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Entre a paideia e a bildung: pistas para uma educação humanística

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Academic year: 2018

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A R T I G O

ENTRE A

PAIDEIA

E A

BILDUNG:

PISTAS PARA UMA

EDUCAÇÃO HUMANíSTICA

1

AGRADECIMENTOS

B A R B A R A F R E IT A G *baZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

J

yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

á perdi a conta das muitas vezes que aceitei convites

acadêmicos de amigos e

colegas de Fortaleza para parti-cipar de bancas examinadoras, mesas redondas, seminários ou congressos. Todos foram muito

marcantes e enriquecedores.

Lembro-me especialmente de

três, que ocorreram nos mais

variados contextos e, por isso mesmo, estavam voltados para

temáticas diferentes. Um dos

debates aconteceu na UEC, há

14 anos atrás, ocasião em que tratei da "Ensinabilidade das virtudes': No Encontro da So-ciedade Brasileira de Sociologia (SBS), em 2001, organizado por César Barreira, na ocasião

presidente da entidade, falei

sobre "Utopias da Cidade", e, finalmente, na Jornada dos

Psi-canalistas de Fortaleza (2003), •D o u t o r a e m C iê n c ia s H u m a n a s , p r a f e s s o r a t it u la r d a organizada pela Sociedade U n iv e r s id a d e d e B r a s ilia .

Psicanalítica do Ceará, discuti

a questão da violência urbana com o arquiteto Fausto

Nilo, autor do projeto de remanejamento urbano no

centro de Fortaleza (Dragão do Mar).'

No convite que recebi agora no início de 2007 e que aceitei com o maior prazer, fui solicitada a falar sobre asaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAH u m a n i d a d e s e a E d u c a ç ã o C o n t i n u a d a .

Agradeço aos organizadores deste encontro, por mais essa oportunidade de vir a Fortaleza e expor minhas idéias, em especial à professora Maria Neyára Olivei-ra de AOlivei-raújo, à VeOlivei-ra Maria Fick e a todas as demais pessoas que tornaram este evento possível.

Mas, como encaminhar, com essa palestra de

abertura, o tema geral do Seminário?

R E S U M O

o

a r t ig o r e ú n e r e f le x õ e s s o b r e u m a e d u c a ç ã o h u m a n í s t ic a . R e c o r r e n d o a E . K a n t , L . W a c q u a n t e T . M o r u s , a a u t o r a p r o p õ e a r u p t u r a c o m a p e d a g o g ia t r a d ic io n a l, v o lt a n d o - s e p a r a u m a f o r m a ç ã o p e d a g ó g ic a in s e p a r á v e l d a c o n s t r u ç ã o d e u m a c iê n c ia m o r a l e p o lí t ic a , c a lc a d a e m u m p a d r ã o é t ic o . N e s s a p e r s p e c t iv a , c o n c e b e a e d u c a ç ã o c o m o m e io p a r a e le v a r o p a t a m a r c iv iliz o t ó r io c u lt u r a l d o B r a s il, in c lu in d o c o m o p r o p o s t a a lt e r n a t iv a a le it u r a d e c í r c u lo s d e liv r o s , v ia g e n s e o u t r o s m o d o s d e a m p lia ç ã o e t r a n s m is s ã o d a c u lt u r a .

A B S T R A C T

T h e a r t ic le g a t h e r s r e f le c t io n s o n a h u m a n is t ic e d u c a t io n . D r a w in g f r o m E . K a n t , L . W a c q u a u n t a n d T . M o r u s , t h e a u t h o r p r o p o s e s a b r e a k w it h t h e t r a d it io n a l p e d a g o g y , w h ic h is in s e p a r a b le f r o m t h e c o n s t r u c t io n o f a m o r a l a n d p o lit ic a s c ie n c e in a n e t h ic a l f r a m e w o r k . I n t h is p e r s p e c t iv e , h e c o n c e iv e s e d u c a t io n a s a m e a n s t o r a is e t h e le v e i o f c iv iliz e d liv in g in B r a z il, in c lu d in g a n a lt e r n a t e p r o p o s a l f o r g r o u p r e a d in g o f b o o k s , jo u r n e y s a n d o t h e r w a y s o f a m p lif y in g a n d t r a n s m it t in g c u lt u r e .

Lembrei-me de um jogo

que fazíamos em família, em

noites de "apagão": uma pessoa era selecionada para inventar uma história, orientando-se

pelos elementos temáticos

dados pelas demais (exemplo: "caçador", "lebre': "espingarda"), para testar a inventividade de nossos filhos e de seus amigos presentes. Depois de terminada a narrativa, cada um dos ouvin-tes dava uma nota ao narrador, justificando os seus critérios.

Vou utilizar as regras des-se jogo para dar início à minha palestra, tentando integrar em minha narrativa a "ensinabili-dade do ser humano" (I. Kant), "a violência urbana" (Lorc Wacquant), "a utopia" (T.Morus), como sendo os "elementos, isto é, os conceitos-chave aos

quais pretendo recorrer para

desenvolver o meu tema, cujo

ponto de chegada será o da

"Educação Continuada para as Humanidades':

1 1

O tema que sugeri apresentar, E n t r e a P a i d é i a e

a B i l d u n g : p i s t a s p a r a u m a e d u c a ç ã o h u m a n í s t i c a ,

exige, desde o início, um esclarecimento conceitual.

