ANÁLISES D E LIVROS
L A INAPETENCIA INFANTIL. FLORENCIO ESCARDÓ. 1 vol. Buenos Aires, Ed. El Ateneo, 1 9 4 0 .
O p r o b l e m a d a s inapetências é dos mais e n c o n t r a d o s quer n a clínica gediátrica quer na neuro-pediátrica e em u m g r a n d e n u m e r o de casos r o t u l a - s e como manifestação n e r v o s a aquilo q u e n ã o é sinão u m sintoma de a l g u m a
moléstia e m evolução. P a r a d e m o n s t r a r a importância deste p r o b l e m a é citada u m a estatística de Bartlet n a qual se verifica que de 1 4 7 1 p a c i e n t e s examinados, e m 3 4 9 a queixa principal referiase à anorexia, o q u e r e p r e -senta u m a p r o p o r ç ã o e x t r a o r d i n a r i a m e n t e g r a n d e . T a n t o n a clínica hospi-talar como n a particular, as anorexias c o n c o r r e m c o m cerca de 2 0 % dos casos n a maioria d a s estatísticas. A c o m p a r a ç ã o entre os dados estatísticos da clínica hospitalar e particular d e m o n s t r a u m fato m u i t o interessante. N a primeira n o t a m o s q u e e n t r e as 2 9 causas capazes de d e t e r m i n a r o sintoma anorexia, a neuropatia ocupa o 1 2 . ° lugar c o m 1 0 casos sobre 3 6 0 , e n q u a n t o que, n a segunda, seu papel é m u i t o mais i m p o r t a n t e , p o r q u a n t o ocupa o p r i m e i r o lugar e n t r e as causas d e t e r m i n a n t e s d a s inapetências, c o m 1 0 casos sobre 5 7 .
E s c a r d ó estuda o a t o . de comer, a t o d e inicio c o r r e s p o n d e n t e a u m a necessidade orgânica geral e que, p o s t e r i o r m e n t e , se t o r n a u m a t o volitivo influído p o r fatores emocionais, mecânicos, físicos, sensoriais, estéticos, e m o -tivos, educacionais, sociais e patológicos. T o d o s estes fatores são conside-r a d o s como capazes de alteconside-raconside-r a função n o conside-r m a l de comeconside-r, sendo pconside-reciso e m cada caso n o t a r o p o n t o da cadeia q u e está alterado. A fome é u m reflexo trófico d e s e n c a d e a d o p o r u m a necessidade celular fisiológica, indiferenciada que irá funcionar c o m o estimulo p a r a d e s e n c a d e a m e n t o d a s atividades capazes de satisfazer as necessidades plasmáticas. C o m p r e n d e - s e que de inicio, e m tese, t o d o o e l e m e n t o intelectual está excluido deste reflexo, p o r e m , c o m o esta necessidade n e m s e m p r e pode ser satisfeita de u m a m a n e i r a simples, o estimulo t e n d e a se difundir, a p a r e c e n d o e n t ã o n a conciência onde s e r á r e -conhecido c o m o sensação. O apetite será, então, u m fenômeno c o n c i e n t e ligado e s t r e i t a m e n t e a u m a experiência trófica, isto é, a n o ç ã o q u e o indivíduo adquire e m p i r i c a m e n t e q u e l h e p e r m i t e reconhecer q u e u m a d e t e r m i -n a d a substa-ncia caracterisada p o r u m a forma, côr, aspecto e co-nsistê-ncia particulares t e m a capacidade de acalmar a fome cada vez q u e seja ingerida. É p o r isto, p o r exemplo, q u e u m p r a t o exótico q u e n ã o conhecemos, n ã o n o s dá a i m p r e s s ã o q u e p o d e r á satisfazer a nossa fome.
