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Sábado, 25 de Agosto de 2018

Segmento: PUCRS

25/08/2018 | Zero Hora | DOC | 8

Para que serve um bolsista

Risco de corte no orçamento da Capes pôs em evidência pós-graduandos que têm bolsa da Instituição e são responsáveis por grande parte da pesquisa feita no país

Um personagem com o qual o brasileiro costuma estar pouco familiarizado ganhou os holofotes e tornou-se centro de debates neste mês de agosto: o bolsista da Capes, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

Na maioria dos casos, trata-se de um indivíduo que recebe um pagamento mensal do governo federal para dedicar-se ao mestrado, ao doutorado ou ao pós-doutorado. Em 2018, há cerca de 100 mil deles no país e 17 mil no Exterior. Eles vão custar, ao longo do ano, R$ 2,5 bilhões.

Essa turma ficou em evidência porque, no começo do mês, veio a público a informação de que cortes orçamentais planejados pelo Planalto poderiam levar à suspensão de milhares de bolsas. O alerta partiu de dentro da própria Capes, que é ligada ao Ministério da Educação. O presidente do órgão, Abilio Baeta Neves, encaminhou um ofício ao ministro assinalando que a redução do orçamento de 2019 para o setor educacional afetaria todos os bolsistas do país.

Para aquele brasileiro comum, sem maior intimidade com o assunto e já habituado à política de redução de despesas do governo Michel Temer, a questão não causou maior espanto. Alguns até aplaudiram os cortes projetados, propagando a ideia de que as bolsas não passam de desperdício de dinheiro público, de um privilégio concedido a gente que só estuda e não trabalha. Mas o meio científico nacional sofreu um abalo.

Por quê? Porque a pesquisa realizada no país está, quase toda, concentrada nas universidades e é levada adiante por esses alunos de pós-graduação que dependem das bolsas oferecidas pela Capes. A suspensão dos pagamentos resultaria também na suspensão das investigações, com efeitos dramáticos para a ciência nacional. Haveria, alertou-se, um apagão generalizado nos laboratórios Brasil afora.

Em meio ao pânico do setor acadêmico, ZH buscou contribuir com a discussão por meio da coluna Informe Especial, assinada por Tulio Milman, que lançou um convite aos bolsistas bancados pela Capes: explicar à população o que pesquisam e qual a relevância desse estudo para o país.

Em poucos dias, registrou-se uma avalanche de respostas. Uma parte dos pesquisadores teve seus breves relatos publicados na edição impressa de ZH, outros no site do jornal.

Uma engenheira em busca de respostas para a microcefalia

Ao iniciar a graduação em Engenharia da Computação na Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), Nathalia Esper, hoje com 26 anos, sonhava em usar os conhecimentos adquiridos na faculdade para ajudar as pessoas, só não sabia como.

A resposta veio na conclusão do curso, quando o orientador do seu trabalho final, que versava sobre um sistema de discagem telefônica com reconhecimento automático de palavras, convidou-a a fazer mestrado - mas voltado à medicina. A ideia era que a engenheira pusesse as ferramentas computacionais que dominava a serviço de uma área completamente diferente: a saúde.

Nathalia topou. Despediu-se dos colegas da empresa de telecomunicações onde trabalhava e trocou um salário de R$ 5 mil, com todos os benefícios previstos na CLT, por uma magra bolsa de R$ 1,5 mil oferecida pela Capes. Entre 2014 e 2016, na Faculdade de Engenharia Elétrica, dedicou-se a estudar o cérebro de crianças com dislexia e dificuldade de aprendizado, por meio técnicas de

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processamento de imagens obtidas por ressonância magnética. Atuava em um campo novo, a engenharia biomédica.

Quando estava terminando o mestrado, entre o final de 2015 e o início de 2016, estourou uma das maiores crises da história da saúde pública brasileira, que gerou pânico e teve forte repercussão internacional. Centenas de crianças, principalmente no Nordeste, começaram a nascer com graves malformações cerebrais, a chamada microcefalia. Descobriu-se que os casos, mais de 3 mil confirmados, estavam relacionados à infecção de gestantes pelo vírus zika, transmitido pelo Aedes aegypti, o mosquito da dengue.

