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DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O COMBATE AO TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

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CENTRO UNIVERSITÁRIO FUNDAÇÃO INSTITUTO DE ENSINO PARA OSASCO – UNIFIEO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO

ELISAIDE TREVISAM

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O COMBATE AO TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO NO BRASIL

CONTEMPORÂNEO

Osasco/SP

2013

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ELISAIDE TREVISAM

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O COMBATE AO TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO NO BRASIL

CONTEMPORÂNEO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação Stricto Sensu de Mestrado em Direito do Centro Universitário FIEO – Osasco, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito.

Área de Concentração: Positivação e Concretização Jurídica dos Direitos Humanos.

Orientadora: Professora Doutora Anna Candida da Cunha Ferraz.

Osasco/SP

2013

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ELISAIDE TREVISAM

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O COMBATE AO TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO NO BRASIL

CONTEMPORÂNEO

Banca examinadora de dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu de Mestrado em Direito do Centro Universitário Fundação Instituto de Ensino para Osasco – UNIFIEO, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito.

________________________________________________

Orientadora

Prof.ª Dra. Anna Candida da Cunha Ferraz

________________________________________________

Prof. Dr. Paulo Salvador Frontini

________________________________________________

Prof. Dr. Antonio Rodrigues de Freitas Júnior

Osasco, 21 de Fevereiro de 2013.

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AGRADECIMENTOS

À minha orientadora Doutora Anna Candida da Cunha Ferraz, exemplo de dedicação, empenho e comprometimento e que me deu o privilégio de sua orientação.

Ao amigo Doutor Eduardo Carlos Bianca Bittar, por sua atenção, carinho e incentivo neste meu novo caminhar acadêmico.

A todo o corpo docente do Mestrado que conseguiu transmitir, com maestria, todos os conhecimentos necessários para essa trajetória acadêmica.

Às colaboradoras e amigas da Secretaria de Pós- Graduação do UNIFIEO, pela amizade, paciência e atenção dispensadas.

Aos meus filhos, que me ajudaram com todo amor, compreensão e amizade.

(5)

RESUMO

O presente estudo se propõe a analisar a situação do trabalho análogo à condição de escravo praticado atualmente no Brasil, um país proclamado como Estado Democrático de Direito e fundamentado na proteção da dignidade da pessoa humana à luz da Constituição Federal de 1988, que assegura ao homem os direitos fundamentais e preserva sua valorização perante a sociedade. Verifica-se, no entanto, que os dispositivos que garantem a dignidade humana, atrelados à dignidade do trabalho, padecem de ineficácia diante da realidade de um Estado onde a pobreza e a exploração humana ainda marcam a vida de milhares de cidadãos. Diante dessa realidade, objetiva-se evidenciar as ações concretas que visam à erradicação do trabalho escravo por meio da evolução de políticas públicas e do combate jurisdicional e institucional, para que se cumpram os acordos e convenções firmados entre o Brasil e a ordem internacional de proteção dos direitos humanos. Entende-se que existem tarefas incumpridas no plano da concretização da democracia social, sobretudo no que tange ao direito ao trabalho digno, assim, a pesquisa busca oferecer um convite à reflexão sobre o aprimoramento da qualidade dos princípios democráticos, efetivamente invocados para a eliminação da escravidão contemporânea na realidade brasileira.

Palavras-chave: Dignidade humana. Dignidade do trabalho. Trabalho escravo contemporâneo. Políticas de erradicação.

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ABSTRACT

The present study aims to analyze the labor situation analogous to slave condition currently practiced in Brazil, a country proclaimed as a Democratic State of Law and based on the protection of the human person dignity in the light of the 1988 Federal Constitution, which assures human fundamental rights and preserves its value toward society. It is verified, however, that the devices which guarantee human dignity, tied to the dignity of labor suffer from inefficiency by facing the reality of a State where poverty and human exploitation still characterize the lives of thousands of citizens. Facing this reality, the objective is to highlight the concrete actions aimed at the eradication of slave labor through the evolution of public policies and the judicial and institutional struggles to comply with the agreements and conventions signed between Brazil and the international order of protection of human rights. It is understood that there are unfulfilled tasks in the plan of achievement of social democracy, especially regarding the right to decent work, thus, the research seeks to offer an invitation to reflection on improving the quality of democratic principles, effectively invoked to elimination of the contemporary slavery in the Brazilian reality.

Key-words: Human Dignity. Labor dignity. Contemporary slave labor. Eradication policies.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1 A DIGNIDADE HUMANA E O TRABALHO ... 12

1.1 Os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito ... 12

1.2 A dignidade humana ... 17

1.3 A dignidade das condições de trabalho ... 21

2 O TRABALHO INDIGNO E ANÁLOGO AO DE ESCRAVO NA REALIDADE BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA ... 31

2.1 Pressupostos históricos do trabalho escravo no Brasil ... 31

2.2 Direitos fundamentais do homem e o trabalho em condições análogas à de escravo no Brasil contemporâneo ... 41

2.3 Definição de trabalho análogo ao de escravo contemporâneo ... 47

2.4 Mapeamento do trabalho em condição análoga à de escravo na realidade brasileira contemporânea ... 59

2.4.1 Caracterização do trabalho análogo ao de escravo contemporâneo...60

2.4.2 Perfil da vítima do trabalho em condição análoga à de escravo ... 64

2.4.3 Principais evidências brasileiras do trabalho em condições análogas à de escravo na atualidade ... 67

3 O TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO NA LEGISLAÇÃO VIGENTE E O COMBATE INSTITUCIONAL ... 73

3.1 A Organização Internacional do Trabalho (OIT) ... 79

3.2 Artigo 149 do Código Penal Brasileiro ... 82

3.3 Comissão Pastoral da Terra ... 86

(8)

3.4 Organização não governamental Repórter Brasil – Organização de

Comunicação e Projetos Sociais ... 87

3.5 Ações concretas e medidas visando à supressão do trabalho análogo ao de escravo na realidade contemporânea ... 87

3.5.1 Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) ... 88

3.5.2 Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE) ... 90

3.5.3 Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo ... 91

3.5.4 Cadastro de Empregadores Infratores – “Lista Suja” ... 91

3.5.5 Proposta de Emenda à Constituição n. 438/01 ... 92

3.5.6 Lei n. 12.781/20013 (Lei Ordinária) ... 95

3.5.7 Lei Estadual n. 14.946/2013 (São Paulo) ... 96

3.6 Atuação do Ministério Público do Trabalho no combate ao trabalho em condições análogas à de escravo ... 97

3.7 Atuação dos magistrados: Jurisprudência ... 98

4 ANÁLISE DE UM CASO CONCRETO: “A CHACINA DE UNAÍ” ... 103

CONCLUSÃO ... 107

REFERÊNCIAS ... 109

DOCUMENTOS LEGISLATIVOS ... 117

ANEXOS... 120

(9)

INTRODUÇÃO

Frente à incidência de constantes relatos de práticas escravagistas na sociedade internacional e brasileira contemporâneas, o tema se apresenta com extrema importância e sua discussão se faz totalmente relevante diante de tal problemática, para que, refletindo-se sobre o assunto, encontre-se a possibilidade de uma maior conscientização da sociedade na busca de soluções para essa realidade social.

