BH/UFC
edcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAD O S S I Ê
(PSEUOO)INDIVíouo
E INDÚSTRIA CULTURAL
CONTEMPORÂNEA
A
INDÚSTRIA CULTURAL NA ERA DA "SEGMENTAÇÃO" DOMERCADOzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
borada porTSRQPONMLKJIHGFEDCBAA d o r n o 0986
e 1991) à indústria cultural,
concebida como fator
homogeneizante das
subje-tividades individuais. Apesar de, já à sua
época, a Teoria Crítica ter
sido alvo de várias polêmi-cas, em especial no que diz
respeito às conseqüências
da industrialização da
cul-tura (democratização x
con-trole), acreditamos que
atualmente outros
elemen-tos se adicionaram a esta
polêmica, principalmente
àquele pensamento que
ce-lebra a chamada
"socieda-de "socieda-de consumo" como ofedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
l o c u s de construção de
in-dividualidades "plurais" e
"diversificadas", opondo-se
assim radicalmente às
con-siderações frankfurtianas seja à "Sociedade
Ad-ministrada" (Adorno), seja ao "Homem
Unidimensional" (Marcuse).!
Um dos principais argumentos, que
pare-ce respaldar esta pretensa mudança na ordem
social, é o fato de, atualmente, a cultura de
massa, ao incorporar as novas tecnologias, não
mais se basear na padronização dos bens de
consumo, mas se diferenciar em vários segmen-tos de mercado, cada vez mais exigentes, capaz de produzir bens específicos e diversificados para cada público, criando assim maior "liberdade" de escolha. As preferências distintivas por sem-pre novos estilos de consumo e a inovação téc-nica capaz de produzi-I os são, neste sentido, concebidas como fatores de "libertação da
indi-F Á T I M A S E V E R I A N O ·
RESUMO
E m fa c e d a a tu a l c e le b r a ç ã o , p r in c ip a lm e n te p o r p a r te d o sCBAm e d ia ,d e u m 'in d iv id u a lis m o " p r e d o m in a n te r e fe r id o a o s id e a is d o c c n s u m o , c o m o fo n n a d e r e a liz a ç ã o p e s s o a l e a q u is iç ã o d e u m a in d iv id u a lid a d e d ita 'p lu r a l" e 'd iv e r s ific a d a " in v e s tig a m o s , n e s te e s tu d o , a lg u n s e le m e n to s d a c r ític a fr a n k fu r tia n a , e m e s p e c ia l, o p o s ic io n a m e n to te ó r ic o d e A d o m o q u a n to àin d ú s tr ia c u iju r a l eà r e la ç ã o s u je ito - o b je to , e v id e n c ia n d o a q u e le s e le m e n to s d a c r ític a a d o m ia n a q u e s e r e v e la m a in d a d e g r a n d e p e r tin ê n c ia àa n á lis e d o fe tic h is m o d o o b je to d e c o n s u m o e m n o s s a c o n te m p o r a n e id a d e . T r a b a lh a m o s c o m a lg u n s c o n c e ito s fu n d a m e n ta is d e A D ia /é tic a d o E s c la re c im e n to( A d o m o e H o r 1 < h e im e r )e c o m a c a te g o r ia d e 'S o c ie d a d e U n id im e n s io n a l" ( M a r c u s e ) , c h e g a n d o a c o n c Iu s a o d e q u e a In d ú s tr ia c u ltu r a l c o n te m p o r â n e a c o n tin u a a s e r p r e s id id a p o r p r o c e s s o s d e 'p s e u d o in d iv id u a ç a o " , e v id e n c ia d a n a a tu a l a tid u d e d e a d e s ã o fe tic h iz a d a d o s h o m e n s à" ló g ic a d o m e r c a d o " .
• P r o fe s s o r a - a d ju n to d o D e p to . d e P s ic o lo g ia d a U F C e d o u to r a e m C iê n c ia s S o c ia is a p lic a d a s à E d u c a ç ã o p e la U N IC A M P e U n iv e rs id a d C o m p lu te n s e d e M a d rid
A
propostatiana se ancora fun-frankfur-damentalmente na
exigência de uma
in-dividualidade capaz de
re-fletir sobre as próprias
vicissitudes da razao no
mundo moderno, com aten-ção especial a certas formas
de condução de satisfação
"espontâneas" do desejo,
aparentemente
progressis-tas e liberais, mas que, ao
elidir o componente
refle-xivo da razao, em prol de
soluções imediatas, nada
mais fazem do que remeter o indivíduo a saídas
regres-sivas, fundamentalmente contrárias à
emanci-pação e ao esclarecimento do indivíduo. A razao
da utilização deste instrumental teórico, neste
estudo, refere-se pois a insistência destes
teóri-cos no trabalho da razão dialética, ante um
mundo formalizado, que parece negligenciar o
e s c l a r e c i m e n t o e sentir-se com ac o n s c i ê n c i a f e l i z
ante o r e e n c a n t a r n e n t o .
As proclamadas "diversidade" e
"plura-lídade" individuais, atualmente difundidas pelos
m e d i a , principalmente através da publicidade,
aparentemente põem em xeque algumas das
teses básicas da crítica frankfurtiana à
socieda-de industrial moderna, como uma sociedade
totalmente administrada segundo os ditames do
capital monopolista, e em especial, a crítica
vidualidade" e de "diferença" cultural. Assim,
os critérios de libertação do indivíduo, e sua
identidade são fundados e constituídos graças
àsfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAb e n e s s e s do mercado.edcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ a partir dele e de sua
atual capacidade produtiva diversificada que,
enfim, o homem também se diversifica. Ocorre,
como nos disseTSRQPONMLKJIHGFEDCBAL a s c h (1987:32), uma confusão
entre: " a a u to d e te r m in a ç ã o e o e x e r c íc io d a s
o p ç õ e s d o c o n s u m id o r " .
Um claro exemplo deste posicionamento
"pluralista", no qual o homogêneo teria cedido
lugar a uma diversidade de preferências e
esti-los, e com isso a uma maior individuação, pode
ser encontrado em F e a t h e r s t o n e (1990:124),
quando este se opõe à concepção de que
atual-mente ainda estejamos numa " c u ltu r a d e m a s s a
c o n fo r m is ta e c in z e n ta , n a q u a l ou s o d o s b e n s p e lo s in d iv íd u o s a ju s ta r - s e - ia a o s p r o p ó s ito s im a -g in a d o s p e lo s p u b lic itá r io s ... " .Argumentando:
... a s u n ifo r m id a d e s d e c lin a m p r o g r e s s iv a m e n te
c o m D a s m u d a n ç a s n a c a p a c id a d e té c n ic a , q u e p o s s ib ilita m m a io r v a r ie d a d e d e p r o d u to s
e m a io r d ife r e n c ia ç ã o a s e r in c o r p o r a d a n a s s é r ie s d e p r o d u ç ã o ; e2) a fr a g m e n ta ç ã o c r e s -c e n te d o m e r -c a d o . C o m e fe ito -c a d a v e z m a isos
in d iv íd u o s c o n s o m e m p r o d u to s d ife r e n te s ( , . .) E m d e c o r r ê n c ia , a c u ltu r a d e c o n s u m o p a r e c e s e r c a p a z d e s e a p r o x im a r m a is d a lib e r ta ç ã o d a in d iv id u a lid a d e e d a s d ife r e n ç a s q u e s e m -p r e -p r o m e te u .
Esse mesmo discurso de celebração das
"diferenças" e "pluralismos" também é
proferi-do por L i p o v e t s k y (1991:73-74):
H o je ,oim p e r a tiv o in d u s tr ia l d o n o v o s e e n c a r n a
n u m a p o lític a d e p r o d u to s c o e r e n te e s is te m á tic a , d iv e r s ifitic a n d o e d e s m a s s ifitic a n d o a p r o d u
-ç ã o . O p r o c e s s o d a m o d a d e s p a d r o n iz a o s p r o d u to s , m u ltip lic a n d o a s e s c o lh a s e a s o p ç õ e s .