Em seu artigo ao mesmo tempo provocador e

inovador, de 1989, "Reinventando as Humanidades", Sérgio Paulo Rouanet propôs chamar deh u m a n i d a d e s

as disciplinas que contribuam para a formação ( B

il-d u n g ) do homem, independentemente de qualquer finalidade utilitária imediata, isto é, que não tenham

necessariamente como objetivo transmitir um saber

(2)

uma personalidade segundo uma certaaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAp a i d é i a , vale

dizer um ideal civilizatório e uma normatividade

inscrita na tradição ..:'3

O próprio autor admite que essa definição é

ampla demais para permitir um consenso absoluto

sobre as disciplinas que deveriam ser incluídas em

uma proposta pedagógica nova, voltada para as hu-manidades. Para que tal proposta se torne viável, o autor de "Reinventando as Humanidades" sugere uma

tripla ruptura: com a pedagogia tradicional, com a

tecnocracia e com o populismo (p. 101).

Mas, antes de partir para essa estratégia, propo-nho aprofundar um pouco mais a questão conceitual. Para delimitar melhor a questão das Humanidades

recorro a um clássico do pensamento humanístico e

pedagógico alemão: Werner Jaeger, com sua obra mo-numental sobre aP a i d é i a grega,"certamente um dos tratados filosóficos-pedagógicos que melhor

sinteti-zou o pensamento grego acerca das humanidades.

Na p a i d é i a grega, o princípio norteador da formação da personalidade não é o individualismo,

mas sim o humanismo, conforme esclarece Jaeger,

chamando a atenção para o fato de que "humanismo" vem de h u m a n i t a s que não deve ser confundido com "humanitário", conceito que implica a ajuda dada ao próximo no sentido dec a r i t a s (digamos, como a

me-dicina sem fronteiras de hoje). O humanismo grego

estava vinculado a um "ideal de homem" ( M e n s c h ,

i.é, ser humano) dentro de um contexto específico

no tempo e no espaço. Nessa conotação, o

concei-to de humanismo refere-se à educação do homem

( M e n s c h ) para sua verdadeira forma (daí, formação), o ( M e n s c h s e i n ) com todas as suas potencialidades. Marx diria mais tarde no M a n i f e s t o C o m u n i s t a :

tratar-se-ia da realização plena do homem que caça e pesca de manhã, ouve música, lê e escreve de tarde, produz e consome cultura, de forma criativa à noite, em plena liberdade, depois de libertar-se das amarras e correntes da necessidade.

Mas, voltando a Iaeger, esse nos fala do

Hu-manismo como sendo uma verdadeira teologia do

e s p í r i t o , que seria retomada no contexto da Renas-cença do século XVI (por Thomas Morus, na

Ingla-terra; Erasmo de Rotterdamm, na Holanda e Lefêvre

d'Etaples, na França) e da ilustração do século XVIII (por Rousseau, Kant e Diderot).

André Lalande, em seu Dicionário T é c n i c o e

F i l o s ó f i c o (Paris, 1951), depois de remeter às muitas ramificações e conotações que o termo "Humanismo" sofreu através dos tempos, sugere que este deva ser

compreendido, em seu sentido mais amplo, como

sendo um

A n t r o p o c e n t r i s m o r e f l e t i d o q u e , p a r t i n d o

d o c o n h e c i m e n t o d o h o m e m , t e m c o m o

o b j e t i v o c o l o c a r e m e v i d ê n c i a o v a l o r

h u m a n o , e x c l u i n d o t u d o a q u i l o q u e o

a l i e n a d e s i m e s m o , s e j a p o r s u b m e t ê - I a

à s v e r d a d e s e a p o t ê n c i a s s u p r a h u m a n a s ,

s e j a p o r d e s f i g u r á - l o p o r a l g u m a u t i l i z a ç ã o

i n f r a - h u m a n abaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA( p .423).

HUMANISMO E HUMANIDADE. Os termos

não são sinônimos têm em comum a radical

"Hu-man', ou seja, o ser humano e suas representações, o

M e n s c h s e i n , introduzido pelos gregos. O Humanismo, retomado na Renascença, denota um movimento do espírito que busca superar os valores da Idade Média, remetendo aos valores da Antigüidade greco-romana.

Em outros termos, o humanista da Renascença é o

homem (o sábio) que conhece a Antigüidade e nela se inspira. De forma extrema, o humanista renascentista não só se inspira na Antigüidade, mas a imita, a repete e a toma como modelo, incluindo os seus deuses, sua língua e seu espírito. As humanidades ( M e n s c h l i c h k e i t ,

M e n s c h e n t u m , M e n s c h h e i t ) já significam o conjunto de caracteres humanos, comuns a todos os homens (a vida, a piedade, a simpatia espontânea, entre outros). Num significado mais restrito, adotado a partir de Auguste Comte e pelos franceses, compreendem-se ash u m a n i d a d e s como sendo "um conjunto de disci-plinas concretas que, via de regra, incluem o grego, o latim, o culto da vida greco-romana, seus mitos, sua ética, sua estética e, por extensão, as disciplinas da história, da sociologia e da filosofia':

Para Iaeger, as maiores obras da cultura grega foram os monumentos de uma ética do Estado ( S t a

-a t s g e s i n n u n g ) de grandiosidade única: a formação de heróis, filósofos, poetas, escultores, impregnados de

uma moralidade voltada para o engrandecimento da

cidade-estado, como formulado por Platão,

Aristó-teles, e outros. Por isso, conclui Iaeger, um

(3)

nismo futuro" precisa estar orientado no modelo da

educação grega, voltada para a humanidade. Em sua

essência, isso significa orientar-se no modelo doaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAz o o n

p o l i t i c o n , do cidadão, devotado à sua comunidade e à sua Cidade ( p o l i s ) .

