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Ensino médio para todos: gargalos a superar

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Academic year: 2017

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Universidade Católica de Brasília

Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Programa de Mestrado em Educação

ENSINO MÉDIO PARA TODOS: GARGALOS A SUPERAR

Brasília - DF

2012

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LEONARDO CLAVER AMORIM LIMA

ENSINO MÉDIO PARA TODOS: GARGALOS A SUPERAR

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Educação da Universidade Católica de Brasília – UCB, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientador: Doutor Candido Alberto Gomes

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12,5 cm

7,5 cm 7,5cm

Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB

09/11/2012

L732e Lima, Leonardo Claver Amorim.

Ensino médio para todos: gargalos a superar. / Leonardo Claver Amorim Lima – 2012.

133f. il. ; 30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2012. Orientação: Prof. Dr. Candido Alberto Gomes

1. Ensino médio. 2. Educação – Estudo e ensino. 3. Rendimento escolar. I. Gomes, Candido Alberto, orient. II. Título.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, meu mentor maior;

À minha mãe, Maria Madalena Claver, por tudo;

Ao meu pai (in memoriam), pelo inesquecível período de convivência;

Ao prof. Dr. Candido Alberto Gomes, por sempre ter confiado na minha capacidade e por exigir e permitir que de mim fosse sempre dado o melhor nesta jornada;

À Doutora Clélia de Freitas Capanema, com quem muito aprendi;

Às professoras doutoras Ignez Tollini e Vanessa Tentes, por terem aceitado participar da banca examinadora e pelas valorosas contribuições;

À minha amiga Hélina Arruda, por me dar a honra de sua amizade e companheirismo;

Aos colegas do INEP, especialmente Vanessa Nespoli e Gustavo Fortuna, pela colaboração sem a qual a obtenção e a tabulação dos dados constantes deste trabalho não teriam sido possíveis.

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RESUMO

Esta pesquisa, uma análise de dados estatísticos secundários, visou à identificação de obstáculos ao acesso e à permanência no ensino médio em dados censitários educacionais disponíveis, tendo em vista o advento do ditame constitucional que elevou esse nível de ensino à condição de direito público subjetivo, porque inerente a todos aptos a nele se matricularem. Descrito na pesquisa por séries históricas do Censo Educacional, o movimento de expansão das matrículas, reconhecidamente observado nos anos 1990, não afastou os elevados níveis de distorção idade-série e, sobretudo, a baixa cobertura do ensino médio, uma vez que, apesar do inédito avanço quantitativo, pouco mais da metade da população na faixa etária de 15 a 17 anos frequentava alguma série da etapa final da educação básica em 2010. Por outro lado, já constatados naquelas séries históricas, problemas herdados do ensino fundamental constituíram empecilhos para a democratização do ensino médio, pois, em análise de dados longitudinais relativos à coorte 2008-2009, constatou-se que o fluxo do ensino fundamental para o ensino médio foi marcado por critérios seletivos contrários ao ideal de escola de mesma qualidade para todos. Assim, em relação ao tipo de escola frequentada, à idade e ao sexo dos estudantes e à localidade onde eles residiam, a conclusão do ensino fundamental em 2008, e o consequente ingresso no ensino médio em 2009, apresentou-se mais próxima de discentes mais jovens e do sexo feminino, matriculados em escolas privadas e residentes nas Regiões de maior desenvolvimento socioeconômico, notadamente o Sul e o Sudeste.

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ABSTRACT

This study, a analyze of secondary statistical data, aimed to identify barriers to access and stay in school on census data available education in view of the advent of constitutional dictates that this increased level of education to the condition of public right, because inherent in all able to enroll in it. Described in the search for historical data from the Census Educational, movement of enrollment expansion, admittedly observed in the 1990s, did not remove the high levels of age-grade and above all, the low coverage of high school, since, despite the quantitative unprecedented breakthrough, just over half of the population aged 15 to 17 years attending a series of final stage of basic education in 2010. On the other hand, those already observed time series, problems inherited from the school constituted obstacles to the democratization of secondary education, for in analysis of longitudinal data on the cohort 2008-2009, it was found that the flow of basic education for teaching medium was marked by selective criteria contrary to the ideal school of the same quality for all. Thus, in relation to the type of school attended, age and sex of the student and the locality where they lived, the completion of elementary education in 2008, and subsequent enrollment in secondary education in 2009, appeared closer to younger students and females enrolled in private schools and residents in the Regions of greatest socioeconomic development, particularly the South and Southeast

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Indicadores de rendimento escolar, na última série do ensino fundamental em

2008, por sexo (%)...69

Gráfico 2 – Indicadores de rendimento escolar, na última série do ensino fundamental em 2008, por faixa etária (%)...70

Gráfico 3 – Indicadores de rendimento escolar, na última série do ensino fundamental em 2008, por tipo de escola frequentada pelos alunos (%)...72

Gráfico 4 – Indicadores de rendimento escolar, na última série do ensino fundamental em 2008, por Regiões (%)...73

Gráfico 5 – Indicadores do Rendimento Escolar, na última série do ensino fundamental em 2008, por faixas etárias, para estudantes do sexo feminino (%)...75

Gráfico 6 – Indicadores do Rendimento Escolar, na última série do ensino fundamental em 2008, por faixas etárias, para estudantes do sexo masculino (%)...75

Gráfico 7 – Indicadores do Rendimento Escolar, na última série do ensino fundamental em 2008, por dependência administrativa, para estudantes do sexo feminino (%)...76

Gráfico 8 – Indicadores do Rendimento Escolar, na última série do ensino fundamental em 2008, por dependência administrativa, para estudantes do sexo masculino (%)...77

Gráfico 9 – Indicadores do Rendimento Escolar, na última série do ensino fundamental em 2008, por Regiões, para estudantes do sexo feminino (%)...78

Gráfico 10 – Indicadores do Rendimento Escolar, na última série do ensino fundamental em 2008, por Regiões, para estudantes do sexo masculino (%)...78

Gráfico 11 – Situação educacional em 2009 de alunos, segundo o sexo (%)...83

Gráfico 12 - Situação educacional em 2009 de alunos, por faixas etárias (%)...85

Gráfico 13 - Situação educacional em 2009 de alunos, por dependência administrativa (%)...86

Gráfico 14 – Situação educacional em 2009 de alunos, por regiões (%)...87

Gráfico 15 - Situação educacional em 2009 de alunos de diferentes faixas etárias (%)...88

Gráfico 16 – Situação educacional em 2009 de alunos de diferentes faixas etárias (%)...89

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Gráfico 18 – Situação educacional em 2009 de alunos de escolas públicas e privadas (%)... 91

Gráfico 19 - Situação educacional em 2009 de alunas das regiões consideradas (%)...92

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Participação relativa de níveis e modalidades nas matrículas do ensino médio... 16

Tabela 2- População na faixa etária de 7 a 14 anos, matrículas no ensino fundamental por faixa etária e indicadores oficiais de matrícula e de escolarização – 1991-1999...54 Tabela 3 – Concluintes do ensino fundamental, distribuição de matrículas por série no ensino médio e concluintes do ensino médio (1990 – 1999)...57 Tabela 4 – Distribuição de matrículas no ensino médio por faixa etária e indicadores de matrícula e escolarização para a idade própria do ensino médio (1991 – 1999)...58 Tabela 5 – Distribuição de matrículas por série no ensino médio regular...59 Tabela 6 – população de 15 a 17 anos, distribuição das matrículas no ensino médio regular e indicadores de matrícula e escolarização (2000-2009)...60 Tabela 7 – Concluintes do ensino fundamental, do ensino médio e distribuição absoluta de matrículas por série ensino médio (2000-2009)...61

Tabela 8 – Distribuição relativa das matrículas por série no ensino médio (2000-2009)...61

Tabela 9 - Distribuição da população investigada segundo a cor da pele...64

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LISTA DE QUADROS

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SIGLAS

EJA – Educação de Jovens e Adultos; ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio;

IBGE – Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística;

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira; IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada.

SAEB - Sistema de Avaliação da Educação Básica; PISA - Programa Internacional de Avaliação de Alunos. PUC – Pontifícia Universidade Católica.

UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais.

