XXVI CONGRESSO NACIONAL DO
CONPEDI SÃO LUÍS – MA
DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO I
ELOY PEREIRA LEMOS JUNIOR
RAFAEL PETEFFI DA SILVA
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D597
Direito civil contemporâneo I [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI
Coordenadores: Fabrício Veiga Costa; Eloy Pereira Lemos Junior; Rafael Peteffi da Silva–Florianópolis: CONPEDI, 2017.
Inclui bibliografia ISBN:978-85-5505-513-3
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Comunicação – Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro – UNOESC
1.Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Encontros Nacionais. 2. Civil. 3. Contemporaniedade. XXVI Congresso Nacional do CONPEDI (27. : 2017 : Maranhão, Brasil).
XXVI CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI SÃO LUÍS – MA
DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO I
Apresentação
O Grupo de Trabalho intitulado “Direito Civil Contemporâneo I”, realizado no XXVI
CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI, na cidade de São Luís do Maranhão, entre os
dias 15 a 17 de novembro de 2017, foi coordenado pelos professores doutores Eloy Pereira
Lemos Junior (Universidade de Itaúna); Rafael Peteffi da Silva (Universidade Federal de
Santa Catarina); Fabrício Veiga Costa (Universidade de Itaúna).
No respectivo grupo de trabalho os pesquisadores Eloy Pereira Lemos Junior e Thiago da
Cruz Santos inicialmente trouxeram a discussão da (in) aplicabilidade da teoria da
imprevisão aos contratos aleatórios. Tais reflexões científicas foram ampliadas por meio do
debate da teoria do inadimplemento eficiente e os negócios jurídicos, cuja delimitação do
objeto de pesquisa se deu na análise do “efficiente breach” no plano da eficácia, proposições
essas trazidas por César Augusto de Castro Fiuza e Victor Duarte Almeida. Na mesma
perspectiva de abordagem, José Gabriel Boschi trouxe o debate sobre a teoria dos contratos
incompletos no contexto da análise econômica do direito.
O estudo do contrato de adesão na perspectiva crítico-comparativa do Código Civil e Código
de Defesa do Consumidor foi desenvolvido por Jonas Guedes de Lima e Luiz do Nascimento
Guedes Neto. A locação de área comum em condomínios edilícios foi importante debate
proposto na pesquisa de Cinthia Meneses Maia, seguida da apresentação realizada por Maria
Zilda Vasconcelos Fernandes Viana e Alana Nunes de Mesquita Vasconcelos, que
resgataram o instituto da Locatio Conductio e o analisou no contexto do direito civil
contemporâneo brasileiro.
O descumprimento do contrato de prestação de serviços educacionais e a problemática do
dano moral nas instituições privadas de ensino superior no Brasil foi importante tema
amplamente debatido pelos pesquisadores Fabrício Veiga Costa e Érica Patrícia Moreira de
Freitas.
Reflexões sobre o direito fundamental ao esquecimento foram propostas no trabalho
apresentado por Ricardo Duarte Guimarães, destacando-se na sequencia das apresentações o
estudo da intervenção da posse à luz da função social, estudo esse desenvolvido por Ronald
A responsabilidade civil no contexto do dano existencial foi objeto de investigação de Élida
De Cássia Mamede Da Costa e Francisco Geraldo Matos Santos. No mesmo contexto
propositivo, Laira Carone Rachid Domith e Brener Duque Belozi debateram o abandono
moral dos filhos pelos pais decorrente da hiperexploração laboral, delimitando-se o objeto de
análise no dano existencial imposto ao empregado ao dano reflexo a sua prole. Os critérios
para a fixação do quantum compensatório nos danos extrapatrimoniais foi claramente
trabalhado por Estela Cardoso Freire e Lucas Campos de Andrade Silva.
Reflexões acerca da possibilidade jurídica da usucapião de bens públicos dominicais,
contextualizando-se com a afetação e a desafetação dos bens públicos, foi importante estudo
apresentado por Aloísio Alencar Bolwerk e Graziele Cristina Lopes Ribeiro.
Por meio de uma pesquisa realizada mediante a utilização de análises comparativas, Vilmar
Rego Oliveira analisou os aspectos teóricos relevantes da desconsideração da personalidade
jurídica no direito luso-brasileiro.
A análise sobre a positivação dos princípios da concentração da matrícula imobiliária e a fé
pública registral foi objeto de abordagem trazida nas aporias propositivas de Marfisa Oliveira
Cacau. No mesmo contexto temático, o professor doutor Marcelo Sampaio Siqueira e a
pesquisadora Monica de Sá Pinto Nogueira trouxeram à baila o estudo a multipropriedade
imobiliária no contexto do ordenamento jurídico brasileiro.
Ao final, debateu-se o conflito existente entre o direito à origem genética e o direito à
intimidade na reprodução medicamente assistida heteróloga, pesquisa essa desenvolvida por
Pollyanna Thays Zanetti.
Os debates construídos ao longo das apresentações foram essenciais para a identificação de
aporias e o despertar da curiosidade epistemológica, evidenciando-se claramente a
falibilidade do conhecimento cientifico.
Prof. Dr. Rafael Peteffi da Silva - UFSC
Prof. Dr. Eloy Pereira Lemos Junior - UIT
A (IM)POSSIBILIDADE DE "APAGAR" O PASSADO E A PROTEÇÃO DO DIREITO AO ESQUECIMENTO
THE (IM) POSSIBILITY TO "DELETE" THE PAST AND THE PROTECTION OF THE RIGHT TO BE FORGETTTEN
Ricardo Duarte Guimarães
Resumo
Este artigo visa à análise do advento e da consolidação do Direito ao Esquecimento, tendo
em vista a proteção dos direitos da personalidade na rede mundial de computadores.