C o m a m u ltip lic a ç ã o d o e s p e c tr o , v e r s õ e s , o p ç õ e s , c o r e s , s é r ie s lim ita d a s , a e s fe r a d a m e r c a -d o r ia e n tr o u n a o r -d e m -d a p e r s o n a liz a ç ã o . ( . . .)
C o n s u m im o s , a tr a v é s d o s o b je to s e d a s m a r c a s ,
d in a m is m o , e le g â n c ia , p o d e r , r e n o v a ç ã o d e h á b ito s , v ir ilid a d e , fe m in ilid a d e , id a d e , r e fin a
-m e n to , s e g u r a n ç a , n a tu r a lid a d e , u -m a s ta n ta s
im a g e n s q u e in flu e m e m n o s s a s e s c o lh a s e q u e s e r ia s im p lis ta r e d u z ir só a o s fe n ô m e n o s d e u in c u la ç ã o s o c ia l q u a n d o p r e c is a m e n te o sg o s -to s n ã o c e s s a m d e in d iv id u a liz a r - s e .
A lógica da "coisifícação" se faz
inconfun-divelmente presente nestes discursos: é só à
medida que o homem c o n s o m e
mercadori-as, cujas demandas já foram antecipadas
atra-vés de pesquisas mercadológicas, que ele
adquire uma identidade reconhecida. É o
ob-jeto que lhe empresta significado. A
diversifi-cação está na origem da mercadoria e não na
capacidade de livre escolha do homem. Este,
para se "diferenciar", continua a ter que se
submeter às hierarquias e aos enquadramentos
ditados, agora, pelas estratégias de
publicida-de e m a r k e tin g , que impõem sempre "novos
estilos de vidas", de acordo com os códigos
de consumo vigentes. A padronização
alcan-ça aí seu mais alto grau de sofisticação: ela
não se encontra mais no produto, mas na a t i
-t u d e compulsiva e generalizada de t e r q u e
consumir para só assim constituir-se como
in-divíduo. Atrelar a constituição da identidade à
capacidade cada vez maior de consumir
pro-dutos diferentes apenas testemunha o grau
de coisificação a que foram remetidas as
iden-tidades contemporâneas, assim como o nível
de fetichização atual dos produtos. A
afirma-ção de A d o r n o (1986:93) a respeito da
in-dústria cultural se apresenta, neste contexto,
extremamente contemporânea:
... A in d ú s tr ia c u ltu r a l in e g a v e lm e n te e s p e c u la s o b r eoe s ta d o d e c o n s c iê n c ia e in c o n s c iê n c ia d e m ilh õ e s d e p e s s o a s à s q u a is e la s e d ir ig e , a s m a s s a s n ã o s ã o , e n tã o ofa to r p r im e ir o , m a s u m e le m e n to s e c u n d á r io , u m e le m e n to d e c á l-c u lo ; a l-c e s s ó r io d a m a q u in a r ia . O c o n s u m id o r n ã o é r e i, c o m o a in d ú s tr ia c u ltu r a l g o s ta r ia d e fa z e r c r e r , e le n ã o é os u je ito d e s s a in d ú s -tr ia , m a s s e u o b je to .
Quanto à estandardização camuflada pela
estilização dos produtos, esta também já foi há
muito denunciada por A d o r n o (1986:123) a
A e s tilíz a ç ã o ( . . .) é a p e n a s u m a s p e c to d a
e s ta n d a r d iz a ç ã o . C o n c e n tr a ç ã o e c o n tr o le , e m n o s s a c u ltu r a , e s c o n d e m - s e e m s u a p r ó p r ia m a n ife s ta ç ã o . N ã o c a m u fla d o s e le s p r o v o c a r i-a m r e s is tê n c ii-a s . P o r is s o ,p r e c is i-a s e r m i-a n tid i-a i-a ilu s ã o e , e m c e r ta m e d id a , a té a r e a lid a d e d e
u m a r e a liz a ç ã o in d iv id u a l.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Portanto, o fato da cultura de massa ser
hoje diferenciada em vários segmentos de
mer-cado não significa, de forma alguma, liberdade
e autonomia. Nela, o indivíduo continua
sub-metido ao " p o d e r a b s o lu to d o c a p ita l"
(Ador-nO,1991:113), numa relaçãoTSRQPONMLKJIHGFEDCBAi m e d i a t a e de
subordinação às condições de produção e
exi-gências da lógica do mercado. A segmentação
do mercado não revoga o imperativo básico
desta lógica, ao contrário, diversifica para
me-lhor submeter. A atitude homogênea de
subor-dinação aos ditames, agora do capital
transnacional, persiste, acrescida sempre mais
da ilusão de atendimento das necessidades
"es-pecíficas" de cada indivíduo. Esta
"personifica-ção" serve unicamente de ardil para uma maior
intensificação do consumo, que agora, ainda
mais do que antes, atrela a identidade do
indi-víduo ao seu "estilo" de consumir. A d o r n o
0986:94), em seu ensaio sobre A I n d ú s tr ia C u
l-tu r a l, sempre esteve atento para as chamadas
"formas de produção individual":
... c a d a p r o d u to a p r e s e n ta s e c o m o in d iv id u -a l; -a in d iv id u -a lid -a d e m e s m a c o n tr ib u i p a r a
ofo r ta le c im e n to d a id e o lo g ia , n a m e d id a e m q u e s e d e s p e r ta a ilu s ã o d e q u e o q u e é c o is ific a d o e m e d ia tiz a d o é u m r e fú g io d e im e d ia tis m o e d e v id a .
Nesse universo assim configurado, a
cres-cente adesão dos homens à lógica do capital,
não só se perpetuou, como assumiu, nas
últi-mas décadas, uma dimensão global. O
chama-do "capitalismo flexível" parece ter enredachama-do a
tudo e a todos ao universo do consumoê . as
exigências de íntegração universal impostas pela expansão globalizante do domínio do mercado, onde grande parte do mundo se liga através dos
fluxos transnacionais das novas tecnologias de
informática - que internacionalizam todas as
atividades industriais e econômicas e tornam as
decisões políticas locais interdependentes do
capital multinacional- caracterizam uma época
em que as fronteiras regionais e nacionais estão
cada vez mais tênues, apontando assim para
uma totalização em escala planetária, sob a
hegemonia da cultura do consumo.
Ora, é justamente essa adesão acrítica dos
homens à "lógica do mercado" que constitui o
cerne da crítica frankfurtiana à sociedade
"unidimensional", a qual cria "a falsa
identida-de do universal e do particular" ( A d o r n o e
Horkheimer,1991:114), na qual tudo é
inte-grado e nada é negado, a não ser a própria
liberdade de não consumir. Nesse sentido, o
mais fundamental da crítica não se reduz a uma
mera denúncia da estandardização dos
produ-tos pela indústria cultural, mas principalmente
à subsunção e dissolução do indivíduo na
esfe-ra do social. Assim nos confirmam A d o r n o e
H o r k h e i m e r 0991: 144):
N a in d ú s tr ia , oin d iv íd u o é ilu s ó r io n ã o a p e -n a s p o r c a u s a d a p a d r o -n iz a ç ã o d o m o d o d e
p r o d u ç ã o . E leedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAs ó é to le r a d o n a m e d id a e m q u e s u a id e n tid a d e in c o n d ic io n a l c o m ou n iv e r s a l
e s tá fo r a d e q u e s tã o .
As "distinções enfáticas" entre categorias
de produtos visando a distinguir oCBA" Ie u e i' de
cada tipo de consumidor, tão caras aos
defenso-res do "pluralismo" contemporâneo, já haviam
também sido tematizadas por A d o r n o e
H o r k h e i m e r (1991: 116):
P a r a to d o s a lg o e s tá p r e v is to ; p a r a q u e n in g u é m e s c a p e , a s d is tin ç õ e s s ã o a c e n tu a d a s e d ifu n d i-d a s .Ofo r n e c im e n to a o p ú b lic o d e u m a h ie r a r
-q u ia d e q u a lid a d e s s e r v e a p e n a s p a r a u m a q u a r u ific a ç ã o a in d a m a is c o m p le ta . C a d a q u a l d e v e s e c o m p o r ta r , c o m o q u e e s p o n ta n e a m e n te , e m c o n fo r m id a d e c o m s e u le o e l,p r e v ia m e n te c a r a c te r iz a d o p o r c e r to s s in a is , e e s c o lh e r a c a te g o -r ia d o sp -r o d u to s d e m a s s afa b -r íc a d a p a -r a s e u tip o .
