiais que utilizava e o método que adotara na restauração (Publicação n. 14 do IPHAN, às páginas 90-92):

“Tive a preocupação de recorrer a este, lhe pedindo me enumerasse as tintas que empregara na restauração da Carmo, que ele insistiu em ter sido o mais fiel possível, apenas

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um avivamento do que o tempo envelheceu. ... (segue a enumeração das tintas empregadas. E,

adiante, declara: Pelo depoimento do restaurador, ele insistia em garantir que fez questão de

honestidade. “Não modificou nada”. Nos lugares em que a pintura estava muito “apagada”, raspava com pedra-pome um bocadinho, para avivar a cor no fundo, saber exatamente qual era e então “pintar dessa cor”. Para obtenção do azul e seus cambiantes, nos panejamentos, usou cobalto ... E assim por diante.

A “franqueza” das palavras de Blakmann o teria convencido, então. Hoje, em vista das investigações procedidas em várias áreas do forro, não estamos inteiramente convencidos disso; muito pelo contrário. A primeira impressão de Mário de Andrade (a de 1941) sobre as

deformações cometidas pelo restaurador seria mais verdadeira pelo que já é possível verificar.

Há, no entanto, muita coisa ainda por investigar, inclusive sobre uma anterior intervenção, esta de 1861, informação colhida por Mário em texto de Joaquim Leme de Oliveira César – Notas históricas de Itu in Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, v. 25.

Entretanto, observamos também que os resultados que estamos obtendo com a execução do projeto de restauro em andamento em S. Paulo e os dados que já colhemos aqui na Carmo de Itu, já reúnem um conjunto significativo de informações que indicam, para um futuro próximo, a necessidade de novos estudos que conduzirão certamente a uma ampla revisão das análises por ele procedidas há mais de sessenta anos atrás. Mas considero prematura qualquer interpretação que se queira fazer a partir do trabalho até aqui realizado.

O Professor Luis Roberto de Francisco sugeriu o título dessa comunicação – A

significação das pinturas de Padre Jesuíno. Porém acho que no estágio atual das coisas,

qualquer tentativa neste sentido seria temerária. O que podemos desde já comentar é que o que já desvendamos em S. Paulo é de uma beleza comovente, de uma riqueza plástica surpreendente, e muito mais elaborada do que se poderia supor. Imagino até que o próprio Mário de Andrade ficaria maravilhado, penso que até um pouco surpreso, com o que o seu mulato Jesuíno era capaz de realizar.

Mas, para o IPHAN, e me parece também que para a maioria dos estudiosos da Arte brasileira, valeu até agora as análises e interpretações de Mário de Andrade que, todos sabemos, são perpassadas pelo viés de uma busca sistemática e muito elaborada, politicamente consciente e comprometida em prol da formulação de uma identidade nacional. Mas, em Jesuíno, se tal viés pôde Mário de Andrade ver consubstanciado no anjo mulato ou no festão colorido do painel ituano, outros fatores, além daqueles próprios da evolução técnica, conceptiva e estética do artista, por ele também apontados, Mário de Andrade achou necessário considerar também a pessoa de Jesuíno, a sua condição social e o quadro histórico e sociológico em que estava inserido e no qual atuava positivamente, como artista e depois como sacerdote e líder espiritual; e foi além, procurou entendê-lo em sua intimidade, em seus pensamentos, e especialmente na sua religiosidade. Podemos discordar, divergir de um ou de vários aspectos da análise e interpretação por ele procedida, mas não podemos negar o vigor e a profundidade nelas alcançadas. E o resultado a que chegou foi ao mesmo tempo de quem o admira, de quem o compreende, de quem percebe as suas motivações, a sua audácia, as diferentes lutas que travou em vida, e depois de proceder a uma detalhada análise de cada uma de suas pinturas, seus traços característicos, seu estilo, sua permanente tendência para a figura-retrato, a evolução plástica e a

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Resgate – História e Arte II - https:sites.google.com/site/resgatehistoriaearte/ e-mail: carlosgutierrezcerqueira@google.com.br qualidade de sua obra, especialmente o painel do forro da capela-mor da Carmo ituana, sobre a qual afirma:

deliciosa manifestação de originalidade é a maneira inteiramente inventada com que ele traduz a segmentação do teto. Em vez das audaciosas perspectivas falsamente arquitetônicas ... Jesuíno joga nos ares um interminável festão verde, ricamente recamado de rosas e possíveis margaridas. ... um jeito de enfeitar muito brasileiro.

