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Desafio centenário

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O Estado de São Paulo

Quinta-feira, 29 de outubro de 1998

Desafio centenário

“Muito terá feito pela República o Governo que não fizer outra coisa senão cuidar de suas finanças”

MARCELO DE PAIVA ABREU*

Exatamente um século após a primeira grande renegociação da dívida externa brasileira, no governo Campos Sales, as autoridades brasileiras encontram- em posição similarmente frágil.

A credibilidade da política depende crucialmente, de novo, do sucesso do programa de ajuste fiscal. É certo que as circunstâncias são algo diversas. A crise no final da primeira década republicana não era de natureza global como a presente desorganização dos mercados financeiros internacionais. Enquanto Campos Sales herdou finanças avariadas por seus predecessores, parida má herança atual decorre de timidez do ajuste no primeiro manto do próprio FHC. Mas as semelhanças são importantes e as lições a tirar da história são de grande utilidade.

A economia brasileira enfrentou dificuldades crônicas de balanço de pagamentos na década de 1890, depois que se esgotou o boom associado à pensão monetária patrocinada por Rui Barbosa no Encilhamento. Caiu o saldo da balança comercial, aumentou serviço da dívida externa, diminuiu a entrada de novos empréstimos. Deteriorou-se o quadro fiscal. O manifesto eleitoral de Campos Sales já enfatizava a prioridade no saneamento financeiro da República: “A restauração das finanças é a obra ingente que se impõe às preocupações patrióticas do governo da República. Não há, portanto, lugar para os vastos programas de administração, que, aliás, se incompatibilizam radicalmente a situação do Tesouro, tal como ela se desenha. Considero por isso dever de lealdade não abrir esperanças, nem contrair compromissos de outra ordem. Muito terá feito pela República o governo que não fizer outra coisa senão cuidar das suas finanças”.

O empréstimo de consolidação obtido pelo Brasil, inspirado no exemplo argentino de 1891, envolvia a suspensão do pagamento do serviço da dívida externa, a emissão por três anos de títulos à medida que maturassem os juros de empréstimos incluídos na consolidação e os pagamentos de garantias ferroviárias. O empréstimo seria garantido pela receita da alfândega do Rio de Janeiro e, subsidiariamente, pelas receitas das demais alfândegas brasileiras.

Previa-se a suspensão das amortizações de todos os empréstimos incluídos no funding por 13 anos. Campos Sales visitou N. M. Rothschild & Sons, em Londres, durante sua viagem pós- eleitoral à Europa, e suas ponderações teriam possibilitado a retirada da Estrada de Ferro Central do Brasil e do serviço de águas da Capital Federal da lista inicial de garantias exigidas pelos credores. Teria, ainda, influenciado para atenuar as cláusulas que condicionavam o refi- nanciamento da dívida à contração do meio circulante.

A casa Rothschild solicitou de Campos Sales garantia em carta, alegando ser necessária para convencer os credores que os banqueiros nada haviam negligenciado na salvaguarda de seus interesses. O presidente escreveu uma carta pública, em termos que seriam duramente criticados pela oposição: “Posso assegurar-vos que... o governo brasileiro terá grande empenho em dar ao acordo plena e inteira execução em todos os seus termos”. Nada, entretanto, que se pudesse comparar às críticas que se acumulariam no Brasil contra Joaquim Murtinho, o ministro da Fazenda de Campos Sales, em vista das consequências de seu programa de esta- bilização: queda do nível de atividade, quebra de instituições financeiras e significativa

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apreciação cambial. A crise financeira que se seguiu à instituição do programa de estabilização rapidamente alastrou-se, atingindo especialmente os bancos brasileiros, e o governo terminou por assumir o controle do Banco da República, passo inicial do processo que levaria à sua reconstrução como o terceiro Banco do Brasil, em 1905. A reabilitação consagradora de Murtinho viria com a recuperação econômica na década de ouro, especialmente entre 1905 e 1912, em meio a muita plata Dulce.

Para que o sucesso da política econômica em 1898-1902 tenha alguma possibilidade de repetição, depois de um século, é necessário que algumas condições mínimas se verifiquem.

Embora o programa tenha sido duramente criticado, Campos Sales assegurou a Murtinho contínuo e total apoio político, bem como unidade de comando em relação à política econômica. À época, não se tem registro de recalcitrância de ministros gastadores com projetos próprios que conflitavam com o interesse coletivo.

Por outro lado, Campos Sales concentrou esforços pessoais na contenção dos interesses estaduais, extraindo um pacto dos governadores baseado no fortalecimento do Executivo. De forma semelhante, controlar a propensão ao descontrole financeiro dos governadores gas- tadores requererá, no momento atual, completa mobilização da grande capacidade política do presidente.

Em algum momento, no passado recente, era razoável imaginar que o presidente Fernando Henrique entraria para a história como estabilizador bem-sucedido a Campos Sales, no primeiro mandato e, depois, como gastador à Rodrigues Alves, nos próximos quatro anos. A preservação da estabilização assegurada no primeiro quadriênio é agora ameaçada pela perda de credibilidade decorrente do descontrole dos gastos públicos a partir de 1995, agravada pela deterioração do quadro financeiro internacional. Mais do que nunca é necessário aderir ao mote

“governar é escolher”, esquecendo o de “dividir para reinar”. A escolha menos onerosa no longo prazo, para a imagem do presidente e para o País, é a que enfatiza a absoluta prioridade do ajuste fiscal.

* Marcelo de Paiva Abreu é Professor do Departamento de Economia da PUC-Rio.

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