É por isso que precisamos entender o conceito dap a i d é i a grega como sendo o ato de moldar uma pessoa segundo uma imagem pré-concebida, inspira-da nesse contexto e aprimorainspira-da, realizando seus me-lhores momentos e potencialidades, transcendendo-o,

em benefício da polis, da comunidade, do contexto

em que está inserido.

Kant, em sua capacidade única de tornar preci-sos os conceitos, orienta-se nessa idéia, transferindo todas as suas conotações éticas, estéticas e políticas para o conceito alemão de B i l d u n g , em cuja radical está contida a noção de "Bild" (imagem) e o processo de formação "ung" (de moldagem). Por isso, podemos dizer com Kant que aB i l d u n g refere-se ao processo de "moldagern" do qual participam o educador, o

educando e o contexto social, empenhados em

de-senvolver no jovem um padrão de excelência, uma virtude suprema que impliquem a formação de uma consciência moral e política, refletida no termo de "justiça". Tanto aP a i d é i a quanto aB i l d u n g têm, pois, afinidades eletivas com a ética (moralidade), a estética (ideal do belo) e a política (ideal de cidadania), impli-cadas na formação do "ser supremo", um verdadeiro "ser humano". Subjacente a esse "modelo" está a idéia da "ensinabilidade do homem" e a "necessidade de sua formação" ( b i l d u n g ) para a moral, a estética e a cida-dania. Em suas L i ç õ e s d e P e d a g o g i a (1776/77), Kant

insiste na formação de uma mentalidade, vontade

que anteceda a formação intelectual, dando destaque à moldagem das paixões e dos afetos, no sentido de seu controle racional, o que o filósofo alemão chamou de "ginástica ética'"

Com esses esclarecimentos conceituais, retomo, pois, minhas reflexões anteriores sobre a "ensinabi-lidade da moral". Para Kant, o pré-requisito básico

consiste em educar o recém-nascido para saber

con-trolar seus afetos e suas paixões, para depois aprender o exercício da ética e da cidadania. Ao contrário de certos filósofos e biólogos, que acreditam no inatismo da moral e de certos nichos do nosso cérebro em que

células morais estariam abrigando uma espécie de ins-NMLKJIHGFEDCBA

tinto moral, Kant entende que a moralidade (ou cons-ciência moral) não está embutida no recém-nascido, mas exige um longo processo de formação, no sentido da P a i d é i a ou B i l d u n g . Essa educação pressupõe a criação de um padrão ético a ser alcançado por esforço e dedicação, a aquisição de determinadas virtudes, coragem, honestidade, sabedoria ... (os gregos fala-vam em Areté). Piaget" refere-se a esta possibilidade como "autonomia moral", Kohlberg' ensinou-nos a distinguir diferentes níveis de moralidade (individu-al) em que a moralidade "pós-convencional" estaria

refletindo uma autonomia moral, que preserva o

indivíduo da adesão a seduções autoritárias, ideoló-gicas e anti-éticas (como sugeridos por movimentos populistas, demagógicos, do tipo fascismo, nazismo e socialismo radicais). Somente aB i l d u n g de padrões éticos interiores e sua preservação externa (garanti-das pelo Estado e confirma(garanti-das na sociedade) teriam condições de criar uma espécie de "consciência mo-ral". Faltando essa "educação" ou "formação" para o bem (e a distinção entre bem e mal, certo e errado), o indivíduo cai na barbárie e a sociedade na anomia, como viria a temer Émile Durkheim."

É o que estamos vivendo, no momento, nas

grandes megalópoles do hemisfério sul (K. Davis)?

e, em particular, nas brasileiras (B.Freitag)." Não é necessário remeter às manchetes diárias do jornal e do noticiário televisivo. No Rio de Janeiro e em São

Paulo, presenciamos atônitos a violência cometida

contra seres humanos totalmente inocentes, como foi o caso do pequeno João Hélio, arrastado por 7 km, preso ao cinto de segurança, atrás do carro roubado no subúrbio do Rio, ou da menina de l3 anos, em São Paulo, baleada durante um tiroteio em pleno centro

paulista ou, no caso dos três cidadãos franceses,

atuando em uma ONG carioca, esfaqueados, a céu aberto, por um dos "garotos" de rua, que essa ONG se esforçava em tirar da criminalidade.

Nesses casos, constatamos ausência de formação, pior, educação às avessas, contra o ideal almejado pela

P a i d é i a ea B i l d u n g , t ã o m i n u c i o s a m e n t e d e f i n i d a s .

É como o verbalizou a mãe desesperada de João

(4)

constatamos a falta total de qualquer formação. Kant diria que esses adolescentes criminosos não passaram

pela escola de ginástica das paixões, não sabendo

controlar suas pulsões sádicas e seus afetos (que não foram canalizados para a compaixão e a solidariedade para com o ser humano). Trata-se de personalidades desfiguradas, em que não houve modelo, as

qualida-des latentes não puderam ser fomentadas, brotando

somente os traços animalescos e perversos, também

presentes na natureza humana, descontrolada e

desorientada, em que a razão possivelmente estava

ofuscada pelo consumo de drogas.