Diante da crise, que exigia respostas da ciência, Nathalia resolveu usar sua expertise em processamento de imagens cerebrais de crianças para ajudar no esforço coletivo. Ouvira falar que um grupo da Faculdade de Medicina da PUCRS precisava de alguém que trabalhasse com ressonância magnética, para estudar o cérebro das vítimas de microcefalia.

De novo com bolsa da Capes, a engenheira ingressou no doutorado e passou a trabalhar com um grupo de 30 investigadores.

- A ressonância gera uma imagem da parte do corpo onde é feita. No caso do cérebro, precisamos trabalhar essa imagem para deixá-la mais legível. Uso programação e muita análise estatística para pré-processar os exames, apontando alterações na massa encefálica. Depois, o grupo avalia em conjunto. Eu me achei na pesquisa - diz.

Como a doença ainda é recente no Brasil, o grupo precisa, primeiro, entender como o zika age para, então, conseguir analisar possíveis soluções e tratamentos. Natália conta que quase todos os colegas - entre médicos, radiologistas, neurologistas, linguistas, psiquiatras e engenheiros - têm bolsa da Capes. Se essas bolsas sofressem cortes, alerta, muitos projetos ficariam parados, e outros tantos nem sairiam do papel. Ela compreende que a situação econômica do país seja ruim, mas tem dificuldade de aceitar que se pense em realizar economia em um setor estratégico como a ciência.

- Para que cortar justamente o auxílio à pesquisa, que tanto ajuda a desenvolver o Brasil? Que traz visibilidade diante do resto do mundo? Não tem lógica nenhuma - critica.

Com planos de ser professora universitária, Nathalia revela ser mais feliz depois que entrou no mundo da ciência, mesmo sem ter retorno financeiro - a bolsa que recebe é de R$ 2,2 mil e exige dedicação exclusiva.

- Pra mim não é o dinheiro que importa. Como ganhei bolsa, acho que é minha obrigação dar retorno ao país e ajudar as pessoas.

O que eles fazem

Veja alguns dos relatos enviados à coluna Informe Especial, de ZH, por pós-graduandos que fazem pesquisa com bolsas concedidas pela Capes

Ansiedade

O meu projeto de pesquisa tem como objetivo avaliar a ansiedade numa amostra de mães de crianças com câncer, a partir de sintomas psicológicos e fisiológicos. Estamos criando uma tecnologia para monitorar os sinais de estresse e ansiedade dessas mães.

A proposta é que, a longo prazo, essa tecnologia sirva para avaliar e auxiliar na regulação de sintomas de ansiedade em diferentes situações.

Andréia Rodrigues

Mestranda em Psicologia (Unisinos) Catadores

Busco compreender em que momento na trajetória da sociedade o profissional catador surge e a razão de suas memórias serem tão subterrâneas, excluídas e invisibilizadas. O estudo abrange catadores e catadoras de França, Chile e Brasil.

Daiana Schwengber

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Doutoranda em Memória Social e Bens Culturais (Universidade La Salle Canoas) Depressão

A depressão é um dos principais problemas de saúde pública. Embora exista uma vasta gama de medicamentos disponíveis, cerca de 40% dos pacientes são refratários ao tratamento. Minha pesquisa tem como objetivo estudar os mecanismos bioquímicos, moleculares e comportamentais da doença e propor novos fármacos a partir de compostos naturais, para uso associado aos medicamentos atualmente utilizados.

Ana Paula Vargas Visentin

Doutoranda em Biotecnologia (UCS) Esquistossomose

Estudo a autofagia em Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose, doença negligenciada que afeta milhões de pessoas no Brasil e no mundo. Minha pesquisa contribuirá para somar novos dados sobre a biologia desse parasita, possibilitando a descoberta de novos medicamentos contra essa parasitose.