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INTRODUÇÃO...14

CAPÍTULO I – CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO...18

1.1 O PROBLEMA...18

1.2 A JUSTIFICATIVA...20

1.3 OS OBJETIVOS DA PESQUISA...21

CAPÍTULO II – REVISÃO DA LITERATURA...22

2.1 ENSINO MÉDIO PARA TODOS: OPORTUNIDADES E DESAFIOS ...22

2.2 SUCESSO ESCOLAR NO ENSINO MÉDIO: UMA QUESTÃO SOCIOECONÔMICA ?...26

2.2.1 Escolas públicas e privadas: um abismo...32

2.3 ASPECTOS INTRAESCOLARES RELATIVOS AO SUCESSO ESCOLAR: BREVES CONSIDERAÇÕES...36

2.4 O SUCESSO DO ALUNO DO ENSINO MÉDIO: INTERAÇÕES ENTRE COR E SEXO...40

CAPÍTULO III – METODOLOGIA...46

3.1 OBJETO E MÉTODO DE PESQUISA...47

CAPÍTULO IV – ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS...50

4.1 ENSINO MÉDIO PARA TODOS: O QUE EVIDENCIAM AS ESTATÍSTICAS ? ...50

4.1.1 O desafio de democratizar o ensino médio...55

4.1.2 O ensino médio na década de 1990...55

4.1.3 O ensino médio nos anos 2000...59

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acompanhada...82

CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES...96

REFERÊNCIAS...104

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INTRODUÇÃO

A educação brasileira conheceu em tempos recentes inédito avanço quantitativo, como indicam estatísticas oficiais disponíveis. Já nos anos 1980, à custa da célere ampliação da capacidade instalada dos sistemas de ensino, o acesso à escola fundamental expandia-se em ritmo notadamente superior ao do crescimento da população elegível para o então ensino de primeiro grau. De fato, a falta de escolas, até então epicentro de nossos problemas educacionais, revelara-se mais branda nessa década, ao fim da qual havia estabelecimentos para o atendimento da população em idade própria para a escolarização obrigatória. Entretanto, à medida que a escola abria suas portas a alunos de classes populares, antigos problemas, oriundos da distribuição desigual de oportunidades escolares no território nacional, ganhavam mais notoriedade, porque atualizados.

Em movimento aparentemente paradoxal, o ‘robustecimento da escola’ (ALGEBAILE, 2009, p.329) chamou a atenção para a redução de seu sentido e função formativa, que passaram a constituir obstáculos à permanência na instituição escolar e à fruição dos benefícios potencialmente oferecidos pela escolarização, sobretudo para estudantes de baixo nível socioeconômico. Com essa realidade, e diante dos elevados índices de distorção idade-série e do desempenho estudantil sofrível, a regularização do fluxo escolar e a melhoria da qualidade do ensino ganhariam espaço na agenda governamental no limiar dos anos 1990 no Brasil e em países da América Latina e do Caribe que passaram por semelhante processo expansionista. (CASASSUS, 2002; OLIVEIRA; ARAUJO, 2005; OLIVEIRA, 2007).

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ausência de discriminação positiva para alunos de cursos noturnos e da incipiente participação da educação profissional nas matrículas denotou o que Kuenzer (2010) chamaria de década perdida para a escolarização média brasileira, a despeito da previsão da obrigatoriedade de sua oferta pelo Poder Público, na forma da Emenda Constitucional nº 59 /2009.

Em meio a essa turbulência estrutural, a qualidade do ensino oferecido à maioria de adolescentes e jovens aptos ao ensino médio não aparentou melhorias notórias, compatíveis com o ideal de escola de qualidade para todos (GOMES, 2005b). Pelo contrário, a série histórica do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) na década 1995-2005 evidencia que os resultados aferidos mantiveram-se piores entre estratos sociais historicamente vulneráveis, isto é, entre os estudantes de baixo nível socioeconômico, usualmente matriculados em escolas públicas e com trajetória escolar irregular, os pretos ou pardos e os rapazes (MARCHELLI, 2010). Esses dados, bem como estudos resenhados, sugerem que o nível socioeconômico dos estudantes, a dependência administrativa e localização da escola, o sexo e a cor da pele dos alunos explicam, em cada caso, parte mais ou menos significativa do desempenho escolar no ensino fundamental, tornando o ingresso no ensino médio possibilidade real ou sonho mais remoto. (BRANDÃO, 2000; BRITO, 2006; MAZZOTTI, 2006; BRANDÃO; CARVALHO, 2011).

A atual situação do ensino médio encerra, portanto, desafios complexos, mais notórios pela iminência da sua compulsoriedade. Em artigo motivado pela obrigatoriedade educacional ampliada, Oliveira (2010) faz coro com os que apontam a crise de identidade do ensino médio como um de seus principais problemas. Nessa linha, os discursos enfatizam que, situado entre o ensino fundamental universalizado e a educação superior, constitui necessidade e fim em si mesmo para a maioria dos que não podem ou não desejam prosseguir os estudos, uma vez que escassas e de qualidade duvidosa são as oportunidades de formação profissionalizante.

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Semelhante realidade, próxima à observada na Argentina e atenuada por recentes ensaios reformistas chilenos, parece oposta à vigente nos Estados Unidos e em países da Europa, notadamente Alemanha, França e Suíça, onde há opções distintas de formação na mesma escola (modelo clássico americano) ou em escolas diferentes (modelo europeu). (CUNHA, 2000; ZIBAS, 2002; CASTRO, 2008). Talvez por isso, enquanto em países do velho continente um terço dos alunos do ensino médio frequenta cursos técnicos, no Brasil, conforme a tabela nº 1, essa proporção sequer atinge 10%.

Nem mesmo a edição do Decreto nº 5.154/2004 (BRASIL, 2004), que possibilitou a integração entre ensino médio e educação profissional, parece ter alterado significativamente tal patamar, já que, conforme a Tabela nº 01, nessa alternativa apenas 2% dos alunos estavam matriculados em 2010. No plano prático, estudo recente da UNESCO (REGATTIERI; CASTRO, 2009) revela que, em experiências observadas em Santa Catarina e Tocantins, a implementação da forma integrada encontra sérias dificuldades, como a de recrutar professores capacitados para atuar nas disciplinas específicas da parte profissional, frequentemente preteridas.

Tabela 1 – Participação relativa de níveis e modalidades nas matrículas do ensino médio no Brasil (2005-2010).

Ano

Ensino Médio Noturno

(%)

Educação Profissional

(%)

Ensino Médio Integrado

(%)

Educação de Jovens e Adultos

(%)

2005 35,9 6,4 - 11,0

2006 33,5 6,5 - 11,8

2007 31,7 6,4 0,8 11,8

2008 30,3 7,4 1,2 15,0

2009 27,7 9,5 1,6 14,1

2010 27,2 8,7 2,0 13,1

Fonte: INEP/MEC/DEED.

Observação: desprezadas as matrículas no ensino médio regular diurno.

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democratização educacional apontado por estudos empíricos. Gonçalves, Passos e Passos (2005) descrevem a escola noturna que investigaram, situada no Rio de Janeiro, como um simulacro de ensino e aprendizagem, uma farsa educacional. No caso, alunos reclamaram da falta de atratividade da escola e de seus professores, que invocaram o cansaço provocado pelo terceiro turno de trabalho para justificar eventuais falhas. Juntos, esses atores formaram um cenário pouco propício à efetiva aprendizagem.

Sousa e Oliveira (2008), por sua vez, visitaram 80 unidades de ensino médio noturno de diferentes localidades e viram de perto o lado sombrio dessa escolarização. Professores observados depositavam baixas expectativas no desempenho estudantil e, sob pretexto de evitar novos casos de fracasso, afrouxavam regras e critérios de avaliação, sobretudo quando os alunos eram trabalhadores. O trecho seguinte dá mais clareza à argumentação:

Eventuais menções a trabalhadores-estudantes são feitas no sentido de apontar a necessidade de compreensão dos vínculos frágeis que estes usualmente estabelecem com o processo de escolarização. Essa interpretação tende a gerar, por parte da equipe escolar, propostas e práticas de ensino ‘menos exigentes’, embora estas se apresentem em nome do compromisso com a permanência desses alunos na escola. (SOUSA; OLIVEIRA, 2008, p. 55).

A PNAD de 2007 ( BRASIL, 2009b), por outro lado, ilustra que a EJA é modalidade educacional de segunda classe. Chama a atenção que a maioria dos que a frequentavam não percebiam rendimento superior a um quarto do salário mínimo. A vulnerabilidade socioeconômica de sua clientela é constatada, além disso, pela movimentação escolar desigual entre as Regiões do país, com os piores indicadores concentrados nas Regiões Norte e Nordeste. Se nos anos iniciais do ensino fundamental essas duas Regiões tinham, proporcionalmente, o maior número de alunos, no ensino médio a vantagem foi das Regiões Sul e Centro-Oeste. Assim, apesar da retomada dos estudos pelos mais pobres ser um avanço, seu fôlego para chegar ao ensino médio continua curto.

