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1 O PODER DA INFORMAÇÃO NA TRANSFORMAÇÃO DA REALIDADE Gerson Machado de Avillez

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O PODER DA INFORMAÇÃO NA TRANSFORMAÇÃO DA REALIDADE

Gerson Machado de Avillez 1

Resumo: O presente artigo visa abordar como a especulação ou direcionamento da informação, factível ou não, torna possível alterar o fluxo de realidade sendo capaz de estabelecer modos de transformar e moldar os costumes, atitudes e comportamentos de modo efetivo na realidade através de seus receptores, seja pela educação, cultura ou mídia. O trabalho terá por base primária os livros Ars Ad Speculum (Avillez, 2014) e Signos Universais do Ethos (Fontana, 2020), assim como outros artigos científicos como exemplos ilustrativos artigos atuais.

Palavras-chave: Valores, Ethos, Conhecimento, Informação.

Introdução

Da ampla discussão cultural e midiática da post-modernidade sobre uma ‘pós- verdade’ que descambam ao relativismo quer permeiam tanto a informação sem objetividade e inconsequentes atitudes e valores decorrentes, assim como as ainda discutíveis delimitações das fake news, observamos como a resultante crise de credibilidade e valores se apossam no desalento do cidadão conturbado por um excesso de informação em proporção a ausência de substancialidade. Como observa Prior (2019, p.76) “na era da pós-verdade, assistimos a uma certa erosão da factualidade, onde os conceitos de mentira, verdade, ‘factos alternativos’, manipulação e desinformação se têm revelado extraordinariamente atuais.”

Se antes a escassez de informação demonstrava-se o problema hoje se dá pelo oposto ao munir o cidadão comum por um excesso de dados na rede internacional de computadores, informações muitas vezes desencontradas ao serem frequentemente deformadas de modo tendencioso por fatores ideológicos, políticos ou religiosos. Com o advento da globalização a medida que se estreitam as fronteiras delimitações e definições se esvaem pela subjetivação dos fatos correlacionados em detrimento interpretativo e pessoal, raiz de toda parcialidade ao tornar a verdade relativa ao mesmo que perfaz um campo cinzento de equivalentes valores tortuosos.

1

Graduado em Pedagogia pela Faculdade União Araruama de Ensino (FAC-UNILAGOS).

(2)

Para Hardt (2018, p.4) “somos seduzidos pelo gosto da verdade que muito rapidamente faz uma aliança com nossas convicções (...). Para materializar isso, parece, buscamos aliados e nessa direção as estratégias implicam criar multidões que encenam o consenso. Encenam uma versão da história para convencer, classificar o que é bom e o que é mau”. Disso nasce a concepção da pós-verdade ao produzir ruído informacional pela deturpação dos desejos como ódio e medo vindo a caracterizar a pós-verdade sendo o “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”. (Oxford Dictionaries, 2016). O efeito parece muitas vezes resultar na ampliação intencionalmente ou não, de modo benéfico ou não a uma janela de Overton 2 .

O desenvolvimento desse artigo está determinado predominantemente na pesquisa bibliográfica de diversos autores e artigos afim não somente de enriquecer o texto como exemplificar e demonstrar por meio de outros trabalhos este trabalho apresentado acerca do referido tema.

Autores estes como Lorena Ferreira (2018), Fontana (2020), Avillez (2014), Prior (2019) e Guareschi (2018). De modo que terá maior enfoque na pesquisa bibliográfica desse e outros autores que nos serão apresentados ao longo do artigo.

O presente artigo será dividido em três seções, a primeira demonstrando definições de como a informação pode ser capaz de manipular as pessoas enquanto na segunda objetivamos discutir aspectos de como tais informações, verdadeiras ou falsas, tem impacto transformador na sociedade e realidade sendo de modo positivo ou negativo. A terceira parte por sua vez iremos abordar a erosão moral proporcionada pelas informações falsas tal como propostas que possam elucidar o problema inerente as deformações na realidade por causa disso e a consequente crise de valores e credibilidade decorrente da informação distorcida como transmissor meramente volitivo de vontades massificadas ou elitistas na destituição objetiva dos fatos. Por fim as considerações finais discutimos brevemente num retrospecto tudo o qual podemos aprender e refletir acerca do assunto.

