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Uma alternativa para a gestão urbana:o Minist ério das Cidades e seus desafios

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Uma alternativa para a gestão urbana:

o Minist ério das Cidades e seus desafios

Grazia de Grazia* e Evaniza Rodrigues**

Resumo Resumo Resumo Resumo

Resumo – Este artigo apresenta uma reflexão sobre as principais justificativas e condi- ções para a criação do Ministério das Cidades pelo atual Governo Federal, partindo da análise da realidade urbana brasileira, que espelha um quadro de exclusão, de segrega- ção e de desigualdades sociais e territoriais ao longo das últimas décadas, e da forma como o Poder Público tem tratado a questão. Analisa, também, o desenvolvimento do movimento que defende a reforma urbana e que, a partir da década de 1980, suas propostas tornam-se referência para a elaboração e implementação de políticas alterna- tivas visando a reverter os graves problemas sociais enfrentados pelas cidades.

Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave

Palavras-chave: cidade; população urbana; Ministério das Cidades; políticas públicas;

legislação urbana; movimentos sociais; construção de processos sociais.

T E M Á T I C O

* Assessora da FASE, Secretária Executiva do Fórum Nacional de Reforma Urbana e Membro da Coordenação do Fórum Nacional de Participação Popular. E-mail: ggrazia@uninet.com.br.

* *Membro da Coordenação do Fórum Nacional de Reforma Urbana e da Direção da Coalizão Internacional do Habitat. E-mail:

evanizalr@cidades.gov.br.

A questão urbana começa a ser valorizada e politizada no Brasil a partir das grandes mo- bilizações populares ocorridas nas décadas de 1970 e 1980, canalizadas para a esperan- ça de alcançar uma melhor distribuição da riqueza nas cidades e, principalmente, contra o Estado autoritário, considerado o respon- sável pelo aumento da concentração de riqueza e poder.

A população urbana brasileira, pressiona- da pelo modelo de desenvolvimento, vinha alcançando, desde 1940, índices extraordi- nários: 31% (de 1930 a 1940); 45,83% (de

1940 a 1950); 66,66% (de 1950 a 1960);

66,39% (de 1960 a 1970); 54,43% (de 1970 a 1980). O resultado desse processo de cres- cimento populacional das cidades é a forma- ção de imensas periferias desprovidas de con- dições básicas de vida. Nesse contexto, foram surgindo, na maior parte das cidades das re- giões metropolitanas, favelas, loteamentos ir- regulares e clandestinos e cortiços.

A partir dos anos 70, os índices sobre a população urbana começam a recrudescer, apesar de ainda altos. Porém, acentua-se o quadro de desigualdade: de 1980 a 1990, a

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população que vivia em favelas passa de 2.248.336 para 5.020.517. Só no Rio de Ja- neiro, a população favelada cresceu 32% nes- se período. Os dados do Censo 2000 reiteram mais nitidamente esse quadro: enquanto as áreas centrais (mais ricas) das oito principais regiões metropolitanas do país cresceram 5%

nos últimos dez anos, as periferias dessas mes- mas regiões aumentaram 30%.

O déficit habitacional foi estimado, em 1994, pela Fundação João Pinheiro, em 5,6 milhões de moradia, sendo que 80% desse total correspondiam aos que ganhavam até cinco salários mínimos. Com os dados do Cen- so 2000, o déficit foi atualizado e já atingiu 6,6 milhões de moradias, das quais 91,6%

correspondem aos que recebem até cinco salários mínimos. Esse panorama desolador não termina aí: enquanto faltam 6,6 milhões moradias, 5.030.000 imóveis construídos es- tão fechados ou vagos. E se a esse dado for acrescido o número de glebas urbanizadas que ainda não têm edificação, possivelmente se poderia assentar o dobro da população contabilizada no déficit habitacional.

A população pobre é impelida à ilegalida- de para exercer o seu direito de morar. Essa ocupação desordenada vai gerando efeitos graves para as comunidades que vivem nos assentamentos precários. Além de todas as carências urbanas e as dificuldades de acesso à cidade, esses setores sociais estão sempre vulneráveis a toda sorte de catástrofe – des- moronamentos, enchentes etc..