Mas não deixa de reconhecer, por outro lado, suas limitações que o fez colocar Jesuíno numa posição subalterna no quadro da Arte Colonial brasileira. Eu diria mesmo que Mário de Andrade foi bastante, por demais severo com Jesuíno, a ponto de quase anular todo o elenco de suas qualidades como artista. Cito algumas frases retiradas da Conclusão de seu estudo, só para efeito de exemplificação:

- Jesuíno não é uma síntese. Esta síntese a realiza, bastante harmoniosamente, outro artista um pouco seu contemporâneo, e de maior gênio, o Aleijadinho. Jesuíno não. Jesuíno não representa síntese nenhuma.

- Jesuíno não adere à mestiçagem brasileira, antes, é um protótipo de grupo abatido que se revolta.

- Ele é um barroco sempre, mas um barroco sem estilo.

- ... dentro do Barroco, a obra do padre Jesuíno do Monte Carmelo representa uma realidade cultural inferior.

- Fora disso, o artista se ajeita bem no quadro geral da nossa pintura de então.

Haveria ainda outras citações neste sentido, mas estas, creio, são suficientes para avaliarmos hoje, que nos defrontamos diante da possibilidade próxima de podermos apreciar a verdadeira pintura de Jesuíno, caso optarmos por ter como ponto de partida o próprio estudo de Mário, talvez saibamos melhor avaliar o quanto severo terá sido Mário para com Jesuíno, ou generoso naqueles aspectos que o admirava e o encantava, a ponto de destinar os últimos anos de sua vida ao estudo de sua obra pictórica.

Assim, à parte essa questão da significação das pinturas de Jesuíno, válida para todos os efeitos para o IPHAN até agora, ela estará em breve sendo rediscutida, uma vez que, depois de permanecerem por tanto tempo adulteradas por antigas restaurações ou parcialmente ocultadas por novas pinturas que se lhe sobrepuseram, confiamos que os serviços de restauro que se desenvolvem por intermédio da equipe do Julio Moraes, possam efetivamente resgatá-las em sua integridade. O que vale dizer: revelando as pinturas de Jesuíno em sua verdadeira autenticidade – o que propiciará aos especialistas, historiadores e críticos de Arte, realizarem análises em bases muito mais favoráveis, ao contrário do que ocorria nos anos 1940 e até recentemente.

Sim, porque é preciso declarar que alimentamos mesmo a esperança de, através do trabalho técnico de restauração, chegarmos o mais próximo possível da pintura original, e, quem sabe, conseguirmos resgatar, além dos elementos da composição por ele idealizada nas pinturas que executou nos forros carmelitanos de Itu e de S. Paulo, também os traços característicos de sua técnica apurada, a tessitura das cores, luz, massas e linhas com que elaborou as figuras de seus santos e santas, anjos e demais elementos por ele criados nos respectivos painéis.

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Resgate – História e Arte II - https:sites.google.com/site/resgatehistoriaearte/ e-mail: carlosgutierrezcerqueira@google.com.br Pretensão nem sempre alcançada plenamente nas obras de restauro, pelas dificuldades próprias de identificação dos diversos materiais que, na “historicidade” desses bens culturais, ou em outras palavras no processo de modificações que sofre pela vontade de seus detentores, ditadas por novos gostos e estilos, corrompendo a constituição original desses bens. Há também, como nos ensina Frei Sílvio, razões de ordem litúrgica e teológica nem sempre levadas em consideração quando atribuímos valor aos bens culturais. O concurso de frei Sílvio, seu conhecimento acerca da iconografia religiosa, e em especial da Ordem carmelita, de certo em muito poderá nos auxiliar a defini-las mais amplamente, vale dizer, indo muito além dos paradigmas estilísticos e estéticos e dos critérios de periodização histórica de que nos valemos para identificá-las e valorizá-las.