Portanto, toda a sofisticação atual da
pro-dução somente reafirma a velha meta: o d e v e r
de consumir, e o mesmo fim: aTSRQPONMLKJIHGFEDCBAa d e s ã o
incon-dicional ao sistema. A este respeito, ) a m e s o n
0995:5-8), fala-nos muito apropriadamente:fedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
... D e q u a lq u e r m a n e ir a , ov e lh o d e v e r d a c u
l-tu r a d e m a s s a - tr a n s fo r m a redcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo s c id a d ã o s e m c o n s u m id o r e s -CBAéa in d a p r e d o m in a n te ; a in d a
q u e h a ja ite n s c u ltu r a is d ife r e n c ia d o s , om e s -m o p r o c e s s o e s tá p r e s e n te , od e s p e r ta r d o d e s e jo d e c o n s u m ir e p r o d u z ir v id a s d e d ic a d a s a o c o n -s u m o , oq u a n to is s o fo r p o s s ív e l.
Também para Marcuse (982) os processos
que ele denominou de "unidimensionalizaçao"
não se referem, necessariamente, nem a uma
completa homogeneização da produção e do
consumo, nem, muito menos, a uma
uniformi-zação das consciências, no sentido de tomá-Ias
todas iguais. Tal processo refere-se sim à
pro-moção de uma falsa conciliação entre indivíduo
e sociedade, sujeito e objeto, no qual o
particu-lar (indivíduo) é diluído na universalidade do
social, instaurando, assim, o reino da
positividade e o culto ao presente imediato como
a única forma de realidade possível. A
individuação assim forjada é
"pseudo-individua-lização" porque não visa à diferenciação entre
indivíduo e sociedade, mas sim à mimese.
Convém lembrar, que na perspectiva dos
teóricos da Escola de Frankfurt, o processo de
hominização, assim como a produção da
cultu-ra, implica uma contínua diferenciação do
ho-mem com relação à natureza, cujo ápice é o
estabelecimento da individuação humana. Isto
acarreta o reconhecimento dos homens como
indivíduos autônomos, diferenciados dos demais
e da natureza externa, dotado de uma
consciên-cia que instaura, como norma, a auto conservação
e seu desenvolvimento. Neste sentido, a
carac-terística mais distintiva da individualidade é,
justamente, a percepção crítica da tensão, da
c i s ã o entre homem e natureza, entre sujeito e
objeto. Daí, a afirmaçao de que, o que se
evi-dencia no "mundo administrado" do
capitalis-mo avançado é que a identificação é utilizada
como instrumento de "desindivíduação", na qual
a individualidade tenderia não somente para a
dissolução como também para uma falsa
recon-ciliação entre sujeito e objeto - uma "falsa
mimese".
Portanto, o que está em questão é a perda
da capacidade utópica do homem, responsável
pelo desaparecimento da distãncia e da
oposi-ção crítica. Isto porque, segundo M a r c u s e
0982:23), nas sociedades afluentes,
caracteriza-das pela abundância e diversidade de bens de
consumo, o potencial crítico é, em grande parte,
abafado pelo próprio "progresso técnico" e suas
conseqüentes promessas de "bem-estar comum".
Aí vive-se " u m a fa lta d e lib e r d a d e c o n fo r tá v e l,
s u a v e , r a z o á v e l e d e m o c r á tic a JJ, desfazendo
as-sim a tensão entre realidade e ideologia. A
unidimensionalização do real significa, pois, que
a "utopia" parece já ter sido realizada e, o
futu-ro, portanto, não ser mais necessário. Deseja-se
somente aquilo que deve ser desejado, ou seja,
aquilo que a sociedade está programada para
oferecer. E, quanto à "oferta", esta sim, é
múlti-pla, diversa ... há uma infinidade de sonhos que
a publicidade se encarrega de "oferecer"
asso-ciados às mais diversas imagens de produtos.
Entendida nessa perspectiva, a
únidimensionalidade não se opõe à pluralidade
e à diversidade. Não, quando estes últimos
termos são compreendidos, unicamente, sob
os parâmetros postos pela "sociedade de
con-sumo". Isto é, "pluralidade" e "diversidade"
pertencem à esfera das imagens de marca
agregadas ao o b j e t o , enquanto a
unidimensionalidade se refere à r e l a ç ã o do
sujeito com o objeto, ou seja, à
unidimensionalização das vontades humanas
em seu desejo de consumir. As estratégias do
capital incrementado pelas novas tecnologias
e pela publicidade nada mais fazem do que
escamotear esta realidade, ofertando uma
"pluridímensionalidade" de mercado. Mas não era
à homogeneização do mercado que os
frankfurtianos se referiam quando falavam em
uma "sociedade administrada", e sim à
conver-gência de desejos, necessidades e
comportamen-tos dos homens n o mercado. Que este último
tenha se diversificado, seja em sua materialidade, seja em suas "imagens", isso é uma outra ques-tão. O que importava aos teóricos da Escola de
h o m e n s .zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBANão podemos imputar os atributos
do objeto ao sujeito. A não ser pela via da
fetichização.DCBA
INDÚSTRIA CULTURAL NA PERSPECTIVA AoORNIANA-CONCEITOS BÁSICOS
Para que se possa avaliar o caráter
ideo-lógico desse enaltecimento das
"individualida-des plurais", celebradas atualmente pelosfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAm e d i a ,
precisamos deter-nos em algumas categorias
centrais com as quais Adorno e Horkheimer
teceram suas críticas à i n d ú s t r i a c u l t u r a l .
O primeiro aspecto importante a ser
con-siderado é a própria expressão "Indústria
Cultu-ral", elaborada por A d o r n o e H o r k h e i m e r em
1947, a fim de substituir a expressão, então em
uso, de "cultura de massa". Negando ambos os
termos da expressão, ou seja, nem "cultura" nem
"massas", os autores da D i a l é t i c a d o E s c l a r e
-c i m e n t o denunciaram a impossibilidade de
haver qualquer vestígio de igualdade entre
"cul-tura de massa" e democratização da cultura. Ao
sublinhar o caráter compulsório da indústria
cul-tural, A d o r n o 0986:92-93) define-a comoCBA" a
i n t e g r a ç ã o d e l i b e r a d a , a p a r t i r d o a l t o , d e s e u s
c o n s u m i d o r e s . E l a f o r ç a a u n i ã o d o s d o m í n i o s ,
s e p a r a d o s h á m i l ê n i o s , d a a r t e s u p e r i o r e d a a r t e
i n f e r i o r " , com perdas para ambas. naquela
per-de-se a seriedade; nesta última, a
espontanei-dade primitiva que possibilitava resistir ao
controle da "sociedade administrada".
Na realidade, o que a indústria cultural
produz é uma cultura reificada, sem
esponta-neidade e sem imaginação, uma verdadeira
as-similação e diluição crescente do particular no
universal com fins de adaptação heterônima do
indivíduo à sociedade, ou seja, com o propósito
de servir unicamenteedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAà racionalidade tecnológica
da concentração econômica e administrativa do
capital e não aos interesses das massas. Estas,
segundo Adorno, são "logradas" e somente
so-brevivem integrando-se à totalidade.
A ênfase no caráter integrador e
confor-mista da indústria cultural é expressa no que
A d o r n o 0986:97-99) considera de seu
"impe-rativo categórico", qual seja: " t u d e v e s s u b m e
-t e r - -t e " ; uma submissão sem qualquer
questio-namento ao s t a t u s q u o , em troca de uma
satis-fação ilusória, porém "confortável", de que
" o m u n d o e s t á e m o r d e m " .