Os efeitos da cidade ilegal também com- prometem a cidade como um todo por levar a uma maior incidência de inundações recor- rentes a cada período de chuva; pelo incre- mento dos congestionamentos; pelo desvio de recursos públicos de áreas já deflagradas para o enfrentamento das condições de habita- bilidade. Portanto, enquanto não existirem políticas socioeconômicas e urbanas, em to- dos os níveis da Federação, que estanquem essa dinâmica, vamos continuar assistindo ao aumento do número de favelas, de população de rua, de crianças abandonadas, de violên- cia, de formas de segregação e de discrimina- ção – sexual, de raça, etnia, idade. Os dados sobre o Rio de Janeiro são exemplares e ex- pressam o agravamento do quadro social e urbano.

Segundo dados do Censo 2000, 81% de uma população de 169.799.170 moram em cidades. Ou seja, esse crescimento urbano está marcado pela enorme concentração populacional nas áreas metropolitanas. Os números são significativos: dos 5.510 municí- pios brasileiros, 75% têm menos de 20 mil habitantes e concentram apenas 20% da po- pulação, ao passo que, das 49 aglomerações urbanas, 12 são regiões metropolitanas que abrigam 47% do total da população.

O Governo Federal, responsável por im- pulsionar um modelo de desenvolvimento baseado na industrialização – principalmente na indústria automobilística –, sempre se omitiu diante dos impactos criados nas cida-

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des relativos à concentração de renda e à falta de políticas integradas para enfrentar os gra- ves problemas sociais e urbanos.

Entendia-se que as cidades teriam de cum- prir a função de indutoras do crescimento econômico. Por conseguinte, as respostas governamentais aos impactos urbanos foram mínimas e desarticuladas até a década de 1960 e, a partir desse período, instituiu-se um pla- nejamento tecnocrata, centralizado ao nível nacional, fundamentado em princípios e nor- mas racionalizadoras como panacéia para a resolução dos problemas urbanos, visto que se acreditava que as decisões racionais, toma- das sem a participação da população, promo- veriam as condições para que as cidades ficas- sem mais equilibradas. Era necessário, segun- do essa visão predominante, “colocar ordem”

nas cidades e mudar hábitos e valores, tanto da população quanto das administrações munici- pais. O exemplo mais característico do que acontece na maioria das cidades metropolita- nas é a construção de conjuntos habitacionais distantes do acesso ao trabalho e das áreas centrais da cidade com o suposto objetivo de

“integrar” a população marginal.1

Em 1980, a crise monetária, fiscal e finan- ceira, a inflação e os vários planos econômi- cos foram subordinando a política urbana a uma condição totalmente secundária, expres- sa institucionalmente de maneira descontínua e fragmentada, atribuindo-se aos municípios a responsabilidade de enfrentar os graves pro- blemas existentes nas cidades.

A ausência da questão urbana na agenda política nacional e a falta de interlocutores cla- ros, bem como a inexistência de uma instân- cia nacional de negociação, prejudicaram a atuação dos governos locais e a participação dos atores sociais na formulação e implementação de políticas públicas voltadas para a cidade, redundando na falta de diretri- zes gerais para a política de desenvolvimento urbano, cuja competência foi delegada à União pela Constituição de 1988. Essa ausência, por sua vez, dificultou ainda mais a integração na- cional das políticas e o estabelecimento de estratégias que visassem à redução das desi- gualdades regionais e urbanas.

As mudanças protagonizadas As mudanças protagonizadas As mudanças protagonizadas As mudanças protagonizadas As mudanças protagonizadas pela sociedade ao longo de pela sociedade ao longo de pela sociedade ao longo de pela sociedade ao longo de pela sociedade ao longo de duas décadas

duas décadas duas décadas duas décadas duas décadas

A mobilização social por ocasião da Cons- tituinte retoma a bandeira da luta pela refor- ma urbana, iniciada na década de 1960 e im- pedida a sua continuidade pelo governo mili- tar. Articula-se o Movimento Nacional da Re- forma Urbana que conquista o capítulo urba- no da nova Constituição – que corresponde aos artigos 182 e 183. Esse movimento defen- dia um maior acesso da população aos bens e serviços e na gestão democrática da cidade.

Foi responsável por garantir a função social da propriedade e da cidade2 na Constituição, introduziu o debate sobre a questão redistributiva, originando a formulação de ins-

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trumentos jurídicos e urbanísticos, cuja viabilização efetivaria-se pela participação da população na construção de um novo padrão de gestão pública possibilitador do exercício da cidadania.