Por ser o trabalho em condições análogas à de escravo, um crime tipificado no Diploma Legal Penal brasileiro vigente, além de um modo que fere substancialmente a pessoa em sua dignidade humana e que ainda se faz presente no século XXI, discorrer-se-á sobre o trabalho escravo no Brasil que, apesar de ter havido a abolição da escravatura há mais de cem anos, não se pode afirmar ainda que essa conquista do ser humano atingiu a realidade.

Diante do fato de que tal prática de exploração humana continua a ferir os fundamentos democráticos da atual sociedade brasileira, no primeiro capítulo será feita uma reflexão sobre a dignidade humana e a dignidade das condições de trabalho, com base nos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito.

Nesse capítulo serão analisados os direitos fundamentais e discutir-se-á a relevância das ações da comunidade internacional com sua influência na legislação pátria, dando-se principal enfoque à Constituição da República de 1988, que está abalizada na dignidade da pessoa humana e busca uma sociedade mais livre, justa e igualitária. Serão também considerados o princípio da dignidade da pessoa humana e a dignidade das condições de trabalho, a partir da fundamentação e proteção constitucional que caracteriza o Brasil como um Estado Democrático de Direito.

O segundo capítulo trará um breve histórico do trabalho escravo no Brasil, e abordar-se-á o trabalho escravo desde o período colonial até a atualidade, o que significou e o que ainda significa, mediante uma reflexão sobre as causas dessa problemática e da sua potencialização como decorrência do capitalismo, da miséria,

(10)

da educação precária, da falta de oportunidades e do descaso das políticas econômicas e sociais no país.

Visar-se-á definir trabalho análogo ao de escravo em seu conceito e regime jurídico, apontando suas formas mais comuns, que são praticadas nas relações de emprego por meio de condutas ilícitas dos empregadores, essas que ensejam verdadeiros atos contrários ao atual Estado Democrático de Direito.

Buscar-se-á, ainda no segundo capítulo, apontar a exploração do homem sob a forma de condições de trabalho análogas à de escravo dentro do panorama encontrado no Brasil contemporâneo, traçando-se o perfil desse trabalhador explorado, além de uma panorâmica de como se dá essa prática. Para tanto, será apresentado um mapeamento que destacará a certeza de que a condição análoga à de escravo se encontra presente na sociedade atual, diferenciando-se da antiga escravidão somente por ter mudado de face.

Enfatizar-se-á que não se trata mais de cor de pele ou raça, mas incide no aproveitamento da miséria e desespero daqueles que não vêm possibilidade de inserir-se no meio social para exercer sua cidadania e ter sua dignidade respeitada, mesmo com os instrumentos de erradicação, como a legislação internacional em consonância com a legislação infraconstitucional, que protege, substancialmente, a dignidade humana.

No terceiro capítulo tratar-se-á de focalizar o trabalho em condição análoga à de escravo no Brasil contemporâneo e sua repressão pela legislação pátria vigente, seu combate institucional, além das ações e medidas concretas que vêm sendo tomadas visando à supressão dessa prática. Será destacado que se está protagonizando um momento importante de crescimento do país, não podendo a sociedade deixar-se conduzir pelos ideais daqueles que exploram seu semelhante simplesmente pelo afã de poder e crescimento econômico.

Analisar-se-ão os instrumentos de repressão do trabalho em condição análoga à de escravo, abordando-se como vem sendo apresentada a proteção externa e interna, dentre as quais, a atuação do Ministério Público do Trabalho e do Poder Judiciário, privilegiando a interpretação dos magistrados ao analisar e decidir os conflitos apresentados ao Judiciário.

(11)

A presente pesquisa mostrará, ainda, a importância da participação de toda a sociedade, dos estudiosos do direito e dos legisladores que podem, com entusiasmo e comprometimento, fazer diferença no combate ao trabalho escravo e contribuir para prevalecer na sociedade brasileira o fundamento basilar da democracia e o princípio primordial inerente ao homem, qual seja, a dignidade da pessoa humana.

Por fim, o quarto capítulo trará um estudo de caso intitulado “Chacina de Unaí”, que mostrará como o país está se posicionando frente a essa realidade atual, que tanto abala a sociedade democrática.

Para o presente estudo, feito através da pesquisa dedutiva e bibliográfica, foram consultadas obras nacionais e estrangeiras, artigos, teses e dissertações, além de documentos disponibilizados eletronicamente em sites jurídicos, para que se cumprisse o objetivo da reflexão desejada.

(12)

1 A DIGNIDADE HUMANA E O TRABALHO

Ao Estado, em seu papel de garantidor dos direitos sociais proclamados constitucionalmente, cabe promover políticas públicas para que os direitos sociais referentes ao trabalho venham a ser efetivados. Tais direitos já estão proclamados e protegidos constitucionalmente, porém falta a concretização de tais direitos para que a minoria que se encontra em condições de exclusão econômica e social presente na sociedade vivencie sua real cidadania.

A igualdade configura uma meta a ser alcançada por meio de leis e pela correta implementação de políticas públicas, caso contrário as classes, os grupos ou os gêneros inferiorizados que possuem menos força ou capacidade de autodefesa na sociedade serão potencialmente afetados. É dever do Estado, na condição de um Estado Democrático de Direito, estar atento aos princípios basilares para assegurar uma política de integração social efetiva que faça com que a dignidade humana seja realmente respeitada.

1.1 Os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito

Baseado na preservação da liberdade, na igualdade de direitos, na supremacia da vontade do povo, na garantia do bem-estar social e na dignidade da pessoa humana, o Estado Democrático de Direito surgiu a partir de grandes movimentos históricos na sociedade.

A distinção1 entre o Estado e a sociedade civil é um resultado da luta política moderna, e a tensão que dessa luta se aflora deixa de ser entre o Estado e a sociedade civil, passando a se destacar como um problema de interesse de grupos sociais, e, assim, o âmbito efetivo dos direitos humanos torna-se inerentemente problemático sob o ponto de vista da construção de uma sociedade emancipada.

1 SOUZA SANTOS, Boaventura de. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 431.

(13)

A intensa desigualdade2 socioeconômica, que advém da exploração externa e interna das elites capitalistas, vem especificar seu lado mais cruel. O Brasil é um país violento, cujos conflitos gerados pelas diferenças fazem parte da realidade.

Será somente por meio da diminuição das desigualdades socioeconômicas, da educação para a cidadania e da ampliação da democracia, que se ampliará a ideia de que a convivência democrática em sociedades pluralistas, políticas e cultural, é um dos grandes desafios atuais.

