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O SUCESSO DO ALUNO DO ENSINO MÉDIO: INTERAÇÕES ENTRE COR E

CAPÍTULO II – REVISÃO DA LITERATURA

2.4 O SUCESSO DO ALUNO DO ENSINO MÉDIO: INTERAÇÕES ENTRE COR E

A literatura nacional e internacional tem apontado discrepâncias entre resultados escolares de meninos e meninas, bem como de brancos e negros-pardos. Apesar de não se

prestarem ao esgotamento do assunto, os estudos empíricos contribuem para a discussão do problema, contrário ao ideal de escola de mesma qualidade para todos.

Quenzel e Hurrelmann (2010) problematizaram o declínio do rendimento escolar de jovens do sexo masculino na Alemanha. Dificuldades de lidar com os desafios educacionais, com o comportamento esperado pela escola, não explicaram integralmente o insucesso escolar dos meninos. Significa dizer que, embora os jovens apresentem mais dificuldades de adaptação às normas escolares que as jovens, os resultados inferiores daqueles relacionam-se a múltiplos fatores imbricados, destacadamente a capacidade de conviver com os pares e outros aspectos da juventude contemporânea. Logo, a influência do sexo no êxito discente revelou-se complexa e multifatorial.

Sob esse ângulo de análise, a francesa Marguerite (2008) alerta que o gênero - uma construção social das diferenças sexuais - é categoria que pode clarear diferenças. Para além de meras relações binárias entre os sexos, são feminilidades e masculinidades que, permeadas por efeitos contextuais mais amplos, influenciam bons e maus resultados de meninos e meninas. Além disso, conforme Lynch e Feeley (2009), também a escolha e a preferência por componentes curriculares parecem marcar áreas predominantemente masculinas ou femininas, sendo observada na União Européia vantagem dos homens em matemática e ciências e das mulheres em áreas que exigem atributos como zelo, calma e paciência.

Por sua vez, Cheryan e Plaut (2010) investigaram, em duas universidades dos Estados Unidos, a subrepresentação de mulheres no campo da Ciência da Computação e de homens em Língua Inglesa. O estudo identificou restrições significativas inerentes ao senso de pertencimento ao grupo universitário: moças se consideraram menos semelhantes aos colegas de Ciência da Computação e os rapazes se sentiram menos assemelhados a mulheres no ramo da Língua Inglesa. Não mero reflexo de distintas expectativas de sucesso escolar, nesse caso a presença mais ou menos significativa dos sexos em áreas antagônicas guarda relações com a rotina das aulas, com percepções que os estudantes têm de si em relação a seus pares.

Entre nós, há consenso de que meninos e indivíduos pobres são mais reprovados, abandonam mais os estudos e aprendem menos. Aqui, como na América Latina em geral, são verificadas correlações entre o insucesso escolar de pretos e pardos e seu nível

socioeconômico, usualmente baixo (GENTILI, 2009). Rosa (2009) traz ao debate a ‘racialização’ da pobreza no Brasil, que, com poucas alterações nos últimos anos, atinge mais os negros, sobretudo do sexo feminino. A miséria e a indigência que assolam essas minorias étnicas podem perpassar gerações, dificultando sua mobilidade social. A série histórica das PNAD no período 1996-2007 apresentada pelo autor revela privilégios ligados à “branquidade”, visíveis em diversos indicadores educacionais, que tornam os demais grupos subalternizados.

Quanto ao gênero, Júlio e Vaz (2009) acompanharam durante um ano letivo aulas de Física de uma escola pública federal e perceberam privilégios ligados à masculinidade. Predisposição ao desafio e à competição e hábil capacidade de expressão foram alguns dos atributos que colocaram os meninos em vantagem. Mais propensos à quebra de regras e ao desvio do foco da aula, os rapazes, segundo a pesquisa, apresentaram capacidade de raciocínio técnico-analítico superior à das moças, atributo indispensável para o êxito no prestigiado componente curricular. Reis e Gomes (2011) relatam características masculinas similares, que contribuíram para a sobrerepresentação de garotos num programa de atendimento de alunos com altas habilidades. No caso, os alunos se expuseram mais e foram considerados mais precoces e notados pelos professores que as meninas, cujo desempenho não ultrapassou o considerado “normal”.

Conduzido em escola de ensino fundamental de São Paulo, o estudo etnográfico realizado por Brito (2006) constatou formas diversas, masculinas e femininas, de construção de trajetórias escolares exitosas. A pesquisadora observou, entre outros aspectos, que a socialização calcada em rupturas de normas escolares não foi suficiente para explicar os resultados inferiores dos meninos, apesar de os com piores notas terem sido descritos como dispersos e bagunceiros. Mais que disciplina, a autonomia e a assertividade foram critérios separadores dos melhores alunos, independentemente do sexo.