2

Designa a gama de ideias toleradas no discurso público; Joseph Overton biography and article

index». Mackinac Center for Public Policy. Consultado em 30 de agosto de 2013.

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1. Da Pós-Verdade as Fake News

Com o advento da internet à globalização o estreitamento das fronteiras e culturas eclodiram num vórtice volitivo de conflitos num fenômeno cultural conhecido por pós-verdade. Para o Wikipedia 3 a Pós-verdade “é um neologismo que descreve a situação na qual, na hora de criar e modelar a opinião pública, os fatos objetivos têm menos influência que os apelos às emoções e às crenças pessoais.”

Dentre os fatores que influenciaram a eclosão da Pós-Verdade seria para Reis uma quantidade muito grande de informação que, no entanto, são acompanhadas de uma formação e reflexão reduzidas ao mínimo (2017, p.5) de modo que para Guareschi (2018, p.4) seria o que “abre espaço, então, para uma banalização da mentira."

Sobretudo o aspecto volitivo o qual assenta a Pós-verdade demonstra-se claro pelo qual podemos observar através de Alves (2018, p.4) que esta “só se torna eficaz devida capacidade de alcançar grupos que se guiam por concepções afetivas, uma vez em contato com esta informação, tais grupos afirmam suas identidades, independente da veracidade daquilo que é exposto a eles.”

Disso se tornou um pulo para as fakes news abastecidas num terreno fértil do emocional da população em decorrência da insegurança instaurada. Pois como podemos constatar a pós-verdade demonstra-se como o predomínio da subjetividade sobre a objetividade exterior dos fatos. Logo a objetividade dos fatos, do concreto, se esvai dando lugar um relativismo pelo qual é descrito por Junior (2019, p.6) tem raízes cognitivas como vemos abaixo:

o relativismo cognitivo associado à pós-modernidade impõe uma espécie de pacto anticomunitário. A realidade passa a ser vista como uma esfera tão elusiva, cheia de meandros, de perspectivas divergentes e de grupos heterogêneos, que a busca pela verdade já não representa mais uma missão prioritária. Nesse ambiente florescem discursos pluralistas em que o escrutínio crítico de evidências, cada vez mais, dá lugar à escolha de “times” aos quais pertencer e cujas narrativas devem ser subscritas e propagadas.

(JUNIOR, 2019, p.6)

3

https://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%B3s-verdade#cite_note-3

(4)

Todavia não é novo o conceito das notícias falsas deliberadamente ou não.

De acordo com Prior (2019, p.95-96) “The Sun, um jornal nova-iorquino editado entre 1833 e 1950, publicou seis artigos sobre a descoberta de vida na Lua, descoberta atribuída ao astrónomo John Herschel. Isso mostra que o problema das fake news não surgiu especificamente com a profusão das redes sociais digitais.”

De modo similar a transmissão de rádio feita por Orson Wells em 30 de outubro de 1938 (Ferreira, 2013, p.2) gerou pânico ao narrar uma invasão alienígena do livro ‘Guerra dos Mundos’, o mesmo podemos constatar mesmo que no citado caso tenha sido anunciado amplamente ter se tratado de uma ficção.

Conforme Prior (2019, p.80) o texto Truth and Politics publicado em 1967 revista New Yorker mencionava a emergência e triunfo da mentira “completa e definitiva” através de recursos e técnicas mediáticas da “manipulação dos fatos” o que contradiz o que propõe a informação verdadeira de acordo com Alsina e Silva (2020) o que não serve a nenhum projeto de justiça. Os mesmos autores ainda ressaltam que:

"A aproximação da verdade, da versão mais fiel perde espaço para um pequeno desvio ético em nome da visibilidade, que gera uma pseudoaudiência, para notícias que se não são totalmente falsas, carregam o DNA da simulação, da criação em nome dos acessos e compartilhamentos. Um outro ponto, mais grave: geram a base da pós-verdade."