Para Marilena Chauí3,

Uma das práticas mais importantes da política democrática consiste justamente em propiciar ações capazes de unificar a dispersão e a particularidade das carências em interesses comuns e, graças a essa generalidade, fazê-las alcançar a esfera universal dos direitos. Em outras palavras, privilégios e carências determinam a desigualdade econômica, social e política, contrariando o princípio democrático da igualdade, de sorte que a passagem das carências dispersas em interesse comuns e destes aos direitos é a luta pela igualdade.

Avaliamos o alcance da cidadania popular quando tem força para desfazer privilégios, seja porque os faz passar a interesses comuns, seja porque os faz perder a legitimidade diante dos direitos e também quando tem força para fazer carências passarem à condição de interesses comuns e, destes, a direitos universais.

Aqueles que estão comprometidos com os direitos humanos4 lutam pela abrangência da dignidade e do respeito de todos por todos, ou seja, a compreensão das diferenças por meio do princípio da igualdade, igualdade essa de direitos, de respeito recíproco, de cidadania, de ideais democráticos, de princípios humanitários, de compreensão e aceitação do outro, mesmo que ele seja diferente nas suas singularidades.

Por ser a dignidade humana uma condição intrínseca ao homem, precede ao reconhecimento de direitos e garantias positivados pelo direito, ensejando, desse modo, uma averiguação de aspectos que visam à efetividade dos direitos fundamentais proclamados pela Constituição Federal de 1988.

2 CARDOSO, Clodoaldo Meneguello. Tolerância e seus limites: um olhar latino-americano sobre diversidade e desigualdade. São Paulo: Editora UNESP, 2003, p. 104.

3 CHAUÍ, Marilena. Ensaio: ética e violência. Fundação Perseu Abramo.Teoria e Debate, n. 39, 1998.

Disponível em: <http://www.fpabramo.org.br/o-que-fazemos/editora/teoria-e-debate/edicoes- anteriores/ensaio-etica-e-violencia>. Acesso: 30 mar. 2012.

4 SILVA, Sergio Gomes da. Direitos humanos: entre o princípio de igualdade e a tolerância. In:

Revista Praia Vermelha. v. 19. n. 1. Jan-Jun 2010. Rio de Janeiro. p. 79-94. Disponível em:

<www.ess.ufrj.br/ejornal/index.php/praiavermalha/article/download/.../65>. Acesso: 05 jul. 2012.

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A Constituição Federal de 1988 está pautada na garantia que consiste na eficácia e na aplicabilidade imediata das normas constitucionais, e, segundo José Afonso da Silva5, a estrutura de modos democráticos constitui o fundamento do Estado Democrático de Direito, restando esperar que a normatividade constitucional se realize na prática.

Os princípios fundamentais de direito6 expressam as principais atividades políticas no âmbito do Estado que devem encontrar-se vinculadas ao princípio da dignidade da pessoa humana e isso impõe um dever de respeito e proteção ao cidadão determinando sua estrutura essencial de democracia.

Como observa Ingo Wolfgang Sarlet7,

A imbricação dos direitos fundamentais com a ideia específica de democracia é um aspecto que impende ser destacado. Com efeito, verifica-se que os direitos fundamentais podem ser considerados simultaneamente pressuposto, garantia e instrumento do princípio democrático da autodeterminação do povo por intermédio de cada indivíduo, mediante o reconhecimento do direito de igualdade (perante a lei e de oportunidades), de um espaço de liberdade real, bem como por meio da outorga do direito à participação (com liberdade e igualdade), na conformação da comunidade e do processo político, de tal sorte que a positivação e a garantia do efetivo exercício de direitos políticos podem ser considerados o fundamento funcional da ordem democrática e, neste sentido, parâmetro de sua legitimidade.

Faz-se necessário, portanto, como pressuposto essencial, a garantia da isonomia de todo ser humano e que este não venha a ser submetido a tratamento discriminatório e arbitrário.

A Constituição Federal de 1988 firmou compromissos inalteráveis8 no que diz respeito ao princípio democrático e, consequentemente, à garantia dos direitos humanos que estão amplamente destacados no artigo 5º, cristalizando, desse modo, a ideia de que a dignidade e a cidadania são objetivos a serem alcançados por meio de vias econômicas, jurídicas e sociais.

5 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 128.

6 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição federal de 1988. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 123.

7 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 61.

8 MANIGLIA, Elisabete. Criminalidade e violência no âmbito rural: críticas e reflexões. Disponível em: <http://www.saoluis.br/revistajuridica/arquivos/012.pdf>. Acesso: 10 jan. de 2012.

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O texto da Magna Carta, ao simbolizar a ruptura com o regime autoritário, no que condiz aos direitos e garantias fundamentais, coloca-se como o documento mais avançado e abrangente sobre a matéria na história constitucional do país, onde a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais é declaradamente consagrada no

§1º do art. 5º, não havendo necessidade de interferência da lei ordinária.

O princípio da dignidade humana9 preordena a compreensão e a interpretação dos direitos sediados no núcleo central da Constituição, significando que, para o direito constitucional, o reconhecimento de que a pessoa humana tem dignidade própria constitui um valor em si mesmo e não pode ser sacrificado em prol de qualquer interesse coletivo.

Isso quer dizer que é a partir da entrada na cultura nacional10 da dignidade da pessoa humana que esta passa a ser critério determinante na avaliação da legitimidade da política, da justiça e do direito nas decisões relevantes para o cidadão em sua condição de ser humano.

Conforme salienta Ingo Wolfgang Sarlet11,

Importa referir a função decisiva exercida pelos direitos fundamentais num regime democrático como garantia das minorias, contra eventuais desvios de poder praticados pela maioria no poder, salientando-se, portanto, ao lado da liberdade de participação, a efetiva garantia da liberdade-autonomia.

Não se pode admitir um direito que não priorize a importância da realização dos valores da vida humana e que traga como consequência a falta de sentido do Direito12. Cada vez mais cresce a importância do respeito aos direitos fundamentais universalmente considerados, e, na prática, cresce o número de exemplos em que se questiona se eles estão sendo concretizados com o escopo de ser o Direito e o progresso da justiça demonstração da base de um país democrático.

9 FERRAZ, Anna C. da Cunha. Aspectos da positivação dos direitos fundamentais na Constituição de 1988. In: BITTAR, Eduardo C. B.; FERRAZ, Anna C. da Cunha. (Orgs.). Direitos humanos fundamentais: positivação e concretização. Osasco: Edifieo, 2006, p. 131.

10 BITTAR, Eduardo C. B. Hermenêutica e Constituição: a dignidade da pessoa humana como legado

à pós-modernidade. In: BITTAR, Eduardo C. B.; FERRAZ, Anna C. da Cunha. (Orgs.). Direitos humanos fundamentais: positivação e concretização. Osasco: Edifieo, 2006, p. 43-44.

11 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 61.

12 SILVA, José Gomes da. Humanização da aplicação do direito para dar-lhe o seu verdadeiro sentido. In: BARUFFI, Helder (org.). Direitos fundamentais sociais: estudos em homenagem aos 60 anos da declaração universal dos direitos humanos e aos 20 anos da Constituição Federal.