Elencar-se-ão, em foco, os preceitos consubstanciados na Constituição Federal e no Código Civil, e a
partir do estudo da legislação, da jurisprudência pátria e estrangeira, e da doutrina
especializada, será verificada a colisão entre direitos fundamentais e a necessidade de
proteção efetiva dos Direitos da Personalidade na Internet, a fim de se constatar a aplicação
do “direito de ser esquecido”.
Palavras-chave: Direito ao esquecimento, Direitos da personalidade, Internet, Passado
Abstract/Resumen/Résumé
This article aims at analyzing the advent and consolidation of the Right to Forgetfulness, in
view of the protection of personality rights in the world wide web. The precepts embodied in
the Federal Constitution and the Civil Code will be highlighted in focus, and from the study
of legislation, domestic and foreign jurisprudence, and specialized doctrine, a collision
between fundamental rights and the need to Effective protection of Personality Rights on the
Internet, in order to verify the application of the "right to be forgotten".
Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Right to be forgetten, Personality rights, Internet,
1. INTRODUÇÃO
O desenvolvimento tecnológico do mundo contemporâneo e o advento da Internet
facilitaram a propagação e concatenação de informações e imagens da vida dos indivíduos,
principalmente nas redes sociais (Web 2.0), o que passou a exigir maior cuidado e reflexão
sobre os direitos da personalidade, tendo em vista o exercício da liberdade de expressão e dos
direitos de acesso à cultura e à informação.
A Constituição Federal, no inciso X do seu art. 5º, dispõe que “são invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Esta garantia consolidou os direitos
da personalidade como direitos fundamentais que decorrem, inelutavelmente, do Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana.
Assim, necessitam tais direitos de uma tutela jurisdicional diferenciada, específica, que
reconheça suas peculiaridades e conceda uma proteção eficaz, consoante preceitua o art. 12 do
Código Civil, em consonância com os artigos 20 e 21 do mesmo diploma legal, especialmente
no âmbito da rede mundial de computadores. E é nesse contexto que se vislumbra a
possibilidade de tutela do denominado “Direito ao Esquecimento”.
Desse modo, o objetivo geral deste trabalho é analisar as formas de violação dos
direitos da personalidade na Internet e verificar a consolidação do “direito de ser esquecido” no
ordenamento jurídico pátrio, tendo em vista as mais diversas leis e normas que devem ser
observadas nesta seara, elencando-se os institutos aplicáveis para uma efetiva proteção de tal
direito, sem que isto se traduza em abuso de direito.
Será analisada, assim, a dicotomia entre os direitos fundamentais envolvidos na
questão, bem como serão apontados, através da consulta em livros, periódicos e sites, diferentes
entendimentos doutrinários que cercam o tema em baila, a jurisprudência pátria e estrangeira,
e a legislação atinente à matéria, em especial, o Código Civil e a Constituição Federal.
Inicialmente, serão apresentados os direitos da personalidade em dicotomia com as
liberdades fundamentais e os direitos de acesso à cultura e à informação.
Em seguida, será traçada a proteção dos direitos da personalidade no mundo virtual, a
partir do contexto social contemporâneo (marcado, principalmente, pela evolução da rede
mundial de computadores), das leis vigentes e da necessidade da tutela preventiva e integral de
tais direitos.
Por fim, será verificado o advento do Direito ao Esquecimento e constatado que, na
finco de limitar as formas (e fins) de (re)utilização de informações antigas/passadas,
disponíveis, principalmente, na “rede”.
2. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS EM COLISÃO
2.1 As liberdades fundamentais e os direitos de acesso à cultura e à informação
José Afonso da Silva, ao definir o ser humano como ser liberto, aduz que este, na
medida em que exerce maior domínio sobre a natureza e as relações sociais, se torna cada vez
mais livre. O homem, no decorrer da história, se liberta em busca do conhecimento, e a partir
do domínio das leis da natureza, passa a compreender as leis da necessidade, atuando, então, de
forma transformadora, sobre o real/social, a fim de ampliar a sua personalidade.1
Neste diapasão, a evolução tecnológica e sua influência na vida moderna são a
realidade do mundo contemporâneo. Em pleno século XXI, o Direito não fica imune a essa
influência. São visíveis os efeitos da evolução tecnológica em âmbito jurídico. O Direito
deve(ria) acompanhar a globalização inerente a este “novo” mundo, já que o homem, exercendo
ainda mais a sua liberdade, necessita adequar as “regras” vigentes para ideal convívio em
sociedade.
Insta, indispensável, portanto, apontar como fundamento do presente estudo a
definição de “Liberdade”, que é classificada de duas formas: liberdade interna e externa. A
primeira, denominada também de “liberdade subjetiva/psicológica/moral” ou “liberdade de indiferença”, está ligada ao livre-arbítrio, ou seja, representa a manifestação da vontade interior, do ser, nas escolhas, no querer. Já a segunda, denominada também de “liberdade objetiva” ou
“liberdade de fazer”, é caracterizada pelas expressões, pelo o que é exteriorizado a partir de uma escolha, ou seja, representa, de certa forma, o “poder”.2
Então, tendo por base o aspecto externo da liberdade, constituem-se, a liberdade de
expressão e a liberdade de informação. A primeira traduz o juízo de valor, ou seja, a
manifestação intelectual, artística, religiosa, científica e cultural. A segunda é caracterizada pela
objetividade, ou seja, pela simples divulgação de fatos, consolidando o direito à informação.3
1 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30. ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2008, p. 231. 2 Ibid., p. 231-232.