(ALSINA e SILVA, 2020, p.22)

Não somente isso, dos apelos a maior audiência os mesmos parecem suceder a interesses instrumentalistas de grupos, mas que sendo estes “políticos, econômicos, apesar de ser essa uma realidade dura, passível de debate e resistência." (ALSINA e SILVA, 2020, p.6). Disso aparenta acrescer um feedback inflamatório a realidade pelo qual Fontana (2020, p,91) diz que assim como o subjetivismo adjacente “dilaceram a informação e a pureza das verdadeiras ideias.”

Os interesses na manipulação da informação detêm aspectos que

ambicionem controlar a realidade pelo condicionamento ou manipulação volitiva do

povo pois conforme descrito por Avillez (2014, p.27) “as vezes é melhor influenciar

pelas ideias e sugestão do que mandar pelo poder, pois o primeiro tem os sentimentos

e livre-arbítrio, o posterior apenas a ação, não lembrando que a essencialidade do

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universo é a informação que o move assim como as palavras da verdade”. De acordo com o mesmo autor ponderam que:

a informação construiu impérios e quando privilegiada torna-se até mesmo um ato não honesto, as mesmas informações podem ruir igualmente impérios financeiros em poucas horas, tornando suas ações a preço de papel higiênico. (Avillez, 2014, p.29).

A apologia ao mercado financeiro pontuado pelo capitalismo especulativo exacerba claramente como um exemplo de como a informação demonstra poder catalizador tanto negativamente quando de forma positiva.

Em parte, o grande problema tem origem num relativismo que desfaz mesmo paradigmas, algo que para Avillez tem relações com a forma de medir o mundo num senso de comparação que se escora mesmo a epistemologia, sendo mais uma representação da realidade como a interpretação é para a verdade. Conforme Avillez (2014, p.155) “a medida pode ser por si só representativa, não absoluta mediante a própria condição da realidade relativa. Assim a verdade pode estar de acordo com a realidade, mas nem sempre uma realidade estará de acordo com a verdade.”

Ora, se medirmos algo partir de uma medida relativa o resultado não pode apresentar solidez. Não somente num aspecto físico a exemplo da relatividade a situação fica ainda mais nebulosa tratando-se da esfera humana em suas relações sociais, tornando preciso paradigmas sólidos para a sociedade como a velocidade da luz é para a física:

A verdade é fiel as origens e aos padrões, não meramente a verdade colocada por uma realidade aparente, pois o aparente pode ser ilusão, apenas a superfície e assim indica apenas uma verdade igualmente superficial, a relatividade da verdade dar-se-á pela relatividade de uma realidade. (Avillez, 2014, p.154)

A busca pela verdade num sentido epistemológico assim deve procurar ater- se numa apropriação singular que aspire não ao absoluto, mas a uma substancial solidez que sirva de base norteadora que numa sociedade aspire as verdades culturais e assim seus valores decorrentes ao contrário da inconstância, dualidade e ambiguidade hoje presentes na pós-verdade.

2. A Informação na Transformação da Realidade

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De acordo com Avillez (2014, p.14) Robert Fulton poderia ter mudado o rumo das guerras napoleônicas e assim o resultado histórico alterando a realidade caso a ideia dos barcos a vapor fossem aceitas por Napoleão Bonaparte. Ao ter sido ridicularizado por sua tecnologia que fora rejeitada pelo mesmo, o resultado histórico conhecemos. Assim esse exemplo demonstra claramente como a informação e conhecimento mediante as escolhas tomadas podem resultar em grandes mudanças no fluxo histórico da realidade. Ainda que esse caso tenho por exemplo um invento real, hoje problemas similares acontecem através da chamada Pós-Verdade o qual o ápice culminou na deliberação das fake news pelo qual segundo Junior (2019, p.2) na

‘eleição presidencial de 2018 revelou o impacto decisivo exercido por boatos na configuração da opinião pública e na percepção dos eleitores em relação aos candidatos e às suas respectivas propostas.”