Vou remeter a outro caso igualmente brutal

e grotesco de "violência urbana", ocorrido após a realização da Jornada dos Psicanalistas da qual par-ticipei, aqui em Fortaleza, e que mencionei em minha introdução. Nesse encontro, discutimos a questão da violência urbana de vários ângulos, mas com foco no indivíduo, na sua formação psíquica. Um dos inte-grantes da Jornada, o psicanalista de Recife, Antonio Carlos S. Escobar", filiado à Associação Psicanalítica

Internacional, foi brutalmente liquidado, semanas

depois, em sua cidade, Recife, ao tentar evitar um assalto a mão armada que estava sofrendo um carro à sua frente. Em seu texto aqui citado, Escobar intro-duz o conceito de "trauma negativo", emprestado de André Green (2000), termo esse que "corresponde

a uma violência cuja ação traumática na mente da

criança ocorreria não por aquilo que se fez contra a criança, mas por aquilo que se deixou de fazer por deficiência materna". Segundo Green, as crianças que sofreram esse tipo de trauma podem vir a sentir o vazio como mais real que a existência positiva dos

outros. O vazio produzido peloaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAt r a u m a n e g a t i v o leva essas crianças a preenchê-lo com drogas ou exercendo

atos anti-sociais. Assim, essas crianças organizam um s e l fpatológico, produto da extrema dissocíação

vinculada às falhas na integração o s e l f ( p . 195). Não

deixa de ser irônico que o psicanalista que melhor compreendeu causa e efeito desse t r a u m a n e g a t i v o ,

semanas depois, tenha sido vítima do processo por ele diagnosticado. Nisso, seu destino assemelhou-se ao dos três franceses, mortos pelo menino carioca, que tentaram tirar da rua.

Esses casos de barbárie e ano mia social estão se multiplicando e se difundindo dia a dia no Brasil, sem

que haja instituições, capazes de controlá-los, seja a partir do pólo do agressor sádico, seja a partir do pólo das vítimas. Onde estão as instituições e os agentes

humanistas, capazes de reverter esse quadro? Onde

estão ap o l i s e oz o o n p o l i t i c o n do qual fala o texto de Jaeger? Onde estão os ideais, as normas, os modelos,

que pudessem retomar o ideal clássico das

huma-nidades? Quais seriam as instituições competentes

para realizar este tipo de trabalho, já que a família e a escola pública, sozinhas, revelaram ser incapazes de dar conta desse trabalho? De onde virão os homens e mulheres dignos para desenvolver as iniciativas para uma "Educação continuada para as humanidades"?

Não cabe a mim dar uma resposta a todas essas questões. Ao levantá-Ias, sugiro que elas se tornem tema de debate nos grupos de trabalho e nas mesas redondas que se sucederão nesses dias do Seminário, que talvez possa ser um primeiro passo, para enfrentar o problema. Cabe, pois, elogiar essa iniciativa de se organizar aqui em Fortaleza um Seminário voltado à "Educação continuada para as humanidades",

de-signando a Universidade como uma das possíveis

instituições encarregadas de reverter o quadro tão

angustiante.

Mas, até onde seria aconselhável seguir os mode-los daP a i d é i agrega ou das Humanidades

renascentis-tas? Não estaríamos nos orientando por um modelo

utópico que jamais existiu no passado e que até hoje

não conseguiu ser implementado em lugar nenhum

(Significado efetivo da palavra "u-topia")?

Nas leituras do fascinante livro de Thomas Mo-rus, U t o p i a , de 1516, fica evidente que a utopia não somente formula um projeto fictício para o futuro, jamais alcançável como muitos acreditam, mas pode ser entendida como uma crítica feroz ao s t a t u s q u o

da sociedade contemporânea em que vivemos. Se

compreendermos Utopia nesse sentido, o modelo do

futuro passa a ser um critério de avaliação do presente. Por mais deplorável que seja a constatação do presen-te, o padrão utópico contém um elemento normativo que aponta o caminho para a ação do futuro.

Não importa que aP a i d é i a grega ou aB i l d u n g ,

doB i l d u n g s r o m a n de Goethe ou do modelo da Uni-versidade Livre de Humboldt nunca tenham existido de fato; que sejam, em grande parte, idealizações sau-dosistas de um passado que não houve. Importante é

(5)

que o gênio humano foi capaz de criaraZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAu m m o d e l o d e

p e r f e c t i b i l i d a d e d o s e r h u m a n o ed a s o c i e d a d e , atra-vés da "educação" compreendida como modelagem de um futuro vislumbrado segundo uma "imagem" (um

V o r b i l d contido na utopia) e que os seres humanos se orientem em direção àquele modelo para explorar seus potenciais individuais e as possibilidades de

re-manejamento e reconstrução da sociedade segundo

critérios de justiça, igualdade, fraternidade para todos. Vista desta maneira, a "utopia" chega bem próximo ao que hoje muitos expressam de maneira difusa e vaga como "sonho", desejo de alcançar um objetivo mais alto e distante, que alce o indivíduo para patamares mais elevados da civilização e realização.

11I

Na busca de possíveis soluções para os impasses apontados para uma "Educação continuada para as humanidades': voltemos agora ao texto de Sérgio Pau-lo Rouanet, "Reinventando as Humanidades", em que ele nos sugere fazer três rupturas: com a pedagogia tradicional, com a tecnocracia e com o populismo.