3 BARROSO, Luís Roberto. Liberdade de expressão versus Direitos da Personalidade. Colisão de Direitos
Ambas estão intimamente ligadas pela liberdade de comunicação, que trata da propagação do
conhecimento, seja ele qual for e da mesma forma, os direitos de informar e de ser informado
estão ligados à liberdade de imprensa, que nasceu, também, como garantia de liberdade
individual, mas se afirmou ao lado do direito coletivo à informação.4
A Constituição Federal de 1988 garantiu a proteção destes institutos no art. 5º, incisos
IV (“é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;”), IX (“é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente
de censura ou licença;”), XIV (“é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o
sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;”), sendo considerados, portanto,
direitos fundamentais.
E o direito à cultura, apesar de não estar no rol dos direitos fundamentais do art. 5º da
Constituição, possui seção específica (“Da Cultura” – art. 215 e 216) na mesma, com o finco
de se proteger o pleno exercício de tal direito. Além disso, a cultura, sem dúvida, faz parte da
formação do direito à informação como direito fundamental.
Dessa forma, tais direitos são caracterizados como fundamentais, pois existem em
relação ao Estado e são protegidos direta e subjetivamente por não poderem ser cerceados, uma
vez que são garantidos constitucionalmente.
2.2 Os Direitos da Personalidade
Por outro lado, ao mesmo tempo em que a liberdade do homem ao longo do seu
desenvolvimento se baseia principalmente na proteção de direitos inerentes a práticas externas,
e em âmbito coletivo, os aspectos íntimos e pessoais dos indivíduos são, também, extremamente
relevantes, necessitando, assim, os direitos inerentes à personalidade, proteção especial.
Consoante já exposto, a Constituição da República, no inciso X do seu art. 5º, prevê a
inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem dos indivíduos. Esta garantia
consolidou os direitos da personalidade como direitos fundamentais, sendo estes caracterizados
pela doutrina como “inatos, intransmissíveis, inalienáveis, irrenunciáveis, imprescritíveis,
impenhoráveis, extrapatrimoniais, vitalícios, necessários ou indispensáveis, oponíveis erga
omnes, e relativamente disponíveis”.5
4 SILVA, 2008, p. 231.
5 AGUIAR, Mônica. Honra, imagem, vida privada e intimidade, em colisão com outros direitos. Rio de Janeiro:
Assim, os direitos da personalidade, então reconhecidos como direitos autônomos (de
titularidade dos indivíduos), foram concebidos com base no Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana.6 Não à toa, o Enunciado 274 da IV Jornada de Direito Civil do CJF dispôs que “os
direitos da personalidade, regulados de maneira não exaustiva pelo Código Civil, são
expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, inc. III, da
Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana)”.
A partir disso, é possível relativizar a indisponibilidade de tais direitos, analisando-os
pela perspectiva da Autonomia Privada, que é assim conceituada por Roxana Borges:
Entende-se, em geral, autonomia privada como o poder atribuído pelo ordenamento jurídico ao indivíduo para que este possa reger, com efeitos jurídicos, suas próprias relações. Esse poder confere às pessoas a possibilidade de regular, por si mesmas, as próprias ações e suas consequências jurídicas, ou de determinar o conteúdo e os efeitos de suas relações jurídicas, tendo o reconhecimento e podendo contar com a proteção do ordenamento jurídico.7
Ou seja, existe a possibilidade de disponibilidade dos direitos da personalidade, desde
que sejam obedecidos os limites constantes na autorização concedida pelo titular do direito,
através de uma cessão, licença ou permissão. Assim, o negócio jurídico realizado entre as partes
para utilização de direitos da personalidade deve ser minuciosamente detalhado, a permissão
deve ser expressa e as disposições interpretadas restritivamente.8
É neste contexto que a Lei Federal nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil)
dispõe em seus arts. 20 e 21 a tutela de alguns dos direitos da personalidade, especialmente os
que, corriqueiramente, são violados na Internet:
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.
Apesar do art. 20 suscitar possível disponibilidade, percebe-se, via de regra, a vedação
à divulgação de escritos ou utilização de imagem de alguém tendo por fim o lucro, ou que
6 BARROSO, 2007, p. 109.
7 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de Personalidade e Autonomia Privada. 2. ed. São Paulo:
acarretem violação à honra, boa fama ou respeitabilidade do indivíduo. O artigo 21, por sua
vez, não dá margem a qualquer disponibilidade, traçando a inviolabilidade da vida privada e
intimidade.
Na lição do jurista italiano Adriano De Cupis, a honra é a dignidade da pessoa que se
reflete no seu próprio sentimento e na concepção das outras pessoas.9 E na lição de Pontes de
Miranda, a honra é direito inato e universal do ser humano, que abrange o sentimento e a
consciência de dignidade própria e a estima na consideração moral dos outros.10
Percebem-se, logo, duas “vias” desse direito: objetiva e subjetiva. O reconhecimento
do direito à honra se caracteriza pela proteção da honra objetiva: reputação da pessoa, que
compreende o bom nome e a fama perante a coletividade (no ambiente familiar, profissional,
comercial etc.); e da honra subjetiva: sentimento pessoal de estima, ou a consciência da própria
dignidade.11
Na lição de Anderson Schreiber, no âmbito do direito penal, a honra objetiva está
associada aos crimes de calúnia e difamação (artigos 138 e 139 do Código Penal), enquanto a
honra subjetiva está ligada ao crime de injúria (art. 140 do CP).12
Já em relação ao direito à imagem, a CF de 1988, além de proteger a inviolabilidade
da imagem das pessoas no inciso X do seu art. 5º, assegurou, no inciso XXVIII, a, e no inciso
V, do mesmo artigo “a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas” e o “direito de resposta,
proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”,
respectivamente.