Os princípios elaborados coletivamente, que referenciam o Movimento pela Reforma Urba- na desde seu nascimento, são os seguintes:

- Direito à Cidade e à Cidadania - Entendido como uma nova lógica que universalize o acesso aos equipamentos e serviços urbanos, a condições de vida urbana dig- nas, ao usufruto de um espaço cul- turalmente rico e diversificado e, sobretudo, a uma dimensão polí- tica de participação ampla dos ha- bitantes das cidades na condução de seus destinos.

- Gestão Democrática da Cidade - En- tendida como uma forma de plane- jar, produzir, operar e governar as ci- dades submetidas ao controle social, destacando-se nessa gestão como prioritária a participação popular.

- Função Social da Cidade e da Pro- priedade - Entendida como a prevalência do interesse comum so- bre o direito individual de proprie- dade, o que implica no uso social- mente justo e ambientalmente equi- librado do espaço urbano.3

Esta luta, expressa em articulações de en- tidades dos movimentos populares, sindica- tos, profissionais, organizações não-governa- mentais, instituições acadêmicas e técnicos dos poderes públicos, das regiões metropolitanas principalmente, levou à conquista de capítu- los urbanos nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas, coerentes com a Constituição Fe- deral. Possibilitou, também, uma atuação in- cessante por 12 anos no Congresso Nacional para alcançar a regulamentação dos artigos 182 e 183, que culminou com a aprovação pelo Congresso Nacional da Lei nº 10.257/

2001, denominada Estatuto da Cidade.

Atualmente, graças ao Estatuto da Cidade, os municípios podem contar com uma ferra- menta preciosa para enfrentar o desrespeito aos direitos urbanos, legalizar e urbanizar a parte da cidade ilegal, promover uma gestão democrática, aplicar a função social da pro- priedade, recuperar a valorização imobiliária e fortalecer o planejamento com participação popular, tão esquecido na atual conjuntura.

No entanto, os integrantes do Fórum Naci- onal de Reforma Urbana4, criado a partir de 1989, estão conscientes de que a luta não ter- minou no que se refere à nova lei. Faz-se ne- cessário massificar a divulgação do Estatuto da Cidade e capacitar os diversos atores soci- ais, sobretudo, os técnicos das administrações locais, para que a lei se torne realidade. É pre- ciso um debate nacional para que os instru- mentos disponíveis possam ser usados em conformidade com os princípios da reforma

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urbana, pois, do contrário, teremos instru- mentos bons sendo usados para aumentar as desigualdades e a serviço das camadas sociais que sempre foram favorecidas.

O movimento em defesa da reforma ur- bana incorporou outras lutas desenvolvidas na década de 1990, entre as quais: a) a apro- vação do Projeto de Lei de iniciativa popular que cria o Fundo Nacional de Moradia Po- pular – protagonizado pelos movimentos populares e pelas entidades nacionais de movimentos de moradia –, com uma política nacional voltada para a moradia popular ela- borada com participação social; b) a defesa do Projeto de Lei 199, que propunha uma política nacional de saneamento, projeto este vetado pelo ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso; e c) a retirada de diver- sos projetos de leis que preconizavam a privatização dos serviços de saneamento ambiental.

Os avanços da redemocratização do país colocavam a retomada da bandeira de luta pela reforma urbana diante de um outro de- safio relacionado aos conteúdos dos progra- mas partidários. Conquistar os partidos políti- cos para essa bandeira tornava-se fundamen- tal para o comprometimento dos candidatos a todos os cargos com a reforma urbana, inte- grando-a a seus programas e divulgando-a junto à opinião pública. Algumas candidatu- ras ao nível local conseguiram incluir os obje- tivos do movimento em seus programas, pola- rizaram os debates nas campanhas eleitorais

e implementaram depois de eleitas propostas concretas em várias cidades.

Em esfera nacional, entre as várias atuações houve dois momentos fortes que produziram, inclusive, as condições fundamentais para a criação do atual Ministério das Cidades: a cam- panha de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República em 1994 e o Projeto Moradia, de iniciativa do Instituto Cidadania.

Programa Eleitoral da Campa- Programa Eleitoral da Campa- Programa Eleitoral da Campa- Programa Eleitoral da Campa- Programa Eleitoral da Campa- nha de Lula em 1994

nha de Lula em 1994 nha de Lula em 1994 nha de Lula em 1994 nha de Lula em 1994

Na campanha à Presidência da República de 1989, a participação dos militantes ligados ao movimento pela reforma urbana foi um pouco tímida, mas, em 1994, tem-se uma arti- culação nacional de militantes do Movimento Nacional pela Reforma Urbana, que resultou na formulação do programa de governo no que tange à política urbana.