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pesquisadora (DI PIERRO, 2010) assevera que, no caso brasileiro, sem o enfrentamento de desafios nos campos do currículo, do financiamento e da capacitação dos professores, a situação da modalidade deve permanecer à margem do sucesso escolar.

Os estudos de caso realizados no Distrito Federal por Gomes et al. (2006) e Gomes e Carnielli (2003) espelham essa realidade. No primeiro, professores de EJA investigados, sob o pretexto de dar a seus alunos o que o tempo lhes negara, não exigiam frequência às aulas, tampouco fixavam prazos para conclusão do curso. No segundo, em relação a alunos do ensino médio regular noturno, estudantes de EJA apresentaram expectativas de futuro modestas, dando a entender que, num cardápio educacional variado, essa modalidade é uma espécie de facilitário alternativo ao abandono dos estudos.

Nesse contexto, a presente pesquisa visa a identificar obstáculos ao acesso e à democratização do ensino médio nos dados disponíveis do Censo Escolar, tendo em vista a norma constitucional que tornou a matrícula nesse nível compulsória e, simultaneamente, direito público subjetivo. Além disso, constituem os objetivos da investigação: a descrição da expansão das matrículas no ensino médio na década de 1990 e suas possíveis conexões com a contemporânea universalização do ensino fundamental e a verificação de variáveis censitárias que tendem a favorecer ou dificultar a transição para o ensino médio dos concluintes do ensino fundamental. Parte dos objetivos da pesquisa foi alcançada pela descrição e análise de séries históricas do Censo Escolar constantes de artigo publicado pelo autor (LIMA, 2011), em parte apresentado no curso da análise e discussão dos resultados desta dissertação.

CAPÍTULO I – CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO

1.1 O PROBLEMA

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poucos. O segundo ganhou expressão justamente com o avanço do primeiro e é de definição e avaliação mais complexa.

De qualquer forma, nos anos 1990, o advento de avaliações externas aplicadas em larga escala confiou ao pesquisador brasileiro meios de verificar a influência de determinadas variáveis no desempenho discente no ensino fundamental e médio. Com os questionários contextuais do SAEB, por exemplo, tornou-se possível conhecer informações detalhadas dos estudantes (sua idade, cor da pele, localidade de residência, tipo de escola frequentada, nível socioeconômico etc.), relacionando-as com seus resultados nos testes padronizados, em língua portuguesa ou matemática. Similares são as perspectivas proporcionadas por sistemas estaduais de avaliação externa e, no âmbito internacional, pelo Programa Nacional de Avaliação de Alunos (PISA), que permite comparações do desempenho de egressos da escolarização elementar de diversos países.

Com dados do ciclo de 2001 do SAEB, Soares (2005) constatou o que o senso comum e outras investigações já prenunciavam: o desempenho dos concluintes do ensino fundamental não se distribui de forma homogênea no Brasil, pois há nichos de excelência e de fracasso escolar, além de influências sobre os resultados de características do próprio aluno. Assim, nos termos do autor, “a proficiência escolar é um atributo que tem gênero, cor e é distribuído de forma desigual entre as regiões do país e as redes de ensino”, estando os melhores resultados médios correlacionados ao sexo feminino, à cor branca, às Regiões Sul e Sudeste e às escolas privadas. (SOARES, 2005, p. 97).

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Esta pesquisa utilizará dados longitudinais do Censo Educacional no período 2008-2009, além de outras estatísticas educacionais agregadas referentes ao interstício 1991-2010, para contemplar as seguintes indagações: i) há relação de associação entre o avanço das matrículas no ensino fundamental e médio na década de 1990? ii) Os dados censitários sugerem associação entre sexo e idade dos estudantes matriculados na última série do ensino fundamental em 2008 e seu desempenho escolar (aprovação, reprovação ou afastamento por abandono) naquele ano? iii) A Região em que estão situadas as escolas (Norte, Sul, Sudeste, Centro-Oeste ou Nordeste) e a dependência administrativa a que elas pertencem (pública ou privada) influenciaram esse desempenho? iv) Tais variáveis independentes associaram-se à promoção dos discentes acompanhados para o ensino médio em 2009?

1.2 A JUSTIFICATIVA

A Emenda Constitucional nº 59/2009 (BRASIL, 2009) estatuiu a universalização do ensino médio até 2016. Pela nova ordem, independentemente de sua condição econômica, sexo, idade e cor da pele, os egressos do ensino fundamental são titulares do direito público subjetivo de prosseguir os estudos. Antes limitada à proposta de progressiva universalização, a democratização da escola média agora figura no rol dos direitos cujo provimento constitui ação indelével do Poder Público (CARNEIRO, 2010).

No novo contexto, além de evidências de rendimento escolar medíocre, o panorama delineado por estatísticas educacionais não é favorável. Em 2010, segundo o Censo Educacional do INEP, um em cada quatro possíveis concluintes do ensino fundamental estava fora da idade adequada. A situação mostra-se mais grave quando observamos que na rede pública esse índice sobe para 31,4%, atingindo preocupantes 35,1% na rede municipal. Por sua vez, a evolução da taxa de reprovação no último ano do ensino fundamental no período 2000-2010 (de 6,9% para 10,4%) indica que, ao contrário do observado na década precedente, a conclusão desse nível apresenta situação modesta (LIMA, 2011).

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conforme PNAD de 2009 (BRASIL, 2009b), 84,1% desses jovens frequentavam a escola, apenas 50,4% cursavam o ensino médio, evidenciando que o final do ensino fundamental é um ponto de estrangulamento de oportunidades em nosso sistema de ensino.

Por esses motivos, além da análise de séries estatísticas educacionais divulgadas no período 1991-2009, constitui objetivo desta pesquisa identificar, no Censo Educacional realizado pelo INEP, variáveis que contribuíram ou que, inversamente, dificultaram o ingresso no ensino médio dos matriculados na última série do ensino fundamental em 2008. Para tanto, utilizará dados do sistema EDUCACENSO, do INEP, para acompanhar indicadores do fluxo escolar desses alunos, visando a identificar sua situação educacional em 2009, quando era esperado o ingresso no ensino médio. Trata-se, portanto, de um estudo de coorte, de natureza longitudinal. Não conhecemos, até o momento, investigações que utilizaram a mesma base de dados para a realização de estudos de movimentação escolar.

1.3 OS OBJETIVOS DA PESQUISA

1.3.1 OBJETIVO GERAL

Identificar obstáculos ao acesso e à democratização do ensino médio, por meio dos dados censitários educacionais disponíveis, tendo em vista o mandamento constitucional de torná-lo obrigatório e, ao mesmo tempo, direito público subjetivo.

1.3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

• Descrever a expansão das matrículas do ensino médio a partir de 1990 e suas conexões com a ampliação do acesso ao ensino fundamental por meio de séries históricas dos dados censitários educacionais;

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escolas) e o desempenho e o fluxo para o ensino médio de alunos matriculados na última série do ensino fundamental no ano de 2008;

• Examinar as perspectivas de universalização do ensino médio, no prazo constitucionalmente estabelecido, e os seus principais fatores de estrangulamento.

CAPÍTULO II - REVISÃO DA LITERATURA

2. 1. ENSINO MÉDIO PARA TODOS: OPORTUNIDADES E DESAFIOS

A promulgação da Emenda Constitucional nº 59/2009 intensificou o já acirrado debate acerca da caracterização, do currículo e das funções da educação média. Nesse debate, certos problemas têm ecoado com mais força: que evidenciam estatísticas sobre a pretendida democratização do ensino médio? Que oportunidades de formação são oferecidas aos estudantes? Sob que condições estruturais? Em que turnos?

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Ao lado da possibilidade de evasão, apontados por Lima (2011), o crescimento da reprovação na última série do ensino fundamental nos anos 2000 e a contemporânea queda do número de egressos podem tornar mais curtos os caminhos escolares percorridos por adolescentes e jovens. Entraves ao prosseguimento dos estudos, esses dados aparentemente revelam que a conclusão da escolarização obrigatória, a despeito de avanços quantitativos recentes, permanece tarefa difícil.