Isso ocorre pelo fato de que “os eleitores escolhiam um partido com base em afiliações de valor, adotavam as opiniões da tribo, desenvolviam argumentos para apoiar essas opiniões e (só então) selecionavam fatos para reforçar essas alegações”

(D’ANCONA, 2018, p. 21).

Por meio disso contemplamos uma forma de manipular a opinião pública a culminar numa mudança de comportamento que, como visto no caso dos eleitores acabam por influenciar negativa ou positivamente uma eleição e assim o curso de um país e mesmo da história, o que para Prior (2019, p.86) “os conceitos “desinformação”

e “manipulação” são conceitos estreitamente relacionados com a prática da mentira na política. Técnicas ocultas do lado do emissor que moldam a informação com vista a despertar determinados efeitos nos receptores da mensagem, mas que são baseadas em pressupostos falsos, procurando manipular, intoxicar ou distrair a opinião pública.”

Não obstante o mesmo assim observa uma literal mudança comportamental e da mentalidade atingida pela:

ascensão e o triunfo da mentira “completa” e “definitiva”, nas palavras

de Arendt, surge ancorada num laborioso trabalho de manipulação e

fabricação dos factos relacionado não só com o desenvolvimento, mas

essencialmente com a prevalência dos meios de comunicação na

construção social da realidade das sociedades contemporâneas e na

própria textura geral da experiência. Por conseguinte, as mentiras

políticas modernas são manufaturadas, elaboradas, programadas e

(7)

difundidas enquanto factos que se impõem à própria realidade, sem que os indivíduos estejam perfeitamente conscientes disso.

(Prior, 2019, p.84)

Observamos movimentos similares e precursores na Ascenção do Nazismo onde a exemplo da própria propaganda era usada ostensivamente afim de moldar a opinião pública o qual a exemplo de seu ministro Joseph Goebbells se atribui a frase predita na década de 1930 (Carlan, 2009) "uma mentira contada cem vezes torna-se verdade". Dando seguimento a esse tipo de pensamento que de acordo com Barbosa (2013) “Hitler justificou o massacre à sociedade dizendo que foi uma forma do estado se defender de traidores, amparando-se em documentos falsos que mostrariam que Roehm receberia subornos da França para tirar Hitler do poder”. O mesmo apoiando- se em similaridade ao incidente que levou a invasão da Polônia em setembro de 1939 conflagrando a II Grande Guerra Mundial.

Igualmente do mesmo tipo de pensamento arraigado mais na vontade que nos fatos, conforme predito por Adolf Hitler onde a exemplo do documentário nazista ‘O Triunfo da Vontade’ (Triumph Des Willens, 1934) evocava o Ubermensch 4 como aquele que “é o que tem vontade forte e que se supera porque tem essa vontade”

(Barbosa, 2013) podemos hoje constatar na emergente pós-verdade como um preâmbulo de volição caótica.

Disso podemos observar a maneira que, tal como Goebbels predisse a mentira vem sido repetida incessantemente:

“Nunca se mentiu tanto como nos dias que correm. Nem de modo tão desavergonhado, sistemático e constante. Isso pouco importa dir-nos- ão, talvez: a mentira é tão velha como o mundo ou, pelo menos, quanto o homem: mendax ab initio” (Koyré, 1996, p. 1).

Os aspectos repletos de meandros análogos ao mesmo parecem remeter a mesma estrutura tática vista pelo Reich alemão pelo fato que o mesmo além de utilizar-se de ideias similares ao ministro da propaganda Goebbels:

Alguns consideram que o discurso da pós-verdade corresponde a uma suspensão completa da referência a fatos e verificações objetivas, substituídas por opiniões tornadas verossímeis apenas à base de repetições, sem confirmação de fontes. Penso que o fenômeno é mais

4

Do alemão ‘Super-homem’.

(8)

complexo que isso, pois ele envolve uma combinação calculada de observações corretas, interpretações plausíveis e fontes confiáveis em uma mistura que é, no conjunto, absolutamente falsa e interesseira.

