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LUIZ GABRIEL MONTEIRO RODRIGUES

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Academic year: 2021

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Centro Universitário de Brasília – UniCEUB Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais - FAJS

LUIZ GABRIEL MONTEIRO RODRIGUES

UMA ANÁLISE DOS ACÓRDÃOS DO STF QUE CITAM A VISÃO DE BECCARIA A RESPEITO DA PROPORCIONALIDADE

Brasília 2017

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LUIZ GABRIEL MONTEIRO RODRIGUES

UMA ANÁLISE DOS ACÓRDÃOS DO STF QUE CITAM A VISÃO DE BECCARIA A RESPEITO DA PROPORCIONALIDADE

Monografia apresentada como requisito para conclusão do curso de bacharelado em Direito do Centro Universitário de Brasília Orientador: Professor Humberto Fernandes de Moura

Brasília

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2017

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LUIZ GABRIEL MONTEIRO RODRIGUES

UMA ANÁLISE DOS ACÓRDÃOS DO STF QUE CITAM A VISÃO DE BECCARIA A RESPEITO DA PROPORCIONALIDADE

Monografia apresentada ao Curso de Direito, da Faculdade de Ciências

Jurídicas e Sociais, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em direito do UniCEUB – Centro Universitário de Brasília.

Brasília, ____ de _____________ de 2017.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________

Prof. Humberto Fernandes

___________________________________________

Professor Examinador

___________________________________________

Professor Examinador

(5)

Ao meu orientador pelo apoio e paciência e ao meu amigo Hálisson, pela amizade e apoio, sem ele, e sua habilidade, este trabalho não existiria.

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RESUMO

O Livro Dei delitti e dele pene é a obra prima de Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria. Diferente da literatura que costuma acompanhar teses e decisões nos autos dos diversos entes do Poder judiciário, este livro foi concebido há séculos livre do tecnicismo, mas com grandes e pujantes reflexões acerca do Sistema Penal e sua execução. Os preceitos propostos, os desafios encarados e as conclusões alcançadas permanecem atuais ao sistema pátrio e fora dele, logo é pertinente estudar uma obra que permanece aclamada pela prática jurídica e apta a motivar a discussão acadêmica e profissional. Neste ponto, é importante relacionar o que é dito pelo Guardião Constitucional acerca do tema, mesmo que delimitando abrangência da pesquisa, haja vista os ideais apresentados refletirem o que é, ou, ao menos o que deveria ser um sistema penal eficaz, com teses que servirão, inclusive, como diretriz à reforma que urge o Direito Penal e seus derivados no contexto do Brasil.

Palavras-chave: Direito. Direito Penal. Criminologia. Cesare Beccaria.

Proporcionalidade. Algemas. Sistema Penal. Supremo Tribunal Federal.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 1

1 Críticas, ideias e institutos discutidos no livro “Dos delitos e das penas” -

Cesare Beccaria 2

1.1 Biografia do autor. 2

1.2 Apresentação e contextualização do livro “Dos delitos e das penas” 5

1.2.1 Origem das penas e o direito de punir 5

1.2.2 Interpretação e obscuridade das leis - Princípio da legalidade, 10 1.2.2.1 Restrição de liberdade e segurança pessoal 18 1.2.3 Indícios do delito, forma do julgamento, testemunhas e interrogatórios

sugestivos 20

1.2.3.1 Testemunhas e acusações secretas 20

1.2.3.3 - Da tortura 22

1.2.4 Da duração do processo e da prescrição 23

1.2.5 Crime tentado, da cumplicidade e da impunidade 24

1.2.6 Das penas 25

1.2.6.1 Detração da prisão preventiva ou temporária 28

1.2.7 Da proporcionalidade 28

1.2.8 Divisão dos delitos 31

2 Estudo dos acórdãos prolatados pelo Supremo Tribunal Federal que abordem simultaneamente o princípio da proporcionalidade e a obra de Cesare

Beccaria 33

2.1 Da metodologia 33

2.1.1 Habeas Corpus nº 126292 - SP 34

2.1.2 Recurso Extraordinário nº 592581 - RS 35

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2.1.3 Habeas Corpus n. 123108 - MG, Habeas Corpus nº 123734 - MG e Habeas

Corpus nº 123533 - SP 36

2.1.4 Ação Penal nº 470 - MG 38

2.1.5 Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 29 - DF, Ação Declaratória de

Constitucionalidade nº 30 - DF e ADI 4578/AC. 38

2.1.6 Habeas Corpus nº 89429 - RO. 39

2.2 Estudo do habeas corpus nº 126292 - SP 40

2.3 Estudo do recurso extraordinário nº 592581 - SP 43

2.4 Estudo do habeas corpus nº 89429 - RO 46

CONCLUSÃO 49

REFERÊNCIAS 51

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho trata acerca do livro “Dei delitti e dele pene” (Dos delitos e das penas) de autoria de Cesare Beccaria. O livro, amplamente estudado no cenário jurídico e criminológico mundial possui grande relevância na formação argumentativa de advogados, promotores e juízes no Brasil e exterior.

As ideias trazidas pelo autor em questão abarcam princípios tão fundamentais ao Direito Penal, Processo Penal e sua Execução que apesar de terem sido emitidas a mais de 250 anos possuem uma alta compatibilidade com o Sistema Penal pátrio, como se demonstrará em diante.

Um dos princípios abordados pelo autor estudado com maior abrangência em sua obra é o da proporcionalidade e razoabilidade, que, apesar de possuir um capítulo específico para a relação entre este princípio e a pena (Capítulo XXIII) está permeado por toda a obra.

Conforme se observará a frente, para a legislação italiana da época de edição da obra não existia o ideal de aplicação da pena proporcional ao delito ou proteção estatal equivalente à necessidade. Todavia, Beccaria como um precursor da política criminal iluminista lançou as bases para a construção desse pensamento.

Com um interregno temporal superior a dois séculos associado à publicidade e aclamação da obra, é importante questionar: Os preceitos apresentados por Cesare Beccaria são atuais, aplicados pelo Poder Judiciário e, em situação afirmativa, devidamente interpretados?

Por esse motivo é importante e interessante demonstrar através deste estudo detido o acesso que o Supremo Tribunal Federal dá aos ideais propostos por Cesare Beccaria à sua jurisprudência. Com consciência da enormidade de citações e embasamentos teóricos dados a este nobre lombardo será realizada uma seleção de acórdãos que envolvam os temas como propostos no capítulo introdutório, que incluam simultaneamente o princípio da proporcionalidade e a obra de Cesare Beccaria como fundamento do convencimento dos douto ministros do Supremo Tribunal Federal.

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1

Críticas, ideias e institutos discutidos no livro “Dos delitos e das penas” - Cesare Beccaria

Este capítulo foi formulado com a intenção de moldar a base de informações para o desenvolvimento do trabalho, cada detalhe exposto tem a finalidade de trazer um conhecimento direcionado, mesmo que superficial, acerca do Livro “Dos delitos e das penas” de maneira a oferecer base teórica para o alcance do objetivo, que é estudar o uso de Cesare Beccaria pelo STF, especificamente no tocante ao princípio da proporcionalidade e assim, melhor guarnir o interlocutor na formação de sua opinião quanto ao tema selecionado

.