O IPHAN, desse modo, espera cumprir com sua responsabilidade. Depois de ter assegurado a preservação das pinturas, através da aplicação do instrumento legal de tombamento, continuou estudando, examinando novas possibilidades de aprofundar o conhecimento acerca delas, implementando pesquisas com vistas a fundamentar ações de investigação tanto documental como de intervenção direta em benefício do bem cultural, as quais nos permitem neste momento adiantar um pouco o que estamos em vias de colher, executando os projetos de restauração dos quais resultarão os resgates de duas das mais importantes obras de arte realizadas por seu artista mais curioso e interessante do período colonial. Cumpre, desse modo, o IPHAN a sua missão de documentar efetivamente o patrimônio cultural do país; compreendendo por este termo – DOCUMENTAR – as tarefas de identificar, conhecer, preservar, restaurar e dispor à sociedade paulista e brasileira obras que considera das mais significativas do acervo artístico nacional. A etapa seguinte constituirá desdobramento necessário, mas que certamente exigirá muito esforço e competência: o de atribuição, ou talvez seja melhor dizer de revalidação de juízo de valor a elas atribuído.

Estamos pois no limiar de um novo e muito estimulante momento, o de rediscussão, ou como nos provoca o Professor Luis Roberto de Francisco, de busca de uma nova SIGNIFICAÇÃO pinturas de Jesuíno. E, repito, o que exigirá muito esforço e competência dos especialistas quer do IPHAN quer de fora dele, dos acadêmicos.

O que ganha a sociedade com a realização dos projetos em execução em S. Paulo e em Itu? Podemos, sem medo algum de errar, afirmar que o ganho começa com a retirada de tudo o que existia de espúrio cobrindo as pinturas. Aliás, tenho, como técnico do IPHAN, o privilégio de poder acompanhar de perto todas as fases de desenvolvimento dos serviços de restauro, desde os momentos iniciais de prospecção investigativa, que constitui um momento especial de enorme emoção, quando entramos em contato, pela primeira vez, com o que estava oculto aos olhos da sociedade e nos vemos, pouco a pouco, diante de uma obra de um artista de uma outra época, especialmente quando diante de uma verdadeira obra de arte. Só para exemplificar, reportemo-nos à figura de Nossa Senhora do painel central da nave da igreja paulistana, já inteiramente restaurada, e que certamente o Julio Moraes irá nos mostrar em detalhe quando de sua exposição.

No campo estritamente especializado, da crítica e da história da Arte brasileira, e em particular da Pintura, acredito que o ganho deverá ser muito grande. Espero que prevaleça a competência, a honestidade intelectual, a eleição de critérios fundamentados em metodologias seguras e o propósito de bem analisar, com a profundidade que merecem as pinturas quando finalmente estiverem todas resgatadas, expurgadas das intervenções que as adulteravam, e que as impediam de serem apreciadas devidamente e analisadas objetivamente. E não a ânsia por

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Resgate – História e Arte II - https:sites.google.com/site/resgatehistoriaearte/ e-mail: carlosgutierrezcerqueira@google.com.br vezes manifesta por alguns de simplesmente desqualificar o estudo feito há 65 anos por Mário de Andrade. Certamente, gente de má fé não deixará escapar a oportunidade de detratá-lo.2

Importa-nos, contudo, estimular os profissionais honestos e competentes. Vimos desde já contatando pessoas que se nos afiguram com este perfil, convidando-os a visitar nossos “canteiros de obras”, incitando-os a acompanhar os trabalhos de restauro, fornecendo-lhes dados sobre os projetos em desenvolvimento, enfim, com o propósito de estimulá-los a realizarem os estudos que no momento propício poderão nos auxiliar a chegar a outro juízo de valor, a uma nova significação – se é que será tão nova assim – das pinturas de Padre Jesuíno do Monte Carmelo.

Peço permissão para acrescentar algumas informações acerca do trabalho de restauração que estamos para iniciar aqui na Carmo de Itu, por intermédio da equipe do Julio.