Após o período de reformulação Constitu- cional, pela primeira vez, técnicos, intelectu- ais e lideranças dos movimentos sociais das áreas de habitação, saneamento e transporte urbano uniam-se para traçar uma política ur- bana nacional.

Assim, no Programa de Governo de Lula, em 1994, no Capítulo V, intitulado “Mudar a Vida”, está expressa a proposta de Política Urbana e Regional. Inicia com a constatação da existência no país de um quadro perverso de extrema desigualdade, social e regional.

Reconhecia a esfera federal como grande

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concentradora de recursos, não existindo portanto, uma política descentralizada, trans- parente e democrática de alocação de verbas e de participação da sociedade.

No programa de Lula, constava a análise de que a falta de planejamento democrático e de controle social para a fixação de priorida- des na aplicação de recursos e a centraliza- ção administrativa haviam alimentado o alto nível de clientelismo, de desperdícios, de irracionalidades, de cartelização, de concor- rências fraudulentas e de práticas de superfaturamento nas licitações públicas.

Para mudar essa realidade, o documento propunha uma ampla reforma urbana basea- da nos princípios do movimento, pressupon- do a implementação de uma real democrati- zação e de uma socialização do direito à cida- de como critério fundamental ao exercício da cidadania. Mostra a necessidade de constru- ção de uma política urbana articulada a uma nova política econômica, industrial, agrária, de geração de emprego e renda e ambiental.

Ainda segundo o documento da campa- nha de Lula de 1994, uma nova política de desenvolvimento urbano estava essencialmen- te relacionada a uma nova estrutura institucional: propunha-se a criação do Mi- nistério da Reforma Urbana, com competên- cia para atuar nas áreas de habitação, de sa- neamento, de infra-estrutura e de transporte urbano. Esse ministério operaria os recursos destinados a três fundos específicos, vincula- dos a três secretarias nacionais e geridos por

conselhos com atribuições específicas. Seria constituído, então, um Conselho Nacional de Política Urbana e Regional (Conpur), com- posto por representantes do Poder Público e da sociedade (movimentos populares, sindi- catos, empresários, universidades, entidades profissionais), com representatividade regio- nal. A constituição do Conpur baseava-se tam- bém na existência de conselhos nacionais temáticos – habitação, saneamento e trans- porte urbano. As atribuições do Conpur seri- am elaborar, gerir e fiscalizar a execução de uma política nacional urbana e regional.

O novo ministério teria como primeira tarefa a elaboração do Plano Nacional de Política Ur- bana e Regional (Planur), que seria submeti- do a um amplo debate nacional coordenado pelo Conpur.

O grupo que redigiu esse programa acre- ditava que um novo governo iria implementar tudo que havia sido conquistado na Constitui- ção e, por isso, propunha a compatibilização, entre as competência da União, a elaboração e a execução de planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social (Artigo 21, Inciso IX).

O Planur determinaria critérios de aplica- ção de recursos, traçaria as prioridades de in- vestimentos e as diretrizes de intervenção para a implementação da reforma urbana. Deveria conter, principalmente, a questão fundiária e a garantia da função social da propriedade; a definição de padrões mínimos de habitabilidade; a revisão das leis do inquilinato;

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do parcelamento do solo, de licitações e das cooperativas; a definição de normas de financi- amento de programas e projetos, de uma polí- tica de descentralização e de integração com os diversos níveis de governo; a capacitação das administrações locais; a elaboração de progra- mas especiais para as regiões metropolitanas.

No Programa de Governo da Campanha de Lula de 1998, os militantes propõem pela primeira vez o nome “Ministério da Cidade”

no lugar de Ministério da Reforma Urbana.

O novo programa ratifica os conteúdos de- senvolvidos em 1994 e enfatiza ainda mais a articulação das temáticas urbanas em uma única estrutura institucional.