O livro em questão apresenta questionamento direto do modelo de política penal praticado na Itália, e Europa, durante o século XVIII; as oposições se deram principalmente ao modelo do sistema penal lato sensu que favorecia a desproporcionalidade das medidas punitivas e a insegurança jurídica.

Apesar do interregno temporal, cada instituto apresentado e discutido na obra prima do Marquês de Beccaria possui uma aplicação ainda útil ao Brasil do século XXI, ou, pelo menos, um instituto equivalente que mostre o resultado da singela, porém palpável evolução da política criminal em quase três séculos.

1.1 Biografia do autor.

Cesare Francesco Giuseppe Maria Gaspare Melchiore Baldassare Antonio Marcellino, comumente conhecido como Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria e atualmente tratado apenas como Cesare Beccaria, foi um célebre Economista e Jurista italiano que nasceu em 1738 na província de Lombardia - Itália, filho de pai e mãe aristocratas1 .Sua formação acadêmica teve início na Escola Jesuíta de Parma,

1 PEREIRA, Marcos A. Cesare Beccaria: precursor do direito penal moderno. São Paulo: Lafonte, 2011. p. 14.

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conforme historiadores a opção pelo método de ensino católico demonstrava a intenção de seus genitores em dar prosseguimento aos negócios familiares

.

2

Segundo a opinião do autor estudado a educação que recebeu durante a adolescência e juventude, em verdade, representaram um modelo de “educação fanática”, alinhada ao modelo tradicional clássico de moral ocidental. Já no ambiente acadêmico, alcançou sua formação superior no curso de Direito pela Universidade de Pavia, em 1758.3

Ainda durante sua juventude começou a demonstrar interesse pelos temas político-sociais e iniciou sua pesquisa através do estudo de diversos pensadores iluministas que auxiliaram na formação de seus ideais. Recebeu grande influência com a leitura apaixonada dos franceses Montesquieu, D’Alambert e Diderot, e ingleses como Locke e Hume, donde trouxe para si os ideais do contratualismo que tão habilmente sustenta em sua obra.4

Alguns anos após sua graduação tornou-se membro da ilustre Academia dos Punhos (“L’Accademia dei Pugni”), vertente milanesa de pensadores iluministas, fundada pelos irmãos Verri (Pietro e Alessandro) e que sediava suas reuniões na residência destes.5

Inserido nos debates e estudos acerca de ideias do iluminismo Beccaria aprofundou seu envolvimento com a obra dos autores que lhe forneceram o embasamento ideológico de seu trabalho, pois este grupo tinha o intuito de debater sobre a organização do Estado, a relevância do indivíduo enquanto cidadão e a

2 BECCARIA, Cesare. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2016.

Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Cesare_Beccaria&oldid=46801629>.

Acesso em: 05, jun. 2017.

3 PEREIRA, Marcos A. Cesare Beccaria: precursor do direito penal moderno. São Paulo: Lafonte, 2011. p. 14.

4 MONDOLFO, Rodolfo. Cesare beccaria y su obra. Oberdan Caletti(trad.). Buenos Aires, DePalma, 1946. p. 7.

5 BECCARIA, Cesare. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2016.

Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Cesare_Beccaria&oldid=46801629>.

Acesso em: 05, jun. 2017.

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influência de instituições externas nas decisões políticas. Em uma carta, datada de 1766, enviada ao Abade Morellet o autor afirma como Montesquieu possuiu, nos cinco anos que antecederam, papel especial em sua “conversão para a filosofia”.6

O engajamento do grupo que compunha fundou-se primordialmente na oposição ferrenha ao domínio repressivo que a Itália sofria por parte da Áustria, exercido à época por Carlos VI em Milão. Suas publicações eram realizadas através do periódico “Il Caffé” que serviu como vitrine a suas ideias; um fato interessante relativo ao nome do jornal é que o consumo de café era considerado prática impura pelo Clero, a adoção deste nome para a publicação demonstrava a oposição do grupo à influência exercida pela Igreja Católica na cúpula política de sua cidade, e nação.7

No consagrado espaço de debate da residência dos irmãos Verri o autor apurou o seu estudo das Ciências Criminais.

Cesare Beccaria foi um dos primeiros pensadores italianos a sustentar publicamente a necessidade do rompimento de vínculos entre o Estado (instituição e poder políticos) e o Clero (poder religioso), que nesse momento histórico possuía influência direta sobre as decisões políticas e dominava grande parte da economia na Europa.

O confrontamento das ideias a que teve acesso com a política criminal na Itália e na Europa, principalmente no que diz respeito às leis e juízes, deu origem aos questionamentos expostos na edição de sua obra mais célebre “Dos Delitos e das Penas”, que foi publicada, inicialmente de forma anônima, em Janeiro de 1764 após revisão e edição de Pietro Verri.8

6 PEREIRA, Marcos A. Cesare Beccaria: precursor do direito penal moderno. São Paulo: Lafonte, 2011. p. 15.

7 CALAMANDREI, Piero. Prefácio. In: BECCARIA, Cesare. De los delitos y de las penas. S. Sentís Melendo e M. Ayerra Redín(trads.). Buenos Aires: EJEA, 1958. p. 9.

8 MONDOLFO, Rodolfo. Cesare beccaria y su obra. Oberdan Caletti(trad.). Buenos Aires, DePalma, 1946. p. 17.

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Um adendo se mostra importante: alguns autores apontam Beccaria como um dos pais da Criminologia, todavia este termo só foi concebido, por Raphael Garófalo, e dissociado do Direito Penal séculos após a edição do livro; portanto é inadequado afirmar que Beccaria se direcionava ao estudo dessa matéria, apesar de sua obra ser crucial para a formação do referido campo de estudo sociojurídico.9

Quanto ao trato, o Marquês de Beccaria ficou conhecido por ser pacato e tímido certa feita ao ser convidado à Paris por Voltaire retornou em curto espaço de tempo por não se adaptar aos modos e costumes da grande metrópole e em grande parte por, em sua palavras, “imaginação de marido” que produzia imagens de sua esposa chorando e enferma de saudades, o que não era real.10

1.2 Apresentação e contextualização do livro “Dos delitos e das penas”

Superada a seção que trata da história do autor, que tem a finalidade de demonstrar o contexto fático de produção da obra estudada e os detalhes que influenciaram a produção de ideias a seguir, passa o texto ao estudo não exaustivo do livro em questão: Dei delitti e delle pene - “Dos delitos e das penas”.

É importante ressaltar que, devido as influências que recebe de cientistas políticos e sociólogos, Cesare Beccaria não se limitou a redigir um manual de sugestões ao direito, mas sim uma análise profunda do sistema penal que, por fim, refletia detalhes do contexto social

Desta forma, seguem os assuntos conforme expostos na obra e como entendidos na doutrina mais autorizada, e por se dizer, especializada e difusa, que trata sobre a obra de Cesare Beccaria.