Para melhor se compreender a falsa
re-conciliação entre o particular e o universal, como
crítica à indústria cultural, necessário se faz
es-tabelecer, mesmo que de forma sumária, uma
distinção fundamental entre a lógica interna da
obra de arte e a lógica que preside a indústria
cultural>. A d o r n o 0986:93) em seu artigo A
I n d ú s t r i a C u l t u r a l explicita a diferença entre as
mercadorias culturais da indústria, as quais " s e
o r i e n t a m ... s e g u n d o op r i n c í p i o d e s u a c o m e r c i a
-l i z a ç ã o " ,e a obra de arte. Apesar de reconhecer
que a autonomia da obra de arte raramente se
manifestou em sua forma pura, afirma que sua
relação com o lucro é apenas m e d i a t a , à
me-dida que as artes também " a s s e g u r a m a v i d a
d e s e u s p r o d u t o r e s n o m e r c a d o " . Mas, o seu
fim último não era já o lucro, ou a venda, mas
orientava-se segundo seu próprio conteúdo e
"figuração adequada", preservando assim, uma
certa autonomia. O que acontece com os
pro-dutos da indústria cultural e, no caso
específi-co, com a publicidade concebida como "arte",
é que esta visa ao lucro de forma i m e d i a t a e
confessa.
O verdadeiro sentido social da arte
resi-diria, pois, na relação mediara" entre a arte e a
realidade histórico-social que a forjou, não se
constituindo ela num mero reflexo reiterativo
das condições externas, mas numa forma
parti-cular, diferenciada do todo, que o nega de
for-ma d e t e r m i n a d a .
O sa n t a g o n i s m o s n ã o r e s o l v i d o s d a r e a l i d a d e r e t o r n a m à s o b r a s d e a r t e c o m o o sp r o b l e m a s
i m a n e n t e s d a s u a f o r m a . É i s t o , e n ã o a t r a m a
d o s m o m e n t o s o b j e t i v o s , q u e d e f i n e a r e l a ç ã o
d a a r t e à s o c i e d a d e . A s r e l a ç õ e s d e t e n s ã o n a s
o b r a s d e a r t e c r i s t a l i z a m - s e u n i c a m e n t e n e s
-t a s e a -t r a v é s d a s u a e m a n c i p a ç ã o a r e s p e i t o d a
f a c h a d a f á t i c a d o e x t e r i o r , a t i n g e m a e s s ê n c i a
r e a l ( A d o r n o , 1988:16).
A conversão da arte em bem de consumo
pela indústria cultural expressa uma verdadeira
integração da esfera da cultura no interior da
esfera econômica.edcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ a absorção da cultura pela
civilização, na qual ocorre uma completa
dissi-pação das fronteiras entre a vida cultural e a
produção econômica, na qual aquela vira
negó-cio e os produtos transrnutam-se em bens
cultu-rais, com exclusivos fins mercadológicos.
Essa assimilação da arte ao "princípio da
utilidade" retira dela a "sublimação estética" que
preservava a memória da renúncia da satisfação
não realizada, e desta forma, denunciava uma
ordem repressiva, apontando para a necessidade
de liberação.fedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA" A s o b r a s d e a r t e ... r e v o g a v a m p o r a s s i m d i z e r a h u m i l h a ç ã o d a p u l s ã o e s a l v a v a m
a q u i l o q u e s e r e n u n c i a r a c o m o a l g o m e d i a t i z a d o "TSRQPONMLKJIHGFEDCBA
( A d o r n o e H o r k h e i m e r ,
1991:131).Portan-to, a arte como representação de um ideal
não realizado denunciava, ao mesmo tempo,
sua natureza irreconciliável com o princípio
da realidade, preservando, desta forma, as
es-peranças e utopias do homem. A
transforma-ção da arte em mercadoria subverte seu poder
de denúncia e a reduz a um mero
instrumen-to legitimador do s t a t u s q u o .
A transformação do caráter "sublimador"
da arte e sua conversão em mercadoria
somen-te foi possibilitada, graças ao avanço das
técni-cas de reprodução ocorrido na sociedade de
então. Entretanto, mesmo no interior da própria
Escola de Frankfurt, o caráter negativo dessa
"conversão" nem sempre foi aceito sem
polêmi-cas.B e n j a m i n (983), em seu ensaio A O b r a d e
A r t e n a É p o c a d e s u a s T é c n i c a s d e R e p r o d u ç ã o
encara a perda da "aura" - sua natureza
tradi-cionalmente individualizada e única - que
en-volve as obras de arte e sua capacidade de
reprodutibilidade técnica, como uma mudança
qualitativamente positiva na relação da arte com
as massas, chegando a considerá-Ia um fator de
esperança de libertação política. A
possibilida-de da sua comercialização em série, sua
estandartização, liquidaria, segundo Benjamin,
o caráter tradicional e ritualístico da obra de
arte, até então somente acessível a poucos
privilegiados, e a aproximaria do domínio das
massas, invertendo, assim, o "critério de
auten-ticidade" pelo da " p r â x i s p o l í t i c a " .Esta
modifi-cação de atitude das massas em relação à arte,
viabilizada pelo avanço da reprodutibilidade
técnica, é visualizado por Benjamim, como
um possível instrumento de transformação das
próprias estruturas sociais conservadoras.
Tal postura, como podemos observar,
diverge da avaliação dos demais frankfurtianos
(Adorno, Horkheimer e Marcuse), residindo esta
diferença de avaliação - dos fins últimos da arte
reproduzida tecnicamente - no interior do
pró-prio conceito de "técnica". Para Adorno, assim
como para Horkheimer e Marcuse, a técnica não
pode ser pensada como um conceito absoluto,
independente de sua condição histórica e dos
fins a que ela serve. H a b e r m a s (983), em seu
artigo T é c n i c a e C i ê n c i a e n q u a n t o I d e o l o g i a , ao
problernatizar a questao da técnica na concepçao
marcuseana, diz que para Marcuse a técnica é,
antes de tudo, concebida como um P r o j e k t , ou
seja, nela são projetados os interesses
dominan-tes da sociedade e suas intençoes com relaçao
aos homens e às coisas. A significação e o papel
da técnica não podem, portanto, serem
dissociados do projeto social mais amplo que
os direciona. Daí estes autores afirmarem que
nas circunstâncias do modo de produção
capi-talista, a racionalidade da técnica é identificada
com a. própria racionalidade da dominação, na
medida em que o enorme poder dela derivada
sempre representou o poder dos grupos
econo-micamente mais fortes sobre a sociedade.
A crítica à técnica, na perspectiva de
Ador-no e Horkheimer, remonta não apenas à crítica
ao modo de produção capitalista, mas a uma
crítica filosófica aos próprios ideais do
Iluminismo, elaborada em sua obra
fundamen-tal: A D i a l é t i c a d o E s c l a r e c i m e n t o (991).
Para melhor compreender essa crítica, é
ine-vitável que apresentemos, neste momento, de
forma sucinta, os princípios que orientaram
esses autores na crítica da razão tecnológica,
fundamento da crítica à indústria cultural.
A d o r n o e H o r k h e i m e r (991)
tema-tizaram, nessa obra, os elementos de
raciona-lida de do mundo moderno para denunciá-los
como uma nova forma de dominação,
caracte-rizada pela previsibilidade e uniformização das
consciências. A crítica filosófica da cultura
em-preendida, neste contexto, demonstra o
so do programa do esclarecimento, cuja
pro-messa de salvar o mundo dos grilhões da
su-perstição, da ignorância e do medo, através
da soberania do homem e seu domínio sobre
a natureza, resultaram frustrados.
O "esclarecimento" se apresenta aqui, em
sua face coercitiva, pois o homem, em sua
ten-tativa de domínio absoluto sobre a natureza,
termina por desenvolver um domínio totalitário
sobre os outros homens e sobre si próprio.
Nes-te sentido, o homem pratica um ato de
violên-cia contra si, pois a sua natureza submetida não
resulta conciliada ou transcendida, mas sim
re-primida. A repressão do impulso utópico e a
destruição do desejo tornam o homem
prisio-neiro da realidade imediata, além de não
elimi-nar o medo - razão pela qual o esclarecimento
originalmente se desenvolveu. A razão, ao
pre-tender conciliar-se com a realidade, à custa da
repressão da natureza interna humana, termina
por degradar-se a si mesma e transformar-se
numa razão encurtada, formalizada e fatídica
-uma razão instrumental - mera justificação
mistificadora do imediato.