Dourados: UFGD, 2009, p. 150.

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Assim, há a necessidade da busca de um fundamento mais profundo do que o simples reconhecimento estatal para a vigência dos direitos fundamentais13, pois, para se viver um Estado Democrático de Direito, é imprescindível o respeito aos direitos fundamentais como o primeiro princípio de toda e qualquer sociedade, e se a realidade da efetivação da dignidade da pessoa humana é um conteúdo evidente que não pode ser revogado, o respeito às diversas classes sociais, a autonomia pessoal e a dignidade de cada cidadão são fatores que devem ser lembrados.

Segundo Fábio Konder Comparato14, se todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados,

A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente, de modo justo e equitativo, com o mesmo fundamento e a mesma ênfase. Levando em conta a importância das particularidades nacionais e regionais, bem como os diferentes elementos de base históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados, independentemente de seus sistemas políticos, econômicos e culturais, promover e proteger todos os direitos humanos e as liberdades fundamentais.

Num país cuja Constituição da República é fundamentada na dignidade da pessoa humana, a promoção dos valores da dignidade no trabalho e da liberdade deve ser direcionada à efetivação da democracia como forma de justiça. Assim, sob a base de um Estado Democrático de Direito, o país deve colocar a democracia protegida pelo escudo dos valores que dirigem o agir concreto dos homens. Isso implica a efetividade de uma democracia que preserve a dignidade humana com absoluta igualdade de consideração dos elementos mínimos asseguradores dela.

Como enfatiza Carmem Lucia Antunes Rocha, “para se ter uma sociedade democrática há de se ter, necessariamente, o pleno acatamento ao princípio da dignidade da pessoa humana”15. Desse modo, não se pode olvidar que, por se tratar o Brasil de um Estado Democrático de Direito cuja base fundamental é a dignidade da pessoa humana, o ser humano é o centro de todo o ordenamento jurídico e a dignidade é o bem mínimo que deve ser assegurado a todo cidadão que nele vive.

13 COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo:Saraiva, 1999, p. 71.

14 COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 80.

15 ROCHA, Carmem Lucia A. O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social. In:

Revista Interesse Público, v. 1, n. 4, out/dez, 1999, p. 23-48.

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Conclui-se, portanto, que, por serem os direitos fundamentais considerados como paradigma de respeito aos direitos intrínsecos a todo o ser humano e que funcionam como arquétipo de referência ética norteador do cerne da proteção de ordem jurídica, tratam-se de direitos consagrados constitucionalmente que a sociedade política tem o dever de garantir e concretizar.

1.2 A dignidade humana

É no valor da dignidade da pessoa humana16 que a ordem jurídica encontra seu próprio sentido, sendo seu ponto de partida e seu ponto de chegada, na tarefa de interpretação normativa contemporânea. Assim, a dignidade da pessoa humana se consagra como verdadeiro superprincípio constitucional, a norma maior que deve orientar o Direito Internacional e o Interno.

Segundo Luiz Roberto Barroso, a dignidade da pessoa humana17 expressa um conjunto de valores civilizatórios incorporados ao patrimônio da humanidade, e, acrescenta o autor:

O conteúdo jurídico do princípio vem associado aos direitos fundamentais, envolvendo aspectos dos direitos individuais, políticos e sociais. Seu núcleo material elementar é composto do mínimo existencial, locução que identifica o conjunto de bens e utilidades básicas para a subsistência física e indispensável ao desfrute da própria liberdade. Aquém daquele patamar, ainda quando haja sobrevivência, não há dignidade.

É correto afirmar que a dignidade da pessoa humana tem sua consagração no momento em que a pessoa humana é considerada como base e eixo principal do universo do direito e da justiça, justificando o princípio basilar de um Estado Democrático de Direito. Acrescenta-se que, por estar o princípio da dignidade da pessoa humana explicitamente positivado na Carta Magna de 1988 em seu artigo 1º,

16 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 30-31.

17 BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 7. ed. São Paulo: Saraiva.

2009, p. 337.

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inciso III e no decorrer do texto constitucional, tal princípio18 se expressa na afirmação dos direitos humanos em geral, alicerçando uma série de limitações restritivas à atuação dos poderes e da sociedade, inspirando um grande número de direitos especificados no centro dos direitos fundamentais e de outros direitos.

Segundo Ingo Wolfgang Sarlet19,

A qualificação da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental traduz a certeza de que o art. 1º, inciso III, de nossa Lei Fundamental não contém apenas uma declaração de conteúdo ético e moral (que ela, em última análise, não deixa de ter), mas que constitui uma norma jurídico-positiva com status constitucional e, como tal, dotada de eficácia, transformando-se de tal sorte, para além da dimensão ética já apontada, em valor jurídico fundamental da comunidade. Importa considerar, neste contexto, que, na condição de princípio fundamental, a dignidade da pessoa humana constitui valor-guia não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda a ordem constitucional, razão pela qual se justifica plenamente sua caracterização como princípio constitucional de maior hierarquia axiológico-valorativa.

Para Eduardo Ramalho Rabenhorst20, a dignidade trata-se de uma categoria moral que se relaciona com a própria apresentação que se faz da condição humana, ou seja, a dignidade é o valor particular atribuído aos seres humanos em função da posição que ocupa na escala dos seres, portanto a dignidade é considerada como um direito, como um princípio.

Desse modo, a dignidade, sob a ótica de ser um princípio, é passível de ser relativizada na aplicação concreta de abalroamento com outros princípios, não descaracterizando o seu fundamento, vez que é insubstituível, inalienável e intrínseca ao homem, enquanto sua condição de humano.

Ingo Wolfgang Sarlet21 explica que:

No mínimo – e neste sentido já não se poderá falar de um princípio absoluto – impende reconhecer que mesmo prevalecendo em face de todos os demais princípios (e regras) do ordenamento, não há

18 FERRAZ, Anna C. da Cunha. Aspectos da positivação dos direitos fundamentais na Constituição de 1988. In: BITTAR, Eduardo C. B.; FERRAZ, Anna C. da Cunha. (Orgs.). Direitos humanos fundamentais: positivação e concretização. Osasco: Edifieo, 2006, p.132.

19 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição federal de 1988. 9. ed. Porto alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 84.

20 RABENHORST, Eduardo R. Dignidade humana e moralidade democrática. Brasília: Brasília Jurídica, 2001, p. 15.

21 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição federal de 1988. 9. ed. Porto alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 89.

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como afastar (...) a necessária relativização (ou, se preferirmos, convivência harmônica) do princípio da dignidade da pessoa em homenagem à igual dignidade de todos os seres humanos.

Luciane Cardoso22 declara que a dignidade da pessoa humana se expressa

“na noção de que o ser humano é sempre um valor em si e por si, e exige ser considerado e tratado como tal”, portanto, não deve jamais ser considerado ou, ainda, tratado como um objeto usável, um instrumento, uma coisa, uma vez que,

"tudo o que existe sobre a terra deve ser ordenado em função do homem, como seu centro e seu termo”.