Para os agraciados que ultrapassam as barreiras do ensino fundamental, o ensino médio é depositário de expectativas pouco consensuais, pois dependentes de sua idade, nível socioeconômico e projetos de vida. Nessa direção, o estudo de Leão, Dayrell e Reis (2011), realizado com estudantes paraenses, evidenciou que os secundaristas com perspectivas de ingresso iminente na educação superior apresentam, de modo geral, melhores resultados, não trabalham e frequentam cursos diurnos. Para outros jovens, frequentemente com episódios de reprovação e que estudam à noite, o sonho de frequentar o curso de graduação pareceu mais distante, só possível quando certa condição de estabilidade fosse atingida por meio do mercado de trabalho. A resultados semelhantes chegaram Gonçalves, Passos e Passos (2005), para quem o aluno típico do ensino médio noturno – trabalhador e com trajetória escolar irregular – já chega à escola reprovado pelo cansaço provocado pela jornada laboral, tendo restritas oportunidades de continuidade dos estudos ou de consistente formação técnico-profissional.

Franco e Novaes (2001), por seu turno, observaram que mesmo a análise restrita a escolas com estrutura e localização privilegiadas identifica pretensões muito antagônicas entre estudantes de turnos distintos. Nessa pesquisa qualitativa, a maioria dos estudantes do diurno manifestou desejo de galgar níveis educacionais mais elevados, notadamente a educação superior. Mais abstratas e modestas, as representações de seus colegas da escola noturna, maioria dos que se declararam trabalhadores, denotaram gratidão pela oportunidade de estudar, de ser alguém na vida e de fazer amigos e conversar com as pessoas.

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curso técnico ou no mercado de trabalho. Diferenças similares foram observadas entre alunos de escolas privadas e públicas, os últimos usualmente demandatários de cursos profissionalizantes e de vagas imediatas de trabalho.

Realizada com estudantes brasilienses, a análise de Aguiar e Conceição (2009) alude a expectativas e preocupações que antecedem o ingresso no ensino médio, atingindo planos de concluintes do ensino fundamental. A investigação oferece indícios do turbilhão de incertezas que perpassam esse momento da vida escolar. Se, por um lado, os estudantes demonstraram satisfação com chances de ampliar o grupo de amigos e adquirir autonomia e responsabilidade, por outro conteúdos abstratos e excessivos, típicos do ensino médio, podem tornar entediante a possibilidade de mais anos de estudos.

Partindo-se dessas premissas, é esperada da escola média a oferta de oportunidades que contemplem necessidades educativas heterogêneas, porque distintos são os estudantes, suas pretensões e contextos socioeconômicos em que estão inseridos.Ou, como observaram Ferretti, Zibas e Tartuce (2004), o que se quer do ensino médio é a capacidade de “responder às angústias de adolescentes e jovens diante da efemeridade, dos desafios e das exigências das sociedades pós-modernas e, também, perante as novas configurações do trabalho” (FERRETTI; ZIBAS; TARTUCE, 2004, p. 413).

Essa não foi, todavia, a realidade constatada pela literatura teórico-empírica. Estudantes ouvidos por Oliveira (2010), por exemplo, reclamaram do currículo da escola noturna, descrito como idêntico ao da diurna (com muitas disciplinas) e distante da sua realidade de aluno-trabalhador. Somadas à falta de tempo para os estudos e à ausência de acesso a tecnologias indispensáveis ao conhecimento, essas mazelas tornam remotas suas oportunidades de sucesso. A pesquisa de Krawczyk (2003), realizada em três estados brasileiros, destaca componente de exclusão da pretensa reforma curricular do ensino médio instaurada no final dos anos 1990, que afetou sensivelmente o trabalho docente e a rotina intraescolar e, em grau muito menor, a realidade de cada aluno.

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nortearam, como a de ensino contextualizado e interdisciplinar e a de protagonismo juvenil, teriam sido mais discutidas no plano teórico, por isso que a maioria dos atores investigados sequer as conhecia ou praticava.

Tais constatações sugerem que, fechada em si mesma, a escola média de hoje, embora distante do luxo aristocrático que fora no passado, na expressão do clássico Almeida Jr. (ZIBAS, 2005b), não oportuniza modelos formativos instigantes, capazes de oferecer a todos subsídios para o acesso e permanência nos bancos escolares. Possível consequencia disso, o Censo Escolar de 2010 revela que o índice de afastamento por abandono no ensino médio foi de 10,3%. Tal índice, que na primeira série atingiu incríveis 12,5%, é muito superior ao observado no ensino fundamental, que, no mesmo ano, foi de 3,1%.

Portanto, se no ensino fundamental a reprovação é contundente, na escola média a evasão ganha notoriedade. A respeito disso, Gomes et al. (2011) sintetizam características da população jovem e de culturas juvenis contemporâneas que aparentemente concorrem para a fuga da escola. Mais autônomos e conectados entre si, muitos desses jovens podem fazer valer sua vontade, que nem sempre abarca a escolarização, não raro vista como enfadonha e abstrata. Ao cotejarem informações da PNAD de 2009, os mesmos autores apontam outro fator que pode prejudicar a frequencia à escola: 36% dos indivíduos na faixa etária dos 15 aos 17 anos trabalhavam ou procuravam emprego, embora menos da metade tenha obtido êxito, evidenciando que a falta de vagas de trabalho é mais um problema com que os jovens de hoje têm de conviver.

Na pesquisa de Neri et al. (2009), com suplementos das PNAD de 2004 e 2006, a busca de emprego ou renda, embora significativa, não foi o motivo principal da evasão da população elegível para o ensino médio. Pelo contrário, a falta de interesse em estudar foi o melhor preditor do afastamento da sala de aula, provavelmente em razão do pouco conhecimento a respeito de recompensas que mais anos de estudo podem oferecer. Quanto à necessidade de renda ou emprego, incentivos financeiros podem trazer a juventude de volta à escola, mas, quanto à ausência de motivação intrínseca para os estudos, o antídoto é mais complexo e difícil de encontrar.

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entretanto, certo consenso no sentido de que mazelas da escolarização fundamental constituem óbices à ampliação da obrigatoriedade educacional. Nessa direção, episódios anteriores de fracasso escolar desembocam no ensino médio, impondo à etapa final da educação básica a tortuosa tarefa de corrigir erros do passado para atender a distintos anseios dos estudantes. Voltadas para o presente e para o futuro, tais expectativas discentes exigem da escola média uma dinamicidade curricular que ela aparentemente não possui.

De modo geral, independentemente do tipo de escola frequentada e do turno em que são ministradas as aulas, autores resenhados apresentaram experiências concretas da falta de diálogo entre o currículo do ensino médio e peculiaridades inerentes à juventude contemporânea, seu público-alvo. Em um momento de construção de sua autonomia, esses jovens parecem não tolerar o excesso de disciplinas e conteúdos que caracterizam a escola média, porque estes pouco contribuem para sua experiência de escolarização, quer quando ela visa à preparação imediata para o trabalho, quer quando constitui “ponte” para o ingresso na educação superior.

A propósito dessa dualidade estrutural, ensinar para o trabalho ou para estudos posteriores é um dilema que ainda hoje permeia o ensino médio. Se, para alguns estudantes, a necessidade de inserção profissional é tão acentuada que culmina no abandono dos estudos, para outros ela pode ser postergada, representando o ensino médio preparação apenas inicial para a carreira de trabalho. Nesse caso, o nível socioeconômico dos alunos pode interferir decisivamente em seu ingresso e permanência no ensino médio, bem como nas expectativas atuais e vindouras que podem ser contempladas por meio desse nível de ensino.

2.2. SUCESSO ESCOLAR NO ENSINO MÉDIO: UMA QUESTÃO SOCIOECONÔMICA?

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quinhentos mil alunos norte-americanos de escolas primárias e secundárias, trouxe em seus resultados conclusão surpreendente: o nível socioeconômico dos estudantes é o fator que mais se associa a seu rendimento, em detrimento da estrutura das escolas, de sua rotina diária e da qualificação de seus educadores. Analogamente, a composição socioeconômica dos grupos de colegas apresentou grande impacto sobre os resultados escolares, altamente desfavoráveis quando escolas segregadas reuniam alunos desfavorecidos

O clima de pessimismo pedagógico daí instaurado motivou, em anos seguintes, a realização de novas pesquisas. Estas ora suavizavam as conclusões de Coleman e colaboradores, ora ratificavam suas contribuições, mas sempre reconhecendo o peso do caldo da cultura familiar, do capital econômico e da transmissão intergeracional de valores no desempenho estudantil, em países afluentes, latino-americanos e caribenhos. (CICCHELLI-PUGEAUT, 2003; BONAMINO et al., 2010).