9 FERNANDES, Newton e Fernandes, Valter Criminologia Integrada, 2 ª edição., rev., atual., e ampl., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002.

10 MONDOLFO, Rodolfo. Cesare beccaria y su obra. Oberdan Caletti(trad.). Buenos Aires, DePalma, 1946. p. 51 e ss.

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1.2.1 Origem das penas e o direito de punir

Segundo o posicionamento expresso pelo autor estudado11, a origem das penas e do direito estatal de aplicá-las se deu na instituição do contrato social.

Beccaria, declaradamente defensor o contratualismo, atribuiu ao seu modelo a instituição do bem estar social, e o dever de manutenção no caso de eventual perturbação.

De acordo com Zaffaroni12, Beccaria foi responsável por adequar a ciência criminal ao ideais iluminista e contratualista. Logo, conforme exposto na obra em foco, desde o momento que os homens passaram a se juntar em comunidades e se reconhecerem como tal, surgiu a necessidade de conter os ataques, internos ou externos, à sua integridade.

Segundo o entendimento de Sérgio Salomão Shecaira e Alceu Corrêa Júnior13, a história da pena poderá ser dividida em cinco períodos: vingança privada, divina, pública e períodos humanitário e científico.

Desse modo, o primeiro esboço de um modelo de pena originou-se como a resposta ao mal causado por um ofensor, ainda em épocas de desorganização social, e funcionou como modelo de retribuição que era exclusivamente embasado em tutela privada; ante a aplicação dos meios e da intensidade que satisfizessem a indignação do ofendido, sem qualquer manifestação dos princípios, ou sequer dos ideais de proporcionalidade ou humanização.14

11 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 19.

12 ZAFFARONI, Eugeni Raúl. Apuntos sobre el pensamiento penal en el tiempo. Buenos aires:

Hammurabi, 2007. p . 81.

13 SHECAIRA, Sérgio Salomão; JUNIOR, Alceu Corrêa. Teoria da pena: finalidades, direito positivo, jurisprudência e outros estudos de ciência criminal. Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 23.

14 DIAS, Diomar Cândida Pereira , Evolução histórica da pena como vingança. Disponível em:

http://vadoaju.blogspot.com.br/2012/08/teoria-da-pena-evolucao-historica-da.html - Acesso: 05. jun.

2017. p. 2.

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Nas palavras de Magalhães Noronha15, “a pena, em sua origem, nada mais foi que vindita, pois é mais que compreensível que naquela criatura, dominada pelos instintos, o revide à agressão sofrida devia ser fatal, não havendo preocupações com a proporção, nem mesmo com a justiça.”

O Código de Hamurabi, inspirado na Lei de Talião (“olho por olho e dente por dente”) é um dos conjuntos normativos mais antigos de que se tem notícia, em seu texto já previa punições aos infratores com modalidades de ação que até ensaiaram o uso da proporcionalidade, mas que desconsideravam a dignidade da pessoa humana; hoje esta compilação comparada aos ordenamentos modernos é extremada a difamação, por exemplo, poderia ser punida com a morte.16

A Bíblia, texto que orienta duas entre as maiores religiões monoteístas atuais, e que serviu de fundamento ideológico a maioria das constituições ocidentais possui um conjunto de normas previsto no pentateuco (cinco livros de autoria mosaica). Nela encontram-se punições como o pagamento em dobro por danos causados de forma fraudulenta, e até uma excludente de ilicitude para eventual morte causada ao ladrão pelo ofendido, caso a vítima surpreenda o delinquente na prática do ato.17

Com a ascensão do modelo de sociedade ocidental, a civilização grega apresentou grande avanço na instituição do Direito Penal; neste modelo social a lei tornou-se antropocêntrica, de modo que a norma passou a encarar o celerado além dos interesses vingativos do ofendido, e as deliberações legais surgiram com as primeiras indicações dos ideais de proporcionalidade e humanização.18

Ocorre que durante a alta Idade Média a realidade obscureceu-se, todo o ideal sacro da punição retornou através da Igreja Romana e a humanização perdeu

15 NORONHA, E. M. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 220.

16 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2014. p. 80.

17DÍAZ-PABÓN, Luís Ángel.Bíblia do Pescador. Êxodo 22:1-4. Tradução de Vasti Rodrigues e Silva e Karen de Andrade Bandeira. 1ª ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2014. 1440 p. p, 88.

18 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal brasileiro [11.

2015.

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força. O restabelecimento da discussão sobre a humanidade das punições só se reergueu com o Renascimento.

Com o surgimento e ascensão desse período confuso entre estado e religião o Estado voltou a praticar a divinização das penas, modelo de produção e aplicação de normas em que o crime era equiparado ao pecado e a ofensa feita ao outro ou à sociedade passou a ter cunho de afronta à Deus, logo a punição serviria para correção de conduta e para a expiação de corpo e espírito; praticada em grande parte por meio de suplícios horrendos definidos pela autoridade religiosa.19

No auge da Idade Média a estruturação de um Poder Judiciário parecia uma ideia inócua, a confusão entre poder estatal e o Clero tornava suas atuações quase indistintas, o ideal de justiça voltou a se recostar na satisfação do ofendido por intermédio da vingança operada por si, com a particularidade de que deveria ser aceita - ou até mesmo executada - pelo senhor do feudo ou cidade em que se inseria. 20

Foi o tempo de uma releitura da tutela privada.

O uso do direito penal como instrumento de coerção e controle social foi uma das ferramentas da Igreja Romana à época, pois por intermédio da punição material e palpável ao pecado o Clero pôde instituir a dominação de sua classe que perdurou por quase um milênio.

A transição dos feudos para reinos e impérios trouxe também uma transferência desse poder - que conforme Beccaria21 representava a entrega de pequenas porções da própria liberdade ao soberano - e novamente retirou da tutela do indivíduo o poder retributivo.

19 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 35. ed.

Petrópolis: Vozes, 2008.

20 GROSSI, Paolo. El orden juridico medieval. Madrid: Marcial Pons, 1996. p. 31.

21 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 18.

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Esta ideia do poder de punitivo entregue como monopólio às mãos do Estado veio à tona com o pensamento contratualista defendido por John Locke - um dos grandes influenciadores do pensamento contratualista de Beccaria. Esta é a instituição da renascença, como resultado da renovação do pensamento humano no final da Idade Média, que rompeu com a barbaridade e o teocentrismo vigentes.