Não se trata de pedir ao interlocutor que acredite em premissas extraordinárias ou contraintuitivas, mas de explorar preconceitos que o destinatário cultiva e que, gradualmente, nos levam a confirmar conclusões tendenciosas. (DUNKER, 2017)

As fake news demonstram a habilidade intencional de mentir ao contrário da relativização, o que não impede, no entanto, o mesmo ato da imposição do subjetivo e relativo como ferramenta da mentira, engano e dano ao despontar a uma construção da realidade que parece reforçar a pós-verdade como fenômeno volitivo pois como define Alsina e Silva (2020, p.22) a “pós-verdade é uma mentira que foca na força dos efeitos emotivos da mensagem em detrimento do conteúdo e do fato”.

Todavia não bastando o nicho emocional e apelativo que encontra a pós- verdade, sendo através das fake news, ou não observamos ainda a influência de outros fatores mesmo no tido jornalismo mainstream como:

...não bastasse as distorções motivadas por linhas editorias, ideologia, interesses políticos e econômicos que forçam a construção de uma realidade distorcida, estamos diante de um eufemismo que deve ser desmontado a cada dia por jornalistas."

(ALSINA e SILVA, 2020, p.22)

Demonstra-se assim que em todos os casos usam da informação de modo deformado em interesses próprios ao visar não o interesse estritamente público, senão manipula-lo a seus próprios fins, pois como diz Alsina e Silva (2020, p.22) "é importante ressaltar que desde sempre o poder quer manipular."

Mediante o excesso de informação presente hoje se tornou muito mais fácil perder-se em meandros de dados dos quais para Alsina e Silva (2020, p.21) "as versões, os vídeos que circulam mais facilmente podem ser a contra prova, o cruzamento de dados que só se fazia dentro das redações. Ficou mais fácil perder a credibilidade e colocar na linha de tiro o contrato de confiança com o público. Por isso, a luta por mais rigor, precisão, pluralidade e transparência deve ser ainda maior."

O adendo demonstrado pelos autores assim corrobora a urgente necessidade

de transparência e isenção dos veículos midiáticos de informação em sua completude

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como verdadeiro serviço ao interesse público. A busca do ideal seria se ater mais do que versões ou interpretações, mas fatos objetivos que as razoem ante ambos lados.

3. Da Distorção da Verdade à Erosão da Ética

Com o advento da internet e as tecnologias da informação favorecendo um mundo globalmente conectado e predisposto a notícias quase instantâneas surgiu um novo problema em relação aos desafios demonstrados anteriormente, mas que parecem ter por ápice não somente a erosão da verdade, mas ética. Conforme Guaraschi (2018, p.14) “tais tecnologias, supostamente facilitadoras, podem atentar contra o que há de mais central no ser humano, o que através dos séculos se denominou como sendo o tripé da dignidade humana: consciência, liberdade, responsabilidade. ”

Isso parece se esvair justamente pelo citado anteriormente quando o apelo volitivo a emoção e desejo sobrepõe a verdade. Ora, se para Kant a verdade objetiva seria ao afirmar que "o princípio incondicional da veracidade, um mandamento apodíctico, rigoroso, 'um mandamento sagrado da razão'" (Prior, 2019, p.84), o oposto diz o filósofo Santo Agostinho ao afirmar que a mentira se fundamenta na intenção (2019, p.79) em similaridade ao pensamento mágico.

Curiosamente isso pode ser visto mesmo no jornalismo aonde de acordo com Alsina e Silva (2020, p.21) “buscam a uma notícia com impacto visível; com clichês, frases de efeito, títulos e manchetes voluntariamente criadas para atrair, que ajudam o público a se conectar facilmente, que enganam no todo ou em parte.”

Disso podemos deduzir uma consequente afecção comportamental tendo por ápice uma ética não menos tortuosa e cinzenta em decorrência da relativização da verdade. As grandes mentiras como os pecados intencionais nunca vêm sós, mas sempre se tornam um escudo da falta de responsabilidade moral e histórica, de modo que tais deformações “tem uma irrecusável importância contemporânea, com consequências ontológicas e epistemológicas, morais e éticas para humanidade”.

(KARAM, 2014 p.44). Porquanto compreendemos que a compreensão dos mesmos

ao afetarem a percepção e vontade denotam aspectos correspondentes nos

comportamentos.