Oswald e Krappmann (2004), por exemplo, analisaram a rotina intrafamiliar de crianças matriculadas em escolas primárias de Berlim. Os trabalhos de campo evidenciaram que o desempenho dos alunos em alemão e conhecimentos gerais foi influenciado não apenas pela posição socioeconômica de seus pais em sentido estrito, mas também pelo significado que a escolarização assume no lar, sendo favoráveis atitudes parentais como o diálogo com os filhos, conferindo-lhes relativa autonomia, acompanhado de recursos indutores do sucesso escolar, como livros à vontade. Esses resultados são coerentes com o discurso de Feyfant (2011), da Academia Francesa, para quem, em termos de sucesso escolar, o incentivo à autonomia e à iniciativa própria são estratégias favoráveis.

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Almeida e Nogueira (2003), em exame comparativo da rotina de estudantes secundaristas de internatos norte-americanos e ingleses, mencionam detalhes da escolarização dos setores médios intelectualizados, amplamente matriculados em escolas privadas. Segundo o texto, a manutenção de distinta cultura familiar e de posições sociais privilegiadas orienta aquelas atividades escolares, permeadas, de modo geral, por muita ordem, disciplina e foco em estudos de alto nível. Com outros matizes, valores culturais que perpassam gerações de armênios influenciam, nas constatações de Grun (2003), objetivos de jovens descendentes radicados em São Paulo. Chama a atenção que esses jovens preferem escolas com currículo menos acadêmico e mais profissional ou empresarial, pois, rodeados por muito dinheiro e carros de luxo desde a infância, a posse de lojas em grandes shoppings é o futuro que os espera.

Na América Latina e no Caribe, e especificamente no Brasil, embora a pesquisa sobre a escolarização das elites esteja consolidada, estudos das relações entre a pobreza e os resultados educacionais são mais numerosos e destacados. Já a pioneira análise comparativa de Casassus (2002) observara a injustiça e a desigualdade social que assolam os mais pobres indivíduos da região, que, quando não excluídos do sistema de ensino, correm riscos reais de ter acesso a escolas de pouca qualidade. Essa realidade, de que Cuba constitui a mais notória exceção, ilustra que, garantido o acesso aos bancos escolares no nível elementar, a permanência e o adequado aproveitamento dos estudos permanecem privilégios de grupos seletos.

Gentili (2009) destaca contradição inerente a essa recente universalização do ensino elementar nos países da região. Caracterizado como uma inclusão excludente, o movimento expansionista não foi acompanhado de equidade na distribuição dos resultados, cada vez mais distante à medida que os mais segregados ingressam na escola. Logo, a pobreza e a miséria em países latino - americanos e caribenhos têm feito corresponder desigualdades sociais a maus resultados educacionais, principalmente entre negros, índios e jovens com até 18 anos de idade no Brasil, Peru, Equador e Colômbia.

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de moradia e ao nível socioeconômico familiar, sendo mais modestos os índices de indivíduos pobres e moradores de áreas rurais. A cor da pele dos estudantes, conferida pelo pertencimento étnico-racial, foi mencionada como preditor do fracasso escolar de indígenas e afrodescendentes no Equador, México e Colômbia.

Duarte, Bos e Moreno (2009) chamam a atenção para a influência da posição socioeconômica no desempenho elementar em leitura, de acordo com resultados do Segundo Estudo Regional Comparativo, realizado na América Latina e Caribe em 2006. Nessa ampla investigação, a segregação econômica prejudicou os resultados escolares em todos os países e, em cada um deles, foi mais intensa entre as escolas do que dentro delas, evidenciando efeitos sobre a educação da mais desigual distribuição de renda do mundo. Por isso mesmo, na região 15% dos resultados foram associados à inserção econômica e cultural dos alunos. No Brasil, essa proporção atingiu 18%, pois aqui os alunos mais pobres foram duplamente penalizados: primeiro, pela condição econômica e cultural de suas famílias, materializada por moradias precárias, baixo nível de escolaridade parental e parcos recursos facilitadores da aprendizagem, como livros; segundo, pelas más condições de muitas escolas que, em vez de atenuar esses efeitos, contribuíram para ampliá-los.

Nessa perspectiva, Corbucci (2011), com dados das PNAD de 2005 a 2009, salienta que sequer a redução da população abaixo da linha de pobreza fez diminuírem os efeitos dos baixos rendimentos em indicadores educacionais no Brasil. É inegável, no período, o crescimento da taxa de analfabetismo da população com vencimentos intermediários, indicando que, ao avançarem na escala de renda, esses indivíduos “levaram” consigo mazelas educacionais. O mesmo autor, agora com resultados da Prova Brasil de 2009, aponta relações de associação entre insegurança alimentar, residência nas Regiões menos favorecidas economicamente e ausência de acesso à internet e os piores resultados aferidos.

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apenas 28% dos jovens de 15 a 17 anos frequentava o ensino médio, indicador que, entre os 20% mais ricos, atingiu 77%. Coerentemente, em análise da PNAD de 2003, Andrade e Dachs (2007) verificaram que, à medida que a faixa de renda aumenta, a variância do rendimento explicada pelo nível socioeconômico cresce, praticamente anulando os efeitos negativos da cor de estudantes pretos ou pardos.

Os questionários contextuais do SAEB têm oferecido apontamentos semelhantes aos pesquisadores. Brandão (2000), com informações do ano de 1997 de alunos de ensino fundamental e médio, constatou que: i) o percentual de alunos de escolas públicas diminui à medida que a escolaridade aumenta, sugerindo o estrangulamento de oportunidades educacionais em razão do nível socioeconômico; ii) a distorção idade-série atinge com mais intensidade alunos de escolas públicas e é maior na última série do ensino fundamental (em relação ao quarto ano), sugerindo dificuldades para ingresso no ensino médio; iii) a reprovação é mais frequente entre alunos provenientes de famílias com menores níveis de escolaridade residentes nas Regiões mais pobres do Brasil (Norte e Nordeste).

Utilizando dados do SAEB de 2001, o modelo multinível desenvolvido por Alves, Ortigão e Franco (2007) identificou correlação entre o nível socioeconômico de alunos do último ano do ensino fundamental e ocorrências prévias de reprovação. A condição de aluno e trabalhador, mais evidente entre meninos de escolas públicas das Regiões Norte e Nordeste, contribuiu para a repetência anterior de 60% desses estudantes. Por outro lado, além de matrículas em escolas privadas, famílias com poucos filhos cujos pais têm nível de escolaridade mais alto foram consideradas ambientes favoráveis à aprendizagem, reduzindo riscos de fracasso escolar. Tais resultados são similares aos obtidos por Gonçalves e França (2008), a partir de informações do SAEB de 2003 relativas ao desempenho no ensino médio: pertencimento à faixa etária adequada a esse nível, cor da pele branca, matrícula em escolas particulares e residência nas Regiões Sul e Sudeste favoreceram resultados escolares ditosos.

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e médio. Consequentemente, há indicações, conforme mostra o quadro n.11, que traz conclusões de mais duas investigações, da influência negativa da baixa escolaridade dos pais, do trabalho precoce e da distorção idade-série.

Quadro 01– Panorama de pesquisas sobre efeitos do nível socioeconômico no desempenho de estudantes da educação básica.

1 2 3 4 5 6 7 Preditores dos resultados

*Renda familiar

x x x x x x x *Nível de instrução dos

pais x x

*Condição de aluno

trabalhador x x x x

*Dependência

administrativa x x x x

*Distorção idade-série

x x x

*Região de moradia

x x x x x

1. Brandão (2000); 2. Soares (2005); 3. Soares e Andrade (2006); 4. Alves, Ortigão e Franco (2007); 5. Gonçalves e França (2008); 6. Andrade e Dachs (2007); 7. Brasil (2010).

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2.2.1. Escolas públicas e privadas: um abismo

A divulgação, em 2011, dos resultados do ENEM expôs o abismo que insiste em separar escolas públicas e privadas, em todos os segmentos educacionais. Pelas informações, que logo ganhariam destaque na grande mídia, entre as 20 melhores instituições, 19 eram particulares. Os resultados, que corroboram dados do SAEB e indicadores de rendimento do Censo Educacional do INEP, não falam por si e por isso a literatura tem apontado nuances desse hiato educacional.