Julliane Almeida Bastos

Mestranda em Biotecnologia (UFU - Patos de Minas) Tráfico de gente

O Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas das Nações Unidas de 2016 concluiu que 71% das vítimas do tráfico internacional são mulheres e meninas, sendo que 28% são crianças (em regiões como América Central e Caribe o índice sobe para 64%). O objetivo da tese centra-se na proposição de normativas constitucionais e políticas públicas conjuntas entre os Estados da América Latina.

Rodrigo Cristiano Diehl Doutorando em Direito (Unisc) Uso do solo e hidrologia

Estudo os impactos causados na hidrologia pelo uso e a ocupação do solo em pequenas bacias hidrográficas rurais. O objetivo é entender como as ações humanas interferem nos processos do ciclo hidrológico, a fim de auxiliar a tomada de decisão dos gestores das águas.

Elzon Cassio Rippel

Mestrando em Engenharia Ambiental (UFSM) Perda de peso

Nossa pesquisa visa desenvolver uma intervenção facilitadora do desenvolvimento do vínculo mãe-bebê prematuro, potencializando capacidades emocionais maternas importantes para a compreensão da comunicação do bebê e do reconhecimento de suas necessidades físicas e psicológicas.

Márcia Pinheiro Schaefer

Doutoranda em Psicologia Clínica (Unisinos)

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80 horas semanais de trabalho para ajudar pacientes de artrose

Porque a bolsa que recebe da Capes cobre só a mensalidade do mestrado, a farmacêutica Ana Paula Anzolin, 25 anos, bateu de porta em porta para viabilizar sua pesquisa. Ela soube que pacientes de artrose estavam trazendo do Exterior um óleo ozonizado, com fama de aliviar as dores nas articulações, e propôs desenvolver uma formulação própria e testá-la cientificamente, para responder se a chamada ozonioterapia, que não é autorizada pelo Conselho Federal de Medicina, tem mesmo alguma eficácia.

Para isso, precisava adquirir a máquina que produz ozônio, recrutar pacientes e ter acesso a uma grande quantidade de exames de imagem e laboratoriais. Dinheiro para isso, no mestrado em envelhecimento humano da Faculdade de Fisioterapia da Universidade de Passo Fundo (UPF), não havia. Foi então que Ana Paula decidiu se virar, batendo de porta em porta em nome da ciência.

Foi à emissora de rádio local e conseguiu que um anúncio gratuito fosse veiculado, chamando doentes de artrose com mais de 50 anos a participar do estudo. Em uma semana, conseguiu 100 voluntários. Uma empresa de Caxias do Sul importou e doou a máquina que produz o ozônio a partir de eletrólise. Um laboratório de Passo Fundo concordou em realizar, sem custos, os exames em cada paciente, no início e no fim do tratamento.

Custando aos cofres públicos os menos de R$ 2 mil mensais da mensalidade do mestrado de Ana Paula, o trabalho pode desenvolver uma medicação que pode aliviar o sofrimento de milhares de brasileiros e contribuir para esclarecer se a polêmica ozonioterapia tem alguma base científica.

- Se comprovar o benefício, vou oferecer uma medicação simples e acessível, porque a usada hoje custa R$ 1 mil a aplicação, por injeção. O óleo vai ser muito mais barato. Apesar disso, as pessoas de fora não veem o mestrado como um trabalho, veem como um aluno que está desperdiçando o dinheiro do governo. Elas gostam do produto inovador, mas não gostam da pesquisa e do pesquisador - diz Ana Paula.

Nascida em Nova Bassano, a jovem fez a graduação graças a uma bolsa do ProUni. Foi então que começou a pesquisar o ozônio, na iniciação científica. Atualmente, para se manter enquanto toca o mestrado, trabalha em uma distribuidora de medicamentos, à qual dedica 40 horas semanais. Somando as horas dedicadas à pesquisa, são 80 horas de trabalho por semana.

- Não sobra tempo para nada. Se eu sobreviver até o final, está ótimo - desabafa.

Ana Paula já desenvolveu o óleo ozonizado e o forneceu aos pacientes, depois de todos eles fazerem um raio-X para confirmar o diagnóstico e de se submeterem a exames de sangue. Metade dos doentes recebeu o óleo com ozônio e a outra metade, um placebo.