Apesar de usar a grade oferecida por Rouanet,

vou introduzir, em cada um dos tópicos, minhas

próprias experiências e idéias adquiridas através de minhas pesquisas empíricas e meus estudos teóricos da questão educacional brasileira", não comprome-tendo com meus exemplos a coerência do raciocínio

de meu colega e marido que, lamentavelmente, não

pode estar presente neste evento para o qual também

fora convidado.NMLKJIHGFEDCBA

A ) A R U P T U R A C O M A P E D A G O G IA

T R A D IC IO N A L

Enquanto Rouanet quer romper com a tradição pedagógica da decoreba, da disciplina cega, da ritua-lização do ensino tradicional, estou mais preocupada em denunciar uma estratégia gasta e esvaziada de um discurso educacional, que considero ultrapassado. No meu entender, não basta apenas voltar ao velho "slo-gan', repetido a d n a u s e a m , a reivindicação em favor da "Educação para todos"; "Educação de qualidade para todos"; "Educação pública de qualidade para todos': temas esses que sempre continuam em pauta, desde os

primórdios da República, acompanhando os períodos

de Ditadura (de Vargas, e dos Militares) e retomados

com a redemocratização do Brasil. Como constatou

Emília Ferreiro, fala-se, legisla-se, pesquisa-se muito sobre a educação no Brasil (mais do que em muitos países latino-americanos), mas educa-se pouco, erra-do e de moerra-do insuficiente. O discurso parece servir

unicamente como estratégia para ocultar a falta de

vontade ou possibilidade de efetivamente oferecer

soluções eficazes para fazer da educação institucio-nalizada e obrigatória uma alavanca para a elevação do patamar civilizatório e cultural do Brasil.

Como constatei em meus próprios estudos (aqui relacionados na nota 12) sobre a política educacio-nal brasileira, a estrutura do sistema educacional, as práticas pedagógicas, o uso do livro didático no ensino público do país, "a ensinabilidade da moral", a questão da moralidade, em geral, o analfabetismo e iletrismo ainda amplamente difundidos, entre muitas outras questões, aB i l d u n g ouP a i d é i a no sentido das humanidades, anteriormente explicitado, jamais cons-tituíram as verdadeiras preocupações dos políticos, burocratas, professores e educadores dos séculos XX e XXI. Entendo que a questão dos grandes números

sempre foi um problema fundamental. Deste modo,

o discurso democrático "educação para todos" -sempre prevaleceu diante do esforço qualitativo de "formação de personalidades': que durante o período imperial ainda estava presente, pelo menos para as

elites. É como constatou para os USA o estudioso

A. de Tocqueville: a democracia beneficiou o grande número ao preço da queda dos níveis de qualidade de ensino e da difusão dos valores éticos e políticos de cidadania.

(6)

brilhante e diferenciada, em dois estudos clássicos:aZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

A u t o r i t d t u n d P a m i l i e e T h e A u t h o r i t a r i a n P e r s o n a -l i t y , "baZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ na primeira infância, via de regra dentro da família, que se estrutura a personalidade infantil e

se encaminham as soluções para a integração, na

personalidade, dos valores e dos papéis da sociedade específica em que vivem essas crianças. São decisivos os estudos que Talcott Parsons, o mais teórico dos so-ciólogos americanos, fez, integrando os pensamentos biológico, psicanalítico e sociológico. O trágico, para os estudiosos dessa questão, é que tudo já foi estudado, é sabido (como constatou Emília Ferreiro), mas os pais, a sociedade, os políticos e mesmo os educadores insistem em ignorar, deixando o carro correr. Todos eles permitem que milhares de crianças nasçam, sem

ter atendimento mínimo; e que tenham socialização

primária sem amor, carinho e supervisão ouB i l d u n g ,

segundo ideal ético daP a i d é i a e doA r e t e . Isso explica a existência dos "falcões do tráfico"," as matanças de crianças abandonadas, o esquecimento dos órfãos em asilos, a existência dos "meninos de rua', que serão os assaltantes de amanhã e, se sobreviverem, os ocu-pantes das cadeias cada vez mais numerosas e mais incompetentes para resgatar o jovem criminoso para uma vida normal e integrada na sociedade.

Isso explica a falta de ética no Congresso, com "valeríodutos', desfalques e roubalheiras jamais

ima-ginadas pelos gregos que inventaram a democracia.

Isso explica a emergência da chamada "Lei de Gerson': em que cada indivíduo só pensa em sua vantagem. Ou ainda, ao ditado: "Para os amigos tudo, para os inimi-gos a lei': que revela a relatividade da lei, dependendo

a quem a lei é aplicada (ou não).NMLKJIHGFEDCBA

M a s , o q u e a U n iv e r s id a d e p o d e r ia fa z e r p a r a m e lh o r a r e s s e q u a d r o ?

1. Introduzir em seus currículos de formação

do professor, conhecimentos básicos de psicanálise; teorias da socialização infantil; estudos de filosofia clássica e contemporânea, de sociologia da educação,

começando pela obra de Fernando de Azevedo; de

literatura em geral (lendo-se L a C o m é d i e H u m a i n e ,

de Balzac, ou os romances realistas de Zola, para dar

somente alguns exemplos. Recomenda-se também

certa literatura especial como o romance de forma-ção (Goethe, Bakthin), a saber: A M o n t a n h a M á g i c a

de Thomas Mann ou É d u c a t i o n S e n t i m a n t a l e ,

de Flaubert (etc, etc) ou, ainda, OA t e n e u , de Raúl

Pompéia eA p r e n d i z a g e m ou oL i v r o d o s P r a z e r e s , de Clarice Lispector.

