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A interação pela linguagem

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Academic year: 2021

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Tema

A interação pela linguagem

Tópico de estudo

As funções da linguagem e seus recursos linguísticos mais comuns.

Entendendo a competência

Competência 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da realidade pela constituição de signifi cados, expressão, comunicação e informação.

Essa área trata da linguagem, em suas mais diversas manifestações, como elemento indispensável para a construção de sentido e para o nosso relacionamento com o mundo. De fato, é importante que nós sejamos capazes de perceber que cada situação comunicativa apresenta objetivos, características e estruturas diferentes. Por isso, um poema tem que ser lido com uma percepção distinta da que temos quando lemos um jornal, e uma campanha publicitária deve apresentar recursos linguísticos diversos daqueles que encontramos em textos técnicos. Cada habilidade dessa área vai explorar os recursos expressivos da língua e os procedimentos de construção e recepção de textos.

Desvendando a habilidade

Habilidade 19 – Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específi cas de interlocução.

Você já reparou que há situações em que precisamos persuadir alguém a fazer alguma coisa e situações em que precisamos simplesmente informar alguém sobre algo? Um político em campanha pode utilizar diferentes estratégias linguísticas para tentar convencer seus receptores (os eleitores) a confi arem nele seus votos; um jornalista, apresen- tando um noticiário, provavelmente tentará ser imparcial na transmissão de determinada informação. Toda vez que nos comunicamos, temos uma intencionalidade distinta. Em cada situação, pelo menos um dos elementos do processo comunicativo fi ca em evidência, construindo o que chamamos de função da linguagem.

Situações-problema e conceitos básicos

Leia a crônica a seguir:

São Cosme e São Damião

Escrevo no dia dos meninos. Se eu fosse escolher santos, escolheria sem dúvida nenhuma São Cosme e São Da- mião, que morreram decapitados já homens feitos, mas sempre são representados como dois meninos, dois gêmeos de ar bobinho, na cerâmica ingênua dos santeiros do povo.

São Cosme e São Damião passaram o dia de hoje visitando os meninos que estão com febre e dor no corpo e na cabeça por causa da asiática, e deram muitos doces e balas aos meninos sãos. E diante deles sentimos vontade de ser bons meninos e também de ser meninos bons. E rezar uma oração.

“São Cosme e São Damião, protegei os meninos do Brasil, todos os meninos e meninas do Brasil.

Protegei os meninos ricos, pois toda a riqueza não impede que eles possam fi car doentes ou tristes, ou viver coisas tristes, ou ouvir ou ver coisas ruins.

Protegei os meninos dos casais que se separam e sofrem com isso, e protegei os meninos dos casais que não se separam e se dizem coisas amargas e fazem coisas que os meninos veem, ouvem, sentem.

Protegei os fi lhos dos homens bêbados e estúpidos, e também os meninos das mães histéricas e ruins.

Protegei o menino mimado a quem os mimos podem fazer mal e protegei os órfãos, os fi lhos sem pai, e os enjeitados.

Protegei o menino que estuda e o menino que trabalha, e protegei o menino que é apenas moleque de rua e só sabe

pedir esmolas e furtar.

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Protegei, ó São Cosme e São Damião! – protegei os meninos protegidos pelos asilos e orfanatos, e que aprendem a rezar e obedecer e andar na fi la e ser humildes, e os meninos protegidos pelo SAM*, ah! São Cosme e São Damião, protegei muito os pobres meninos protegidos!

E protegei sobretudo os meninos pobres dos morros e dos mocambos, os tristes meninos da cidade e os meninos amarelos e barrigudinhos da roça, protegei suas canelinhas fi nas, suas cabecinhas sujas, seus pés que podem pisar em cobra e seus olhos que podem pegar tracoma – e afastai de todo perigo e de toda maldade os meninos do Brasil, os louros e os escurinhos, todos os milhões deste grande e pobre e abandonado meninão triste é o nosso Brasil, ó Glorio- so São Cosme, Glorioso São Damião!”

BRAGA, Rubem. 200 Crônicas escolhidas.

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a

ed. Rio de Janeiro: Record, 1996, p. 212.

*SAM – Serviço de Assistência ao Menor – equivalente à FUNABEM.

O autor, ao longo de todo o texto, mantém a mesma atitude diante do tema? Que recursos gramaticais demons- tram isso?

Perceba que, nos dois parágrafos iniciais, ele fala sobre São Cosme e São Damião; a partir do terceiro parágrafo, ele se dirige a São Cosme e São Damião. No terceiro parágrafo, além do uso das aspas, a presença do vocativo, o emprego da 2

a

pessoa verbal e do modo imperativo são recursos gramaticais que expressam essa mudança de ati- tude do emissor.

São, portanto, manifestadas diferentes funções da linguagem em cada um dos trechos acima apresentados. Nos dois parágrafos iniciais, o emissor fala sobre São Cosme e São Damião, privilegiando a função referencial da lingua- gem. Nos demais parágrafos, ao se dirigir aos santos, o emissor faz uso da função apelativa da linguagem.