Ao integrar o novo modelo de contrato social, o cidadão que se torna participante da escolha de seu soberano ou representantes, cede uma pequena porção de sua liberdade à coletividade, logo, uma ofensa ao indivíduo também é um ataque ao bem estar coletivo, ao lançar os fundamentos deste ideal de Estado como detentor do direito de representação social e defensor do bem comum, o crime passou a ser uma ofensa ao Estado.22 Todavia, a confusão entre fé e legislação permanecia, e no posicionamento tímido , porém contundente, do autor23 esta prática é inconcebível em uma sociedade democrática

Na interpretação Foucault24, a partir deste momento ocorreu o surgimento de uma “sociedade disciplinar”, ou seja, ocorreu uma mudança na detenção do poder que passou a trabalhar com “coerções sutis” por meio da lei penal e punição, que gradativamente gerava uma sensação de vigilância constante no consciente coletivo.

Com o início da Renascença e o advento do contratualismo surgiu o ideal da reforma penal com a sugestão de humanização das leis propostas, das punições aplicadas, do meios utilizados para tanto e dos estabelecimentos penais e, consequentemente, a proporcionalização da pena aos delitos praticados; os reformistas opunham-se veementemente aos meios cruéis ou desumanos, aplicados como reprimenda à maioria dos delitos, pois restou demonstrado, no

22 ANDRADE, Fernando Dias. A razão democrática em Beccaria. Revista da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Saõ Bernardo do Campo. v. 4, 1998. p.p 115 e ss.

23 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 95.

24 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 35. ed.

Petrópolis: Vozes, 2008.

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entendimento destes estudiosos, a sua ineficácia em ressocializar o delinquente e ensinar a população.25

Beccaria, como vanguardista da Reforma Penal26, ergueu-se contra a banalização e o extremismo da pena, seu escrito apresenta um princípio doutrinário absorvido inclusive pela Constituição Federal de 1988, o da subsidiariedade do Direito Penal. Ora, nem toda situação que perturbe a vida em sociedade pode ser alvo de pena pois o uso moderado do poder coercitivo estatal garante sua credibilidade e contundência; sempre que a ofensa puder ser tratada por modo diverso de pena, que seja.27

Baratta28, ao tratar da reforma resgata o pensamento de Durkheim, autor que alterou seu posicionamento quanto ao delinquente durante a produção de sua obra; outrora o desviante foi visto como ser completamente anti-social pelo simples fato de estar rompendo com contrato social, noutro giro, o alemão passou a retirar do indivíduo a culpa exclusiva pelo delito, entendendo que o crime é fato social resultante de uma combinação de fatores que impulsionaram o agente até o fato, somados ao exercício de sua vontade.

Esta mudança crucial na pena e no sistema penal também é resultado de uma profunda mudança na sociedade, nas palavras de Pachukanis29, “a política penal traz a marca dos interesses da classe à qual serve”, ou seja a punição que determinada sociedade aplica a seus desviantes carrega consigo a marca da própria sociedade, especialmente daqueles que nela detém o poder.

25 CÂMARA, Guilherme Costa. Beccaria e o pensamento jurídico-penal. Revista Brasileira de Ciência Criminais. São Paulo. v. 11, n. 44, jul./set. 2003, p. 318 e ss.

26 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 49.

27 BOZZA, Fábio da silva. Prevenção geral negativa e as contribuições da obra de Beccaria. In:

BUSATO, Paulo César(org.). Ler Beccaria hoje. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 180.

28 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 59.

29 PACHUKANIS, Eugeny Bronislanovich. Teoria Geral do Direito e o Marxismo. Rio de Janeiro:

Renovar, 1989. p. 149.

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1.2.2 Interpretação e obscuridade das leis - Princípio da legalidade,

Cesare Beccaria trata de uma inclinação humana a que nomeia “princípio universal de dissolução”30, que seria o desvio intrínseco à intenção dos homens pra que tão logo surjam as normas, as descumpram, conduzindo suas ações na contramão do bem estar social; aqueles que cedem a esta inclinação chamou cidadão delinquente.

A constatação deste viés comportamental trouxe à baila uma nova questão:

Como retribuir o mal causado, corrigir o comportamento e advertir os não envolvidos sobre as consequências da prática de um delito?

Para o autor31, estes questionamentos apenas poderiam ser respondidos por meio da positivação do poder estatal através da norma, da aplicação desta em desfavor do delinquente e do resultado coercitivo que a aplicação rápida e eficaz desta causa no consciente coletivo.

Os ordenamentos jurídicos da Itália, e Europa em geral, não possuíam um código criminal definido que retirava margem aos excessos e parcialidades do magistrado, antes suas leis reproduziam os pensamentos de uma Monarquia absolutista, imposta por poder divino32; este fato resultava em julgamentos fruto de pura liberalidade do magistrado, que segundo toda frente iluminista, era um absurdo.

Nesse ponto Beccaria propôs uma reforma direta nesse modelo33, que possuía tantos textos legais quanto obscuridade e indeterminação, o que para toda uma nação, em verdade, representa uma insegurança tamanha que chega a ser mais cruel que determinados suplícios.34

30 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 19.

31 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 17.

32 CALAMANDREI,Piero. Prefácio. In: BECCARIA, Cesare. De los delitos y de las penas. S. Sentís Melendo e M. Ayerra Redín(trads.). Buenos Aires: EJEA, 1958. p. 40 e ss..

33 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 24.

34 TERÁN LOMAS, Roberto A. M. Beccaria y los conceptos fundamentales del derecho penal. Revista Jurídica Argentina La Ley. Derecho penal: Doctrinas Esenciales. Buenos aires, 2011.p. 11 e ss.

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Logo, em um estado moderno não há poder absoluto concentrado nas mãos de um único ente ou indivíduo, no modelo tripartite de Montesquieu35, outrora esboçado por John Locke e que serviu de arrimo para Beccaria e o modelo adotado no Brasil, o poder deverá ser separado em Executivo, Legislativo e Judiciário.

Para estabelecer uma distinção é necessário destacar que o modelo de Montesquieu é muito conservador com relação aos padrões atuais apesar da orientação revolucionária para seu tempo. Noutro giro, também é preciso afirmar que este autor era um aristocrata, logo sua tese orientava-se a fim de proteger sua classe; apesar das intenções dispostas, os ideais propostos em “O espírito das leis”

serviram às ideias das revoluções liberais do século XVIII.36

Ocorre que o modelo de estado e a forma como as instituições deste estavam sendo operadas em 1764 eram, na opinião de Beccaria37, ineficazes e arcaicas; no âmbito da política criminal, especialmente, desde a formação da norma até a execução da pena o sistema não atingia os fins mais nobres do bem estar social.

O autor lombardo afirma38 que a materialização do poder de um estado gerado pelo ajuntamento social voluntário é a norma, pois através dela grupos outrora desorganizados, que formavam os primeiros embriões sociais, organizaram as relações entre indivíduos e grupos.

Beccaria ressalta portanto39 que a lei raramente é produzida visando o bem comum; pelo contrário, o resultado legislativo reflete o interesse da casta minoritária e detentora do poder, ou pontualmente o resultado de fato político histórico e de grande clamor social. A lei justa deve trazer consigo a observação atenta ao meio

35 MONTESQUIEU. O espírito das leis. Martins Fontes, 2010. p. 27 e ss..

36 GOMES, Luiz Flávio. Beccaria (250 anos) e o drama do castigo penal: civilização ou barbárie?. São Paulo: Saraiva, 2014. p 47 e ss.