A técnica constitui-se, justamente, na
es-sência desse saber instrumental, que ao
pro-mover a dimensão da ca1culabilidade e da
utilidade como fim último, rompe
definitiva-mente o vínculo entre razão e interesse,
pas-sando a substituir o conceito pela fórmula, a
causa pela regra e pela probabilidade,
elimi-nando o sentido e a diferença, para servir
uni-camente aos fins da tecnologia material.edcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ o
método que perde o seu estatuto de meio para
tornar-se um fim em si. Este suposto caráter
"neutro" que a racionalidade adota leva,
por-tanto, a um profundo distanciamento com
rela-ção aos problemas centrais da humanidade:
ética, justiça, liberdade, felicidade etc., acerca
dos quais ela não mais se pronuncia. Seu
úni-co critério de verdade passa a ser o seu valor
operativo, por mais irracional ou despótico que
possa ser.(Cf.TSRQPONMLKJIHGFEDCBAA d o r n o e H o r k h e i m e r , 1981)
Os primórdios desta racionalidade
dominadora são identificados por estes autores,
já nos mitos, os quais antecipam o
esclareci-mento à medida que este já buscava alguma
forma de ordenamento e de controle sobre a
natureza. Na Odisséia, de Homero, eles vêem
em Ulisses o protótipo da subjetividade
burgue-sa. Este já se valia da astúcia para não revelar
aos demais suas idéias privilegiadas,
desvelan-do, por isso mesmo, já a presença da
domina-ção. Além disso, a própria tentativa de dominar
a natureza externa através do sacrifício do eu,
do domínio das pulsões internas, termina por
transformar-se num fim em si mesmo, ou seja, o
próprio sacrifício do eu em si, considerado
ne-cessário apenas inicialmente para o
asseve-ramento do senhorio humano, torna-se
finalidade da civilização.
No processo de "desmitologização" da
natureza, que orientou o desenvolvimento da
ciência e da tecnologia do Século XX, a
representatibilidade específica própria ao mito
-é, desde os primórdios da civilização,
paulati-namente transformada em fungibilidade
univer-sal, ou seja, no indiferenciado, no equivalente
geral. Este processo de indiferenciação e de
naturalização das relações sociais por meio de
um invariante - no qual ocorre uma crescente
assimilação do particular pelo universal -
ter-mina por promover, em última instância, um
retorno ao mito: o mito da ciência positivista.
O esclarecimento se converte, assim, em
razão autoconservadora, cuja essência é a
do-minação, a qual se manifesta por meio da total
identidade entre a totalidade e o particular
-fundamento do mundo "unidimensional".
Diante do exposto, podemos
compreen-der as discordâncias de Adorno sobre as
espe-ranças de libertação política depositadas por
Benjamin, no que concerne à apropriação da
arte pelas massas na era da reprodutibilidade
técnica, avaliando tal postura como "ingênua".
Isto porque, em B e n j a m i n (983), segundo
Adorno, foi esquecido o elemento histórico
fun-damental da técnica que a transformou em
ins-trumento de dominação, para somente ser
avaliada em suas determinações estéticas
intrín-secas. Esse elemento de dominação da
indús-tria cultural é o que impossibilita a utilização de
seus produtos de forma libertária pelas massas,
passando a representar um instrumento de
con-tenção do próprio desenvolvimento de suas
consciências. Esses processos de dominação, para
Adorno, são expressos na mecanização do
tempo do ócio, transformando-o numa
pró-pria extensão do trabalho; na criação das
sem-pre "novas necessidades" do consumidor e
adaptação de seus produtos conforme fins
apriorísticos da indústria; nas promessas
sem-pre incumpridas pela realização e por
felici-dade associadas aos produtos; na utilização
da sexualidade como valor de mercado e,
tam-bém, na perda do caráter transcendente da
obra de arte e sua redução ao mero existente,
passando esses novos "produtos culturais" a
ser avaliados somente em seu "valor de troca".
A "finalidade sem fim" própria da
esté-tica idealista, cujo valor supremo era o prazer
estético em si, é fetichizada e transformada
em valor de mercado, cuja moeda corrente é
agora a "avaliação social" ou o "prestígio",
dado como realidadeTSRQPONMLKJIHGFEDCBAi m e d i a t a m e n t e
pre-sente nas mercadorias.
Esse princípio do valor de troca postula
queCBA" tu d o sófedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAt e m v a l o r n a m e d i d a e m q u e s e p o d e t r o c á - I a n ã o n a m e d i d a e m q u e é a l g o e m
si m e s m o " (Ib.:148). Reside aí o primado do "princípio da equivalência" entre valores de
tro-ca incorporado nos bens da cultura (Cf.A D O R
-N O e H O R K H E I M E R , 1991); e é justamente a
supremacia, sem precedentes, da esfera
eco-nÔITÚcatravestida de "cultura" - a qual reifica os bens de consumo, trocando-os por "diferen-ciação" e "individualidade" - o que se observa,
contemporaneamente, com a expansão do
do-mínio do mercado em proporçôes globais. O i m e d i a t i s m o da indústria cultural,
regida por essa lógica dos valores de troca,
leva a uma presença excessiva do social nos
produtos culturais. Tal caso pode ser
observa-do mais explicitamente na atual publicidade
comercial, na qual as imagens dos produtos
são hiper-reificados e idealizados.edcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ o culto do
objeto, sem mais mediaçôes, no qual o
pre-sente se impôe como o único possível -
ca-racterística inequívoca da S o c i e d a d e
U n i d i m e n s i o n a l anunciada por M a r c u s e
(982) há algumas décadas.
Reitera-se, assim, "a era do realismo
en-fim conquistado" - proclamado, segundo
Rancíêre 0996:5-12), pelos novos "profetas
fin-de-siêcle" - na qual foram sepultados o Marxis-mo, as utopias, a história e o sujeito. Restou-nos
o que esses "profetas" chamam de "real", ou
mais precisamente, o "hiper-real": simulacro do
presente que desencantou o futuro e o passado
em sua compulsividade pela imediação, para
abraçar o reencantamento do presente sob a
sua forma mais hodierna, ou seja, através da
subsunção do sujeito ao fetichismo dos signos
do consumo. É a imaginação e a esfera do
fan-tástico a serviço de interesses econômicos con-cretos, em que a máscara de "livre opção", da qual se transveste o presente, pacifica qualquer
esperança num possível futuro diverso. É o
pre-sente petrificado, regido pela eterna repetição de movimentos aparentes.
A d o r n o e H o r k h e i m e r (1991:126) já haviam advertido para a ilusão do "novo" na era da indústria cultural, na qual
... a m á q u i n a g i r a s e m s a i r d o l u g a r . A o m e s
-m o t e -m p o q u e j á d e t e r m i n a oc o n s u m o , e l a
d e s c a rta oq u e a i n d a n ã ofo i e x p e r i m e n t a d o
p o r q u e éu m r i s c o . ( . . .) N a d a d e v e f i c a r c o m o
e r a , t u d o d e v e e s t a r e m c o n s t a n t e m o v i m e n
-t o . P o i ssóa v i t ó r i a u n i v e r s a l d o r i t m o d a p r o
-d u ç ã o e r e p r o d u ç ã o m e c â n i c a éa g a r a n t i a
d e q u e n a d a m u d a r á , d e q u e n a d a s u r g i r á
q u e n ã o s e a d a p t e .
o
sentido de irrelevância que nossa atualcultura demonstra com relação ao passado e a crescente indiferença em relação a projetos
fu-turos revelam o caráter ainda u n i d i m e n s i o n a l
do homem contemporâneo, o qual se toma
pri-sioneiro de um presente eterno. Prisioneiro,
porque o passado, como referência histórica das promessas que ainda não se realizaram, é um elemento imprescindível à consciência crítica e
à libertação. É somente por alusão a ele que se
pode ter parâmetros para avaliar e reivindicar
um presente mais libertário.