A mais aceita das teorias que explicam o processo de comunicação prevê a existência de seis elementos básicos

que, juntos, permitem sua realização.

a) Emissor: representado pela primeira pessoa, é aquele que transmite a informação.

b) Receptor: trata-se do interlocutor, ou seja, da pessoa que recebe a mensagem do emissor.

c) Mensagem: é o conteúdo transmitido pelo emissor.

d) Código: é a própria linguagem em si.

e) Canal: corresponde ao meio físico pelo qual a mensagem codifi cada é transmitida.

f) Contexto (ou Referente): é o conjunto de elementos do mundo circundante que dá sentido à mensagem, caracterizando o assunto.

Atenção:

Emissor e receptor são genericamente tratados como interlocutores, uma vez que, no processo de comunicação, os papéis se invertem e se sobrepõem.

Em todas as situações de comunicação todos esses seis elementos estão envolvidos. No entanto, pelo fato de po-

der haver, em cada situação, ênfase a um ou a mais de um desses elementos, falamos em funções da linguagem.

Acompanhe o quadro resumo abaixo:

Contexto função referencial

Mensagem função poética Emissor

função emotiva

Receptor função apelativa

Canal função fática

Código

função metalinguística

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Função Emotiva ou Expressiva

Ocorre quando o emissor se coloca no centro do discurso explorando sua subjetividade (sentimentos, opiniões).

Por isso, o uso da primeira pessoa de verbos e pronomes, as interjeições, os adjetivos e advérbios emotivos, reticên- cias indicando suspiro ou sugestão, pontos de exclamação, que revelam surpresa e pontos de interrogação, quando se tratar de perguntas autorrefl exivas, são fortes indícios de sua presença. Veja o exemplo de Casemiro de Abreu:

Oh! que saudades que tenho Da aurora da minha vida.

Da minha infância querida.

Que os anos não trazem mais!

Função Apelativa ou Conativa

Essa função aparece sempre que se tenta persuadir o receptor, quando se espera dele uma resposta ou uma atitude. Aparece com o uso da segunda pessoa, do imperativo, do vocativo e das interrogações. O exemplo a seguir é de Gregório de Matos:

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada, Cobrai-a; e não queirais, pastor divino, Perder na vossa ovelha a vossa glória.

Função Referencial ou Denotativa

Está centrada no contexto e, por isso, ocorre sempre que a linguagem tem caráter informativo, de constatação.

Suas marcas são a predominância de advérbios e de adjetivos neutros, puramente descritivos, o uso de verbos e pronomes em terceira pessoa, além do uso de vocabulário em sentido denotativo. Veja este exemplo da nossa “Carta de Achamento”:

O capitão, quando eles [os índios] vieram, estava sentado em uma cadeira, bem vestido, com um colar de ouro mui grande ao pescoço, e aos pés uma alcatifa, por estrado. Sancho de Tovar, Simão de Miranda, Nicolau Coelho, Aires Correa, e nós outros que aqui na nau com ele vamos, sentados no chão, pela alcatifa. Acenderam-se tochas. Entraram. Mas não fi zeram sinal de cortesia, nem de falar ao Capitão nem a ninguém.

Função Metalinguística

Ocorre sempre que a linguagem explica ou comenta a si mesma. Sempre que um poema falar sobre a compo- sição poética, sempre que usarmos palavras para explicar palavras, sempre que o código for o elemento central, existirá a metalinguagem. Observe este trecho de Cassiano Ricardo:

Que é a Poesia?

uma ilha cercada de palavras

por todos os lados.

Função Fática ou De Contato

Essa função ocorre sempre que se vai iniciar, manter ou fi nalizar um ato de comunicação. Paulinho da Viola tra- balha com essa função em sua composição “Sinal Fechado”:

– Olá, como vai?

– Eu vou indo e você, tudo bem?

– Tudo bem, eu vou indo…

Função Poética

A função poética está centrada no cuidado com a seleção vocabular para atingir poderosos efeitos de sentido.

Como o uso da conotação, o apelo à ambiguidade e aos recursos de sonoridade são suas marcas, pode-se inferir que, embora pareça, ela não é exclusiva da Literatura; pelo contrário, ela aparece, por exemplo, em peças publicitá- rias e até em linguagem jornalística. Veja o valor polissêmico do vocábulo “camisa” na campanha publicitária contra a AIDS a seguir:

Vista esta camisa na luta contra a AIDS.

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e ainda este Soneto de Orfeu, exemplo literário de Vinícius de Moraes:

São demais os perigos desta vida Para quem tem paixão, principalmente Quando uma lua surge de repente E se deixa no céu, como esquecida.

E se ao luar que atua desvairado Vem se unir uma música qualquer Aí então é preciso ter cuidado

Porque deve andar perto uma mulher.