37 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 94.

38 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 20.

39 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 22..

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social, a fim de gerar o máximo de conforto e segurança para a maioria dos cidadãos.

Quando a norma apresenta os valores que defende têm-se em mãos a definição do bem jurídico, estes não são universais ou indiscutíveis, mas retratam quais institutos o legislador intenciona proteger. Conforme aplica Montesquieu, toda pena que não derive de uma necessidade é por si um exercício de tirania, logo a produção da lei penal de uma democracia deve focar o bem estar social, ou será injusta.40

Ora, se apenas a lei poderá definir as punições de cada crime e o poder de produzi-las é exclusivo do legislador - que se presume ser o representante de todos os indivíduos unidos pelo mesmo contrato social - segundo afirma Beccaria41, o legislativo que defende os próprios interesses produzirá leis penais que protegem seus pares, subjugam o cidadão comum e isolam o desviante de origem humilde.

No atual contexto, as decisões políticas demonstram grande subordinação, mesmo que tácita, aos poderes das corporações capitalistas. Logo as normas, e decisões com fundamento nestes princípios viciados terminam por arriscar o bem estar social a fim de atender uma determinada parte influente e rica dos cidadãos.42

Inserido no contexto de repartição de poderes invocado pelo autor, é possível concluir ao soberano legislador compete a produção de leis aplicáveis ao todo, mas não o julgamento da adequação de fatos à norma, pois esta responsabilidade assenta-se sobre o Poder Judiciário.

O Poder Judiciário é reconhecido na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 2º, e no inciso III do parágrafo 4º do artigo 60; tem sua independência frente aos demais. Seu papel primo é de braço pacificador do estado, pois tem a função de

40 GOMES, Luiz Flávio. Fundamentos e limites do Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 375 e ss.

41 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 25.

42 REGNASCO, Maria Josefina. Crisis de civilización. Bueno Aires: Jorge Baudino Ediciones, 2012. p.

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interpretar e aplicar a lei aos litígios entre indivíduos, de acordo com Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino43, o Judiciário tem a competência de interpretar e aplicar o direito às divergências a ele submetidas de forma coercitiva e definitiva, restabelecendo o equilíbrio das relações.

Ainda nessa senda orienta o Senhor Ministro Gilmar Ferreira Mendes44 que o judiciário como existe atualmente no Brasil representa a materialização do princípio da proteção judicial efetiva, que se mostra ativo na grande gama de ações constitucionais possíveis a fim de resguardar a objetividade da norma constitucional e a subjetividade de direitos e garantias fundamentais.

A autonomia constitucional que recebe este Poder por meio da definição de sua competência é ampla, porém limitada, a grandeza de sua atuação é contida como qualquer de seus pares. Observa-se que a lei votada no Legislativo vincula o Judiciário com a admissão de interpretação que não deturpe o sentido da norma, aí reside outro importante motivo para que as leis sejam claras e precisas: impedir o excesso do magistrado.45

Quanto ao julgamento, é necessário atentar ao princípio da legalidade, que vincula tanto o Direito Penal pátrio (artigo 1º do CP) quanto a Administração Pública como um todo (artigo 37 da CF/88) o que incluirá o Poder Judiciário. Cabe ressaltar, porém, que este princípio, conforme idealizado pelo iluminismo e reforçado pelos reformistas é inconcebível nos padrões atuais.46

Conforme proposto no inciso II do artigo 5º da CF/88, o princípio da legalidade, como vige em ordenamento pátrio, consiste na desobrigação do cidadão em cumprir qualquer determinação que não lhe seja feita por lei. A manifestação

43 ALEXANDRINO, Marcelo & PAULO, Vicente. Direito Constitucional descomplicado - 14 ed. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método: 2015. p. 679.

44 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10ª ed.

- rev. e atual. - São Paulo: Saraiva. 2015. p. 961.

45 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2014. p. 100.

46 CUNHA, Rosa Maria Cardoso da. o caráter retórico do princípio da legalidade. Porto alegre:

Síntese 1979. p. 75 e ss.

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constitucional deste no âmbito penal consta do inciso XXXIX do mesmo artigo, que esboça tamanha rigidez na atuação do ente estatal que sequer dá margem ao Poder Executivo para sua atuação regulamentar devido a exigência de lei formal para definir crimes, penas. Este texto legal apresenta ainda o princípio específico da anterioridade da lei penal.47

Logo, ao magistrado em qualquer instância é vedado o direito de produzir norma ou criar situação de exceção, desta forma é impossível que o representante do Poder Judiciário ultrapasse os limites legais, permaneça aquém do que determina o texto normativo ou ignore o alegado pelas partes, sob risco de faltar na prestação jurisdicional ou excedê-la rompendo com sua imparcialidade.

No entendimento do autor estudado, o juiz “deve fazer um silogismo perfeito”48 entre fato e norma, sem julgamentos infra, ultra, extra ou citra petita, respeitando sempre a hierarquia das normas, que no Brasil é entendida pela doutrina unânime ao modelo kelseniano49.

Reina pois a Lei, e a ela se submeterá o fato que lhe afronta, ou não;

adequados fato e norma o magistrado decidirá pela liberdade ou punição, que deverá também respeitar os limites propostos na norma, que por sua vez deverá ter sido erigida sobre o princípio da proporcionalidade.50

Conforme Beccaria51, se o julgador for levado a fazer interpretação que ultrapasse o trinômio supracitado, ou se optar por tanto tornará toda a sentença

47 ALEXANDRINO, Marcelo & PAULO, Vicente. Direito Constitucional descomplicado - 14 ed. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método: 2015. p. 127.

48 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 22.

49 KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. Martins Fontes, 2005.

50 COPETTI, André. Direito Penal e estado democrático de direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2000. p. 133.

51 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 23.

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incerta e obscura, o que no ordenamento jurídico pátrio e enseja a oposição de Embargos Declaratórios52, nos termos do artigo 382 do Código de Processo Penal.

Segue na afirmação de que o homem terá uma forma diversa de enxergar o mesmo objeto ou situação de acordo com o decorrer do tempo e da conjuntura da vida em que se insere, ou seja, o livre convencimento do magistrado, em verdade, nunca poderá ser completamente imparcial se for levado em conta que sua realidade e ambiente intervirão em sua análise do fato; a segurança jurídica, tão necessária para manutenção da ordem pública, resta ameaçada pelas paixões humanas.53

Logo, o Juiz encontra-se limitado à lei que lhe é entregue pelo Estado, e às provas produzidas nos autos, para proferir sua decisão; isto se dá mesmo que possua conhecimento externo sobre o caso, pois a função que desempenha é eminentemente cognitiva.54 No capítulo VI55, ao tratar das prisões como espaço onde se executa modalidade de pena privativa de liberdade, chama a atenção às condições do ambiente, que insalubre e desumano finda por relegar o condenado ao opróbrio, sem o ressocializar.