Devem aplicar essa espécie de pomada duas vezes ao dia. A esperança é que o ozônio seja absorvido e diminua a inflamação. Os pacientes, o profissional que realizará posteriormente a análise estatística e a própria Ana Paula não sabem quem está usando o óleo ozonizado e quem está usando o placebo.

Após dois meses, os participantes vão refazer os exames de sangue, para ver se houve evolução positiva da doença. Também vão repetir um teste que avalia a dor, já realizado no início do estudo, para verificar se ela retrocedeu. Por fim, comparam-se os resultados de quem usou o óleo ozonizado e de quem usou a formulação sem ozônio. Nesse meio tempo, Ana Paula telefona de 10 em 10 dias a cada um dos 100 participantes, para saber como está indo o tratamento.

- Olha, vou te dizer, não está fácil. É uma trabalheira - diz.

Paixão pela pesquisa, renda abaixo do piso

Natália de Assis Brasil Weber, 33 anos, é graduada em engenharia de energia pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs) e tem mestrado em planejamento energético pela Universidade de São Paulo (USP). Se tivesse optado por trabalhar em alguma empresa, com jornada de 40 horas, receberia pelo menos R$ 8,5 mil de salário, o piso para engenheiros. Mas é apaixonada pela pesquisa científica, e só pode realizá-la na universidade. Por isso, conforma-se com uma bolsa de doutorado de R$ 3 mil, sem férias, sem 13º, sem vale-alimentação, sem nada. E com exigência de dedicação exclusiva.

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Aluna do programa de pós-graduação em Engenharia Mecânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), investiga como tornar usinas termelétricas mais eficientes, o que significaria gastar menos carvão e emitir menos poluentes no ambiente, um projeto com benefícios óbvios para a sociedade.

Por tudo isso, não esconde a decepção com a maneira como costuma ser avaliada no ambiente brasileiro:

- Uma coisa que me incomoda é acharem que eu não trabalho. Dizem: "Ah, tu só estudas". Não! Estudar é um trabalho. Existe muito esse preconceito no Brasil, as pessoas têm um pensamento atrasado. Inclusive familiares dizem isso, perguntam "Quando é que tu vais começar a trabalhar?" É por essa razão que se fala tanto em cortar bolsas e pesquisas, porque têm muita gente que acha isso bom, que acha que pesquisa é dinheiro jogado fora. Não é verdade, os países que mais cresceram foram os que investiram em educação.

Natália começou o doutorado no ano passado. Dentro de uma investigação mais ampla sobre como melhorar a eficiência em uma termelétrica, realizada por diferentes professores e pós-graduandos, ficou encarregada de estudar a questão das emissões.

A meta é desenvolver um modelo computacional que, uma vez alimentado pelos dados da usina, calcule por meio de inteligência artificial quais são as condições ideais para ela operar. "Essa pesquisa tem como objetivo aumentar a qualidade do ar e a eficiência energética das usinas que produzem eletricidade a partir do carvão. Dessa forma, estamos trabalhando para que o sistema elétrico brasileiro tenha mais confiabilidade na entrega da energia elétrica e reduza cada vez mais impactos no meio ambiente", escreveu a doutoranda, no texto que enviou a ZH para explicar o que faz.

Para ter acesso a dados reais, a universidade firmou parceria com a Usina do Pecém, em operação no Ceará. Mas Natália afirma que, uma vez desenvolvido o modelo computacional, ele também poderia ser utilizado por outras termelétricas, multiplicando os benefícios. Bastaria alimentar o programa com os dados da usina em questão - como tamanho da caldeira, temperatura, quantidade de carvão - para ele calcular a otimização.

- Com a inteligência artificial a ideia é, a partir dos dados da planta, chegar na melhor temperatura, com menor uso de carvão, menos uso de água, o que consequentemente significa menos custo e menos emissões, melhorando a qualidade do ar - explica.