Assim, o “direito à própria imagem”13, como direito fundamental, se refere aos aspectos da individualidade, identidade e reconhecimento da pessoa, como elo da realidade
jurídica da imagem humana, posto que este direito somente existe se a representação visível de
um indivíduo pode ser atribuída a um sujeito concreto. Neste certame, Aguiar faz a seguinte
observação:
9 DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade. Tradução de Adriano Vera Jardim e Antonio Miguel Caeiro.
Lisboa: Livraria Morais, 1961. p. 111-112.
10 PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado - Parte Especial. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971. p. 44. 11 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p.
129.
12 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 74. “Art. 138 - Caluniar
alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa; Art. 139 – Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa; Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa”.
A imagem, aqui, deve ser entendida não somente como a representação de uma pessoa, mas, também, como a forma pela qual ela é vista pela coletividade. Compreende-se nesse conceito, não apenas o semblante do indivíduo, mas partes distintas do seu corpo, sua própria voz, enfim, quaisquer sinais pessoais de natureza física pelos quais possa ser ela reconhecida.14
Antônio Chaves completa: “No sentido comum, é a representação pela pintura,
escultura, fotografia, filme etc., [...] da pessoa humana. [...] Muito embora podemos considerar
como imagem a reprodução de um pé, um braço, uma mão, um busto, não somente, pois, da
pessoa humana inteira”.15
E no que tange à privacidade e à intimidade, segundo Silmara Chinellato, tais institutos
não possuem o mesmo significado: “Aquela tem âmbito maior, que contém a intimidade, ou
seja, vida privada e intimidade podem ser consideradas círculos concêntricos. [...] Quem está
autorizado a ter acesso à vida privada de alguém não está, automaticamente, autorizado a tê-lo
quanto à intimidade do mesmo titular”.16
Para Stolze e Pamplona, “a vida privada é entendida como a vida particular da pessoa natural (right of privacy)”.17E Mônica Aguiar define que o direito à vida privada é “o direito
que tem cada indivíduo de excluir do conhecimento público fatos que denotem preferências e
outros dados que a pessoa julgue devam ser subtraídos dessa esfera de informação”.18
E são diversos os bens jurídicos protegidos pelo direito à intimidade, mas todos têm
como essência, em suma, fatos ou informações que possuem um caráter de exclusividade, de
conhecimento, unicamente, da própria pessoa, que ocorrem em âmbito particular ou que são
produzidas unilateralmente e que são (ou não) compartilhadas apenas com as pessoas que
convivem intimamente com ela (geralmente os familiares mais próximos e amigos íntimos) e,
às vezes, com alguns tipos de profissionais, específicos, como médico, psicólogo e advogado.
A Constituição Federal, ao incluir em seu texto a proteção ao direito à intimidade e à
vida privada como institutos distintos, manteve corretamente as distinções doutrinárias entre a
proteção da intimidade e a proteção da vida privada, já que são dois conceitos diversos, com
14 AGUIAR, 2002, p. 17.
15 CHAVES, Antônio. Direito à própria imagem. Revista de informação legislativa, Brasília, v. 9, n. 34, p. 23-42,
abr./jun. 1972. p. 23-24.
16 CHINELLATO, Silmara Juny de Abreu. Código Civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo.
7. ed. São Paulo: Manole, 2014, p. 54.
17 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. 13. ed. São
extensões de tutela diferentes, que permitem a mais ampla proteção da pessoa humana, perante
qualquer espécie de ofensa.19
Ademais, o art. 12 da lei cível, em consonância com o inciso XXXV do art. 5º da CF
(“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”), prevê a possibilidade de se cessar ameaça de lesão aos direitos da personalidade.
É neste contexto, de efetiva proteção dos direitos da personalidade, especialmente no
que diz respeito à honra, imagem, vida privada e intimidade das pessoas, que nasce a percepção
sobre o direito ao esquecimento.
3. A PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE NA INTERNET
Mas antes de se adentrar à análise do direito ao esquecimento, cumpre tecer algumas
considerações sobre a proteção dos direitos da personalidade na Internet, traçando panorama
sobre o meio virtual e a circulação de conteúdos e informações na “rede”, pois é sob este prisma
que advém o “direito de ser esquecido”.
O surgimento da Internet é, sem dúvida, o grande marco do desenvolvimento
tecnológico da sociedade contemporânea, e contribuiu de forma significativa para a propagação
do exercício da liberdade de expressão e garantia dos direitos de acesso à cultura e à informação.
Por outro viés, a disseminação de arquivos pessoais e dos mais diversos tipos de informações e
conteúdos na “rede” passou a contribuir com o aumento da violação aos direitos da
personalidade dos indivíduos, a exemplo dos crimes contra a honra.