A prisão, portanto, descarrega sobre os ombros do apenado toda uma carga de infâmia e estigma social, enfraquece os vínculos e limita grandemente sua reintegração ao convívio. Interessante observar que, apesar do tempo que transcorreu entre as proposições de Beccaria e a atualidade brasileira56 não ocorreram transformações pujantes para humanizar o espaço prisional, ou para reintegrar o apenado ao meio; se muito, o que há é uma maquiagem no sistema que

52BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. de acordo com as Leis n. 11.689/2008 e 11.719/2008. São Paulo: Saraiva, p. 303-304, 2009..

53 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 23.

54 GOMES, Luiz Flávio. Beccaria (250 anos) e o drama do castigo penal: civilização ou barbárie?. São Paulo: Saraiva, 2014. p 88.

55 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 26.

56 PIMENTA, Victor Martins. Conter o poder punitivo: alternativas ao encarceramento em massa.

Artigo em publicação eletrônica. Carta Maior. Publicado em 29/06/2015. Disponível em

http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Principios-Fundamentais/Conter-o-poder-punitivo-alternativas- aoencarceramento-em-massa/40/33871. Acesso em junho de 2017.

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carece de outros séculos de evolução para refletir atenção aos preceitos propostos.57

Desta forma, é por demais arriscado à boa técnica, à segurança jurídica e ao bem estar social decretar prisão baseada em mera suposição, a exemplo da prisão preventiva, que por falsa sensação de punir a impunidade acabou tornando-se instrumento paliativo para o judiciário brasileiro58.

De maneira conclusiva, o autor afirma que no modelo vigente à época59, de certa forma semelhante ao atualmente aplicado no Brasil, a interpretação de uma lei com a definição de seus interesses nada mais é que “o resultado de boa ou má lógica de um juiz (...) da violência das paixões do magistrado (...) que mudam as aparências e desnaturam os objetos no espírito inconstante do homem” .

Este assunto traz à baila a questão da Segurança Jurídica no livro em discussão: Ora, este ideal foi proposto de forma implícita na obra de Beccaria60, ao afirmar a necessidade do magistrado de se manter adstrito à norma posta e que, consequentemente, esta norma seja clara e precisa, o autor lançou as bases para a aplicação deste princípio ao direito penal.

Na opinião de J.J Canotilho61, a segurança jurídica poderá ser definida como o direito que o indivíduo tem de confiar nas normas e atos decisórios do estado com relação à sua pessoa. Para tanto estes atos devem estar alicerçados em norma vigente e válida, e os efeitos jurídicos de cada ato da parte ou do estado devem ser previsíveis com fundamento na leis, e posteriormente na jurisprudência atualizada e recorrente.

57 Vide: Conselho Nacional do Ministério Público. A visão do Ministério Público sobre o sistema prisional brasileiro - 2016 / Conselho Nacional do Ministério Público. – Brasília : CNMP, 2016. 344 p.

58 GOMES, Luiz Flávio. Beccaria (250 anos) e o drama do castigo penal: civilização ou barbárie?.

São Paulo: Saraiva, 2014. p 179..

59 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 22.

60 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 49.

61 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra:

Almedina, DL 2003, 2003.

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O resultado da segurança jurídica é a estabilidade e eficácia das relações jurídicas, segundo Beccaria, seria o resultado lógico da junção prática dos preceitos supracitados62. Pois o cidadão com acesso a norma (que é clara, precisa e redigida em linguagem corrente e acessível) poderá conhecer os resultados de suas ações caso se adequem a tipificação da lei, antes que decida pela ação ou inércia.

O caráter sociológico da obra se mostra então desde o princípio com a finalidade de criticar a má gestão dos recursos resultantes do ajuntamento social.

Segundo Beccaria afirma, as leis representam a vontade da minoria detentora do poder ou mero resultado casual de um momento de grande clamor político quando deveriam refletir isonomia aristotélica no estado de direito63.

No Capítulo V64 da Obra, Cesare Beccaria trata sobre a obscuridade das leis. Em sua opinião as leis são formuladas com linguagem arcaica e inacessível ao cidadão comum, de forma que este ao ter contato com a norma não consegue entender com objetividade o binômio delito e punição. No auge da legislação, apenas o texto claro e simples teria acesso, e toda lei obscura e imprecisa seria substituída ou revogada.65

Outra questão importante está no fato de que o indivíduo ao se deparar com texto que ao alcance de seu conhecimento seja ininteligível não poderá refletir sobre gravidade da resposta estatal a um eventual desvio de conduta, desta forma a norma em sua complexidade perde o efeito coercitivo.

No entendimento de Beccaria66, quanto mais pessoas pudessem acessar e compreender o texto legal menos delitos haveriam, pois não existiriam dúvidas que a certeza da punição e da reprovabilidade da conduta “põe freio à eloquência das paixões”.

62 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 23.

63 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 15.

64 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 24.

65 CÂMARA, Guilherme Costa. Beccaria e o pensamento jurídico-penal. Revista Brasileira de Ciência Criminais. São Paulo. v. 11, n. 44, jul./set. 2003, p. 327.

66 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 102.

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Acerca do acesso às normas ainda, existe outro ponto crucial sobre a utilidade da imprensa na divulgação das leis, pois através de seus meios é possível alcançar os mais remotos ajuntamentos populacionais, uma imprensa livre é crucial na manutenção de uma democracia, e principalmente no trabalho cíclico da geração de uma justiça social67

Diante das reformas legislativas que têm sido operadas no Brasil no último ano é possível notar que o questionamento de Beccaria permanece atual; a maioria da população, formada por trabalhadores, têm sido prejudicada para atender os interesses de uma minoria de grandes influenciadores empresários e políticos.

É cruel imaginar que tais propostas de lei apresentadas apenas são acessadas por uma parcela reduzida da população, e o real efeito e intenção da norma são depreendidos por uma parcela ainda menor, além do mais, a mídia em sua maioria absoluta pende para determinada posição política, que mesmo quando divergente entre os canais de comunicação, nunca apresenta a informação de maneira imparcial.68.

Em uma situação ideal a produção legislativa deveria ser resultado de um congresso forte e atento às necessidades e direitos básicos da população que os elegeu, com intuito de gerar o máximo de bem estar social a maioria dos cidadãos, fato quase inexistente ou, no melhor caso, esporádico na democracia como um todo, seja no Brasil ou no exterior.

1.2.2.1 Restrição de liberdade e segurança pessoal

No entendimento deste autor69, o fim da reunião em sociedade é atingir segurança pessoal, pois em favor deste aglomerado opinativo abdicou-se de

67 PEREIRA, Nilo. IMPRENSA E DEMOCRACIA. Síntese: Revista de Filosofia, v. 3, n. 12, p. 12-26, 1961.

68 GUZMÁN DALBORA, José Luis. Consecuencias In: MATUS ACUÑA, Jean Pierre (dir.). Beccaria 250 años después: dei delitti e delle pene -de la obra maestra a los becarios. Montevidéu - Buenos Aires: Editorial B de F-Euros Editores SRL, 2011. p . 48.