Acrescenta a autora23 ainda que a dignidade humana está intrinsecamente vinculada ao respeito à liberdade e à igualdade dos seres humanos, explicando que:

Quanto ao valor da liberdade, a dignidade humana manifesta-se em um mínimo inviolável de direitos que pertencem à pessoa e dos quais esta não pode se privar, no exercício de sua autodeterminação e expressão de sua personalidade. No que diz respeito à igualdade, a noção de dignidade humana se constrói a partir do declínio da sociedade hierárquica, com as revoluções liberais, em substituição à noção de honra. Com o surgimento de uma sociedade formalmente igualitária, desenvolveu-se o conceito de dignidade, num contexto universalista, em que se reconhece igualdade a todos os cidadãos, nos direitos. Reconhecer-se digno é reconhecer-se da mesma categoria de outro ser, igualmente humano. A igualdade consiste no igual direito às próprias diferenças que fazem, ao mesmo tempo, um ser humano semelhante e diferente dos demais.

Para Fábio Konder Comparato24, não consiste a dignidade da pessoa humana apenas no fato de a pessoa ser diferente das coisas, um ser considerado em si mesmo, como um fim e nunca como um meio. A dignidade é resultado do fato de que somente a pessoa, por sua vontade racional, vive em condições de autonomia, sendo capaz de se guiar pelas leis que ela própria edita, portanto a conclusão é que todo ser humano tem dignidade e não um preço, pois é insubstituível e não pode ser trocado por coisa alguma.

22 CARDOSO, Luciane. Direitos humanos e trabalhadores: atividade normativa da Organização Internacional do Trabalho e os limites do Direito Internacional do Trabalho. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 18-19.

23 CARDOSO, Luciane. Direitos humanos e trabalhadores: atividade normativa da Organização Internacional do Trabalho e os limites do Direito Internacional do Trabalho. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 18-19.

24 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4. ed. São Paulo:

Saraiva, 1999, p. 34.

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Alexandre de Moraes25 conceitua a dignidade da pessoa humana como “um valor espiritual e moral inerente à pessoa, e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas”, constituindo-se num:

Mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

Confirmando essa conceituação, Fernando G. Jayme26 interpreta a dignidade da pessoa humana como “um valor espiritual e moral, que é inerente à condição de ser humano, e se manifesta através da capacidade de autodeterminação consciente da própria vida”.

Conforme acima elucidado, vários autores procurem conceituar a dignidade da pessoa humana, contudo, uma definição de dignidade da pessoa humana que se traduz de maneira mais completa é a proporcionada por Ingo Wolfgang Sarlet27, quando aduz que:

A dignidade da pessoa humana é uma qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida.

Somente quem é livre possui dignidade, e, diante da relação entre dignidade e liberdade, dois princípios intrínsecos ao homem, não se pode admitir que a sociedade e o Estado não criem para o trabalhador condições de vida e de trabalho.

Onde não há respeito pela vida ou pela integridade física e moral do ser humano, ou ainda, se as condições mínimas de existência digna não são asseguradas e o poder

25 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos artigos 1º ao 5º da Constituição Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2011, p. 48.

26 JAYME, Fernando G. Direitos Humanos e sua Efetivação pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 120.

27 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição federal de 1988. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 73.

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não for limitado para que a autonomia, a liberdade, a igualdade em direitos e dignidade não forem reconhecidos e assegurados, esclarece Ingo Wolfgang Sarlet28: [...] não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças. Tudo, portanto, converge no sentido de que também para a ordem jurídico-constitucional a concepção do homem-objeto (ou homem-instrumento), com todas as consequências que daí podem e devem ser extraídas, constitui justamente a antítese da noção de dignidade da pessoa, embora esta, à evidência, não possa ser, por sua vez, exclusivamente formulada no sentido negativo (de exclusão de atos degradantes e desumanos), já que assim se estaria a restringir demasiadamente o âmbito de proteção da dignidade.

Se o Estado se nega a propiciar essas condições ao cidadão, estará negando a liberdade, a legalidade, a igualdade e principalmente a dignidade da pessoa humana, sendo que é dela que derivam os demais princípios, uma vez que, suprimindo o direito de escolha do trabalhador, dando a ele tratamento que é dado a um mero objeto, atenta-se contra sua dignidade, violando sua condição humana.

Os direitos fundamentais e o da soberania29 popular determinam a evidência de um Estado Democrático de Direito e é nesse contexto que tais direitos intrínsecos ao ser humano passam a ser considerados como elementos da ordem jurídica objetiva, constituídos na compreensão de que a função do Estado, que efetivamente mereça ostentar este título, deve atentar para a concretização desses direitos.

E, uma vez que os direitos fundamentais servem como base de sustentação jurídica para resguardar os interesses mais elementares e basilares do ser humano, um Estado somente pode ser considerado Democrático de Direito se, efetivamente, der condições dignas de trabalho ao cidadão que nele habite.

1.3 A dignidade das condições de trabalho

A dignidade humana, como princípio universal, deve ser observada ao se constatar que existe a precariedade do trabalho humano para que se possa

28 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição federal de 1988. 9. ed. Porto alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 71.

29 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 60.

(22)

ponderar o trabalho, não como uma inclusão técnica de produção, mas como um suporte excepcional de inserção na estrutura igualitária de um país Democrático de Direito.

Diante de um contexto normativo internacional, observa-se que o direito ao trabalho30 encerra o exercício de uma liberdade positiva, a de escolher o ofício ou profissão, que não sejam ilícitos, ou uma liberdade negativa, que proíbe a submissão de outrem ao trabalho obrigatório.

Diante disso, o direito ao trabalho é considerado um direito humano fundamental, na medida em que propicia os meios para uma existência digna, e conta com a ampla proteção do Direito Internacional.

Convém destacar um breve histórico da luta pelos direitos sociais, mostrando que onde não havia a normatização das relações de trabalho não havia dignidade e tampouco o reconhecimento do ser humano como sujeito de direitos.

Basta lembrar que na Antiguidade, época da chamada “sociedade pré- industrial”, não se falava em proteção ao trabalhador e, a escravidão, segundo o senso comum, era uma natural realidade31.

Na época medieval experimentaram-se, por meio das corporações de ofício, novas relações jurídico-laborais, que outorgaram maior liberdade aos artesãos e que passaram a disciplinar, em muitos casos, as condições para o exercício da atividade laboral, embora ainda longe de ser ordem jurídica aquilo que mais tarde surgiria como o direito do trabalho.

No século XVIII, conhecido por seus ideais iluministas, o liberalismo outorga ao Estado a redução de seu papel por ter sido a liberdade individual dogmatizada, e autores contratualistas como John Locke32 sustentavam que ao Estado bastava

30 JAYME, Fernando G. Direitos Humanos e sua efetivação pela Corte Interamericana de direitos

humanos. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 128.

