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CIBERATIVISMO KAIOWÁ E GUARANI: A RESISTÊNCIA DA ATY GUASU NO CONTEXTO VIOLENTO DE MATO GROSSO DO SUL.

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Academic year: 2021

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CIBERATIVISMO KAIOWÁ E GUARANI: A RESISTÊNCIA DA ATY GUASU NO CONTEXTO VIOLENTO DE MATO GROSSO DO SUL.

Lucas Luis de Faria, estudante do curso de Psicologia da UFGD, bolsita IC CNPq1. Catia Paranhos Martins, professora do curso de Psicologia da UFGD2.

Este texto é um recorte da pesquisa intitulada “Saúde e as reivindicações dos Kaiowá e Guarani na internet” realizada entre agosto de 2017 e julho de 2018, período em que estivemos inseridos no Programa Institucional de Iniciação a Pesquisa (PIBIC) CNPq. A proposta da pesquisa foi analisar as reivindicações e denúncias em saúde expressas nas notas veiculadas na internet pelo movimento Aty Guasu. Para tanto, utilizamos como campo de pesquisa o blog da Aty Guasu na internet, criado em 2011 para expor as violências contra as comunidades Kaiowá e Guarani.

Para entendermos o papel e a importância da utilização das mídias sociais para o movimento Aty Guasu é preciso primeiro alguns apontamentos sobre a mídia hegemônica e o contexto do Mato Grosso do Sul. As mídias de massa (televisão, rádio e jornais impresso/virtuais) correspondem a interesses particulares, convencionalmente aos interesses dos grupos detentores de poderes materiais e simbólicos, que se utilizam desses meios de comunicação para produção e reprodução de seus capitais. O estado do Mato Grosso do Sul representa atualmente um dos epicentros da economia latifundiária brasileira e consequentemente da desigualdade na distribuição de terras (IMAFLORA, 2017), sendo os conflitos fundiários uma das maiores expressões dessa contradição entre o capital financeiro nacional/internacional e os direitos dos povos indígenas. O resultado dessa condição do ponto de vista midiático é a reprodução pelas mídias de massa do discurso contaminado pelos interesses dos ruralistas. Sobre esse contexto Tonico Benites (2014, p. 226) escreve:

a mídia do Estado de Mato Grosso do Sul divulga os fatos que favorecem os interesses de grandes poderes econômicos dominantes vinculados ao

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agronegócio, sem levar em consideração as denúncias indígenas, as demandas, a posição e a concepção dos próprios indígenas, ignorando os relatos dos indígenas (BENITES, 2014, p. 226).

Nesse sentido Mainieri e Neves (2014, p. 8) afirmam, “esse ethos midiático historicamente atrelado aos interesses do grande capital não só ocupa um espaço privilegiado de enunciação como também determina quais serão as vozes presentes e ausentes no discurso midiático e como serão reportadas por ele”. Os discursos presentes nas mídias hegemônicas expressam a visão de mundo e os interesses dos latifundiários, sendo as vozes dos indígenas ausentes nesses espaços e suas representações construídas a partir da concepção dos fazendeiros. Entendemos, a partir de Guareschi (2015), as representações como uma construção simbólica, que se funda por meio da mediação psíquica e social entre o sujeito e a realidade que o circunda, a qual se torna objeto de pensamento, ação e relação.

É nesse campo de disputas simbólicas e materiais que se insere a produção das narrativas da Aty Guasu, como uma alternativa ao discurso hegemônico e possibilidade de enunciação das vozes Kaiowá e Guarani. A utilização do ciberespaço como ferramenta política de disputa de sentidos e representações por ativistas ou movimentos sociais é denominada por ciberativismo, e a utilização por organizações indígenas é denominada de ciberativismo indígena (MONTEIRO, NAKAZATO, MARTINS, 2015). Os trabalhos de Neves e Mainieri (2014) e Maldonado e Batistote (2016) entendem respectivamente a utilização do ciberespaço pelos Kaiowá e Guarani como busca por uma comunicação contra-hegemônica e como uma nova frente para a luta pela terra. Essas perspectivas se instauram a partir da concepção de que as mídias digitais são ambientes mais democráticos para difusão de informações e com a possibilidade de múltiplas enunciações por diferentes sujeitos.

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dialoga com a avaliação de Guareschi (2015, p. 89) em relação ao contexto atual de disputa de sentidos no qual nomeia como “guerras simbólicas”:

A guerra, hoje, se dá, predominantemente, no simbólico, na comunicação. Quem detém a comunicação detém, em geral, o poder. As guerras modernas são guerras simbólicas, mediadas pela mídia. Os próprios movimentos sociais, ou as revoluções, no momento em que se tornaram maioria, ou hegemônicos, têm de levar em conta essa variável crucial, se quiserem sobreviver. A mídia se tornou, hoje, um fato político (GUARESCHI, 2015, p. 89).