O Projeto Moradia O Projeto Moradia O Projeto Moradia O Projeto Moradia O Projeto Moradia

O Projeto Moradia começa a ser elabora- do após a campanha de Lula à Presidência da República de 1998, por iniciativa do Instituto Cidadania e, especificamente, do Conselheiro da entidade: Luiz Inácio Lula da Silva. O proje- to, como o próprio nome já enfatiza, tem como foco central a formulação de uma política de habitação, entendendo, porém, que não se faz política de moradia sem se realizarem as devidas interseções, no que se refere ao de- senvolvimento urbano, uso do solo, sanea- mento e transporte. O projeto é contundente ao afirmar que só é possível implementar uma política de moradia com um arcabouço institucional que ofereça as condições para a implantação integrada de tais políticas.

Propõe-se a criação de um Sistema Nacio- nal de Habitação do qual fariam parte o Minis- tério das Cidades,5 os conselhos nacional, es- taduais e municipais de desenvolvimento ur- bano, os fundos de moradia nas três esferas, a Agência Nacional de Regulamentação do Fi- nanciamento Habitacional e os agentes pro- motores e financeiros, públicos e privados.

A proposta de criação do Ministério das Cidades feita pelo Projeto Moradia é justificada, em primeiro lugar, a partir da constatação de um quadro gravíssimo de injustiça social nas cidades que penaliza 81% da população bra- sileira. O segundo argumento refere-se à au- sência quase que total de uma política urba- na, sobretudo, a falta de um espaço institucional que se responsabilizasse por essa questão. Desde a extinção do BNH, a incum- bência de implementar política urbana pas- sou por vários ministérios e secretarias, que produziram programas fragmentados e descontínuos, demonstrando a ausência de informações sistemáticas, de quadros técni- cos qualificados e de estratégias para enfren- tar os problemas urbanos.

Ao Ministério das Cidades caberia, especi- almente, uma ação planejadora, normativa e articuladora, a elaboração de planos nacio- nais e a implantação de um sistema perma- nente de dados sobre as questões urbana e habitacional.

Seria criado o Conselho de Desenvolvi- mento Urbano (CNDU), no plano federal, ar- ticulado aos conselhos de desenvolvimento

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urbano nos estados e municípios, como uma instância decisória, na qual se traçariam as diretrizes da política urbana e regional. Sua composição seria tripartite: governo, setores produtivos e usuários dos serviços urbanos.

A proposta inclui também a criação de comitês (câmaras técnicas) para partilhar não apenas o poder, mas as responsabili- dades, nas temáticas reforma urbana, habi- tação, saneamento e transporte urbano. A sugestão é a de que a composição dos con- selhos, igualmente tripartite, possa servir também aos comitês.

O Projeto Moradia inclui ainda em sua pro- posta a realização de conferências em todas as esferas de governo para garantir uma am- pla representação e participação dos segmen- tos envolvidos na discussão das cidades, esta- belecendo princípios e diretrizes mais gerais que orientariam a atuação dos conselhos.

Os desafios do recém-criado Os desafios do recém-criado Os desafios do recém-criado Os desafios do recém-criado Os desafios do recém-criado Ministério das Cidades Ministério das Cidades Ministério das Cidades Ministério das Cidades Ministério das Cidades

O Ministério das Cidades de fato foi criado, mas o quadro urbano-social não modificou.

Ao contrário, os índices divulgados pelo Cen- so 2000 mostraram uma triste realidade, na qual a pobreza, o desemprego, a violência e a falta de moradias, de equipamentos e de servi- ços públicos aumentaram, se comparados aos dados de 1994. Além disso, o Governo Fede- ral conta com um orçamento módico para enfrentar os problemas de dimensões conti-

nentais como os do nosso país. No entanto, mudanças são necessárias e urgentes.

O primeiro desafio do novo ministério, com condições de ser viabilizado, é o estabeleci- mento de um sistema de participação social e de negociação coletiva, a partir da criação do Conselho Nacional das Cidades, da realização de conferências em todos os níveis da Federa- ção e da implantação das câmaras técnicas.

Os atores envolvidos com a temática urbana têm uma história pontual de negociação cole- tiva, principalmente com o governo. De 1988 até hoje, apenas dois momentos foram impor- tantes, embora muito limitados: no comitê cri- ado para preparar a Conferência Internacio- nal Habitat II (1996) e na elaboração do rela- tório brasileiro de avaliação dos cinco anos após Habitat II (2001).

No entanto, o Conselho Nacional das Ci- dades só terá densidade se se instituir uma dinâmica articulada aos conselhos e confe- rências estaduais e municipais. Será preciso o comprometimento dos outros níveis de gover- no para serem conquistados caminhos demo- cráticos de tomada de decisões para a formu- lação e implementação de uma nova política urbana.