(10)

Na era da pós-verdade, as fronteiras entre a verdade e a mentira são, com efeito, cada vez mais ténues: honestidade versus desonestidade, ficção e realidade fabricada versus verdade e factualidade. (Prior, 2019, p.91)

Guareschi (2018, p.3) parece igualmente concordar com Prior ao mencionar o fato de que “a Pós-verdade, como uma indiferença aos fatos, não seria um adjetivo de um mundo sem verdade e sem mentira, de um mundo sem limites éticos?”

Ainda que dentro do embate cultural sempre tenha sido natural a afluência dialética de visões como parte diversificada da pluralidade, e assim da evolução (ou não) dessa cultura e seu Ethos, o mesmo também pode erodir caso exacerbe ao obscurantismo e ao meramente subjetivo contrário aos fatos exteriores quando Guareschi (2018, p.2) afirma que:

Poderíamos dizer que essa é a dialética que acompanha a história da comunicação desde que o ser humano iniciou sua situação de partilha com outros. Ela foi sendo enfrentada e trabalhada, e se reapresenta nos dias de hoje sob formas surpreendentes, que para alguns se constitui até mesmo numa nova era: a era da Pós-verdade.

A mentira provavelmente é tão antiga quanto a linguagem, de certo mesmo animais aprenderam a dissimular e fingir na natureza, tanto predadores para caçar, quanto presas para se camuflar na vegetação, a mentira é um instinto tão antigo quanto a selva e que a civilização apenas institucionalizou sob a forma da política.

Como se sabe, a arte do segredo, os arcana imperii, a simulação e a dissimulação, a astúcia e o engano, a falsificação deliberada, foram sempre considerados meios legítimos para alcançar fins políticos. Não são poucos os tratados do Renascimento e do Barroco que elevam a mentira, a simulação e a dissimulação, a arte do segredo e da ocultação, à condição de princípios gerais de atuação política.

(PRIOR, 2019, p.80)

Pelo fato de claramente a aludir na influência de decisões as fake news, tanto

quando o predomínio do subjetivo do qual advém um relativismo parece demonstrar

condutas igualmente duvidosas ou sem quaisquer transparências. Como Alves (2018,

p.2) diz assim “podemos constatar que a credibilidade dada às falsas verdades expõe

um momento em que busca pela verdade é colocada em segundo plano ou ainda é

desconsiderada no ato de ponderação e tomada de decisões políticas e éticas.”

(11)

Compreendemos certamente que assim como diz a autora Cornelia Funke

"onde se queimam livros, em breve passarão a queimar pessoas”, a deturpação de conhecimentos, informações e fatos tal como sua ocultação ou destruição podem ser catalizadores erros ainda maiores. Da vírgula equivocada ao crime consumado ser perfaz um abismo rapidamente atingido em totalidade tal como observamos numa ficção de um ‘contrato com Mephisto’.

Considerações Finais

Durante toda a pesquisa bibliográfica sob o olhar de diversos autores que se debruçaram sobre o tema aqui abordado pudemos observar não somente concepções comuns sobre os graves problemas da deturpação da informação na era da pós-verdade, mas a perspectiva que conclui os mesmos efeitos nocivos em consequência disso, uma deterioração ética o que justamente reforça a crise de credibilidade e a similar crise de valores instaurada na sociedade criando deformações tangíveis numa realidade transformada lamentavelmente de modo no geral negativo por causa disso.

Há verdades inerentes aos atos, fatos e mesmo aos sentimentos ou pensamentos, mas uma coisa seriam possibilidades verdadeiras e outras impossíveis.

O problema é que há uma luta dialética entre perspectiva, interpretação e fato objetivo que gera um conflito que é apenas base da insanidade e não passa de uma guerra narrativa, não da imposição dos fatos objetivos, mas da vontade num fenômeno que não é tão diferente assim da história escrita por séculos pela predominância etnocêntrica, a exemplo da história ocidental predominada pelo eurocentrismo ao contrário do fazer histórico annales mais isento e respeitador a pluralidade cultural.