Essa é uma área ainda incipiente no Brasil, mas que já dá resultados em usinas de países desenvolvidos, onde computadores potentes estão processando informações para fazer as unidades operarem com máxima eficácia. No Exterior, no entanto, as termelétricas terceirizam essa pesquisa, contratando empresas especializadas. No Brasil, onde a ciência está concentrada em universidades, muitas vezes são doutorandos como Natália que realizam esse tipo de experimento científico - em troca de um bolsa modesta.

- O bolsista sai muito, muito barato, para aquilo que desenvolve. Lá na graduação, pensei em trabalhar na área de pesquisa e desenvolvimento de uma empresa, mas são poucas que têm isso. Pesquisa não é uma coisa bem vista no país, não é uma área onde se coloca grana, então fica dentro só das universidades. Optei pelo doutorado por isso, por paixão. Um corte na bolsa comprometeria essa opção, e eu teria de deixar de lado ou pesquisar só nas horas livres - afirma a engenheira.

Ainda dependendo dos pais e em busca de um novo tipo de etanol

Uma das grandes conquistas da ciência brasileira foi o desenvolvimento do etanol a partir da cana-de-açúcar - o que viabilizou os carros movidos a álcool, a adição de álcool à gasolina e os veículos flex. Essa opção, no entanto, sempre teve um porém: a necessidade de usar vastas áreas, que poderiam ser úteis na produção de alimentos, para o plantio de cana.

Em Passo Fundo, uma mestranda de 24 anos, Francine de Souza Sossella recebe bolsa de R$ 2,6 mil (que se transformam em R$ 1,5 mil depois de paga a mensalidade) para investigar uma alternativa para esse dilema. A jovem trabalha no desenvolvimento de bioetanol a partir de uma microalga de água doce, a Spirulina platensis. O que se vislumbra é a possibilidade de, a partir de algas reproduzidas em tanques, gerar etanol barato.

Na realidade, a Universidade de Passo Fundo (UPF) já tem tecnologia para produzir álcool a partir da microalga, assim como vários centros de pesquisa mundo afora. O desafio é realizá-lo de forma economicamente viável. O mestrado de Francine está incorporado a esse esforço. Ela investiga a maneira mais eficiente de colher a spirulina.

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- O etanol é hoje o biocombustível com maior produção no mundo. A tendência é aumentar, mas é difícil alcançar isso, porque precisaria de mais terras. No caso da microalga, não há essa necessidade, ela não compete com a produção de alimentos. A Alemanha, por exemplo, faz um cultivo em tubos muito altos. Vários estudos mostram que a microalga tem rendimento melhor que o da cana-de-açúcar e o do milho. O obstáculo que existe é econômico. Por enquanto, esse bioetanol é mais caro e não tem produção comercial. O que estamos estudando é como baratear, para que seja viável - explica ela.

Graduada em engenharia ambiental pela UPF, Francine começou o mestrado no ano passado, envolvendo-se em um projeto no qual, ano após ano, alunos de pós-graduação são orientados a desenvolver diferentes etapas da pesquisa envolvendo o bioetanol. Quando ela chegou, o laboratório já tinha uma linhagem da spirulina isolada, dispunha de uma estufa para cultivá-la e havia conseguido produzir bioetanol. Mas havia um problema na colheita.

A microalga é reproduzida em um líquido com ingredientes capazes de fazê-la crescer. Em 30 dias, um cultivo passa de 0,20 gramas para duas 2 gramas por litro. O obstáculo é separar depois as microalgas desse meio líquido. O laboratório vinha tentando um método de centrifugação, mas não estava dando certo.

Coube a Francine testar uma alternativa, com coagulantes que ajudam a fazer a separação. Foi um trabalho demorado, porque não havia uma literatura sobre essa técnica para a spirulina. Ela estudou as condições para usar 11 tipos diferentes de coagulantes. Numa próxima etapa, vai produzir etanol a partir de microalgas colhidas com o auxílio de cada uma dessas 11 variedades.

- Ocorre que os coagulantes ficam na biomassa da microalga. O objetivo é, no final, verificar se eles têm influência, se eles afetam o etanol, para ver qual gera etanol com mais eficiência.