Os provedores de aplicações da Internet, ou provedores de serviços e conteúdos, são
responsáveis pela disponibilização de conteúdos na Web e, na maior parte dos casos, faz
controle editorial sobre as informações que divulga, escolhendo o teor do que é publicado.20
Desse modo, é possível aferir que os Provedores de Aplicações da Internet são
“culpados” pelo desenvolvimento da Web 2.0 (uma nova forma de se “encarar” a Web), principalmente através das Redes Sociais21, que, ao mesmo tempo, fez surgir, para os
19 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela . São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p.
133.
20 LEONARDI, Marcel. Internet: Elementos Fundamentais. In: Responsabilidade Civil na Internet e nos demais
Meios de Comunicação. Manoel J. Pereira dos Santos e Regina Beatriz Tavares da Silva, coordenadores. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 60.
21 Espécie de estrutura on-line composta por pessoas ou organizações, conectadas “entre si”, que compartilham
provedores, uma nova forma de arrecadar dinheiro através do acesso dos usuários aos conteúdos
(lícitos e ilícitos) e da comercialização de espaços para publicidade.22
Ocorre que, conforme Patrícia Peck alerta, quando “o próprio internauta gera,
manuseia, edita o conteúdo, tem que se ter todo o cuidado para que isso não promova a prática
de ofensas digitais, em que os crimes contra a honra são os mais comuns (difamação, calúnia e
injúria), bem como o uso não autorizado de imagem de pessoas”.23
Dessa forma, uma das principais questões que envolvem o direito na atualidade está
consubstanciada, justamente, na colisão entre os direitos da personalidade e a liberdade de
expressão, liberdade de imprensa e os direitos de acesso à cultura e à informação na Internet.
Inúmeros são os casos de difamação, calúnia e injúria na rede mundial de
computadores, além da utilização indevida (desautorizada) de imagem e violação à privacidade
e à intimidade das pessoas. Tais ilicitudes se agravam na “rede”, pois são perpetuadas com
extrema velocidade, sendo praticamente impossível constatar os seus alcances e,
consequentemente, removê-las por completo, impedindo o acesso pelos usuários.
Seguindo esta linha de pensamento, observa Peck:
Como sabemos, o efeito de um conteúdo mentiroso ou calunioso na Internet pode ser muito mais devastador do que em qualquer outro veículo. Mesmo que uma notícia falsa possa ser rapidamente apagada de um site, por exemplo, ela já pode ter sido copiada inúmeras vezes e disponibilizada em muitas outras páginas. Assim como é difícil valorar um conteúdo virtual, é igualmente difícil valorar o tamanho do dano causado por um conteúdo quando passa uma informação errada, calúnia, ou manifesto contra determinada empresa. Ou seja, é praticamente impossível mensurar a extensão do dano;24
Exemplo de grave violação à intimidade na Internet foi o caso “Carolina Dieckmann”,
que culminou na criação, na seara penal, da Lei nº 12.737/2012, que tipificou criminalmente
delitos informáticos.25 Em 2011, ao colocar seu computador no conserto, a atriz foi chantageada
para que suas fotos íntimas, em que se encontrava nua (contidas no aparelho), não fossem
22 O MySpace foi vendido, em 2005, por 580 milhões de dólares. O YouTube foi negociado por 1,65 bilhão de dólares. O Kazaa, em 2010, fez acordo judicial de 115 milhões de dólares. MORAES, Rodrigo. “Generosidade Intelectual”: a despistadora ideologia da Web 2.0. Revista da ABPI, n.117, Mar/Abr de 2012, p. 40-52. E o Whatsapp, em 2014, foi adquirido pelo Facebook pela bagatela de 22 bilhões de dólares. Disponível em: < http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2014/10/preco-de-compra-do-whatsapp-pelo-facebook-sobe-us-22-bilhoes.html>. Acesso em: 15 jul. 2016.
23 Ibid., p. 368.
24 PINHEIRO, 2013, p. 161.
25 Eis o art. 154-A do Código Penal, incluído pela Lei nº 12.737/2012: “Art. 154-A - Invadir dispositivo
divulgadas na Internet.26 A atriz teve suas imagens disseminadas na rede mundial de
computadores, o que culminou em comoção pública para criação de lei específica sobre este
tipo de ilicitude no meio virtual.
Em um cenário ainda mais atual, são constantemente noticiados casos de violação à
intimidade e à imagem das pessoas na utilização de aplicativos de celulares, principalmente do
WhatsApp27. Em decisão de 2014, com base no Marco Civil da Internet (Lei 12. 965/2014), o
Tribunal de Justiça de São Paulo exigiu que a sociedade empresária responsável pelo referido
aplicativo identificasse os indivíduos que divulgaram o conteúdo de conversas em que foram
compartilhadas fotomontagens pornográficas de uma estudante universitária. Infelizmente,
hoje, diversos jovens sofrem com este tipo de exposição e acabam adquirindo doenças como
depressão e, em alguns casos, até se suicidam.28
Portanto, o que se vê na atual sociedade contemporânea é uma verdadeira gama de
ilícitos que acabam decorrendo do exercício de direitos como a liberdade de expressão e o
acesso à cultura e à informação, em detrimento da proteção dos direitos da personalidade. E é
nesse contexto que foi consolidado o direito ao esquecimento, que será analisado no item que
segue.
4. A CONSOLIDAÇÃO DO DIREITO AO ESQUECIMENTO
Pois bem. A ideia de direito ao esquecimento como direito da personalidade se
fortaleceu no desenvolvimento do mundo virtual, delineado no item anterior, pela necessidade
que passou a figurar nas vidas das pessoas, de serem “esquecidos” (leia-se apagados) registros de conteúdos e informações (dados pessoais) passados, não mais relevantes e, até, prejudiciais,
que ficam (ou melhor, ficavam) “eternamente” armazenadas na Internet. Este direito nasce,
assim, na conjuntura da colisão entre o direito à privacidade e o direito à informação.