A imposição da subjetividade é um subproduto da pós-verdade que parece apenas promover uma esquizofrenia moral arraigada num pensamento mágico como a do nazismo. Ao invés de buscar fazer uma crítica a realidade, passa tentar impor o que é a realidade contra os fatos. Como diz Prior (2019, p.89) seria como numa:

entropia informativa, a proliferação de visões por vezes distorcidas da

realidade, o excesso de informação que circula e que é partilhada nas

redes sociais, muitas vezes falsa e difundida com o propósito de

enganar ou confundir as mentes dos sujeitos, coloca novos desafios,

não só aos agentes do sistema mediático, mas também aos próprios

cidadãos.

(12)

(PRIOR, 2019, p.80)

Uma coisa é você ser o que seu direito permite, outra e dissociar a realidade como base da loucura. Por isso coisas como janela de overton, pensamento mágico, esquizofrenia moral tem vínculos e relações com a pós-verdade, o qual a própria fonte de fake news e hoax se tornam indistintas. A queda das definições no rompimento generalizado de fronteiras assim exacerba limites éticos, morais e até legais. que é a realidade contra os fatos:

A informação atual da informação jornalística e do direito social à informação precisa ser tratada na contemporaneidade, na dimensão que possui a conexão internacionalizada da economia, da cultura, da política, enfim, da sociedade humana em sua complexidade ontológica, epistemológica e tecnológica no século XXI. Falar em direito, em moral e em ética não é, portanto, somente nos rendermos às evidencia dos limites da prática social e da prática jornalística.

Implica, ao contrário, a potencialidade de intervir no futuro social da humanidade." (KARAM, 2014, p.31).

Os grandes desafios do século XXI será vencer a grande ambiguidade informacional não somente pertinente a mídia e jornalismo, mas mesmo a educação e história como modo de garantir que sejam mantidas todas as conquistas dos tempos anteriores, sendo esses em direitos a minorias, ou mesmo da credibilidade que tornou possível a consolidação da cultura midiática de outrora, pois apenas com os raios solares da revelação transpassarem os últimos recantos do obscurantismo teremos plenamente os conceitos de transparência indeléveis afim de garantir igual isenção tanto ética quanto para com a informação. .

"Porque nada podemos contra a verdade, senão pela verdade."

2 Coríntios 13:8

Referências bibliográficas

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ALVES, Lorena Ferreira. Fake News: contra-ataque à pós-verdade. Encontro

Internacional de Arte e Tecnologia. n.17. 2018.

(13)

AVILLEZ, Gerson Machado; Ars Ad Speculum: Discursos Sobre a Realidade. 1.

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BARBOSA, Silvio H. V.. O mito em O Triunfo da Vontade: uma análise do documentário de Leni Riefenstahl. Communicare (São Paulo), v. 13, p. 99-112, 2013.

FERREIRA, Andreia da Paixão; A invenção do rádio: um importante instrumento no contexto da disseminação da informação e do entretenimento. Múltiplos Olhares em Ciência da Informação, v.3, n.1, mar.2013.

FONTANA. William; Signos Universais do Ethos. 1. ed. Araruama: Clube de Autores, 2020.

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HARDT, Lúcia Schneider. O Sentido da Hesitação no Contexto da Pós-verdade.

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GUARESCHI, Pedrinho. Psicologia e Pós-Verdade: a Emergência da Subjetividade digital. Santa Cruz do Sul, abr./2018.

JUNIOR, Gilson Cruz. PÓS-VERDADE: A NOVA GUERRA CONTRA OS FATOS EM TEMPOS DE FAKE NEWS. ETD- Educação Temática Digital. Camponas, SP, V.21, n.1, Jan/2019.

KARAM, Francisco José Castilhos. Jornalismo, ética e liberdade. São Paulo:

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Reis, H. (2017, 10 de janeiro). O mundo da pós-verdade. In Homero Reis.

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PRIOR, Hélder. Mentira e política na era da pós-verdade: fake news,

desinformação e factos alternativos. Revista Comunicação Digital: Média, Prática

e consumos. Lisboa. Abr/2019.

Referências

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