Deve andar perto uma mulher que é feita De música, luar e sentimento

E que a vida não quer, de tão perfeita.

Uma mulher que é como a própria Lua:

Tão linda que só espalha sofrimento Tão cheia de pudor que vive nua.

Aprofundando:

Observe o verso a seguir, de Raul Seixas:

“Eu sou a mosca que pousou na sua sopa.”

Nele, obviamente, compreendemos que a palavra “mosca” não representa um inseto díptero esquizóforo da su- bordem dos ciclórrafos. O autor deixou de lado esse seu sentido convencional para, por meio dela, sugerir de forma enfática que o emissor se considera um indivíduo inconveniente, que provoca incômodo. O enunciado, portanto, é uma clara demonstração de que o falante pode utilizar a linguagem de maneira criativa, atribuindo às construções já existentes novos e surpreendentes sentidos. Damos o nome de sentido denotativo ao sentido original, automático, restrito do termo e o nome de sentido conotativo ao sentido criativo, não convencional que, em determinados contextos, o vocábulo pode assumir. No campo da conotação, constroem-se as chamadas fi guras de linguagem, que ajudam a caracterizar a linguagem poética. Vamos analisar duas das mais importantes:

Metáfora: O pressuposto básico de toda metáfora é a possibilidade de associação entre dois elementos que não possuem relação objetiva de sentido entre si. Todos sabem, por exemplo, que a palavra noite traz consigo as ideias de solidão, tristeza e melancolia. Assim, quando se diz “Quando você foi embora, fez-se noite em meu viver.”, a pala- vra noite sugere que se pode associar o estado de espírito do emissor após a separação ao estado de espírito sugeri- do pela noite. Trata-se, portanto, de uma relação de comparação implícita entre dois elementos ou duas ideias.

A metáfora pode se apresentar de forma direta (metáfora impura), como em A Amazônia é o pulmão do planeta., ou de forma indireta (metáfora pura), como em O pulmão do planeta está ameaçado de destruição.

Metonímia: A metonímia é a substituição de um termo por outro com o qual ele estabeleça uma relação objetiva de sentido. Todos sabemos que Machado de Assis é um dos grandes autores da Literatura Brasileira. Então, se dize- mos, por exemplo, “Ela leu Machado de Assis”, estamos substituindo os escritos pelo autor deles.

Veja-se, então, que, embora metáfora e metonímia sejam fi guras de substituição, elas se diferenciam porque, na primeira, não há relação objetiva entre os elementos comparados e, na segunda, há.

É claro que podem coexistir na linguagem duas ou mais funções, com hierarquização entre elas. Veja-se, por

exemplo, o caso do poema “Ternura”, também de Vinícius de Moraes:

Eu te peço perdão por te amar de repente

Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos Das horas que passei à sombra dos teus gestos

Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos Das noites que vivi acalentado

Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.

E posso te dizer que o grande afeto que te deixo

Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas Nem as misteriosas palavras dos véus da alma…

É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias E só te pede que te repouses quieta, muito quieta

E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar extático da aurora.

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Claro que a seleção vocabular e a sintática são manifestações da função poética. Também é nítida, no poema, a presença da função conativa, pelos reiterados apelos feitos ao receptor. No entanto, não é essa a função predomi- nante no poema ao lado da poética. Isso ocorre porque o texto visa a uma expressão sentimental do emissor, o que caracteriza a função emotiva da linguagem.

Observe mais um quadro resumo:

Funções Predominantes Finalidade Alguns recursos

Referencial ou denotativa

Transmitir informações, dados da realidade, descrever de forma objetiva o mundo externo ou interno.

Frase declarativa: comunicação impessoal e objetiva;

predomínio da denotação.

Emotiva ou expressiva Exprimir sentimentos ou emoções; tecer consi- derações sobre sentimentos e estados de espí- rito de maneira subjetiva.

Frase exclamativa: Comunicação pessoal e subjetiva (1ª pessoa): uso de recursos com: interjeições, super- lativos, aumentativos, diminutivos, adjetivos e advér- bios de caráter emotivo, hipérboles, figuras de pensamento, entonação, etc.

Apelativa ou conativa Influenciar, persuadir o receptor. Repetições vocabulares e/ou estruturais; vocativo, perguntas, imperativo.

Fática ou De contato Iniciar, manter ou finalizar a conversação, facili- tando a comunicação.

Marcadores de oralidade, certas interjeições.

Metalinguística Definir, explicar, analisar, criticar o código lin- guístico (vocábulo, frase, texto).

Explicações, definições, conceituações, metapoemas e metatextos em geral.

Poética Valorizar a elaboração da linguagem como meio de expressão. Definir, como prioridade a trans- missão de uma “mensagem” a ser codificada.

Frases de valor artístico, com o predomínio da cono-

tação, polissemia, ambiguidade, figuras de linguagem

e musicalidade.

Referências

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