Embora realizada em escolas francesas, pesquisa de Felouzis e Perroton (2007) traz contribuições à análise de nossa realidade. Para esses autores, informações a respeito da qualidade da educação são mais acessíveis às famílias de elevado nível sociocultural, que então procuram e são procuradas pelas melhores instituições, pois ambas as partes estão interessadas em privilégios potencializados pela escolarização. No Brasil, Brandão, Mandelert e Paula (2005) perscrutaram a trajetória escolar de adolescentes matriculados em escolas cariocas de prestígio e obtiveram constatações convergentes: em uma espécie de círculo virtuoso, as famílias dos estudantes estão dispostas a pagar caro por excelentes resultados educacionais, quase sempre alcançados pelo esforço das instituições, interessadas em manter em seus quadros alunos de alto nível socioeconômico.

Sob essa ótica, diferentes perfis culturais educativos, notórios nos motivos para escolha dos estabelecimentos de ensino, foram desvendados por Resende, Nogueira e Nogueira (2011), em pesquisa com 299 famílias mineiras. Ao passo que a maioria dos responsáveis por estudantes de escolas privadas justificou a matrícula pela qualidade do ensino oferecido, na escolha de escolas públicas predominaram motivos funcionais, como localização e infraestrutura da unidade escolar. Discrepâncias também foram aludidas no conhecimento que as famílias detinham acerca do sistema de ensino, com pais de escolas privadas mais atentos à existência de universidades federais e exames/ testes nacionais, por exemplo, o SAEB e o ENEM.

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desenvolvido, observou-se que a escolha da escola por motivo de qualidade do ensino aumentou em cerca de cinco vezes as chances de matrícula nas melhores instituições, ao tempo em que a escolha por razões de proximidade do lar reduziu essas possibilidades à metade. Muito interessante observar que a avaliação que estudantes das melhores escolas fizeram do estabelecimento foi mais criteriosa, sugerindo que, à medida que os alunos de classes trabalhadoras passavam a frequentar a zona sul do Rio de Janeiro, sua exigência, senso crítico e desempenho eram elevados, mesmo que matriculados em escolas públicas.

Por sua vez, Carvalho (2006) verificou em amostra de graduandos da PUCdo Rio de Janeiro a presença irrisória de alunos de escolas públicas (apenas 2%), sugerindo que ali desemboca a seletividade educacional. A face da desigualdade revelou-se ainda mais quando identificadas características das escolas mais frequentadas por aqueles estudantes na educação básica. Unidades onde o êxito acadêmico e a disciplina eram valorizados, tais estabelecimentos privados contavam com professores experientes e motivados e visavam à preparação de seus alunos para a educação superior, capacitando-os para enfrentar dificuldades do mundo globalizado. Esses atributos são contrários à imagem de desamparo que outros estudos empíricos associaram a professores e alunos de escolas públicas (LAPO; BUENO, 2003; EARP, 2009).

Os processos de produção dessas elites escolares brasileiras, quase sempre vivenciados em escolas particulares, foram descritos por Brandão e Carvalho (2011). As autoras indicam, como aspectos correlatos ao seu sucesso escolar, a formação e a experiência dos professores, o senso de pertencimento que atravessa os atores escolares e a luta concorrencial travada por escolas de ensino fundamental e médio em busca dos melhores alunos. Já a pesquisa de Nogueira (2004), com filhos de bem sucedidos empresários mineiros, constatou outras estratégias educacionais sensíveis à influência de famílias com elevadas posses: ainda que não fizesse sentido para jovens ricos, a escolarização formal e o sucesso acadêmico eram valorizados, pois traziam benefícios simbólicos, como respeitabilidade, prestígio, legitimidade cultural, círculos de amizades e alianças matrimoniais vindouras.

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escolares, restando-lhe não mais que a luta pela própria sobrevivência e o fracasso escolar, para o qual concorre a falta de apoio dos pais. Por outro lado, a trajetória em escolas particulares de classe média alta detectada por Brandão (2007) mostra que um ambiente familiar que favorece o gosto pelos estudos é um dos “segredos” da excelência acadêmica dos estratos sociais privilegiados.

Não por acaso, enquanto entre as famílias de adolescentes abastados acompanhados por Brandão (2007), estratégias preventivas da reprovação eram frequentes, nas escolas públicas visitadas por Jacomini (2010) esse mecanismo era considerado importante pela maioria dos pais, pois obrigava ou pressionava os alunos a estudar. Em outras palavras, enquanto no primeiro caso a autonomia escolar era incentivada, no segundo a coerção era o meio encontrado, mas nem sempre exitoso, de afastar más notas, sequer cogitadas por escolas privadas, alunos e pais de elevado nível socioeconômico.

Glória (2003) coloca em destaque caso semelhante, observado entre famílias mineiras pobres com filhos matriculados em escolas públicas. Entre os pais dos estudantes, observou-se um observou-sentimento de inconformidade em relação à progressão automática, para eles meio encontrado para “passar alunos sem saber”. A falta de conhecimento dos alunos e a pressão pelo trabalho conduziram a expectativas parentais limitadas à conclusão do ensino fundamental. Daí o ingresso no ensino médio mostrou-se distante, pois:

Num mundo ‘descapitalizado’, como o dessas famílias, o trabalho é de tal modo percebido como essencial e inquestionável que se tem a impressão de que ele se constitui quase que num elemento natural no ordenamento das coisas do mundo. Assim, embora o prosseguimento dos estudos seja uma perspectiva apenas da ordem do provável para esses alunos, o trabalho surge como uma categoria da certeza e, em alguns casos, imediata, inadiável (GLÓRIA, 2003, p. 74)

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de transporte escolar gratuito pelos alunos também obteve relação significativa de associação com a reprovação.

Na mesma pesquisa de Oliveira e Soares (2012), os dados de todo o período são contundentes. Verificou-se que discentes com episódio anterior de reprovação tiveram de 1,5 a 1,7 mais chances de novo fracasso escolar, evidenciando efeitos acumulados dos maus resultados, que podem levar ao abandono dos estudos, mais comum em estabelecimentos oficiais. Além disso, como em anos isolados, a matrícula na rede municipal ou estadual aumentou a probabilidade de reprovação, o mesmo sendo observado, mas com mais intensidade, para o uso de transporte oferecido pelo Estado.

Diante desse quadro, os elevados índices de distorção idade-série em escolas públicas podem impedir o ingresso e permanência no ensino médio. A distribuição dos jovens de 15 a 17 anos segundo sua inserção no mercado de trabalho em 2007, apresentada por Golgher (2010), traz contribuições à análise da questão. Observa-se que, à medida que a idade aumenta, o percentual dos que somente estudam diminui consideravelmente, o oposto acontecendo com os que estudam e trabalham ou que somente trabalham. Verificado em ambos os sexos, esse movimento é mais evidente entre os rapazes, pois a proporção de quem não trabalha nem estuda é maior entre as mulheres. Assim, na corrida com o trabalho ou emprego, as escolas perdem alunos, porque quanto mais se eleva a faixa etária mais alto é o custo de estudar sem trabalhar (custo de oportunidade), principalmente para jovens matriculados em escolas públicas (GOMES, 2005; GOMES et.al, 2011).

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2.3. ASPECTOS INTRAESCOLARES RELATIVOS AO SUCESSO ESCOLAR: BREVES CONSIDERAÇÕES

Em investigação que entrevistou mais de dez mil pais de alunos de escolas públicas de todo o Brasil, Pinto, Garcia e Letichevsky (2006) notaram clima de desconfiança que paira sobre estabelecimentos oficiais. Entre outros aspectos, os responsáveis pelos estudantes reconheceram que, sob pressão da concorrência, a qualidade da formação oferecida por escolas privadas é superior. No centro das críticas, professores foram descritos como faltosos e desmotivados em razão dos baixos salários, de longas jornadas de trabalho e da estrutura física e clima das escolas, onde ocorrem violência e desordem.

Como nesse caso, aspectos da rotina intraescolar têm sido apontados na literatura como relevantes para percepções sobre sucesso ou fracasso escolar. Significa dizer que, além de influências do nível socioeconômico dos estudantes e do tipo de escola, o interior da instituição é local privilegiado, onde práticas podem acentuar ou atenuar efeitos mais amplos sobre a aprendizagem. A esse respeito, conforme Gomes (2005b), destacam-se os efeitos de instalações, tempo letivo, qualidade do corpo docente, clima escolar, entre outros, sobre o desempenho discente, no Brasil e no mundo.