Quando Francine começou o mestrado, não tinha bolsa, e várias vezes cogitou desistir. Ao ser contemplada pela Capes, ficou mais fácil dar continuidade à pesquisa, mas mesmo assim ela só consegue se manter porque continua a morar com os pais, em Tapejara, a 50 quilômetros da universidade. A bolsa é insuficiente para bancar as todas as despesas.

- Se trabalhasse, teria remuneração maior. Penso muito nisso. Não é que eu me arrependa, mas... O que me levou à pesquisa foi querer dar uma contribuição. Mas é desanimador, muitos acham que tem de cortar as bolsas, que elas sustentam vagabundos. Já ouvi isso. É um pouco culpa nossa, que não explicamos o que fazemos. Temos de mostrar que, se pensarmos no retorno que a pesquisa pode dar, o valor das bolsas é bem pequeno - diz.

Na trilha do cérebro dos superidosos

O médico gaúcho Wyllians Vendramini Borelli, 27 anos, participa do esforço científico internacional para derrotar o Alzheimer, mas por meio de uma estratégia invulgar: em vez de estudar doentes, pesquisa pessoas saudáveis.

Doutorando ligado ao Instituto do Cérebro da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), ele integra um grupo de cientistas que tentam entender o que há de especial nos chamados superidosos, pessoas que já ultrapassaram a barreira dos 80 anos de idade e continuam com as capacidades cognitivas - a memória, por exemplo - em alto nível.

Conhecer os mecanismos responsáveis por fazer o cérebro dessas pessoas funcionar tão bem, acreditam, pode apontar caminhos para desenvolver tratamentos - e quem sabe até a cura - do Alzheimer.

No momento, financiado por uma bolsa da Capes, Borelli encontra-se no Nathan Kline Institute, de Nova York (EUA), onde se familiariza com uma nova técnica de processamento de imagens cerebrais, que será utilizada no prosseguimento de sua investigação, quando retornar a Porto Alegre.

Ele pede que o valor não seja publicado, mas afirma que a bolsa não cobre na integralidade os valores cobrados pela universidade norte-americana e não chega à metade do valor recebido por colegas de outros países que também estão nos Estados Unidos. Por isso, para bancar todos os custos e dar prosseguimento à pesquisa, recorre às próprias economias.

- Não posso reclamar. É uma oportunidade ótima vir aqui, estar fazendo o que eu estou fazendo. Faço pesquisa porque é o que eu

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amo fazer. Mas é complicado. O incentivo que o Brasil dá para pesquisa já é mínimo. A tendência é que, mesmo aqueles que são apaixonados deixem-na de lado, porque têm de sobreviver, de tirar o seu sustento.

Os conhecimentos adquiridos por Borelli lá fora vão alimentar o trabalho dos 16 pós-graduandos que fazem parte do Alzheimer?s Team, o grupo que estuda os superidosos na PUCRS, com repercussões também para estudantes da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que atuam em parceria com a equipe gaúcha.

Na fase atual da pesquisa, o time realiza a análise dos dados recolhidos a partir de exames neuropsicológicos realizados com superidosos. O grupo de estudo foi selecionado a partir de destes que Borelli ajudou a aplicar. Um deles consistia, por exemplo, em memorizar 15 palavras e, 20 minutos depois, repeti-las. Quando alguém de idade avançada lembra acima de nove palavras, já é classificado como superidoso.

Além de investigar os cérebros dessas pessoas com capacidades cognitivas elevadas, os pesquisadores também acompanham outros dois grupos, que servem de parâmetro para comparações. Um deles é de indivíduos com idade entre 50 e 65 anos. Outro, formado por doentes de Alzheimer. A ideia é analisar diferenças metabólicas cerebrais existentes em superidosos e em idosos quem têm a doença.

- Esperamos encontrar contrastes bem grandes aí. Os superidosos são o que chamamos de modelo de envelhecimento cognitivo bem-sucedido. Queremos ver o que essas pessoas saudáveis têm, quais são as conexões nos cérebros delas e de que forma isso pode ser aplicado para promover a saúde - projeta Borelli.

Referências

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