31Para Aristóteles, o trabalho (do latim tripalium, ou seja, instrumento de tortura de três paus) por envolver a força física, não outorgava dignidade ao ser humano. Para o pensador, no Livro I de sua obra “A Política”, era necessária a escravidão na sociedade, negando a essas pessoas a qualidade de sujeito de direitos, outorgando-lhes, porém, como escravos, a natureza de objeto do direito de propriedade. Para maiores informações vide ARISTÓTELES. A política. Tradução de Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

32 Paradoxalmente, John Locke é referido como "o último grande filósofo que procura justificar a escravidão absoluta e perpétua", mas delimita essa possibilidade quando em condições de guerra e

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garantir a vida, a liberdade e a propriedade, que o restante deveria ser deixado a cargo da liberdade individual das contratações, sem haver qualquer forma de intervenção estatal.

A Revolução Industrial do século XVIII trouxe para a Europa uma das principais transformações condizentes com significado da palavra trabalho. O que significava no passado dor, humilhação, pobreza, escravidão e servidão, passou a ser denominado: produtividade, riqueza e condição humana. Uma das maiores contribuições desse movimento foi a fixação de que o trabalho dignificava o homem e qualificava-o como cidadão na sociedade.

O progresso das máquinas acabou por gerar o desemprego em massa, fazendo com que os contrastes sociais aumentassem, provocando, assim, um abalo na sociedade, pois demonstrou a grave submissão da parte mais fraca à parte mais forte de quem mantinha o poder econômico.

A partir de então, os primeiros sindicatos, legislações e constituições que entremearam normas de proteção ao trabalho se despontaram, e o Estado, por sua vez, deixou de se abster de sua responsabilidade, passando a intervir nas relações trabalhistas, objetivando proteger o trabalhador.

À época, os operários começaram a ter proteção jurídica e econômica por meio da tutela do Estado, sendo reconhecida sua hipossuficiência, em razão de ser economicamente inferior. A lei passou, então, a estabelecer normas sobre condições de trabalho que doravante passaram a serem respeitadas pelos empregadores, iniciando-se, assim, a realização do bem-estar social e a melhoria das condições laboriosas.

Desse modo, o Direito do Trabalho fixou controles para o sistema, conferindo- lhe medida de civilização e buscando eliminar as formas perversas de utilização da força do trabalho pela economia.

Dentro desse contexto histórico, Maurício Delgado33 esclarece que:

conquista, em que o dominado troca sua vida pela escravidão. LOCKE, John. Dois Tratados Sobre o Governo. Tradução de Julio Fischer. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

33 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr., 2010. p. 82.

(24)

A relação empregatícia, como categoria socioeconômica e jurídica tem seus pressupostos despontados com o processo de ruptura do sistema produtivo feudal, ao longo do desenrolar da Idade Moderna.

Contudo, apenas mais à frente, no desenrolar do processo da Revolução Industrial, é que irá efetivamente se estruturar como categoria específica, passando a responder pelo modelo principal de vinculação do trabalhador livre ao sistema produtivo emergente.

Mesmo com a grande transformação que houve na história relacionada ao reconhecimento dos direitos sociais, no que diz respeito à liberdade, pode-se dizer que esta acarretou a desigualdade, pois, uma vez que o Estado não interferia mais na esfera privada, os indivíduos que detinham posse de bens exploravam os indivíduos desprovidos que, sem qualquer tipo de proteção, não podiam fazer uso dos direitos do qual eram possuidores legítimos.

Nesse contexto, salienta Alice Monteiro de Barros34, “surgiu daí uma liberdade econômica sem limites, com a opressão dos mais fracos gerando, segundo alguns autores, uma nova forma de escravidão”.

A Independência Americana de 1776 contribuiu para estabelecer o Estado Liberal de Direito, que restringiu os poderes estatais e fez prevalecer a igualdade entre os homens na sua necessidade de busca pela felicidade. A Declaração da Independência Americana35 traz o seguinte enunciado:

Considerando [...] que todos os homens foram criados iguais, foram dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis; que, entre estes, estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade; que, a fim de assegurar esses direitos, instituem-se entre os homens os governos, que derivam seus justos poderes do consentimento dos governados;

que, sempre que qualquer forma de governo se torne destrutiva de tais fins, cabe ao povo o direito de alterá-la ou aboli-la e instituir novo governo, baseando-o em tais princípios e organizando-lhe os poderes pela forma que lhe pareça mais conveniente para lhe realizar a segurança e a felicidade.

Assim, foram afirmados os direitos humanos, cuja base constituía as liberdades individuais que eram colocadas contra o Estado, isso porque esses direitos são inerentes ao homem e fundamentam o constitucionalismo, portanto sua titularidade deve ser praticada em oposição ao Estado.

34 BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTR, 2009, p. 63.

35ARMITAGE, David. Declaração de Independência: uma história global. Tradução de Ângela Pessoa. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 28.

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Porém, mesmo diante da grande transformação causada pelo reconhecimento dos direitos sociais, foi somente após a Revolução Francesa, por meio da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, é que foram reconhecidos a todo o cidadão os direitos que lhe eram natos, passando a ser afirmados perante o Estado e consagrados os direitos fundamentais do homem.

A Igreja Católica, no final do século XIX, sob o pontificado do Papa Leão XIII, como reação à problemática dos trabalhadores, editou a encíclica Rerum Novarum, uma carta aberta que pretendeu debater a condição das classes trabalhadoras, o que deu início ao movimento da Doutrina Social da Igreja. O sofrimento da classe operária foi diagnosticado no trecho nº 2 da Encíclica: “os trabalhadores, isolados e sem defesa, têm-se visto, com o decorrer do tempo, entregues à mercê de senhores desumanos e à cobiça duma concorrência desenfreada” 36.

Dentre outras questões, a Encíclica recomendou: a) a intervenção do Estado nas relações de trabalho; b) que ricos e patrões não devem tratar o operário como escravo, mas respeitar nele a dignidade do homem; c) que o trabalho do corpo, longe de ser um objeto de vergonha, honra o homem, porque lhe fornece um nobre meio de sustentar a sua vida; d) que não é justo nem humano exigir do homem tanto trabalho a ponto de fazer pelo excesso da fadiga embrutecer o espírito e enfraquecer o corpo; e) não devem ser exploradas mulheres e crianças; f) que o salário deve ser justo e suficiente para manter o trabalhador e sua família de forma decorosa.

O século XIX é marcado pelo fim do regime de escravidão, e o homem passa a ser considerado como cidadão livre e protegido em sua dignidade, deixando então de ser visto simplesmente como coisa ou mercadoria. Todavia, as mudanças mais radicais despontaram no século XX, com o advento das duas Grandes Guerras, como afirma Sergio Pinto Martins37,

As experiências e lições advindas das duas Grandes Guerras mundiais fez com que surgisse o que pode ser apontado como constitucionalismo social, ou seja, a sistematização do conjunto de direitos sociais do homem com a inclusão nas constituições de

36 Para maiores informações, consulte o teor da Encíclica Rerum Novarum em

<http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum- novarum_po.html>. Acesso: 20 set. 2011.