A área governamental no âmbito da políti- ca urbana esteve ao longo de vários anos sob a responsabilidade de diferentes órgãos, que não tinham como estratégia a promoção da integração político-temática ou territorial. Ve- rificou-se uma tendência dominante de frag- mentação nas políticas e de superposição de

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programas. O Ministério das Cidades, ao se estruturar em secretarias nacionais setoriais, corre o risco de paralisar o processo de mu- dança essencial em busca de uma transver- salidade e de uma integração das políticas.

Mecanismos efetivos precisam ser criados para enfrentar a velha fragmentação do debate e da implementação de políticas.

Caberá ao Conselho Nacional das Cidades contribuir efetivamente no sentido da formu- lação de princípios básicos de transversalidade e de integração entre políticas setoriais de ha- bitação, de mobilidade urbana e de saneamen- to ambiental, propiciando, inclusive, a exis- tência de interfaces com as políticas de segu- rança pública, de saúde, de cultura, de pro- moção social, entre outras, visando um de- senvolvimento urbano sustentável.

Um outro desafio se refere à discussão sobre os fundos de políticas setoriais. Trata-se de um tema que exige um aprofundamento, apesar da premência de seu equacionamento na gestão dos recursos públicos. Existem de- mandas sociais para criação de fundos de moradia popular, de saneamento ambiental e de transporte e mobilidade, sendo que nesta última área já existem duas fontes de recurso:

o Fundo Nacional de Segurança e Educação no Trânsito (Funset) e a Contribuição de In- tervenção no Domínio Econômico (Cide). Por outro lado, existe o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, responsável pela gestão de recursos do trabalhador por meio da destinação a programas de habitação e sane-

amento. É preciso relacionar o debate sobre os fundos à elaboração das políticas e comba- ter interesses particulares que possam colo- car em risco a gestão de recursos e assegurar a implantação de programas integrados de melhoria da qualidade de vida nas cidades.

Um grande desafio a ser enfrentado será a transformação da Caixa Econômica Federal em um órgão operador da política urbana traçada pelo Ministério das Cidades juntamen- te com Conselho Nacional das Cidades, visto que, desde a extinção do BNH até o governo anterior, por omissão dos vários executivos federais, quem fixava de fato as normas e di- retrizes dos programas de habitação e sanea- mento era a CEF, orientando-se por princípios que visavam à defesa deste órgão apenas como instituição financeira. O eixo do enfrentamento está na adequação da vontade da nova dire- ção da CEF, declarada no discurso de posse do atual presidente, em transformá-la em ban- co social com a estrutura, a função e a cultura desempenhadas pela CEF até o momento. Um banco social, acredita-se, teria melhores con- dições de desenvolver em conjunto com o Ministério das Cidades uma política urbana direcionada para os excluídos.

Há uma demanda represada por parte das administrações municipais por uma interlocução objetiva com o Executivo Fede- ral. O novo ministério, ao denominar-se Mi- nistério das Cidades, cria a expectativa no pla- no institucional de poder promover uma di- nâmica permanente de resposta às demandas

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das autoridades locais, neutralizando, dessa forma, a construção de políticas públicas.

O desafio, portanto, está em como corresponder a essa expectativa sem cair num

“balcão de atendimento”, em que facilmente se potencializariam a fragmentação quase que es- trutural existente e os mecanismos ainda fortes do clientelismo que impedem a promoção e o fortalecimento do poder local como instância de um processo verdadeiro de descentralização democrática das políticas públicas.

Para combater a cultura de fragmentação das políticas, é preciso cumprir a função soci- al da cidade, prevista na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade. Trata-se de direcionar, com base em uma ampla integração das ações e dos recursos públicos, prioritariamente para as áreas de habitação, de saneamento ambiental e de transporte e mobilidade urba- na Cide mas, também, para a saúde, a educa- ção, o trabalho, a cultura e a proteção ao meio ambiente, entre outras.

Um boa iniciativa está sendo a articulação entre os Ministérios das Cidades e o da Justiça para se configurar uma política de regulariza- ção fundiária. No entanto, a experiência subs- tantiva acumulada pelas administrações locais e organizações sociais não deve ser colocada à parte para se incorporarem propostas neoliberais tidas como modernas. O Ministé- rio das Cidades tem como desafio assumir o compromisso de potencializar os esforços do capital social existente para lograr políticas que realmente enfrentem a exclusão.