A fome, c o m o manifestação da fase catabólica d o m e t a b o l i s m o , é u m estímulo p a r a experiências tróficas destinadas a satisfazer as necessidades fisiológicas da célula neste período. O a t o de comer, e n t r e t a n t o , habitual-m e n t e é u habitual-m reflexo condicionado; a condicionalidade deste a t o faz aparecer n ã o s o m e n t e a s e n s a ç ã o d e apetite c o m o t a m b é m os fenômenos m o t o r e s e secretorios q u e a c o m p a n h a m o a t o de comer. A s imposições da vida social civilisada, a s u b o r d i n a ç ã o aos h o r á r i o s e ao r i t m o de vida c o m u m , n ã o p e r m i t e m q u e se espere a sensação de fome p a r a se realizarem as atividades d e s t i -n a d a s a suprimir esta situação. M e d i a -n t e a a d a p t a ç ã o dos i-ndividuos a u m r i t m o de vida c o m u m , o apetite é condicionado a u m horário, de m a n e i r a que p o d e m o s dizer q u e o a t o d e c o m e r está h a b i t u a l m e n t e s u b o r d i n a d o a o apetite e n ã o à f o m e . A função d o m é d i c o consiste e m verificar se o q u e está alterado é o apetite, manifestação de o r d e m intelectiva, ou a fome, p r o
-cesso de ordem metabólica. Assim sendo, é de grande importância para o desenvolvimento normal das funções nutritivas o aprendizado das atividades destinadas a satisfazer às necessidades orgânicas. Este aprendizado pôde
A diminuição da fome é c h a m a d a hipolimia e está sujeita à todas as causas que a l t e r a m o m e t a b o l i s m o celular. T ê m g r a n d e importância as
c a u s a s infecciosas, e n t r e as quais se destaca, em primeiro lugar, a primoinfecção t u b e r c u l o s a : na estatística do autor, a primoinfecção estava p r e -sente em 81 dos 340 casos de inapetência. D e g r a n d e importância s ã o as
cáries dentárias (58/340). O u t r a s causas existem, todas elas capazes de deter-m i n a r a hipolideter-mia; s e g u n d o o n u deter-m e r o de casos ligados respectivadeter-mente a cada u m a , t e r e m o s a constipação crônica, as d e r m a t o s e s , a parasitose
intes-tinal, a sífilis, as vaginites, os r e u m a t i s m o s larvados, as amigdalites e adenoidites, as incubações de moléstias infecciosas, as g a s t r i t e s flegmonósas, as dispepsias larvadas, as anemias e as apendicites crônicas. T ê m t a m b é m
g r a n d e importância as intoxicações e x ó g e n a s (alcoólica e m e d i c a m e n t o s a ) e as e n d ó g e n a s , principalmente as acetonêmicas. E x i s t e m hipolimias ligadas a o s r e g i m e n s , inadequados, ao calor, à debilidade geral, a o sedentarismo, às
c a u s a s anafiláticas, à fadiga e às avitaminoses. E x i s t e m ainda as pseudo-inapetências p o r e r r o de o b s e r v a ç ã o ( m ã e s nervosas que a c h a m que os filhos n ã o e s t ã o c o m e n d o t a n t o q u a n t o elas queriam que c o m e s s e m ) e aquelas
e m que está em j o g o u m a causa mecânica (corisa, abcesso retrofaringeano, g l o s s o - p t o s e , lábios leporinos, e t c . ) .
C o m o anorexia deve se considerar s o m e n t e os casos em que está p e r t u r -b a d a a r e p r e s e n t a ç ã o m e n t a l da fome, isto é, o apetite. A n o r e x i a m e n t a l
será p o r t a n t o u m t e r m o pleonástico. É muito salientada a necessidade de se proceder com e x t r e m a p r e c a u ç ã o a o diagnosticar u m caso de a n o r e x i a ; t o r n a - s e necessário que a n t e s excluamos todas as i n ú m e r a s causas capazes de alterar o s u b s t r a t o orgânico do a t o alimentar. É necessário ainda l e m b r a r que, em g r a n d e n u m e r o de casos, as p e r t u r b a ç õ e s alimentäres, ligadas a u m a causa física, p o d e m e n c o n t r a r t a m b é m u m a causa m e n t a l posterior, decorrente do a m b i e n t e n e r v o s o e da anciósa expectativa que se forma em t o r n o deste a t o que deve ser f u n d a m e n t a l m e n t e simples e desprovido de qualquer causa e x c i t a n t e p a r a o psiquismo da criança.
N a s crianças m u i t o tenras, n a maioria das vezes, a anorexia está ligada a u m t r a u m a a l i m e n t a r : u m a colherada ou m a m a d e i r a d e m a s i a d a m e n t e quen-te, u m bocado e x a g e r a d o que t e n h a d e t e r m i n a d o asfixia ou tosse, a alimen-t a ç ã o imposalimen-ta pela força de a r g u m e n alimen-t o s exausalimen-tivos ou de casalimen-tigos físicos. P a r a o estabelecimento destas anorexias exige-se s e m p r e u m t e m p e r a m e n t o nervoso, emotivo. Muitas vezes s ã o suficientes motivos insignificantes — u m a nata n o leite, u m suco de frutas m u i t o ácido, u m m e d i c a m e n t o dado d e m i s t u r a com os alimentos — p a r a que se estabeleça u m a anorexia grave.