37 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 8.

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preceitos relativos à defesa social da pessoa, de normas de interesse social e de garantia de certos direitos fundamentais, incluindo o direito do trabalho.

Foi com o início do constitucionalismo social que a Constituição mexicana de 191738 se destacou como a primeira a consagrar os direitos sociais a uma condição constitucional, dando-lhes o status de direitos fundamentais, e a tratar o Direito do Trabalho como forma protetiva dos direitos do trabalhador. Contudo, sistematizou o conjunto dos direitos sociais do homem restrito ao critério de participação estatal na ordem econômica e social.

Por ser a primeira Constituição a proibir a equiparação do trabalho com uma mercadoria qualquer sujeita à lei da oferta e da procura, a Constituição mexicana lançou, de modo geral, os alicerces para a construção do Estado Social de Direito, deslegitimando assim as práticas de exploração mercantil do trabalho, salientando um complexo de fatores valorativos que direcionam ao bem-estar social e ao compromisso de resgatar os direitos fundamentais do homem, ou seja, é o comprometimento com um programa social do Estado para com a sociedade.

Destaca-se, ainda, a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado39 relativa aos direitos sociais, que foi promulgada em 1918 pela República Soviética Russa, visando suprimir toda exploração do homem pelo homem e abolir a divisão da sociedade em classes.

Já em 1919, na cidade de Weimar, na Alemanha, a Assembleia Constituinte se reuniu com uma nova ideia de concepção de Estado e sociedade, buscando libertar o homem de qualquer configuração de opressão. Promulgou-se, então, a Constituição de Weimar40, que assegurava a liberdade econômica do homem, tutelando particularmente o trabalho e disciplinando a participação dos trabalhadores nas empresas. Autorizava, ainda, a liberdade de coalizão dos trabalhadores e a representação deles na empresa, criando um sistema de seguros sociais e a

38 CONSTITUCIÓN POLÍTICA DE LOS ESTADOS UNIDOS MEXICANOS. Disponível em:

<http://www.diputados.gob.mx/LeyesBiblio/pdf/1.pdf>. Acesso: 05 dez. 2011.

39 NEPP-HD - Núcleo de estudos de políticas públicas em direitos humanos. Disponível em:

<http://www.nepp-dh.ufrj.br/anterior_sociedade_nacoes1.html>. Acesso: 05 dez. 2011.

40 PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri. A Constituição de Weimar e os direitos fundamentais sociais. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/9014/a-constituicao-de-weimar-e-os-direitos- fundamentais-sociais/2>. Acesso: 05 dez. 2011.

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possibilidade de os trabalhadores colaborarem com os empregadores nas condições de trabalho e fixação de salários.

Isso significou que as linhas traçadas pela Constituição do México se reestruturaram com a Constituição da Alemanha, conforme esclarece Fábio Konder Comparato41:

O Estado da democracia social, cujas linhas-mestras já haviam sido traçadas pela Constituição mexicana de 1917, adquiriu na Alemanha de 1919 uma estrutura mais elaborada, que veio a ser retomada em vários países após o trágico interregno nazifascista e a 2ª Guerra Mundial.

A Constituição de Weimar consagrou o princípio da autonomia coletiva e foi de grande influência no constitucionalismo mundial. O sentido universalizante42 das declarações de direito, de caráter estatal, passou a ser objeto de reconhecimento supraestatal em documentos declaratórios de feição multinacional ou mesmo universal, visando estender a defesa dos direitos humanos a todos os países e a todos os indivíduos de todas as nacionalidades.

Também em 1919 foi criada a Organização Internacional do Trabalho (OIT) pelo Tratado de Versalhes, com o escopo de organizar as relações de trabalho a fim de assegurar um mínimo de direitos irrenunciáveis aos cidadãos trabalhadores. Essa Organização é um marco na universalização das normas trabalhistas por consagrar o Direito do Trabalho como um novo ramo da ciência jurídica, destacando-se pelo modo em que procura trazer a igualdade nas relações empregatícias.

Em 1920, após a Primeira Guerra Mundial, com o objetivo de reforçar a concepção da necessidade de relativizar a soberania dos Estados e de promover a cooperação, a paz e a segurança internacional, a comunidade internacional criou a Liga das Nações43. A Convenção da Liga das Nações de 1920 trazia previsões genéricas em relação aos direitos humanos, destacando-se em seu bojo o comprometimento dos Estados em assegurar condições justas e dignas de trabalho para homens, mulheres e crianças.

41 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos, 4. ed. São Paulo:

Saraiva, 1999, p. 184.

42SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 162.

43 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 116-117.

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Sempre com a preocupação de proteção ao cidadão trabalhador, na Itália, em 1927, foi instituído um sistema corporativista através da Carta Del Lavoro, que era baseada no interesse estatal de interferir e regular as relações trabalhistas. Esse documento serviu de modelo para outros sistemas políticos do mundo, podendo-se destacar entre eles o Brasil.

Em 1945, após as experiências traumáticas deixadas pelas duas Grandes Guerras, onde ocorreram as mais variadas formas de violações dos direitos humanos, floresceu a preocupação com o princípio da dignidade da pessoa humana.

Deu-se início, então, à fase de celebrações de tratados e demais instrumentos internacionais entre os países ocidentais como garantia de proteção para todos os indivíduos no mundo.

A sociedade internacional se uniu e criou, ainda em 1945, as Nações Unidas, e, em 1948, por meio da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, foi elaborada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que garantiu, a partir de então, a liberdade e a igualdade entre os povos44, o que veio demonstrar a vocação de universalidade dos direitos humanos na medida em que foi aceita não apenas pelos Estados, mas fundamentalmente por homens livres e iguais.

Sob uma esfera universal, o reconhecimento dos valores supremos da igualdade, da liberdade e da fraternidade trazidos dos ideais da Revolução Francesa, foi retomado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e, desse modo, vedou-se a coisificação do homem e vários direitos fundamentais foram declarados a fim de proteger o cidadão de ser dominado e instrumentalizado.

44 A esse respeito, pontifica Norberto Bobbio: “Não se tem consciência de até que ponto a Declaração Universal representa um fato novo na história, na medida em que, pela primeira vez, um sistema de princípios fundamentais da conduta humana foi livre e expressamente aceito, através de seus respectivos governos, pela maioria dos homens que vive na Terra. Com essa declaração, um sistema de valores é – pela primeira vez na história – universal, não em princípio, mas de fato, na medida em que o consenso sobre sua validade e sua capacidade de reger os destinos da comunidade futura de todos os homens foi explicitamente declarado. [...]. Somente depois da Declaração Universal é que podemos ter certeza histórica de que a humanidade – toda a humanidade – partilha de alguns valores comuns e podemos, finalmente, crer na universalidade dos valores, no único sentido em que tal crença é historicamente legítima, ou seja, no sentido em que universal significa não algo dado objetivamente, mas algo subjetivamente acolhido pelo universo dos homens” in: A era dos direitos.