O Ministério das Cidades, ao almejar cida- des mais justas, democráticas e sustentáveis, terá de obrigatoriamente formular políticas e apresentar soluções para o desenvolvimento regional e das áreas metropolitanas, visando ao combate à desigualdade e à segregação social e territorial, à pobreza, à violência, à degradação ambiental. Refletindo a conjuntu- ra social que demandava o desmantelamento do autoritarismo, a Constituição de 1988, ao fortalecer a autonomia dos municípios, não tratou com a devida atenção os dois temas ora carentes de institucionalidade política. É pre- ciso estimular o debate e levantar os proble- mas causados com esta omissão.

Por fim, é necessário enfrentar o desafio do equacionamento, a médio e longo prazos, de traçar um plano de desenvolvimento urba- no não submetido aos ajustes e planos econô- micos, mas, sim, gestado democraticamente com a sociedade e de forma integrada às polí- ticas econômicas e sociais.

Referências Bibliográficas Referências Bibliográficas Referências Bibliográficas Referências Bibliográficas Referências Bibliográficas

DE GRAZIA, Grazia (Org.). Plano Diretor: ins- trumento de Reforma Urbana. Rio de Ja- neiro: FASE, 1990.

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LULA. Programas de Governo. Campanhas de 1994 e 1998.

LULA, Luiz Inácio Lula da Silva e CAMARGO, José Alberto de. (Coords). Projeto Moradia. São Paulo: Instituto da Cidadania, maio 2000.

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Abstract Abstract Abstract Abstract

Abstract – This article presents an evaluation of the main reasons and the conditions for the creation of the Ministry of the Cities by the present Federal Government, starting from the analysis of the Brazilian urban reality, which reflects a scene of exclusion, segregation, and of social and territorial dissimilarities, along the last decades. It is also analyzed how the Federal Government has been dealing with this matter and the development of the movement for urban reform with the propositions that have become a reference, since the 1980’s, in the elaboration and implementation of alternative policies to revert the serious social problems confronted in the cities.

Keywords Keywords Keywords Keywords

Keywords: city; urban population; Ministry of the Cities; public policies; urban legislation; social movements; construction of social processes.

Resumen Resumen Resumen Resumen

Resumen – Este artículo presenta una reflexión sobre las principales justificativas y condiciones para la creación del Ministerio de las Ciudades por el actual Gobierno Federal, a partir del análisis de la realidad urbana brasileña, que refleja un marco de exclusión, de segregación y de desigualdades sociales y territoriales a lo largo de las últimas décadas, y como el Poder Público ha tratado la cuestión.

Analiza, asimismo, el desarrollo del movimiento que defiende la reforma urbana y como, a partir de la década del 80, sus proposiciones se vuelven referenciales para la elaboración e implementación de políticas alternativas que visen hacer retroce- der los graves problemas sociales enfrentados por las ciudades.

Palabras-clave Palabras-clave Palabras-clave Palabras-clave

Palabras-clave: ciudad; populación urbana; Ministerio de las Ciudades; políticas públicas; legislación urbana; movimientos sociales; construcción de procesos sociales.

Notas NotasNotas Notas Notas

1 A política de conjuntos habitacionais implementada pelo extinto BNH foi criticada pela literatura voltada para as questões urbanas, pelos movimentos sociais e pelo atores sociais que atuam nas cidades durante uma década. Não obstante, essa visão foi concretizada novamente em período recente no Estado do Rio de Janeiro, na primeira gestão do Governador Garotinho, que autorizou a construção de um conjunto imenso em Sepetiba, longe do acesso a todos os benefícios.

2 Entendido como o uso socialmente justo e ecologicamente equilibrado do espaço público.

3 Carta de Princípios para a Elaboração do Plano Diretor, FNRU, 1989. In: De Grazia, 1990.

4 A Coordenação do FNRU é composta por 14 entidades nacionais que atuam em diversas áreas da questão urbana. Mais informa- ções podem ser obtidas no site do Fórum: www.direitoacidade.org.br.

5 O Projeto Moradia modifica de certa forma a noção mais geral imbuída no nome “Ministério da Cidade”, no singular, isto é, um ministério que iria ter como objeto central a questão urbana. A denominação no plural, de “Ministério das Cidades”, neutraliza esse conceito inicial.

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