Lembro-me de minha primeira aula de

so-ciologia, na Universidade Livre de Berlim, em que

o Professor V. Friedeburg deu o seguinte conselho: melhor do que qualquer livro didático é a leitura in-tensa, permanente, desinteressada da grande literatura universal. Ora, isso não vale apenas para os sociólo-gos; vale para os representantes de todas as áreas do conhecimento, inclusive, para as áreas técnicas e de ciências naturais.

2.A universidade deveria ser o foro privilegiado para discutir (dentro e fora das Associações de Profes-sores) a questão das permanentes greves (via de regra,

por tempo indeterminado) que interrompem o ensino

e o aprendizado e, com isso, paralisam os processos de formação, seja na própria universidade, seja depois nas escolas, onde os futuros professores, reintroduzi-rão esse abuso. É claro que o primeiro requisito para que os professores, de qualquer nível, não entrem em greve, é que recebam salários dignos.

3. Introduzir nas universidades cursos de

reei-clagem permanentes, que permitam aos professores

dos demais níveis (ensino fundamental e médio)

renovarem seus conhecimentos, se atualizarem nas

disciplinas que lecionam, aprenderem novas técnicas

e métodos de ensino nos cursos universitários de

nível superior.

4. Abrir círculos de leitura e de viagem para co-nhecer outras culturas, romances, paisagens, sistemas políticos. Incluir, para os professores, visitas a museus, exposições, bienais, que despertarão o interesse do

mestre para novas perspectivas, que eles poderão

repassar aos seus alunos, entusiasmando-os pelas

múltiplas facetas da vida e da condição humana.

5. Pedagogia não pode ser confundida com

didática. Pedagogia significa um modo de vida do professor que terá de dar o exemplo aos seus alunos. O professor é o modelo e não o livro didático (mera muleta para facilitar a vida do professor). Nunca o livro deveria virar roteiro e rotina do trabalho em sala de aula. Só assim o professor terá condições de entu-siasmar os seus alunos pelos temas que ele ensina.

6. A legislação educacional não poderia e não

(7)

deveria mudar tão freqüentemente. Pois sua imple-mentação, como mostrou a Lei de Diretrizes e Bases, de 1946, esteve vigente por mais de 40 anos, apesar das múltiplas "inovações" introduzidas, muitas delas sem efetivamente mudarem para melhor as condições de ensino. Os legisladores deveriam também ser "reei-dados" para as humanidades. Como podem eles fixar conteúdos curriculares, se eles próprios desconhecem a literatura mundial, diferentes línguas e culturas, e

não acompanham as novas metodologias do ensino,

baseadas em novas evidências de pesquisas históricas e psicológicas e tecnologias?

B) A RUPTURA COM A TECNOCRACIA

UmaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAp l a i d o y e r em favor das humanidades sig-nifica ter um certo ceticismo com relação a

pseudo-soluções propostas por pedagogos tecnocratas. Um

dos exemplos mais debatidos foi a abolição da redação nos exames vestibulares que, durante longos períodos, passaram a adotar os testes de múltipla escolha, que

dificilmente captam o conhecimento efetivo de um

candidato para o ensino superior, e simplificavam

os sistemas de avaliação graças a um gabarito único, segundo o qual os diferentes candidatos eram aceitos ou rejeitados. O equívoco felizmente foi percebido e hoje, pelo menos a redação, faz novamente parte de quase todos os vestibulares e sistemas de avaliação.

Muito lamentável, no meu entender, também foi a eliminação do latim, do grego e do francês dos

cursos de ensinos Fundamental e Médio e,

conse-qüentemente, dos vestibulares comuns. Essa política equivocada reduziu o pequeno leitor à leitura de textos traduzidos e lançados por editoras brasileiras, apesar da implementação de programas de leitura nas biblio-tecas municipais e outros centros culturais. O apren-dizado de línguas estrangeiras significa uma janela nova para o mundo, sua cultura, sua literatura, seus hábitos, seu cinema e teatro. Desconhecer o latim, reduz a compreensão do próprio vernáculo e deixa o jovem aprendiz sem saber de onde veio a língua que fala e a cultura que os romanos estabeleceram pelo continente europeu.

Em nível superior, esse desconhecimento de

outras línguas se revela ser ainda mais grave, pois

o nosso universitário dificilmente acompanhará os

debates críticos, as descobertas científicas e publica-NMLKJIHGFEDCBA

ções mais recentes, daquilo que acontece no campo da tecnologia, da medicina, da biologia, da filosofia, das ciências humanas. O universitário brasileiro não

está equipado para assimilar, imediatamente, essas

novas descobertas, precisando aguardar e contentar-se com possíveis traduções, que podem demorar ou, só acontecer, quando o tema já deixa de ter interesse (digamos, por exemplo, uma nova droga desenvolvida para combater a AIDS). Enquanto as famílias de pos-ses e abertas para esse problema financiam, por fora (em escolas de línguas particulares), esses saberes, as crianças de famílias de baixa renda ficam para trás, mesmo criando-se soluções paliativas como o sistema de cotas ou outros truques, tipo bolsa família, ete.

Além disso, a ruptura tecnocrática se impõe

face à crença ingênua de que a tecnologia moderna, em especial telefone, celular, rádio, TV, Vídeo e ulti-mamente aI n t e r n e t seriam capazes de suprir a sede

de saber dos novos aprendizes. Lamentavelmente,

nossos jovens internautas preferem, em sua maioria, oss i t e s de C h a t às pesquisas pelo G o o g l e ,a consulta aos programas pornográficos veiculados, em lugar de visitas eletrônicas a galerias e museus, como preferem fazer od o w n l o a d i n g de música t e c h n o a quartetos de

Mozart e sinfonias de Beethoven.