69 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 26.

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pequena parte de suas liberdades a fim de manter a própria integridade e não apenas do bem comum. A crítica então, reside na fraqueza institucional que representa efetuar uma prisão com o uso do poder estatal para dar vida a arbitrariedades sem fundamento normativo algum.

O modelo ideal de sistema penal deve sopesar segurança social e liberdade, de forma que se restringirá a última apenas em casos limítrofes e de extrema necessidade. Beccaria idealizou o Direito Penal como ultima ratio, sob uma visão garantista e não minimalista.70

No contexto atual do Brasil, qualquer prisão arbitrária não tem legitimidade pois até mesmo para a decretação da prisão preventiva - modalidade mais fundada em incertezas - é necessário sejam preenchidos determinados requisitos. Conforme dispõe Aury Lopes Júnior71, esta modalidade só pode ser avocada se demonstrados o periculum libertatis e o fumus comissi delicti, que ao exigirem fundamentação do magistrado imobilizam a maior parte das arbitrariedades.

No conceito exposto por Lopes, o fumus comissi delicti é a união dos indícios mínimos de autoria associados a provas consistentes da materialidade do fato; por periculum libertatis entende-se o risco que a liberdade do suspeito representa para a correta persecução das provas, para garantia do ius puniendi e para eventuais vítimas e testemunhas ou para a sociedade como um todo.

Mas cabe ressaltar que, o judiciário pátrio não se encontra livre de decisões abusivas, ou fundadas em persecução insuficiente para embasar uma condenação.

Ora, o estudo do Direito Administrativo chega a elencar a possibilidade de responsabilização civil do estado pela prisão ilegal, de forma objetiva conforme dispõe o inciso LXXV do artigo 5º da CF/88.72

70 CÂMARA, Guilherme Costa. Beccaria e o pensamento jurídico-penal. Revista Brasileira de Ciência Criminais. São Paulo. v. 11, n. 44, jul./set. 2003, p. 311.

71 LOPES Jr, Aury. DIreito Processual penal - 11ª ed. São Paulo: Saraiva. 2014. p.854

72 ALEXANDRINO, Marcelo & PAULO, Vicente. Direito Administrativo descomplicado - 23 ed. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método: 2015. p.870.

(31)

Em última instância, o autor trata dos delitos contra a tranquilidade pública, modalidade que hoje equivale às contravenções penais, interessante observar este caso pois Beccaria foi o primeiro também a observar a tripartição dos delitos - crime, delito e contravenções penais- apesar de não nomeá-los desta forma.73 Entretanto, o sistema aplicado no Brasil é bipartido, pois não há diferenciação clara entre crime e delito, apesar de demonstrar a influência do doutrinador italiano ao resguardar aos fatos de baixa ofensividade um regramento próprio, a Lei de Contravenções Penais.74

73 GOMES, Luiz Flávio. Beccaria (250 anos) e o drama do castigo penal: civilização ou barbárie?. São Paulo: Saraiva, 2014. p 114 e ss.

74 GARCÍA - PABLOS DE MOLINA, Antônio e Gomes, Luiz Flávio. Criminologia. 8. d. São Paulo: RT, 2012. p. 609.

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1.2.3 Indícios do delito, forma do julgamento, testemunhas e interrogatórios sugestivos

O autor trata ainda das modalidades de produção de provas usadas à época75, que haviam sido constituídas em uma realidade de completo desdém aos preceitos da dignidade da pessoa humana e da presunção de inocência. Em verdade a modalidade que vigorava era presunção de culpabilidade, haja vista o modelo incorporado.

Apresenta, de forma introdutória a possibilidade de dividir os meios probatórios em interdependentes e independentes,76 quanto a sua obtenção e sustentação em juízo; e em perfeitos e imperfeitos quanto ao seu grau de precisão, de forma que a prova perfeita aponte sem quaisquer obscuridades a existência do delito e sua autoria, e a imperfeita abra espaço para aplicação do princípio da presunção de inocência ou até mesmo pela impossibilidade de comprovar a prática delituosa.

Reforça portanto a necessidade de clareza nas normas a fim de fornecer ao juiz uma base certa para a adequação, ou não, do fato.

1.2.3.1 Testemunhas e acusações secretas

Trata, nesta senda77, da valoração da prova testemunhal principalmente quando os depoimento prestados advém de indivíduo com índole duvidosa, a exemplo de ex-condenados; ou de quando estes fatores se contrapõe a outras provas constantes no processo, obtidas por meio lícito e que se aproximam da perfeição.

Na jurisprudência pátria, a idoneidade e o desinteresse da testemunha no resultado do caso são preceitos recorrentes nas análises, inclusive com a vedação ao testemunho anônimo, apesar da existência do programa de proteção à

75 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 27 e ss.

76 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 28.

77 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 30.

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testemunha e vítima que resguarda a integridade do depoente sem arriscar a segurança das decisões.78

1.2.3.2 - Interrogatórios sugestivos e juramentos

Trata ainda dos interrogatórios sugestivos79. Em seu tempo o costume de formular quesitos que impelissem o acusado a se incriminar gerava certa confusão de ideias e latente ineficácia. Conforme propõe Beccaria, a natureza humana não se auto flagela em condições comuns, o que leva os interrogatórios a se tornarem sessões de tortura ou inquisição religiosa, e quando por dever de consciência o acusado assume a prática de crime é quase impossível que o tenha feito por meio da sugestão do inquiridor, mas sim por peso de seu dever moral .

Com o intuito de proteger o bom decorrer do processo, fala ainda no Capítulo XI80 com relação aos juramentos, prática com inclinação religiosa adotada pelos tribunais italianos à época, e que permanece utilizada na atualidade, tanto em sistemas common law (Estado Unidos da América) como romano-germânicos (Brasil e Itália) onde exista forte tradição de religiões cristãs; no brasil a prática de jurar sobre a Bíblia ou qualquer outra expressão de fé não tem mais utilidade, uma boa opção de acordo com Beccaria81 pois não existirá juramento que garanta a veracidade das informações prestadas por um réu.

Nesta orientação, erguida contra meios de obtenção de prova, que envolvem a inteligência da memória e opinião humana, Bermejo82 afirma que o direito do estado durante a persecução penal necessita de limitações, que residem nos direitos humanos, propostos através das garantias fundamentais no ordenamento brasileiro, que incluem entre si a vedação à autoincriminação por parte do investigado/acusado

78 Neste sentido: STF HC 112.811 - SP e HC 90.321 - SP

79 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 35.

80BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 36.

81 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 37.

82BERMEJO, Roberto. Manual para una economía sostenible. Los Libros de la Catarata, 2011. p. 193.

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no inciso LXIII do artigo 5° da Constituição Federal vigente recentemente ratificada pelo Superior Tribunal de Justiça83.