26 AS FOTOS de Carolina Dieckmann nua: para entender o caso. Folha de S. Paulo São Paulo, 08 maio 2012. Para
Entender Direito. Disponível em: <http://direito.folha.uol.com.br/blog/as-fotos-de-carolina-dieckmann-nua-para-entender-os-crimes-do-caso>. Acesso em: 15 ago. 2016.
27 Aplicativo para aparelho celular que permite troca de mensagens e compartilhamento de conteúdo on-line. 28 OLIVEIRA, João Vitor. Após ‘bullyng’ com aluna, Justiça pede quebra de sigilo do WhatsApp. Folha de S.
Nas palavras de Anderson Schreiber, “a internet não esquece. [...] as informações que circulam da rede ali permanecem indefinidamente. Pior: dados pretéritos vêm à tona com a
mesma clareza dos dados mais recentes, criando um delicado conflito no corpo do direito.”29 Mas uma pessoa que teve algo publicado sobre sua vida na rede mundial de
computadores anos atrás, e que não faz mais parte de sua realidade, é obrigada a conviver com
esta informação disponível na “rede” para o acesso de qualquer usuário através de uma simples
pesquisa em um buscador?
A Corte da União Europeia entendeu que não, em decisão inédita, prolatada em 2014,
que abriu precedente para a consolidação do “direito de ser esquecido” na Internet, na UE. Um
advogado espanhol, Mario Costeja, nascido no Brasil (possui, pois, dupla nacionalidade), teve
o direito de ter o seu nome removido (ou melhor, “esquecido”) do famoso site de buscas
Google.30
Em 1998, um jornal publicou um leilão de um imóvel do qual o advogado era
coproprietário, divulgando uma suposta dívida em nome de Costeja. Ocorre que ele não havia
contraído qualquer dívida e, em 2005, o periódico passou a digitalizar suas publicações, e o
“anúncio” passou a aparecer nos buscadores da Internet, especialmente no Google, apontado Costeja como devedor, o que passou a prejudicá-lo. Explica o advogado, em entrevista
concedida para o periódico Folha de S. Paulo, que “naquele momento, aquilo me prejudicava
profissionalmente. Tinha que dar explicações e ir com um dossiê para demonstrar que nunca
havia sido devedor do Estado. Eu me dirigi pessoalmente ao buscador [Google]. Eles me
disseram que teria que falar com a sede, nos EUA”. E continua:
Como pensei que existiam leis na Espanha que poderiam me proteger, procurei a agência espanhola de proteção de dados. Lá me deram razão e obrigaram o buscador a desindexar o anúncio dos resultados de pesquisa. O buscador recorreu da decisão. E, assim, o assunto foi para o Tribunal de Justiça da União Europeia, um órgão cujas sentenças são vinculantes em todos os Estados membros e que devem ser cumpridas no bloco inteiro. A ação começou em 2009. Houve momentos em que pensei que não ganharia, mas nunca perdemos a esperança.31
29 SCHREIBER, 2014, p. 172.
30 Eis a ementa da decisão: “Dados pessoais – Proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento desses dados – Diretiva 95/46/CE – Artigos 2.°, 4.°, 12.° e 14.° – Âmbito de aplicação material e territorial – Motores de busca na Internet – Tratamento de dados contidos em sítios web – Pesquisa, indexação e armazenamento desses dados – Responsabilidade do operador do motor de busca – Estabelecimento no território de um Estado-Membro – Alcance das obrigações desse operador e dos direitos da pessoa em causa – Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – Artigos 7° e 8°”. A decisão, na íntegra, pode ser acessada através do site do Tribunal de Justiça da União Europeia (“curia.europa.eu”), no seguinte link: <http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=153853&doclang=PT>. A Corte disponibilizou, ainda, no site, um comunicado de esclarecimento à população sobre o assunto, que pode ser acessado neste link: <http://curia.europa.eu/jcms/upload/docs/application/pdf/2014-05/cp140070pt.pdf>.
31 COSTEJA, Mario. Venci o Google: (...) depoimento a Felipe Gutierres. Folha de S. Paulo, São Paulo, 23 maio
E depois do precedente europeu, que passou a vigorar para 28 países da Europa,
inúmeras pessoas passaram a pleitear o direito na Justiça no Reino Unido: Político, que tentava
se reeleger, requereu a retirada de informações sobre o seu comportamento da Internet; da
mesma forma, um homem condenado por abuso de menor pediu que links sobre sua condenação
(já cumprida) deixassem de ser listados; médico também requisitou que opiniões negativas de
pacientes não mais aparecessem quando seu nome fosse pesquisado na “rede”; etc. A Espanha
tem mais de duzentos casos semelhantes para serem julgados.32
Segundo Stefano Rodotà, o “Princípio do Direito ao Esquecimento”, como parte do
“Princípio da Finalidade da Coleta dos Dados”, se traduz na “eliminação, ou na transformação em dados anônimos das informações que não são mais necessárias”33, ou seja, na remoção de conteúdo ou informação da Internet, que já teve a sua finalidade atingida quando publicada,
mas que não é mais respaldada pelo fim que a originou.