Quanto a este aspecto, nos parece que os
frankfurtianos são unânimes: M a r c u s e (1977)
reitera a afirmação de A d o r n o e H o r k h e i m e r
o
fedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAe s q u e c e redcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo s s o f r i m e n t o s d o p a s s a d o e a s a l e -g r i a s p a s s a d a s t o r n a m a i s f á c i l a v i d a s o b u mp r i n c í p i o d e r e a l i d a d e r e p r e s s i v a . P e l o c o n t r á
-r i o , a l e m b -r a n ç a e s t i m u l a oi m p u l s o p e l a c o n
-q u i s t a d o s o f r i m e n t o e d a p e r m a n ê n c i a d a
a l e g r i a ... s e a l e m b r a n ç a d a s c o i s a s p a s s a d a s
s e t o r n a s s e u m m o t i v o p o d e r o s o n a l u t a p e l a
m u d a n ç a d o m u n d o , a l u t a s e r i a e m p r e e n d i
-d a p a r a u m a r e v o l u ç ã o a t é a q u i s u p r i m i -d a n a s
r e v o l u ç õ e s h i s t ó r i c a s a n t e r i o r e s .
A "situacionalidade" é a condição
primei-ra do homem. Entretanto, a História não é
con-cebida pela Teoria Crítica de forma necessária e
fatalista, ou seja, dotada de um t e l a s imanente,
independente da práxis humana. O conflito é
conseqüência da situação de partida, tem sua
origem na violência institucionalizada. Porém,
realizar a utopia é justamente romper com a
situação na negação do fatídico, na recusa de
um mundo que tenta se impor como o único
possível. Este é o ponto de partida de uma ação
libertadora. E o projeto de emancipação e
liber-tação humana foi o elo irredutível que sempre
vinculou todos os membros da Escola de
Frank-furt, apesar de seus encaminhamentos teóricos
diversos.DCBA
A RELAÇÃO SUJEfTo-OSJETO EM ADORNO - FALSAS CONCILIAÇÕES
Se o cerne da crítica de Adorno à
indús-tria cultural e à pseudo-individuação que esta
realiza reside no fato desta promover uma falsa
conciliação entre indivíduo e sociedade, sujeito
e objeto, diluindo o particular na
universalida-de do social e assim instaurando o reino da
positividade e o culto ao presente imediato,
necessário se faz compreender como ele
conce-be a relaçãoTSRQPONMLKJIHGFEDCBAs u j e i t o - o b j e t o , a fim de que
pos-samos melhor dimensionar o falseamento
perpetrado pelos posicionamentos que enaltecem
a "pluridimensionalidade" do indivíduo
contem-porâneo com base em suas "opções" de
consumo.
Como já referido, a característica mais
distintiva da individualidade é justamente a
percepção crítica da tensão proveniente da
ci-são entre homem e natureza. O esclarecimento,
na perspectiva adorniana, refere-se a um
pro-cesso em direção à individuação e não à
homogeneizaçao; mas é somente através de um
contínuo reconhecimento e diferenciação do
objeto que o sujeito se constitui.
Para A d o r n o (1969), o termo "sujeito" só
pode ser verdadeiramente apreendido quando
aí incluímos tanto o indivíduo particular como
suas determinações gerais. Não faria sentido,
pois, separar o momento do particular e do
uni-versal; ambos se implicam. Não podemos nos
referir a um indivíduo particular sem a
referên-cia ao conceito genérico, da mesma forma como
o conceito genérico pressupõe a existência da
individualidade particular. Cada indivíduo em
particular traz a marca do ser genérico, sem
entretanto se confundir com este.
A relação sujeito e objeto é, segundo
A d o r n o (1969:144), perpassada de
ambigüida-de: a aceitação da sua separação é falsa à
medida que hipostasia uma condição histórica
e a torna uma invariante, transformando-se
as-sim em ideologia; entretanto, a separação
tam-bém revela um momento verdadeiro, uma vez
que expressa a verdade da condição atual da
humanidade. De fato, a separação somente é
concebível se ambos os termos são mediados
reciprocamente, pois a absoluta independência
do sujeito termina redundando em "tirania": "O
s u j e i t o s e p a r a d o r a d i c a l m e n t e d o o b j e t o , d e v o r a
o o b j e t o n o m o m e n t o e m q u e e s q u e c e a t é q u e
p o n t o e l e m e s m o é o b j e t o " .
Se a separação leva à "tirania", a
identifi-cação entre sujeito e objeto leva à "real barbárie",
pois a indiferenciação implica uma submissão à
natureza e um estado de menoridade anterior à
própria constituição do sujeito autoconsciente.
Adorno é veemente em sua exortação a
qual-quer forma de indiferenciação; para ele, a
ver-dadeira conciliação implica não uma diluição
das fronteiras entre sujeito e objeto, tampouco
sua radical antítese, mas através da
"comunica-ção do diferente". Na fusão não há
comunica-ção, apenas o mesmo. " P a z é u m e s t a d o d e
d i f e r e n c i a ç ã o s e m s u b j u g a m e n t o , e m q u e od i
-f e r e n t e é c o m p a r t i l h a d o " C A d o r n o , 1 9 6 9 : 1 4 5 ) .
No contexto histórico das sociedades
con-temporâneas, avaliamos que impera uma
pro-funda cisão entre sujeito e objeto, mas que é
prontamente camuflada e invertida pela lógicafedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
i d e n t i t á r i a reinante no capitalismo tardio, a qual,
ao diluir o particular no universal, homogeniza
a tudo e a todos, extinguindo qualquer traço
de diferença, singularidade ou autonomia.
No atual estágio de desenvolvimento do
capitalismo, o pensamento da identidade cultua
o objeto e o despoja de todo resquício de
sub-jetividade. Pretendendo-se "objetivo" e
"cientí-fico", e respaldado na filosofia positivista, esta
forma de pensamento engendra a "consciência
coisificada" de nossos dias, prenhe de
subjetivismo latente.
Ora, tanto a afirmação da precedência
do sujeito em relação ao objeto, quanto a
to-tal subsunção do sujeito ao objeto são
deriva-ções camufladas da mesma lógica i d e n t i t á r i a
formal. Ambas apontam, em última instância,
para a negação da alteridade e da
possibili-dade de libertação do indivíduo. Na primeira,
o sujeito é exaltado em sua pura abstração
em detrimento do homem concreto, o qual,
termina por transformar-se em " m e r o a p ê n d i
-c e d a m a q u i n a r i a s o c i a l e , p o r ú l t i m o , e m i d e
-o l -o g i a " ( A d -o r n -o , 1 9 6 9 : 1 4 6 ) . Na segunda, o que
ocorre é uma camuflação de interesses
subje-tivos, ou seja, a "ganância" transvestida na
forma de cálculo, de "objetividade", na qual
o indivíduo, pela fetichização do objeto, é
re-duzido a coisa.
Voltemo-nos para a segunda versão do
pensamento i d e n t i t á r i o , respaldado pela
epistemologia do positivismo, na qual o objeto
é fetichizado, ganhando assim autonomia.
Nes-ta perspectiva, cultua-se o objeto como se este
fosse puro, ou seja, absolutamente destituído
de qualquer resquício de subjetividade. Este
"anti-subjetivismo" reducionista é extremamen-te pernicioso porque mascara, em nome de uma
"ciência" pretensamente objetiva, todas as
de-terminações subjetivas incrustadas no objeto,
dando a este um estatuto de neutralidade e,
portanto, de inquestionabilidade.edcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ a lógica
fér-rea dos fatos que se antepõe a qualquer
refle-xão crítica e cerceia todo impulso utópico que
aponte para outra realidade que não a do
inexorável presente.
Esta é a lógica vigente no mundo admi-nistrado do capitalismo tardio, em que os
valo-res funcionais para a continuidade do sistema
adquirem um s t a t u s de lei natural. É a própria
tecnologia transformando-se em principal fonte
de mais-valia, mas conservando a sua suposta
neutralidade, que impregna também todos os
produtos da indústria cultural, os quais são
apre-sentados, sem mediações, como se fossem a
realidade.
Este neo-realismo, ou melhor, "hiper-rea-lismo", que se observa cada vez mais na cultura
contemporânea, nos é exemplarmente expresso
através dos m e d i a publicitários, nos quais a
ilu-são do real é sobredeterminada, não pelo
sujei-to/consumidor, mas pelo objeto de consumo.