Blaya (2010) chama a atenção para a necessidade de um clima escolar harmonioso para a prevenção da evasão discente. Assim, ambientes educativos pautados por regras obscuras e por falta de atenção e capacidade inovadora dos professores podem ser convidativos à falta à escola, que na Irlanda e na França tem atingido níveis significativos. Já Griebler, Dür e Kremser (2009) põem em relevo a importância da estrutura da escola e da qualidade dos seus processos internos para o êxito escolar e até para a saúde de estudantes austríacos na faixa de 11 a 15 anos de idade.

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contínua à aprendizagem (evitando-se desperdício de tempo), a boa percepção dos estudantes a respeito dos seus professores e o acompanhamento, por estes, da vida escolar dos educandos.

Esses resultados são compatíveis com os citados por Torrecilla (2006), em estudo realizado na Espanha. Além disso, professores que passam deveres de casa de qualidade para os estudantes, que encorajam sua participação nas aulas e que mantêm com eles e com os demais membros da escola relações afetuosas foram considerados mais eficazes. É interessante notar que, no Canadá, professores entrevistados por Lessard, Kamanzi e Larochelle (2010) que vivenciaram relações gratificantes com seus alunos tenderam a atribuir desempenho mais positivo à sua atuação em sala de aula e à atividade docente.

Relações entre qualidade docente e desempenho discente foram encontradas, também, por Buddin e Zamarro (2009), que apontaram o peso do tempo de experiência de professores do ensino fundamental de Los Angeles na composição dos resultados de seus alunos. Também nos Estados Unidos, Croninger et. al (2009) não encontraram relação alguma entre status de certificação, graus avançados de titulação e cursos de leitura e matemática realizados por professores e o sucesso ou fracasso escolar de estudantes de ensino fundamental, evidenciando que a respeito da questão ainda há pouco consenso.

Paul e Barbosa (2008) verificaram efeitos favoráveis ao sucesso escolar do tempo de experiência e da baixa rotatividade docente na Argentina, Brasil, Chile e México. Mas esses resultados foram acompanhados de observação preocupante: nesses países, alunos pobres tinham 47% mais chances de ficarem sob a responsabilidade de professores novatos com alta rotatividade, se comparados aos estudantes com inserção socioeconômica mais elevada. Com informações do SAEB e do Censo Escolar, Biondi e Felício (2007) observaram relações positivas entre os mesmos atributos dos professores e o desempenho de alunos de ensino fundamental em matemática entre os anos de 1999 e 2003.

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Na Guatemala, e também no Chile, Fuentes et al. ( 2006) verificaram que em escolas cujas práticas atenuam efeitos perversos do nível socioeconômico diretores e professores atuavam de modo colaborativo, desenvolvendo atividades relevantes para os estudantes, entendidas como importantes para o seu próprio desenvolvimento profissional.

Ao contrário, conforme Izquierdo (2009), achados de 40 anos de pesquisa em escolas mexicanas apontam que atitudes indiferentes ao fracasso escolar contribuem para maus resultados discentes, naquele caso inevitáveis na visão de professores e diretores, pois determinados pelo baixo nível socioeconômico dos estudantes. No Brasil, Neubauer et al. ( 2011) observaram que docentes que assumiam responsabilidade pelos resultados dos alunos, não atribuindo más menções a questões de cor, gênero e condição econômica, eram componentes indispensáveis de escolas de ensino médio eficazes.

A duração das aulas, segundo estudo longitudinal (OLIVEIRA; SOARES, 2012), está relacionada ao êxito escolar. O acréscimo de 100 minutos às atividades diárias pode aumentar em até 64% as possibilidades de aprovação de estudantes do ensino fundamental. Perrenoud (2011), entretanto, assevera que o tempo de exposição às aulas é distinto do tempo de aprendizagem, o último necessariamente inferior ao primeiro. Antes da quantidade, a qualidade das interações em sala de aula é um bom preditor de resultados ditosos, devendo-se manter o foco na aprendizagem, sem desperdícios de tempo.

Rocha e Perosa (2008) empreenderam análise etnográfica para identificar nuanças de “climas” distintos em duas escolas de ensino fundamental, uma pública e outra privada, situadas em São Paulo. Na primeira, as condições materiais e humanas da oferta educativa eram precárias, com materiais pedagógicos insuficientes e práticas docentes que separavam fisicamente alunos “adiantados” e ‘’atrasados”. Na segunda, além da atenuação de hierarquias simbólicas, verificaram-se condições estruturais adequadas às necessidades de cada aluno, além de relações harmoniosas entre o diretor, os professores e as famílias dos estudantes. Como consequencia, notaram os autores na última instituição elementos favoráveis ao sucesso escolar, traduzidos por “ um ‘clima’ mais familiar e suave, menos tenso e menos institucionalizado”. (ROCHA; PEROSA,2008, p.440).

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revisão do estado da arte da pesquisa realizada na América Ibérica, Torrecilla (2008) observa que os preditores encontrados, dada a complexidade dos seus efeitos, assemelham-se a uma teia difícil de decompor. Entretanto, quando inerentes à escola, podem ser divididos em três grupos: i) fatores escolares (clima escolar e infraestrutura, por exemplo); ii) fatores da sala de aula (relação professor-aluno; recursos curriculares etc.); iii) fatores associados ao pessoal docente (qualificação, remuneração, estabilidade...).

Na América Latina e Caribe, o estudo coordenado por Casassus (2002) evidenciou que infraestrutura e recursos das escolas, formação inicial e continuada dos docentes e acompanhamento e avaliação periódicos dos trabalhos dos alunos influem positivamente nos resultados educacionais alcançados na região. Quanto ao Brasil, segundo Alves e Franco (2008), embora a trajetória de pesquisa sobre a matéria seja recente, alguns apontamentos já são possíveis. De modo geral, há consenso de que aqui a infraestrutura das escolas faz diferença no desempenho de adolescentes e jovens. Segundo esses autores, outros aspectos internos à escola que podem fazer a diferença, em cada caso, são: organização e gestão (sendo preferível a gestão que confere uma pitada de autonomia aos atores escolares, mas com aferição dos resultados dela resultantes); clima acadêmico (boa relação entre aprendizagem e clima de confiança mútua entre diretor- professor e professor-aluno) e ênfase pedagógica (o tempo em sala de aula deve, nessa concepção, ser usado estritamente para o ensino e a aprendizagem).

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Quadro 2 – Elementos relevantes do efeito- escola, segundo a literatura.

Práticas intraescolares Investigações referenciadas Instalações físicas da unidade

escolar

• Prédios e materiais pedagógicos adequados à consecução dos objetivos do processo de ensino e aprendizagem.

América Latina e Caribe – Cassassus (2002);

América Ibérica - Torrecilla (2008);

Brasil – Soares (2003); Alves e Franco (2008); Rocha e Perosa (2008).

Clima harmonioso: a escola como um lugar agradável para ensinar e aprender

• Nas boas escolas, impera clima harmonioso, que faz delas um local agradável para o ensino e a aprendizagem.

Países europeus- Meuret e Morlaix (2006);

América Ibérica - Torrecilla (2008);

Brasil - Alves e Franco (2008); Rocha e Perosa (2008); Neubauer et al. ( 2011).

Preservação e otimização do tempo escolar

• As melhores escolas evitam desperdícios de tempo, este voltado para o ensino e aprendizagem;

Países europeus- Meuret e Morlaix (2006);

América Ibérica – Torrecilla (2008);

Brasil- Alves e Franco (2008); Rocha e Perosa (2008); Neubauer et al. ( 2011)

Expectativas elevadas sobre o desempenho dos alunos

• A percepção de que os resultados são determinados por efeitos socioeconômicos ou aqueles relativos ao gênero ou cor da pele dos estudantes não é freqüente;

Argentina, Chile, México e Guatemala - Paul e Barbosa (2008); Fuentes et al. ( 2006); • América Ibérica – Torrecilla

(2008);

Brasil - Rocha e Perosa (2008); Neubauer et al. ( 2011).

Elevado senso de responsabilidade profissional dos docentes em relação ao sucesso dos estudantes

• Os docentes são presentes e atuantes, transmitindo sensação de competência e segurança.

Países europeus: Meuret e Morlaix (2006);

América Ibérica - Torrecilla (2008);

Brasil e outros países da América Latina – Casassus (2002); Alves e Franco (2008);

2.4. O SUCESSO DO ALUNO DO ENSINO MÉDIO: INTERAÇÕES ENTRE COR E SEXO

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prestarem ao esgotamento do assunto, os estudos empíricos contribuem para a discussão do problema, contrário ao ideal de escola de mesma qualidade para todos.