Rio de Janeiro: Campus, 1992.

(29)

Tem-se início, então, o respeito à dignidade como valor intrínseco à condição humana e pela primeira vez é acolhida a dignidade da pessoa humana como centro de direção dos direitos e inspiração para as novas Constituições.

Ao ser acolhida a dignidade da pessoa humana como centro de direção dos direitos e inspiração para as novas Constituições, veda-se a coisificação do homem por meio dos vários direitos fundamentais declarados, com o objetivo de proteger o cidadão de ser dominado e instrumentalizado.

Parte da doutrina costuma afirmar que formalmente a Declaração Universal de Direitos Humanos é uma recomendação que a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas faz aos países membros, sem força cogente e desprovida de sanção, entretanto Fabio Konder Comparato45 salienta que:

Esse entendimento, porém – de que se trata a Declaração Universal de mera recomendação –, peca por excesso de formalismo.

Reconhece-se hoje, em toda parte, que a vigência dos direitos humanos independe de sua declaração em constituições, leis e tratados internacionais, exatamente porque se está diante de exigências de respeito à dignidade da pessoa humana, exercida contra todos os poderes estabelecidos, oficiais ou não. A doutrina jurídica contemporânea [...], distingue os direitos humanos dos direitos fundamentais, na medida em que estes últimos são justamente os direitos humanos consagrados pelo Estado como regras constitucionais escritas.

Pode-se conferir que o trabalho veio sendo reconhecido com a concretização da dignidade da pessoa humana e da efetivação jurídica de um trabalho digno. A partir daí, a proteção da dignidade como valor intrínseco à condição de ser humano ultrapassou os limites das relações de trabalho, alcançando seu caráter universalizante.

O Brasil acolheu esse princípio basilar e consagrou, pela Constituição da República do Brasil de 1988, a dignidade humana e o direito ao trabalho como um direito social fundamental. Acrescenta-se que, com o objetivo de proteger o ser humano e defendê-lo das mazelas outrora vivenciadas, faz-se imprescindível que a dignidade do trabalho seja efetivamente alcançada pelo cidadão que neste Estado habita.

45 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4. ed. São Paulo:

Saraiva, 1999, p. 210.

(30)

Porém, mesmo com essa proteção, a realidade contemporânea mostra um grande entrave na sociedade brasileira, pois, apesar de a escravidão ter sido abolida há mais de um século, continua viva dentro da fronteira nacional, como se verificará nos capítulos que se seguem.

(31)

2 O TRABALHO INDIGNO E ANÁLOGO AO DE ESCRAVO NA REALIDADE BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

2.1 Pressupostos históricos do trabalho escravo no Brasil

Desde os tempos mais remotos, a exploração do homem como objeto existe unicamente para servir os detentores do poder em seus interesses econômicos e estabelece a base de um sistema de injustiça social cuja expressão de cidadania se limita à elite.

É quase impossível determinar o exato período e local em que foi iniciada a escravidão, uma vez que é tão antiga quanto a história da humanidade. O surgimento da escravidão como forma de trabalho humano46, embora possa parecer estranho, determinou um avanço na história da humanidade, pois, anteriormente à escravidão, o homem mais forte conquistava o território do mais fraco, matava-o e se tornava possuidor de seus bens.

No decorrer da história, a escravidão foi assumindo contornos individualizados, apresentando variações relacionadas a fatores geográficos, econômicos, políticos, sociais, culturais e religiosos. Há de se elucidar, porém, que a grande característica dessa exploração sempre foi o método desumano que reduz uma pessoa a objeto para apropriação de outra pessoa, infringindo, assim, o princípio da dignidade humana inerente ao homem.

Na Antiguidade, o trabalhador escravo era considerado coisa, objeto que não possuía os mesmos direitos de uma pessoa. Os seus proprietários podiam dispor deles, vendendo ou trocando-os em prol de uma situação economicamente mais benéfica, utilizando-se desses homens servis como melhor lhes aprouvessem, chegando até mesmo a tirar suas vidas se achassem necessário. Uma das maiores fontes de escravos eram as guerras, por meio da qual povos inteiros podiam ser

46 ZAINAGHI, Domingos Sávio. A proibição do trabalho escravo ou forçado. In: COLNAGO, Lorena de Mello Rezende; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. (Orgs.). Direitos humanos e Direito do Trabalho.

São Paulo: LTr, 2013, p. 276-284.

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escravizados por outros povos, sendo os homens mais fortes e sadios utilizados na mão de obra de edificações ou como soldados para a conquista de outros povos.

A região da Mesopotâmia47 foi a responsável pela unificação de costumes, leis e normas48 sobre a escravatura, sendo que existem documentos comprobatórios dessa prática datados de três milênios antes da era cristã.

Foram os babilônios, porém, que se destacaram como fomentadores da escravidão. Pela instalação favorável geograficamente, atendiam o comércio com a Ásia e a Babilônia, tornando-se o grande centro de compra e venda de escravos que eram traficados de diversas nações.

Os hebreus49, a exemplo dos demais povos do Oriente na Antiguidade, também eram uma sociedade escravocrata e seus escravos eram divididos em dois grupos, os escravos hebreus e os escravos estrangeiros prisioneiros de guerra.

No Egito, os escravos na grande maioria eram estrangeiros e pertenciam ao Estado e, juntamente com os camponeses que trabalhavam na terra, formavam a maioria da população. Contudo, não é de explicar-se que desempenhavam também a servidão urbana.

As pesquisas arqueológicas apontam que na Grécia, durante o século VII a.C., a escravidão por dívidas, principalmente em Atenas, era intensa, tornando-se um sistema fundamental para o desenvolvimento do país na Antiguidade. Mesmo sendo a Democracia o sistema político da Grécia, o número de escravos era de mais da metade da população. Sem direitos políticos, podiam pertencer ao Estado, aos cidadãos e mesmo a homens livres.

Na Roma Antiga, assim como na Grécia Antiga, a base da economia era o trabalho escravo. A escravidão se originava basicamente na guerra por aqueles que

47 MELLO, José Guimarães. Negros e escravos na antiguidade. 2. ed. São Paulo: Arte e Ciência, 2003, p. 27.

48O conjunto mais antigo dessas coleções de leis e julgamentos é o de Ur-Nammu, fundador da 3ª dinastia de UR. É seguido por um código da cidade de Eshaunna, sem nome real conectado, e um pouco mais tarde pelo de Zipit-Ishtão de Isin (1913 — 1924 a.C.). O código de Acad, que tornou famoso o nome de Hamurábi, era, de fato, mais extenso, melhor ordenado e com um efeito muito mais autoritário do que qualquer dos que o precederam. GAVAZZONI, Aluisio. História do direito:

dos sumérios até a nossa era. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2002, p. 35.

49MELLO, José Guimarães. Negros e escravos na antiguidade. 2. ed. São Paulo: Arte e Ciência, 2003, p. 57.

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