Este, depois de ter sido "naturalizado", é agora
estetizado e espetaculizado numa dimensão tal
que dilui qualquer diferença entre real e
imagi-nário, tomando-se o fetiche último. Esta
inten-sificação do "real", na verdade - sob a forma de simulacro - esconde por completo a totalidade
das determinações subjetivas e históricas do
objeto, fazendo surgir em seu lugar uma ima-gem idealizada do real que refaz o mundo de acordo com os desejos regressivos de onipotên-cia do consumidor, a serviço, de fato, dos inte-resses subjetivos do mercado multinacional.
É o triunfo da racionalidade subjetiva
travesti da de "objetividade" para melhor
subor-dinar a razão ao que existe imediatamente, e
assim alienar os homens não só dos objetos,
mas dos outros homens e de si mesmo.
Nesse sentido, a racionalidade positivista
que preside essa lógica constitui-se numa forma muitíssimo sofisticada de negação da possibili-dade de emancipação humana. Em oposição ao
idealismo que ao menos apontava para uma
busca utópica de independência e autonomia
humana, a atual versão positivista pressupõe
total conformação do sujeito ao objeto, no qual
a dominação se torna cada vez mais abstrata.
Isto porque este poder que "emana" do objeto
é, na verdade, sutilmente produzido pela
racionalidade instrumental, a qual - no caso da
publicidade - simula a liberdade dos desejos,
à medida que o objeto apresentado é
consti-tuído aos moldes de uma tela projetiva onde
todos os sonhos parecem se concretizar.edcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ o
primado absoluto do objeto-signo, o qual
de-creta a "morte do sujeito", apelando
parado-xalmente para o seu imaginário.
Ao apagarem-se as distinções entre o real
e o imaginário produz-se uma adaptação
ime-diata do sujeito às exigências da totalidade social.
Ora, sem o reconhecimento das determinações
subjetivas do objeto, sem o reconhecimento da
reificação, só resta aos homens aceitar os
meca-nismos da dominação como uma "fatalidade"
ou uma "naturalidade", donde advém o
senti-mento contemporâneo de uma
indeterrni-nabilidade difusa, quando na realidade estamos
mais determinados do que nunca.
Essa indeterminabilidade difusa foi
deno-minada porTSRQPONMLKJIHGFEDCBAA d o r n o ,DCBAem C a p i t a l i s m o T a r d i o
o u S o c i e d a d e I n d u s t r i a l 0986:70-71), comofedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
" o o n i p r e s e n t e é t e r d a s o c i e d a d e " :
...e s t e é , p o r é m , t u d o , m e n o s e t é r e o : p e l o c o n
-t r á r i o , e l e éoe n s r e a l i s s i m u m [oq u e h á d e m a i s
r e a l } .N a m e d i d a e m q u e e l ep a r e c e a b s t r a t o , e s s a
s u a a b s t r a ç ã o n ã o é c u l p a d e u m p e n s a m e n t o
e s p e c u la tio o , o b s t i n a d o e d e s l i g a d o d a r e a l i d a
-d e , m a s s i m -d a r e l a ç ã o -d e t r o c a , -d a a b s t r a ç ã o
o b j e t i v a a q u e op r o c e s s o d a v i d a s o c i a l o b e d e
-c e .Op o d e r i o d e t a l a b s t r a ç ã o s o b r eo sh o m e n s
é m a i s c o n c r e t o d o q u e od e q u a l q u e r i n s t i t u i
-ç ã o i n d i v i d u a l q u e , t a c i t a m e n t e , s e c o n s t i t u a ,
d e a n t e m ã o , d e a c o r d o c o m os i s t e m a eoi n c u l
-q u e n o s h o m e n s . A i m p o t ê n c i a -q u e oi n d i v í d u o
e x p e r i m e n t a d i a n t e d o t o d o é a d r á s t i c a e x p r e s
-s ã o d i -s -s o .
A fim de melhor compreender as
comple-xas relações entre sujeito e objeto, vejamos como
estas se apresentam na concepção adorniana:
A d o r n o 0969:147) postula a "primazia do
ob-jeto", só que esta, de forma alguma, significaCBA" a
s e r v i l c o n f i a n ç a n o s e r - a í d o m u n d o e x t e r i o r ,
c o m o u m e s t a d o a n t r o p o l ó g i c o d e s p r o v i d o d e
a u t o c o n s c i ê n c i a " .
Radicalmente diferente da versao
"hiperrealísta" ora exposta, o primado do
obje-to em Adorno 0969: 148) significa que "os u j e i t o
é p o r s u a v e z o b j e t o n u m s e n t i d o q u a l i t a t i v a
-m e n t e d i s t i n t o e m a i s r a d i c a l q u e oo b j e t o , p o s t o
q u e a q u e l e q u e é c o n h e c i d o p e l a c o n s c i ê n c i a e
s o m e n t e p o r e l a t a m b é m é s u j e i t o " Com tal
afir-mação, Adorno dialetiza a relação
sujeito/obje-to e corrige a redução subjetivista do idealismo,
sem, no entanto, negar a importância da
parti-cipação subjetiva. Tanto o objeto é mediado
pelo sujeito, quanto o sujeito é mediado pelo
objeto, com uma diferença: (o objeto) não está
tão absolutamente referido ao sujeito como este
sujeito à objetividade. Isto se explica porque o
próprio sujeito possui um núcleo de
objetivida-de, o qual é constituído através das
determina-ções externas que esse sujeito incorpora, ou que
lhe são impostas, ao longo de sua existência. A
subjetividade passa assim a ser compreendida
como 'f i g u r a d e o b j e t o "(Adorno,1969:150).
Adorno 0969:149-150) alerta, entretanto,
para o risco de se negar as determinações
sub-jetivas, uma vez que a exclusão destas
redunda-ria no "Diamat" - um materialismo marxista
vulgar convertido em ideologia de Estado.
Con-tra isto ele afirma a importância da
subjetivida-de para uma dialética genuína:
C o m o op r i m a d o d o o b j e t o , n e c e s s i t a d a r e f l e
-x ã o s o b r e os u j e i t o e d a r e f l e x ã o s u b j e t i v a , a
s u b j e t i v i d a d e , d i f e r e n t e m e n t e d o m a t e r i a l i s m o
p r i m i t i v o - q u e p r o p r i a m e n t e n ã o a d m i t e
d i a l é t i c a - s e c o n v e r t e a q u i e m u m m o m e n t o
c o n s e r v a d o " . P o r t a n t o , oo b j e t o p u r o , i s e n t o d e
i n t e n ç õ e s , t a m b é m n ã o e x i s t e , e l e é s e m p r e " r e
-f l e x o d e s u b j e t i v i d a d e a b s t r a t a .
o
FETICHISM O CO NTEM PO RÂNEODe acordo com as concepções há pouco
expostas, podemos, agora mais claramente,
desvelar o engodo que está por trás da
ideolo-gia contemporânea fundada nesse positivismo
"hiperrealista", utilizada em larga escala pelos
meios de comunicaçao de massa. Esta, à
me-dida que pretende apresentar o objeto como
um fato puro, sem qualquer mediação, na
rea-lidade nada mais faz do que veicular, através de
seus produtos, códigos de conduta, estilos de
vida, enfim, toda uma "cultura" mercadológica
que se impõe como o novofedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAe t h o s da vida
"pós-moderna".
Este novo e t h o s m i d i á t i c o pretende
veicu-lar a imagem pela imagem. São redes de ima-gens em fluxos contínuos a circunscrever todo o
planeta, a proliferar infinita e diversamente os
mesmos signos da sociedade de consumo num
movimento globalizante, nas quais as
referênci-as específicreferênci-as às realidades locais ficam, em
grande parte, subordinadas à lógica global do
mercado, produzindo assim formas de
subjeti-vidades cada vez mais homogeneizadas, que
"diversificam-se" unicamente em função das
mudanças requeridas pela moda ou pelos "seg-mentos" afins, orientados sempre pela órbita do
mercado, que realiza assim a lei do valor.