Quenzel e Hurrelmann (2010) problematizaram o declínio do rendimento escolar de jovens do sexo masculino na Alemanha. Dificuldades de lidar com os desafios educacionais, com o comportamento esperado pela escola, não explicaram integralmente o insucesso escolar dos meninos. Significa dizer que, embora os jovens apresentem mais dificuldades de adaptação às normas escolares que as jovens, os resultados inferiores daqueles relacionam-se a múltiplos fatores imbricados, destacadamente a capacidade de conviver com os pares e outros aspectos da juventude contemporânea. Logo, a influência do sexo no êxito discente revelou-se complexa e multifatorial.

Sob esse ângulo de análise, a francesa Marguerite (2008) alerta que o gênero - uma construção social das diferenças sexuais - é categoria que pode clarear diferenças. Para além de meras relações binárias entre os sexos, são feminilidades e masculinidades que, permeadas por efeitos contextuais mais amplos, influenciam bons e maus resultados de meninos e meninas. Além disso, conforme Lynch e Feeley (2009), também a escolha e a preferência por componentes curriculares parecem marcar áreas predominantemente masculinas ou femininas, sendo observada na União Européia vantagem dos homens em matemática e ciências e das mulheres em áreas que exigem atributos como zelo, calma e paciência.

Por sua vez, Cheryan e Plaut (2010) investigaram, em duas universidades dos Estados Unidos, a subrepresentação de mulheres no campo da Ciência da Computação e de homens em Língua Inglesa. O estudo identificou restrições significativas inerentes ao senso de pertencimento ao grupo universitário: moças se consideraram menos semelhantes aos colegas de Ciência da Computação e os rapazes se sentiram menos assemelhados a mulheres no ramo da Língua Inglesa. Não mero reflexo de distintas expectativas de sucesso escolar, nesse caso a presença mais ou menos significativa dos sexos em áreas antagônicas guarda relações com a rotina das aulas, com percepções que os estudantes têm de si em relação a seus pares.

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socioeconômico, usualmente baixo (GENTILI, 2009). Rosa (2009) traz ao debate a ‘racialização’ da pobreza no Brasil, que, com poucas alterações nos últimos anos, atinge mais os negros, sobretudo do sexo feminino. A miséria e a indigência que assolam essas minorias étnicas podem perpassar gerações, dificultando sua mobilidade social. A série histórica das PNAD no período 1996-2007 apresentada pelo autor revela privilégios ligados à “branquidade”, visíveis em diversos indicadores educacionais, que tornam os demais grupos subalternizados.

Quanto ao gênero, Júlio e Vaz (2009) acompanharam durante um ano letivo aulas de Física de uma escola pública federal e perceberam privilégios ligados à masculinidade. Predisposição ao desafio e à competição e hábil capacidade de expressão foram alguns dos atributos que colocaram os meninos em vantagem. Mais propensos à quebra de regras e ao desvio do foco da aula, os rapazes, segundo a pesquisa, apresentaram capacidade de raciocínio técnico-analítico superior à das moças, atributo indispensável para o êxito no prestigiado componente curricular. Reis e Gomes (2011) relatam características masculinas similares, que contribuíram para a sobrerepresentação de garotos num programa de atendimento de alunos com altas habilidades. No caso, os alunos se expuseram mais e foram considerados mais precoces e notados pelos professores que as meninas, cujo desempenho não ultrapassou o considerado “normal”.

Conduzido em escola de ensino fundamental de São Paulo, o estudo etnográfico realizado por Brito (2006) constatou formas diversas, masculinas e femininas, de construção de trajetórias escolares exitosas. A pesquisadora observou, entre outros aspectos, que a socialização calcada em rupturas de normas escolares não foi suficiente para explicar os resultados inferiores dos meninos, apesar de os com piores notas terem sido descritos como dispersos e bagunceiros. Mais que disciplina, a autonomia e a assertividade foram critérios separadores dos melhores alunos, independentemente do sexo.

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meninos negros no ensino fundamental, cujo risco médio de reprovação foi 2,5 vezes superior ao de seus colegas de cor branca. A vulnerabilidade educacional dos rapazes pretos e pardos, pelo estudo de Brandão (2000), prejudica seu acesso ao ensino médio, uma vez que o percentual de alunos que se autodenominam brancos cresce à medida que a escolaridade aumenta.

Também empecilho para o êxito acadêmico de meninas pretas e pardas, há indicações adicionais de que a desvantagem escolar associada ao pertencimento étnico ou racial afeta com mais intensidade os meninos negros. Mesmo controlando por modelos estatísticos multinível efeitos negativos do nível socioeconômico dos alunos, Alves, Ortigão e Franco (2007) e Artes e Carvalho (2010) encontraram correlações entre a cor da pele preta e o fracasso escolar iminente. No primeiro estudo, baseado no SAEB de 2001, os autores mencionaram risco superior de reprovação prévia entre meninos negros que cursavam a última série do ensino fundamental. No último, a análise dos microdadados da PNAD de 2006 desconstruiu um mito: o trabalho, por si, não explica os piores rendimentos de meninos. Logo, são relevantes as investigações detalhadas do ambiente escolar, pois é produzida na sala de aula parte das discrepâncias dos resultados escolares no ensino fundamental.

Atenta a esse detalhe, Carvalho (2009), em livro-síntese de pesquisas realizadas em escolas públicas de São Paulo, destaca interações entre raça e gênero na construção dos piores resultados entre aqueles garotos. Os trabalhos de campo realizados deixaram transparecer que aspectos fenótipos relacionados à cor negra são comumente associados, no cotidiano escolar, à pobreza e ao baixo desempenho. Na realidade observada, o corpo docente, amplamente composto por mulheres, parece valorizar comportamentos inerentes à feminilidade, em detrimento de atitudes tipicamente masculinas. A autora narra essa constatação, agora em coautoria, nos termos seguintes:

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fundamental observadas, os cadernos e materiais típicos de elogios são os das meninas, por serem enfeitados com cores. Já os dos meninos, sujos e desleixados, caracterizariam desorganização associada a masculinidades, comumente desvalorizadas, porque contrárias ao modelo de capricho estabelecido.

Nesse complexo cenário, nuances de comportamentos e atitudes percebidos pelas professoras como de caráter feminino (a exemplo de organização, paciência, capricho e uso de decalques) foram mencionados como indicadores de que o acompanhamento da vida escolar da prole seria atribuição mais própria à mãe. Daí, para Silva et al. (1999), institui-se um pacto de mulheres no engendramento do êxito acadêmico das meninas, em que a escola e seus processos internos materializariam espécie de guetos cor de rosa ( GOMES, 2005). Contra o desempenho dos garotos, outras investigações sugerem que, além da maior necessidade de ingresso precoce no mundo do trabalho, pesam matizes das relações das crianças e adolescentes entre si, suas formas de sociabilidade e culturas juvenis, que nem sempre valorizam o sucesso escolar, muitas vezes associado a pouca virilidade, efeminação e até ao homossexualismo, principalmente nos setores populares. (CARVALHO, 2004; LYNCH ;FEELEY, 2009).

Chama a atenção que a incapacidade da escola de lidar com padrões de sexualidade que escapam à “normalidade” foi objeto do ensaio de Bento (2011), que resume resultados de sua tese de doutorado. A autora desnuda preditor do insucesso de garotos pouco mencionado nos estudos de eficácia escolar: a homofobia no pátio das escolas e nas salas de aula. No caso, com o “heteroterrorismo” em pleno funcionamento, meninos investigados consideraram o homossexualismo algo próximo de uma doença, motivando a distância mantida de seus colegas efeminados. Não por acaso, meninos homossexuais invocaram a discriminação sofrida para justificar faltas freqüentes e, em casos extremos, o abandono dos estudos. Padrões de masculinidade compatíveis foram observados por Souza (2010) entre rapazes negros da periferia de São Paulo. Para os jovens, “ser homem” corresponde a uma visão heterossexual do mundo e das instituições, em que, sem menções ao êxito nos estudos, apenas a virilidade e o relacionamento sexual entre homens e mulheres são considerados normais.

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Tabela 1 – Participação relativa de níveis e modalidades nas matrículas do ensino médio no Brasil (2005-2010)
Tabela 3 – Concluintes do ensino fundamental, distribuição de matrículas por série no ensino médio e  concluintes do ensino médio (1990 – 1999)
Tabela 4 – Distribuição de matrículas no ensino médio por faixa etária e indicadores de matrícula e escolarização  para a idade própria do ensino médio (1991 – 1999)
Tabela 5 – Distribuição de matrículas por série no ensino médio regular
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Referências

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