Tais resultados são divergentes dos verificados por outras pesquisas nacionais sobre a questão, que têm feito corresponder sucesso e fracasso escolar no ensino fundamental “aos estereótipos da aluna quieta e passiva e do aluno perturbador” (BRITO 2006, p. 147). Uma delas, o estudo longitudinal conduzido em um município gaúcho por Silva et al. (1999) ratifica esses padrões e enfatiza que a cor da pele foi critério seletivo no desempenho de

meninos negros no ensino fundamental, cujo risco médio de reprovação foi 2,5 vezes superior ao de seus colegas de cor branca. A vulnerabilidade educacional dos rapazes pretos e pardos, pelo estudo de Brandão (2000), prejudica seu acesso ao ensino médio, uma vez que o percentual de alunos que se autodenominam brancos cresce à medida que a escolaridade aumenta.

Também empecilho para o êxito acadêmico de meninas pretas e pardas, há indicações adicionais de que a desvantagem escolar associada ao pertencimento étnico ou racial afeta com mais intensidade os meninos negros. Mesmo controlando por modelos estatísticos multinível efeitos negativos do nível socioeconômico dos alunos, Alves, Ortigão e Franco (2007) e Artes e Carvalho (2010) encontraram correlações entre a cor da pele preta e o fracasso escolar iminente. No primeiro estudo, baseado no SAEB de 2001, os autores mencionaram risco superior de reprovação prévia entre meninos negros que cursavam a última série do ensino fundamental. No último, a análise dos microdadados da PNAD de 2006 desconstruiu um mito: o trabalho, por si, não explica os piores rendimentos de meninos. Logo, são relevantes as investigações detalhadas do ambiente escolar, pois é produzida na sala de aula parte das discrepâncias dos resultados escolares no ensino fundamental.

Atenta a esse detalhe, Carvalho (2009), em livro-síntese de pesquisas realizadas em escolas públicas de São Paulo, destaca interações entre raça e gênero na construção dos piores resultados entre aqueles garotos. Os trabalhos de campo realizados deixaram transparecer que aspectos fenótipos relacionados à cor negra são comumente associados, no cotidiano escolar, à pobreza e ao baixo desempenho. Na realidade observada, o corpo docente, amplamente composto por mulheres, parece valorizar comportamentos inerentes à feminilidade, em detrimento de atitudes tipicamente masculinas. A autora narra essa constatação, agora em coautoria, nos termos seguintes:

Essa ideia se baseia em características que seriam inerentes a uma ‘natureza masculina’, caracterizada, por exemplo, pela necessidade de movimentar-se, de ser um indivíduo ativo, o que na escola seria visto como falta de compromisso ou bagunça, sendo mais aceitos comportamentos associados à ‘natureza feminina’, como introspecção, obediência e silêncio. (PEREIRA; CARVALHO, 2009, p.675) Em outro artigo, a mesma pesquisadora (CARVALHO, 2001) esmiúça novas feminilidades que, quando não extrapolam para erotização ou sedução precoce ou se resumem à submissão e ao silêncio, favorecem o desempenho das garotas. Para as professoras de ensino

fundamental observadas, os cadernos e materiais típicos de elogios são os das meninas, por serem enfeitados com cores. Já os dos meninos, sujos e desleixados, caracterizariam desorganização associada a masculinidades, comumente desvalorizadas, porque contrárias ao modelo de capricho estabelecido.

Nesse complexo cenário, nuances de comportamentos e atitudes percebidos pelas professoras como de caráter feminino (a exemplo de organização, paciência, capricho e uso de decalques) foram mencionados como indicadores de que o acompanhamento da vida escolar da prole seria atribuição mais própria à mãe. Daí, para Silva et al. (1999), institui-se um pacto de mulheres no engendramento do êxito acadêmico das meninas, em que a escola e seus processos internos materializariam espécie de guetos cor de rosa ( GOMES, 2005). Contra o desempenho dos garotos, outras investigações sugerem que, além da maior necessidade de ingresso precoce no mundo do trabalho, pesam matizes das relações das crianças e adolescentes entre si, suas formas de sociabilidade e culturas juvenis, que nem sempre valorizam o sucesso escolar, muitas vezes associado a pouca virilidade, efeminação e até ao homossexualismo, principalmente nos setores populares. (CARVALHO, 2004; LYNCH ;FEELEY, 2009).