Para além de disputar os sentidos, as mídias manuseadas pela Aty Guasu cumprem a função de denunciar e trazer ao conhecimento público a condição de guerra vivenciada por diversas comunidades indígenas no Mato Grosso do Sul, sendo essa situação expressa pelos constantes ataques e assassinatos de indígenas em áreas de conflito entre as comunidades e os fazendeiros (CIMI, 2016; CPT, 2017). Nesse sentido, as denúncias feitas pela Aty Guasu na internet minimamente representam uma possibilidade de que as violências cometidas contra os Kaiowá e Guarani não sejam invisibilizadas ou distorcidas pela mídia hegemônica, e também servem como uma forma de pressionar o Estado a tomar providência sobre essas situações. Um dos entrevistados por Benites (2014, p. 237/238), em seu trabalho de doutoramento, destaca o assassinato da liderança religiosa, ñanderu Nísio Gomes, como umas das primeiras denúncias realizadas pela Aty Guasu na internet:

Após o assassinato do ñanderu Nisio Gomes pelos pistoleiros das fazendas, nós comissão do AtyGuasu criamos o endereço do AtyGuasu no facebook. Pensamos em divulgar na internet as violências praticadas contra as lideranças Guarani e Kaiowa. Por isso, em primeiro lugar, em novembro de 2011, descrevemos e divulgamos a violência promovida pelos fazendeiros contra o ñanderu Nisio Gomes e suas famílias extensas no tekohaGuaiviry. Dessa forma, além de divulgar as nossas situações reais solicitamos as providências cabíveis às autoridades do Brasil‖. (Ava Kuarahy, entrevista em dezembro de 2011, em Dourados,). Dessa forma, nesse endereço são disponibilizadas as notas públicas da Comissão do AtyGuasu, os documentos, as petições, as fotos, os vídeos resultantes de encaminhamentos das lideranças indígenas, socializando as concepções, os motivos, as posições das pessoas e das lideranças desses locais de conflito, suas decisões, e realizando análises a respeito (BENITES, 2014, p. 237/238)

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não-indígenas, respondermos com uma escuta descolonizada, desafio central também para a psicologia que tem na escuta fonte privilegiada de atuação. Benites (2014, p. 238) informa ser um dos objetivos da utilização das redes sociais “divulgar as informações efetivas e integrais contextualizando-as, apresentando-as pelas próprias pessoas atingidas” e que “os conteúdos divulgados neste endereço do AtyGuasu no facebook e em blogs são exclusivamente de autoria das lideranças indígenas, e ficam acessíveis a todos os não-indígenas que acessam a internet”.

O imaginário colonial da sociedade Ocidental quando não silencia e inviabiliza as falas dos povos colonizados produz equívocos na compreensão destas, como foi o caso da nota escrita pela Aty Guasu retratando a condição da comunidade de Pyelito Kue, município de Iguatemi, em que a denúncia ao despejo da comunidade foi interpretada como anúncio de suicídio coletivo. A nota tinha como conteúdo a relação de que a expulsão da comunidade de seu tekoha compunha o quadro sistemático de genocídio da população e que era melhor o governo decretar a morte coletiva da comunidade em razão do despejo. Entretanto, a nota foi compreendida como um anúncio de suicídio coletivo, gerando grande repercussão nacional e internacional, como afirma Pimentel (2015, p. 814):

O fenômeno começou no início de outubro, quando o perfil da AtyGuasu no Facebook divulgou uma carta escrita pelos indígenas do acampamento de PyelitoKue (Iguatemi), na qual, diante de uma ordem de despejo decretada pela Justiça Federal, eles declaravam que, se os brancos insistissem em tirá-los do pedaço de terra que ocupavam, estariam decretando sua “morte coletiva”. Interpretado como o anúncio de um suicídio coletivo, o documento teve enorme repercussão na internet, despertando a atenção de um grande número de pessoas para a questão em Mato Grosso do Sul. Milhares trocaram seus nomes em redes sociais, agregando a denominação “Guarani-Kaiowa” a seus perfis. (PIMENTEL, 2015, p. 814).

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Ainda sobre essa repercussão, Benites (2014, p. 244) afirma “se por um lado os ataques e assassinatos pararam de ocorrer, por outro houve também a geração de mais ódio entre os políticos e fazendeiros que atuam contra os povos indígenas de Mato Grosso do Sul”. Na literatura, como já mencionado anteriormente, o uso das mídias e redes sociais pelo movimento é entendido como uma nova frente de luta e construção de uma narrativa contra-hegemônica, aqui ampliamos esse entendimento como forma de enfrentamento à realidade cruel de invisibilização das ações criminosas do Estado e dos fazendeiros, expressa pelas denúncias de múltiplas violências e violações, e também como modo de reivindicação de demandas das comunidades, alinhada as concepções de Cruz (2005) sobre a participação indígena e os acionamentos de suas estratégias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

IMAFLORA. Atlas Agropecuário. 2017. Disponível em:

http://imaflora.blogspot.com/2017/03/atlas-agropecuario-revela-malha.html. Acesso em: 5 mar. 2018.

BENITES, Tonico. Rojeroky hina ha roike jevy tekohape (Rezando e lutando): o movimento histórico dos Aty Guasu dos Ava Kaiowa e dos Ava Guarani pela recuperação de seus tekoha. 269 f. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Museu Nacional. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

GUARESCHI, Pedrinho. Representações sociais, mídia e movimentos sociais. In: Representações sociais em movimento: psicologia do ativismo político. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2015, pp. 77-91.

MONTEIRO, Everson Umada; NAKAZATO, Michele; MARTINS, Gerson Luiz. Ciberativismo idígena: uma análise da página do Aty Guasu no Facebook. In: Congresso de Ciências da Comunicação na Região Centro-Oeste, 16, 2014, Águas Claras – DF.

QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais, perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005, 117-142.

PIMENTEL, Spensy Kmitta. Aty Guasu, as grandes assembleias Kaiowá e Guarani: os indígenas de Mato Grosso do Sul e a luta pela redemocratização do país. In: Povos indígenas no Mato Grosso do Sul. Dourados: UFGD, 2015, 795-814.

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