Em prol da liberdade de informação, há quem discorde do “direito de ser esquecido”, como Ronaldo Lemos, que considera que o direito ao esquecimento “é mais veneno que remédio”: “A razão é o risco de efeitos colaterais. Como é praticamente impossível definir os limites desse direito, as decisões tornam-se subjetivas. E aí os problemas são muitos”.34
Não à toa, no caso “Xuxa Meneghel”35, o Superior Tribunal de Justiça, negando a
aplicação do direito ao esquecimento, decidiu que os provedores de pesquisa não poderiam
ser obrigados a deixar de veicular resultados derivados da busca de determinado termo ou
expressão, ou os resultados que apontam para uma foto ou texto, independentemente da
descrição do URL da página onde estiver inserido o conteúdo.36
Contudo, a proteção do direito ao esquecimento no Brasil está atrelada não à
(im)possibilidade de se “apagar o passado”, mas à necessidade de se limitar, em determinados
32 EUROPEUS pedem que Google retire links. Folha de S. Paulo, São Paulo, 16 maio 2014. Mundo, p. A21. 33 RODOTÀ, Stefano. A vida na sociedade da vigilância : a privacidade hoje. Organização, seleção e apresentação
de Maria Celina Bodin de Moraes. Tradução de Danilo Doneda e Luciana Cabral Doneda. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 59. Inclusive, o autor define o direito à privacidade como a possibilidade de o indivíduo conhecer, controlar, endereçar e interromper o fluxo de informação que lhe são atinentes. Ibid., p. 92.
34 LEMOS, Ronaldo. ‘Direito de ser esquecido’ é mais veneno que remédio. Folha de S. Paulo, São Paulo, 19
maio 2014. Tec, p. F2.
35“Na década de 1990, a apresentadora Xuxa conseguiu tirar das locadoras do país o filme “Amor Estranho Amor”
(1979), no qual ela protagoniza cenas eróticas com uma criança. As imagens foram parar na internet e, em 2010, a apresentadora entrou com uma ação que buscava impedir o site de buscas Google de listar resultados referentes aos termos “Xuxa”, “pedófila” e semelhantes. Em 2012, o STJ considerou que a Google não deve fazer controle prévio dos conteúdos publicados na web por meio da eliminação de resultados de busca”. BARAN apud SALIBA, O direito de ser esquecido. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/31705/o-direito-de-ser-esquecido>. Acesso em: 09 ago. 2016.
36 Disponível em: <
casos, as formas de re(utilização) de informações publicadas no passado (muitas vezes dispostas
na Internet).
O Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil do CJF dispôs sobre o direito ao
esquecimento:
ENUNCIADO 531 – A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. Artigo: 11 do Código Civil Justificativa: Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.37
Verifica-se que, originalmente, a concepção do direito ao esquecimento surge como
parcela do direito à ressocialização de ex-detento, consubstanciado na seara penal. Sua
justificativa assemelha-se ao caso “Lebach”, apresentado por Robert Alexy.38
Na década de 1970, uma emissora de televisão, na Alemanha, exibiria um filme sobre
um crime cometido por um condenado que estava na iminência de ser libertado da prisão. O
condenado apresentou reclamação constitucional, uma vez que a medida cautelar que propôs
para que o filme não fosse exibido, com base na ameaça sobre sua ressocialização, fora rejeitada
pelo Tribunal Estadual e pelo Tribunal Superior Estadual.39
O Tribunal Constitucional Federal, por sua vez, dentro da concepção da “teoria das
condições de precedência”, desenvolveu o “sopesamento” para solução da colisão entre os
princípios que abarcavam a causa, concebidos na Constituição alemã: proteção da
personalidade do indivíduo e liberdade de informação. De forma isolada, um princípio
permitiria a exibição do filme, enquanto o outro proibiria; todavia, como nenhum dos dois
poderia ser invalidado, o Tribunal Constitucional decidiu, pela análise das circunstâncias do
caso concreto, sobre qual interesse se sobressairia (ou cederia): o privado ou o público.40
Neste caso, a partir da aplicação da técnica da ponderação de interesses, ficou
decretada a impossibilidade de exibição do filme, já que a repetição da veiculação do crime
ocorrido não estaria mais pautado em um interesse público atual de informação e colocaria em
risco a ressocialização do condenando que seria liberto.41
37 JORNADA DE DIREITO CIVIL VI: ENUNCIADOS APROVADOS. Coordenador científico Ministro Ruy
Rosado de Aguiar Júnior. Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2013. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/cjf/CEJ-Coedi/jornadas-cej/vijornada.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2016.
38 O caso “Lebach” é apresentado, também, por Barroso. 39 ALEXY, 2011, p. 100.
40 Ibid., p. 101.
Percebe-se, pois, no caso “Lebach”, as origens do direito ao esquecimento.