Em meu D i á r i o d e u m a A l f a b e t i z a d o r a , reuni as conversas com Maria, minha cozinheira, analfabeta, que estava convencida de que a TV era a melhor es-cola, melhor que qualquer programa de alfabetização (de MOBRAL a Paulo Preire)." Recursos tecnológi-cos, para o ensino, como o retro-projetor, o Video ou o

P o w e r P o i n t / d a t a s h o w podem ser instrumentos muito úteis de aprendizado e de transmissão de

conhecimen-tos. Contudo, eles não substituem o conhecimento

substancial (humanístico) do professor, aoutilizá-los

em sala de aula, e não criam interesse, se o aluno, universitário, aprendiz não tem nenhuma motivação para os estudos e o desejo de aperfeiçoamento de seus

conhecimentos, porque, inclusive, o professor não

apresenta essa motivação.

D e q u e fo r m a a U n iv e r s id a d e p o d e r ia c u ltu a r m a is a s h u m a n id a d e s , le v a n d o e m c o n ta o p r o -g r e s s o té c n ic o ?

(8)

(cultu-rais e científicas).

2. Informatizando o seu acervo, inclusive

esca-neando manuscritos, imagens,

personalida-des que podem ser facilmente acessadas pelaaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

I n t e r n e t sem chaves de acesso ou barreiras econômicas, como foi feito, recentemente, pela Universidade de Oxford e cujo acesso aos

documentos inéditos e primeiras edições do

século XVIII se tornou possível, graças a um convênio assinado entre essa universidade e a CAPES.

3. Oferecendo cursos de computação e pesqui-sa, via I n t e r n e t , que permitam realizar, no

moderno sistema informatizado, a busca de

informações e a organização do pensamento

em redes, fundamentadas em fatos e

con-textos, a serem balizados pela nova técnica eletrônica.

C) A RUPTURA COM O POPULlSMO

Essa ruptura implica superar o equívoco de que a cultura superior, de elite ou "alta cultura" deve ser renegada, idealizando-se a cultura popular, a broa de milho e o forró. Nada contra essas manifestações da cultura popular e do folclore, que têm seu lugar

garantido na tradição cultural de cada país. Mas,

proibir Beethoven, como ocorreu durante a revolução cultural da China e outras coisas mais, é um grande equívoco populista e não deve ofuscar a importância da "alta cultura', da boa música, das expressões artísti-cas que contribuem para a formação da personalidade dos nossos jovens. Durante suas viagens pelo Brasil enquanto Ministro da Cultura, Rouanet foi recebido, na Paraíba por uma orquestra sanfônica (composta

por tocadores de sanfonas) que tocou (de ouvido)

a Nona Sinfonia de Beethoven, para recepcioná-lo.

Em Tiradentes, conheci um guitarrista autodidata,

Chico Curió, que tocava algumas baquianas de Villa-Lobos, de ouvido. Esses dois exemplos mostram que

o povo tem sensibilidade musical e gosto pelo que

é esteticamente bonito, produzindo um bem-estar

desinteressado, como diria Kant.

A ruptura populista também se impõe quando a política educacional é substituída por uma política assistencialista, paternalista e eleitoreira. O

populis-mo é radicalmente contrário ao humanismo grego

e/ou renascentista, cultivado na Itália e Europa

Cen-tral para vencer a Idade Média. O humanismo está

comprometido com a busca da perfectibilidade, da

liberdade e da justiça. O populismo está interessado em manter as mentes subalternas, a-críticas e dóceis

a uma liderança carismática. O populismo nivela

e extingue o verdadeiro saber, a cultura inovadora, o elan crítico, nivelando e massificando as mentes. Para combater esse populismo, recomenda-se que os professores universitários leiam e discutam com seus alunos textos como o de Sigmund Freud, "Massenp-sychologie und Ich-Analyse', onde os mecanismos de identificação e de desativação da crítica e auto crítica são perfeitamente elucidados.

Neste tópico, ainda cabe um comentário sobre a polêmica das cotas de admissão dos universitários

provenientes de populações de baixa renda,

afro-descendentes, índios e egressos de escolas públicas. A introdução das cotas, privilegiando essas po-pulações sem associar a vaga ao seu esforço e nível de competência, significa desconhecer os processos do conhecimento, da inventividade, da análise critica,

do saber constituído, das humanidades.baZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ preciso

deixar claro que temos o dever de, nas universidades públicas, oferecer vagas a todos que têm a competên-cia para cursar certos cursos profissionalizantes e de especialização. Mas, isso não significa oferecer vagas à toa, sem critério de competência e merecimento.

O caminho certo, que não coloca o carro diante dos bois, a meu ver, é começar com processos de socialização infantil integrais, como já antecipados e

parcialmente realizados por Darcy Ribeiro e Leonel

Brizola, nos chamados "brizolões" do Rio de Janeiro. Agora, está sendo discutida nova proposta de

educa-ção de base, ensino fundamental, apresentada pelo

Ministro da Educação, Hadadd, ao Presidente Lula, em um Plano de Metas, até 2010, em que se pretende investir oito bilhões de reais na base do sistema de ensino.