Primeiramente dizer que o projeto de Itu é uma decorrência natural do projeto de S. Paulo. Foram os resultados colhidos na Carmo paulistana que nos conduziram a projetar os trabalhos daqui. Trouxe um cartaz, que está disponível ao público presente, feito no final do ano de 2008, quando concluíamos a 2ª Fase do projeto que intitulamos A Pintura Invisível de Padre

Jesuíno do Monte Carmelo – restauro de um painel colonial paulista. Neste cartaz há um

conjunto de imagens que procura traduzir o que orientou o projeto e os resultados até ali colhidos. Partimos de uma proposição de investigação, baseada sobre tudo nas pesquisas e hipótese levantada por Mário de Andrade, em 1942, sobre a possibilidade de existir um painel de Jesuíno por debaixo de uma pintura de fins do séc. XIX ou começo do XX na área central do forro da nave, solicitando recursos ao IPHAN para executarmos prospecções a fim de verificarmos, comprovar ou não a hipótese. Os trabalhos então efetuados no ano de 2007, não só comprovaram a existência deste painel central de Jesuíno (que data de 1796-97), como nos revelou que havia muito mais pinturas de Jesuíno, que se estendem por todas as demais áreas do forro da nave e do coro, escondidas por diversas camadas de re-pinturas posteriores.

Detalhe do painel central da nave da Terceira do Carmo de S. Paulo, antes invisível.

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Refiro sobre tudo a um tipo de acadêmico (felizmente pouco comum no meio universitário) que, embora apresente produção pouco significativa do ponto de vista científico, ilude os desavisados, pois para ostentar uma superioridade intelectual que evidentemente não possui, pauta suas observações sobre detalhes de obras alheias e prima por tecer comentários insinuantes, mas rancorosos e maledicentes sobre seus autores, embora não se aperceba de que parte do que pensa e produz são efeito e projeção das mesmas perspectivas de pesquisa que critica.

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Resgate – História e Arte II - https:sites.google.com/site/resgatehistoriaearte/ e-mail: carlosgutierrezcerqueira@google.com.br O resultado da 2ª Fase foi a restauração do núcleo deste painel central, que tem a Senhora do Carmo rodeada por mais de uma dezena de anjos e querubins. Paralelamente a equipe de Julio Moraes efetuava prospecções no forro da capela-mor no intuito de verificar se embaixo do mostrengo meloso que lá está (palavras de Mário de Andrade) encontraríamos a pintura original de Jesuíno. O resultado desta pesquisa creio que Julio terá selecionado umas fotos para vocês observarem agora. No momento, estamos concluindo a 1ª Etapa da Fase 3 do projeto e iniciando a 2ª Etapa e última, que deverá terminar aproximadamente entre março e abril de 2011, quando esperamos entregar as pinturas inteiramente restauradas.

Aqui em Itu, seguimos a mesma metodologia que nos convenceu ser correta, bem fundamentada e principalmente segura relativamente a garantir as condições de intervenção e resgate da pintura original. Mas aqui, ao contrário de S. Paulo, vale observar que a pintura original de Jesuíno está pedindo para reaparecer. Quando viemos, lá por agos, setembro do ano passado, para fazermos as primeiras observações, ainda à olho nu, nas pinturas do forro da capela-mor, pudemos perceber, nas bordas laterais do painel, a silhueta escura de ramos e flores emergindo sob a camada de tinta azul já descarnada que hoje constitui o pano de fundo de todo o painel. Estão, digamos, lutando para sair do esquecimento que lhes foi imposto sabe-se lá há quanto tempo. Reivindicam o seu retorno à cena. E, digo mais, elas tem uma enorme semelhança com os ramos que aparecem nas mãos dos anjos lá do teto da nave de S. Paulo.

Detalhes do forro da capela-mor da Carmo de Itu.

Observar os ramos da pintura original de Jesuíno aflorando por baixo da coloração azul que lhe recobriu.

A única diferença aqui é que resolvemos queimar uma etapa de trabalho. As prospecções feitas no ano passado nos foram suficientes para propor já a inteira restauração do painel. Quero contudo informar que o apoio de frei Silvio para a montagem da oficina de trabalho na área vizinha à capela-mor, bem ampla e ventilada, e a possibilidade de acomodar os membros da equipe nas dependências do convento, criou as condições que permitiram a decisão de executarmos o projeto de restauração já neste ano de 2010.

Aguardamos somente a liberação dos recursos financeiros solicitados ao IPHAN para iniciarmos os trabalhos.

É o que tenho a comunicar a vocês. Obrigado pela atenção.

Itu, 20/maio/2010. Carlos Gutierrez Cerqueira

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