E tratando do “direito de ser esquecido” sob essa perspectiva, o STJ preferiu outra
decisão, em 2013, condenando a Globo Comunicações e Participações S/A (Rede Globo) ao
pagamento de indenização por danos morais por violação ao direito ao esquecimento de um dos
acusados pelo crime que ficou conhecido como “Chacina da Candelária”, uma vez que a
emissora exibiu o fato, treze anos depois, em um programa que veiculou o nome e a imagem
do autor da ação. Segundo o STJ, o programa poderia ter exibido o caso sem fazer a menção ao
nome da pessoa já absolvida em sede penal. Eis a ementa do importante julgado:
RECURS O ES P ECIAL. DIREITO CIVIL-CONS TITUCIONAL. LIBERDADE DE IMP RENS A VS . DIREITOS DA P ERS ONALIDADE. LITÍGIO DE S OLUÇÃO TRANS VERS AL. COMP ETÊNCIA DO S UP ERIOR TRIBUNAL DE J US TIÇA. DOCUMENTÁRIO EXIBIDO EM REDE NACIONAL. LINHA DIRETA-J US TIÇA. S EQUÊNCIA DE HOMICÍDIOS CONHECIDA COMO CHACINA DA CANDELÁRIA. REP ORTAGEM QUE REACENDE O TEMA TREZE ANOS DEP OIS DO FATO. VEICULAÇÃO INCONS ENTIDA DE NOME E IMAGEM DE INDICIADO NOS CRIMES . ABS OLVIÇÃO
P OS TERIOR P OR NEGATIVA DE AUTORIA. DIREITO AO
ES QUECIMENTO DOS CONDENADOS QUE CUMP RIRAM P ENA E DOS ABS OLVIDOS . ACOLHIMENTO. DECORRÊNCIA DA P ROTEÇÃO LEGAL E CONS TITUCIONAL DA DIGNIDADE DA P ES S OA HUMANA E DAS LIMITAÇÕES P OS ITIVADAS À ATIVIDADE INFORMATIVA. P RES UNÇÃO LEGAL E CONS TITUCIONAL DE RES S OCIALIZAÇÃO. P ODERAÇÃO DE VALORES . P RECEDENTES DE DIREITO COMP ARADO.42
De forma primorosa, o STJ estabeleceu limitação à liberdade de imprensa, através da
ponderação de interesses, tendo em vista a proteção dos direitos da personalidade do sujeito
envolvido no caso.
Ademais, vale traçar um paralelo entre o direito ao esquecimento e o direito de
arrependimento, que é um dos direitos morais de autor.
O direito ao arrependimento da obra (criada) está previsto no inciso VI do art. 24 da
Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98). O referido dispositivo dispõe que é direito moral do
autor “o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem”.
Percebe-se que a norma vincula o direito moral ao arrependimento aos direitos à honra
e à imagem, assim como fez o art. 20 do CC no âmbito do direito à imagem (ao vinculá-lo ao
direito à honra). Contudo, da mesma maneira, é preciso salientar que se tratam de direitos
autônomos. Não é correto, portanto, também, vincular o direito ao arrependimento a outros
42BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.334.097/RJ, rel. Min. Luiz Felipe Salomão, j.
direitos da personalidade, pois ele possui autonomia.43 O arrependimento não advém de uma
ofensa à honra ou à imagem do autor, mas da simples vontade (ideológica ou religiosa ou
política etc.) de não querer mais que sua obra seja divulgada.
Assim, Rodrigo Moraes leciona que “o direito moral ao arrependimento flexibiliza
situações aparentemente perpétuas e definitivas. Mitiga a inexorabilidade, abrandando
situações consideradas fatalisticamente como imutáveis. [...] Todo ser humano tem direito a
arrepender-se do passado, de voltar atrás, de rever velhas situações”.44
Desse modo, é possível aferir que o direito ao arrependimento possui natureza, no
mínimo, parecida ao do direito ao esquecimento, pelo fato de conferir ao titular a possibilidade
de ter a sua criação, pretérita, que, de alguma forma, não faz mais parte da sua vida, “esquecida”
perante a sociedade.
Diante desse contexto, não há dúvida de que, assim como é adotado o direito de
arrependimento pelo ordenamento jurídico, o acolhimento do direito ao esquecimento pode (e
deve) ser empregado no âmbito do controle sobre as formas de utilização de informações
passadas, uma vez que, em determinadas situações, o exercício da liberdade informacional, sem
haver, de fato, um interesse público na divulgação da informação, pode se traduzir em violação
a (este) direito da personalidade.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Verificou-se, nesta pesquisa, que a liberdade informacional é tratada como uma
liberdade fundamental, pois existe em relação ao Estado, sendo protegida pelo direito de não
cerceamento, uma vez que é garantida constitucionalmente.
Por outro lado, observou-se que os direitos da personalidade também são concebidos
como direitos fundamentais. Assim, ambos os direitos podem ser restringidos (limitados) na
medida em que colidem com outros direitos fundamentais.
No âmbito da rede mundial de computadores, tal colisão ficou evidente a partir do
desenvolvimento tecnológico, com o surgimento de novas formas e inúmeras possibilidades de
violação aos direitos da personalidade. Desse modo, é sob o enfoque da constituição que os
43 MORAES, Rodrigo. Os Direitos Morais do Autor: repersonalizando o direito autoral. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008. p. 214.
44 Ibid., p. 205. O autoralista traz em sua obra, dentre outros, o exemplo do primeiro disco de Roberto Carlos,
direitos em entrave devem ser interpretados em cada caso concreto, uma vez que não existem
direitos absolutos.
Neste diapasão, constatou-se que o advento do direito ao esquecimento como direito
da personalidade se fortaleceu no desenvolvimento do mundo virtual, pela necessidade que
passou a figurar nas vidas das pessoas, de terem seus registros de conteúdos e informações do
passado “esquecidos”, no sentido de se limitar o uso de tais informações no presente.
Enfim, foi possível conceber a consolidação do Direito ao Esquecimento e seu
acolhimento pelo ordenamento jurídico pátrio, sendo notado que, na atual conjuntura jurídica e
social do país, é plenamente possível a sua proteção com o finco de limitar as formas (e fins)
de (re)utilização de antigas informações/dados, disponíveis, inclusive, na Internet.
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