Estas anorexias são graves porque se fundamentam em um terreno nervoso predisposto e em ambiente familiar impróprio, duas causas que dificilmente poderão ser atingidas pela ação terapêutica. Só ha possibilidade de melhora
N a idade préescolar encontrase crianças, principalmente meninos, c r o n i c a m e n t e inapetentes, fracos, nervosos e q u e já t r a z e m u m a tradição a n o r e -xica da primeira infância. S ã o g e r a l m e n t e crianças retraidas e q u e n ã o e n t r a m em comunicação c o m o meio exterior s e n ã o p o r intermédio da m ã e ou de alguém q u e a substitua. S ã o crianças s e m qualquer autonomia. S ã o p o s t o s na c a m a t o d a s a s noites. S ã o vestidos, despidos e b a n h a d o s . Suas m a n o b r a s de m i c ç ã o e defecação s ã o auxiliadas pelos p a r e n t e s . É g e r a l -m e n t e a situação d o s filhos únicos. S ó co-me-m pelas -m ã o s da -m ã e . E -m sua ausência n ã o se alimentam. À medida q u e o p r o c e s s o de anorexia s e m a n t é m , t o r n a m - s e mais e mais exigentes, t r a n s f o r m a n d o - s e ao fim de a l g u m t e m p o e m verdadeiros tiranos d o lar. E x i g e m a a l i m e n t a ç ã o d o s mais velhos, q u e r e n d o t o m a r as refeições e m sua companhia, fora de seu h o r á r i o . N ã o r a r a m e n t e exigem o vinho dos mais velhos. A psicanálise t r o u x e m u i t a s luzes p a r a o esclarecimento das anorexias da s e g u n d a infância. Assim, p o r exemplo, o anorexia d o s p r i m o g ê n i t o s p o r ocasião do n a s c i m e n t o de u m s e g u n d o filho, o rival p a r a as a t e n ç õ e s m a t e r n a s . O desgosto pela c a r n e será explicado pela visão do espetáculo d o animal m o r t o ou então p o r c o m -plexos sexuais ligados aos primeiros s e n t i m e n t o s infantis. N o s mais velhos, a anorexia n ã o raras vezes está associada a u m auto-castigo, a u m desejo de mortificação ou de vingança contra os demais. O u t r a s vezes será u m desejo de atrair a t e n ç ã o sobre si. Será e n c o n t r a d o s e m p r e nestes casos, e m r e s u m o , u m desequilíbrio e n t r e a criança e s u a atmosfera familiar. A l g u m a s
vezes a anorexia será o primeiro sinal de u m a demência precoce ou esquisofrenia. A s crianças p r o c e d e m como se tivessem perdido a conciencia d e seu apetite.
A s anorexias da puberdade, manifestamse p r e d o m i n a n t e m e n t e n a s m e -ninas. E m sua g r a n d e maioria estão ligados a u m meio desequilibrado, emotiva ou p e d a g o g i c a m e n t e , e m u i t a s vezes estão vinculadas a u m e s t a d o moral ou afetivo.
Hipolimias s ã o t r a t a d a s pela exclusão da causa que está alterando o metabolismo n o r m a l . A s anorexias dispõem de t r è s elementos t e r a p ê u t i c o s : os sedantes, a s s o n d a g e n s e a psicoterapia. C o m relação a o s primeiros deve-se p r o c u r a r restringir seu e m p r e g o levando e m consideração que sua a ç ã o é sintomática e n ã o intervém sobre a essência d o processo patológico. Deve-se fazer t o d o o possível para incutir hábitos salutares de higiene m e n t a l nos pais, d e m o n s t r a n d o - l h e s os danos q u e podem o c o r r e r p a r a seus filhos, do estabelecimento de u m a m b i e n t e t u m u l t u o s o e m o v i m e n t a d o d u r a n t e a s refeições da criança. A s o n d a g e m s o m e n t e deve s e r usada q u a n d o a n e g a -tiva a l i m e n t a r é t ã o d u r a d o u r a q u e pôde prejudicar a saúde da criança. A psicoterapia t e m u m a influência capital. É impossível dar-se r e g r a s fixas de psicoterapia, cabendo a o médico descobrir os desvios de conduta e c o r r i -gi-los da m a n e i r a m e n o s t r a u m á t i c a possível.
A . LEFÈVRE
FREDERICO S A L Y R O S A S . 1 vol. 79 páginas. Tese de Doutoramento em