Ora, sabemos que esta "imagem pela
imagem", de fato, não existe. A persistência em
manter a realidade física não interpretada nada
mais faz do que tomar invisível a totalidade da
qual essa imagem é apenas um fragmento. Esta
renúncia à interpretação, cada vez mais
preemi-nente em nossos dias, é um fator fundamental
na produção da heteronomia, pois, de acordo
comTSRQPONMLKJIHGFEDCBAA d o r n o (969), somente quando não se
elimina do objeto as suas qualidades subjetivas,
quando se as reconhece, é que se pode
real-mente experienciar o objeto, evitando assim a
sua fetichização. A identificação do indivíduo
com esses fragmentos o toma, por sua vez,
tam-bém fragmentado e incapaz de auto-reflexão
crítica. A emancipação do homem implica a
eliminação radical do fetichismo do objeto.
Portanto, o engodo maior da
raciona-lidade instrumental constitui-se no fato de esta
erigir a lógica da identidade como seu
funda-mento, ou seja, proclamar uma "reconciliação" entre sujeito e objeto - uma falsa mimes e -, quando na verdade esse sujeito encontra-se, mais
do que nunca, despossuído e apartado do
obje-to em sua inteireza. Nestas condições, esse
su-jeito somente consegue "alcançar" o objeto,
quando da inversão das posições: ele próprio
toma-se objeto subsumido aos ditames da
mer-cadoria/ sujeito.
A atual celebração das "pluralidades
in-dividuais" tem, pois, seu correlato na exaltação
do objeto, ou mais precisamente, na exaltação
de uma infinidade de objetos/imagens de
con-sumo. Estes objetos, após completamente
esva-ziados de qualquer sentido subjetivo que os
remeta às reais origens de sua constituição
his-tórico-social, são pseudamente autonomizados
enquanto "puros signos" de consumo e
"solici-tamente" oferecidos - através da publicidade
-ao telespectador, o qual crê que à imensa
diver-sidade e pluralidade de imagens de produtos
também corresponde uma igual "pluralidade"
de individualidades.
Aqui trata-se, portanto, de um tipo de
"fetichismo da mercadoria" ainda mais "cheio
de sutilezas metafísicas e argúcias teológicas" (Marx,1982:159) do que à época de Marx.
Te-mos agora uma "Instituição" - a publicidade
-que se encarrega "cientificamente" de
promo-ver o "mistério", de reduplicar o fetichismo, uti-lizando-se da lógica de realização dos desejos com fins mercadológicos.
Recordemos que M a r x (982), ao
anali-sar o fetichismo da mercadoria, considera que o valor de troca - característico da forma
merca-doria - e n c o b r e " u m a r e l a ç ã o s o c i a l d e f i n i d a ,
e s t a b e l e c i d a e n t r e o s h o m e n s " (Ib.:160). O cará-ter fetichista reside, justamente, numa espécie de inversão das relações reais, que ficam ocul-tas, sob a forma da mercadoria. Esta, em sua aparência, passa a apresentar apenas, uma
"re-lação entre coisas", quando na realidade, ela
não é da esfera da natureza física, mas nela
estão representadas o dispêndio da força
hu-mana de trabalho e as relações entre os
produ-tores, ou seja, características sociais são
apresentadas como características materiais.
Deste modo, as relações sociais saem de cena e o trabalho humano toma-se abstrato, ficando
reduzido, assim, a único denominador comum,
que é o "valor de troca" da mercadoria. As
rela-ções sociais são, portanto, projetadas numa f o r
-m a a p a r e n t e , que é a forma-mercadoria, e o valor desta passa a significar, para a
consciên-cia espontânea, uma propriedade o b j e t i v a das
coisas.
O fetichismo da mercadoria possui um
visi-vel e invisívisi-vel, isto porque o espaço de
visi-bilidade do valor da mercadoria é, ao mesmo
tempo, o espaço de invisibilidade das
rela-ções sociais subjacentes. As relações entre
coisas se autonomizam e se personificam ao
desprenderem-se de seus elementos fundantes
que são as relações sociais.edcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ como se o valor
das coisas "brotasse", já na esfera da
circula-ção, "emanado" da relação entre as coisas
mesmas. Neste mundo "encantado", as
rela-ções sociais deixam de ser a forma essencial,
ou seja, aquela que confere inteligibilidade
ao movimento do capital e se reificam.
Essa forma "fantasmagóríca" que os
ob-jetos assumem ao se transformar em
mercado-rias, em valor de troca, recebe um reforço
complementar na era do capitalismo
contem-porâneo. Com a atual expansão, sem
prece-dentes, de uma infinidade de objetos/imagens de consumo, não só as relações sociais de
tra-balho ficam camufladas, na forma mercadoria,
como se incorporam a ela, cada vez mais,
po-deres imateriais. Agora, a mercadoria, além de
incorporar/alienar as relações sociais que as
produziram, também incorpora e aliena, num
grau sem precedentes, aspectos subjetivos
refe-rentes à felicidade, liberdade, personalidade e
realização humana. O que à época de Marx
tinha uma aparência de "coisa" - a mercadoria
-, hiperrealiza-se em imagens e ao mesmo
tempo desmaterializa-se, passando a ter uma
aparência de "signos" autonomizados e
abso-lutamente intercambiáveis em suas
significa-ções (Cf. Baudrillard,1991). Ou seja, a
transformação do objeto em valor-signo, conti-nua a encobrir o caráter social do trabalho, pois
o objeto continua a ser mercadoria, só que,
como esta mercadoria/objeto de consumo é,
agora, predominantemente valorada em seus
aspectos sígnicos, até a sua natureza material
tende a diluir-se e o que aparece é o
movi-mento de signos. A mercadoria/objeto toma-se
assim um mero significante, cujo significado é
conferido pelos signos multiplicados do
con-sumo. Neste caso, apesar da aparência de
"hiperrealidade", de fato, as propriedades
ma-teriais ou funcionais do objeto, tal como
cons-tituídas historicamente, se esvanecem,
tomando-se fluidas o suficiente para abrigar
qualquer significado, qualquer associação
sígnica. Aí, não está só em jogo o "movimento
aparente entre coisas" pseudamente
autonomi-zadas, mas o movimento aparente entre
sig-nos, absolutamente intercambiáveis. O
significado estável das próprias coisas
desapa-rece para ser substituído pelas relações
soci-ais, só que não aquelas constituintes do objeto
- as de produção -, mas signos de relações
sociais que evidenciam o posicionamento
so-cial, os valores desejáveis e o estilo do seu
possuidor. Não é um movimento de
desocultamento, mas deTSRQPONMLKJIHGFEDCBAd u p l o o c u l t a m e n t o .
Neste sentido, a sociedade capitalista
con-temporânea, ao super-dímensionar o consumo
e saturâ-lo de signos culturais os mais diversos, parece camuflar, ainda mais, a dimensão eco-nômica da mercadoria. Agora, não se compram
mais objetos, mas "individualidade",
"diferen-ciaçao" , "atitude" e "estilo" consubstanciados nas chamadas "imagens de marca".
A exaltação dessa "individualidade" de
prótese, fornecida pelo objeto/signo, convive
lado a lado com o atual aguçamento das frustra-ções sociais: O colapso na fé dos grandes
siste-mas filosóficos explicativos como promotores
de uma melhor compreensão do mundo
mo-derno, e até da própria ciência como verdade inabalável e geradora de "progresso", somado
ao desmascaramento da "mentira pública" dos
nossos sistemas políticos cada vez mais
desa-creditados, o desencanto em relação às
buro-cracias governamentais e empresariais, o
desmantelamento do "Estado do bem-estar
so-cial", a marginalização social de numerosos
seg-mentos da população mundial, a coexistência
de altos índices de desemprego e inflação, o
aumento da mendicância nos grandes centros
urbanos, enfim, uma generalizada frustração
social frente à inacessibilidade dos ideais
pro-postos pela cultura.
Diante de tal quadro, o consumo se apre-senta como um paliativo para a profunda angús-tia humana ante uma impotência generalizada, a qual é substituída pela incorporação fetichizada
de objetos que prometem conferir poder,
completude e realização individual.