Chama a atenção que a incapacidade da escola de lidar com padrões de sexualidade que escapam à “normalidade” foi objeto do ensaio de Bento (2011), que resume resultados de sua tese de doutorado. A autora desnuda preditor do insucesso de garotos pouco mencionado nos estudos de eficácia escolar: a homofobia no pátio das escolas e nas salas de aula. No caso, com o “heteroterrorismo” em pleno funcionamento, meninos investigados consideraram o homossexualismo algo próximo de uma doença, motivando a distância mantida de seus colegas efeminados. Não por acaso, meninos homossexuais invocaram a discriminação sofrida para justificar faltas freqüentes e, em casos extremos, o abandono dos estudos. Padrões de masculinidade compatíveis foram observados por Souza (2010) entre rapazes negros da periferia de São Paulo. Para os jovens, “ser homem” corresponde a uma visão heterossexual do mundo e das instituições, em que, sem menções ao êxito nos estudos, apenas a virilidade e o relacionamento sexual entre homens e mulheres são considerados normais.

Portanto, a literatura contemporânea, notadamente a produzida nas duas últimas décadas, destaca contribuições de diferentes variáveis para o sucesso escolar no ensino fundamental e médio. Embora não se prestem a generalizações, as obras resenhadas fornecem

indícios dos efeitos de características inerentes aos estudantes, bem como de questões contextuais mais amplas, sobre seu rendimento escolar, aferido de diferentes maneiras, a exemplo dos testes padronizados em larga escala amplamente empregados no Brasil desde os anos 1990.

Há consenso de que o nível socioeconômico dos alunos exerce influência sobre seus resultados acadêmicos, em regra prejudicando as menções escolares atribuídas aos mais socialmente desfavorecidos. Entretanto, foram mencionados exemplos de escolas cuja excelência de práticas internas, por exemplo, materializada por professores atenciosos e experientes, atenua efeitos das condições sociais desfavoráveis. Assim, embora a renda familiar e o significado que a escolarização assume no lar sejam significativos na explicação do sucesso escolar, por si esses preditores não esgotam a discussão sobre a questão, pois a escola e a sala de aula são espaços onde ações eficazes podem afastar determinismos, oferecendo a todos iguais oportunidades de sucesso.

Atreladas ao nível socioeconômico dos alunos, a dependência administrativa da escola e a Região do país onde ela está situada explicam, em cada caso, parte da variância do sucesso escolar. São inegáveis, no ensino médio, as vantagens propiciadas pela matrícula em escolas privadas, como ano a ano denunciam os resultados do ENEM, sendo as condições humanas e materiais a elas vinculadas em geral superiores às das escolas públicas. Estas, também em termos gerais, traduzem o que se convencionou chamar de educação pobre para os filhos dos pobres, muitas vezes submetidos a professores desmotivados pelos péssimos salários e condições de trabalho. Por outro lado, os melhores resultados escolares observáveis nas Regiões de maior desenvolvimento econômico, Sul e Sudeste, consubstanciam a desigualdade de distribuição de oportunidades educacionais no território nacional, que historicamente tem prejudicado estudantes das Regiões Norte e Nordeste.

Quanto a características dos estudantes, a cor de sua pele, idade e sexo podem interferir no sucesso ou fracasso escolar. A esse respeito, como possível consequência de influências do nível socioeconômico, negros e pardos aparecem em desvantagem nas estatísticas oficiais de rendimento escolar, reprovando e abandonando mais os estudos que seus colegas de cor branca. Assim, em relação a estes, aqueles estudantes são mais assolados pelos efeitos perversos da pobreza sobre a aprendizagem. Com efeito, quando chegam ao

ensino médio, possuem idade superior à recomenda, daí constituindo a elevada faixa etária potencial empecilho ao sucesso escolar, de modo geral.

Por sua vez, para além do simples binarismo dos sexos, a literatura apresenta interessantes resultados dos efeitos do gênero dos discentes sobre sua trajetória escolar. Comportamentos e atitudes associados às noções de ‘masculino’ e ‘feminino’ podem prejudicar ou favorecer o percurso acadêmico em toda a educação básica. No ensino fundamental, estudos mencionaram vantagens inerentes ao ‘comportamento feminino’, a exemplo de organização, paciência e relativa submissão. Todavia, outras investigações empíricas relativizaram esses resultados, tendo apontado a superrepresentação de meninos entre os alunos com melhores notas. Já no ensino médio, poucos são os estudos produzidos a respeito de tais influências. Todavia, a julgar pelo inventário realizado, também aqui a qualidade e a equidade da educação ofertada no ensino fundamental revela-se decisiva para que todos os jovens não só concluam esse nível de ensino, mas ingressem na etapa final da educação básica com reais possibilidades de sucesso.

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