1.2.3.3 - Da tortura

O termo tortura advém do latim, tortum, uma tipo de corda utilizada para impingir sofrimento físico a alguém, pouco tempo após o surgimento deste objeto ocorreu a criação do termo tortur, que significa “aquele que aplica a tortura”.84 Esta prática, que hoje é considerada abusiva e ilegítima, outrora foi utilizada pela sociedade como meio eficaz de persecução penal, que afligiu culpados e inocentes por séculos.

Na concepção de Cesare Beccaria, e de outros filósofos iluministas, este modo de adquirir confissões mostrava-se ineficaz em seus próprios fundamentos, pois a certeza de um delito torna a prática desnecessária e a incerteza fá-la mais vil que a ação criminosa, fundado no princípio da presunção de inocência. 85

O autor sustenta86 ainda que a tortura beneficia os mais resistentes em detrimento dos mais fracos, pois o culpado que sustém a mentira não sucumbirá a pena per se, mas o inocente que confessa ato que não praticou para se ver livre dos flagelos imediatos responderá pelos crimes que não são seus.

O primeiro edito histórico que proibiu a tortura noticiado ocorreu em 1740 na Prússia por mãos de Frederico II, Rei da Prússia, e deflagrou um movimento abolicionista por toda a Europa; este rei compôs a lista dos soberanos que aderiram

83BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.208.583/ES. Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 04/12/2012, DJe 11/12/2012. Brasília, DF. Disponível em:

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201001626420&dt_publicacao=11/12 /2012. Acesso em: 12 set. 2017.

84 FARIA, Ernesto. Dicionário escolar latino português. 6 ed. Rio de Janeiro: FAE, 1988. p, 551

85 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 38.

86 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 40.

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ao despotismo esclarecido iniciado pelo movimento iluminista, movimento que representou o início das discussões a respeito dos Direitos Humanos na Europa.87

A Carta Magna impõe nos incisos III, XLIII e XLIX do artigo 5º a vedação e inafiançabilidade da prática do crime de tortura, e a garantia de manutenção da integridade física e moral dos cidadãos como parte das garantias fundamentais. Na legislação ordinária, a Lei n. 9455/97 representa a tipificação do crime de tortura atualmente aplicada.

1.2.4 Da duração do processo e da prescrição

No Capítulo XIII88 o autor trata “Da duração do processo e da prescrição”, este ideal lançou os alicerces para o princípio atual da duração razoável do processo. Segundo Beccaria, o tempo que deve durar o processo não poderá exceder o necessário para o exercício do contraditório e da ampla defesa.

No entendimento deste doutrinador, a celeridade com que a retribuição estatal ocorre em desfavor do delinquente é ponto crucial para para a eficácia do poder coercitivo da pena; a imediatidade da punição põe “freio útil contra os celerados”.89

Para o autor, a demora na prestação jurisdicional gera na coletividade sentimento de impunidade; a relevância deste preceito é tamanha que para o ordenamento jurídico vigente constitui direito fundamental, de forma que é proposto na Convenção Americana de Direitos Humanos e a na Convenção Européia.90

87SZNICK, Valdir. Tortura: histórico, evolução e crime. São Paulo: LEUD, 1998.p. 21 e ss.

88 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 43.

89 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 61citar CIDH .

90 Vide: Organização dos Estados Americanos, Convenção Americana de Direitos Humanos (“Pacto de San José de Costa Rica”), 1969. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990- 1994/anexo/and678-92.pdf . Acesso em 12 set. 2017.

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Uadi Lammêgo Bulos91 trata a duração razoável do processo como o dever que as autoridades têm de exercer suas atribuições com rapidez e presteza, eliminando os excessos técnicos ou as práticas procrastinatórias, além de usar de seu poder como condutores do processo para impedir que as partes o façam.

Trata ainda dos prazos prescricionais92, que considera devam ser maiores conforme seja grave o delito, a fim de resguardar a sociedade da impunidade, ao invés da aplicação de prescrição maior de acordo com as diciculdades encontradas quando da persecução penal, prática comum à época.

É interessante expor a profunda ligação que estes princípios possuem com a proporcionalidade, desta vez da ofensa à duração da instrução e julgamento e formar um paralelo com a realidade nacional, com relatos de processos que se estendem por décadas para condenar réus que permaneceram em liberdade ou para absolver inocentes que estavam presos.

1.2.5 Crime tentado, da cumplicidade e da impunidade

Beccaria propôs ainda a consideração do crime iniciado, porém não consumado, para evitar a impunidade, reservando contudo aos crimes completos as penas de maior vulto e às tentativas penas parciais.

Estas proposições são apresentadas no Capítulo XIV93 (“Dos Crimes Começados; Dos Cúmplices; Da Impunidade”). Nesta senda orienta, trata ainda sobre os partícipes e cúmplices, atentando para que respondam de forma proporcional à sua relevância para o resultado final da conduta, sem equiparação aos reais mentores e executores do fato.

Chama atenção para ao caso da prática criminosa mediante paga, pois neste caso, na opinião do autor, a vantagem oferecida pelo mandante ao executor suprime o risco da ação de um equipara a responsabilidade de ambos.

91 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva. 2015. p.

92 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 45.

93 BECCARIA, Cesare. In "Dos Delitos e das Penas". São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 47.

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Na opinião de Zaffaroni e Pierangeli94, a parte de projeto do ato que ocorre exclusivamente no foro íntimo do indivíduo não pode ser considerado como tentativa por motivações óbvias, apesar de ensejar o delito, pois não produz qualquer efeito.

Todavia, no decorrer o iter criminis o autor transpassa da fase interna para a externa, material, com os atos preparatórios e a execução para que por fim consume o ato.

Se a ação for interrompida durante os atos preparatórios, em determinados casos onde a mera preparação já constitua ato infracional, e durante a execução sem que ocorra a consumação do delito considerar-se-á o crime tentado. Na inteligência do inciso II do artigo 14 do Código Penal pátrio95 os atos preparatórios também são desconsiderados para tanto, logo apenas a execução sem consumação caracteriza tentativa.

À época de Beccaria, alguns tribunais deixavam de punir o cúmplice e os partícipes, e desconsideravam o crime tentado; com este posicionamento o autor demonstra sua intenção em garantir a punição de qualquer indivíduo que tenha agido em desfavor do bem comum, a erradicação da impunidade ergueu-se como um dos conceitos mais importantes do livro.

1.2.6 Das penas

A pena privativa de liberdade, por sua vez, surgiu no início do Séc. XIX, segundo Foucault96, com uma “instituição de fato” sem qualquer embasamento teórico, e com a finalidade de controlar a moral e a mentalidade dos reclusos.

Esse novo modelo trouxe consigo a necessidade da separação dos reclusos por idade, sexo e principalmente pelo seu grau de periculosidade, além de outros

94 ZAFFARONI, Eugenio Raul. ; PIERANGELI, José Henrique. Da tentativa: doutrina e jurisprudência.

5. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p 57.

95 BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940.

96 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 35. ed.

Petrópolis: Vozes, 2008. p. 84.

Referências

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