Verdadeira B i l d u n g n o sentido de Kant tem de ser dada às crianças de todas as classes sociais, de todas as cores, crenças, sexos e idades. O ensino de qualidade começa na creche e deve acompanhar todas as etapas

do aprendizado e todos os graus do ensino formal e

informal. Além disso, seria necessário introduzir nas escolas públicas o que em certa época se chamou de

(9)

ensino "compensatório". Ou seja, uma educação que vá muito além das disciplinas obrigatórias da escola e que ajude a criança a lidar com o mundo, seus pro-blemas, seus temas ATRAVÉS DO ESPORTE, DA MÚSICA, DA LEITURA, DA ARTE, DO TEATRO,

DO CINEMA, enfim, das HumanidadesaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAl a t o s e n s u .

Se isso fosse realmente realizado, as crianças com alto potencial de aprendizado e motivação para os estudos

chegariam à Universidade, independentemente de

sua origem social. Aquelas que não se interessam por saber, ciência, pesquisa, medicina, etc. podem e deve-riam ser encaminhadas às escolas de arte, de moda, de técnicas, de cunho profissionalizante, igualmente dignas e promissoras de realização.

Por isso, o esquema de cotas somente deveria ser adotado, passageiramente, e substituído por uma política educacional e cultural que resolvesse a ques-tão educacional a partir das bases, "na raiz", como diria Marx.

Rio, 8 de março de 2007.

NOTAS

Palestra proferida no Auditório da Reitoria da Universidade Federal do Ceará, por ocasião da abertura do seminário denominado "Ação universitária de educação continuada para as humanidades", em Fortaleza, nos dias 08 e 09 de março de 2007.

2 Todos esses temas aqui debatidos já foram transformados e.r. textos e publicados em diferentes coletâneas.

3 H u m a n i d a d e s , n? 49, janeiro de 2003, p. 90.

4 A Paidéia, a f o r m a ç ã o d o h o m e m g r e g o , Walter de Gruyter: Berlim-Nova Yorque, 1989.

5 Immanuel Kant. D i e d r e i K r i t i k e n i n i h r e m Z u s a m m e n b a n g m i t d e m G e s a m t w e r k . (Mir verbindendem Text zusammengefasst von Raymund Schidt), Vide, em especial, o capítulo sobre

P h i l o s o p h i e d e r E r z i e h u n g (445-458), Srutrgart: Krõnerverlag, 1969.

6 Jean Piaget. L e j u g e m e n t e t l e r a t s o n n e m e n t c h e z l 'e n f o n t . Paris: PUF,1971.

7 Lawrence Kohlberg. E s s a y so n m o r a l d e v e l o p m e n t .São Francisco:

HarperbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA& Roew, 1981/1984/1987, em três volumes. Vide, acima de tudo, o volume 1, "The philosophy of moral

development: moral stages and rhe Idea of justice".

8 Érnile Durkheim. S o c i o l o g i e e t P h i l o s o p h i e .Paris: Felix Alcan, s.d.

9 Kinsley Davis. P l a n e t o / S l u m s . Verso: London - Nova York, 2006.

10 Barbara Freitag. T e o r i a s d a C i d a d e . Campinas: Papirus, 2006;

em especial o capítulo 6, "A megalopolização das cidades latino-americanas na virada do século", P: 151-178.

11 Vale a pena remeter ao texto do psicanalista intitulado "A violência no Brasil contemporâneo e o Mal-estar na Civilização", que Escobar apresentou durante a Jornada, in: Sônia Lobo (organizadora): V i o l ê n c i a . U m e s t u d o p s i c a n a l í t i c o e m u l t i d i s c i p l i n a r . Fortaleza: Edições Dernócriro Rocha, 2003. 12 Vou remeter a alguns dos meus estudos que considero os mais

importantes:

Barbara Freitag: E s c o l a , E s t a d o e S o c i e d a d e , 7" edição. São Paulo: editora Centauro, 2005.

B. Freitag: S o c i e d a d e e C o n s c i ê n c i a . U m e s t u d o p i a g e t i a n o n a E s c o l a e n a F a v e l a ,3" edição. São Paulo: Cortez, 1999.

B. Freitag: Valéria R . Mona, Wanderly. O L i v r o D i d á t i c o e m Q u e s t ã o ,3" edição. São Paulo: Cortez, 1993.

B. Freitag: Oi n d i v í d u o e m f o r m a ç ã o , 4" edição. São Paulo: Cortez, 1994.

B. Freitag: D i á r i o d e u m a A l f o b e t i z a d o r a , 3" edição. Campinas: Papirus, 2000.

B. Freitag: I t i n e r á r i o s d e A n t í g o n a . A Q u e s t ã o d a Moralidade, 4 "

edição. Campinas: 2005.

Além disso, organizei e editei quatro números do A n u á r i o d e E d u c a ç ã o , publicados pela editora Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1992, 1994, 1996, 1998, sobre os mais variados ternas educacionais.

13 Theodor W Adorno, Else Frencke- Brunswick, Daniel Levinson

e t a l i i , T h e A u t h o r i t a r i a n P e r s o n a t l i t y :s t u d i e s i n p r e j u d i c e . Nova Yorke-Londres: Harper & Row, 1950; e Max Horkheimer (ed.), A u t o r i t ã t u n d F a m i l i e . Paris: Alcan 1936 (edição f o c s i m i l e

de 1989).

14 V Bill & Celso Arhayde, F a l c ã o . M e n i n o s d o T r á f i c o . Rio: Objetiva, 2006.

Referências

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