O PODER DA INFORMAÇÃO NA TRANSFORMAÇÃO DA REALIDADE
Gerson Machado de Avillez 1
Resumo: O presente artigo visa abordar como a especulação ou direcionamento da informação, factível ou não, torna possível alterar o fluxo de realidade sendo capaz de estabelecer modos de transformar e moldar os costumes, atitudes e comportamentos de modo efetivo na realidade através de seus receptores, seja pela educação, cultura ou mídia. O trabalho terá por base primária os livros Ars Ad Speculum (Avillez, 2014) e Signos Universais do Ethos (Fontana, 2020), assim como outros artigos científicos como exemplos ilustrativos artigos atuais.
Palavras-chave: Valores, Ethos, Conhecimento, Informação.
Introdução
Da ampla discussão cultural e midiática da post-modernidade sobre uma ‘pós- verdade’ que descambam ao relativismo quer permeiam tanto a informação sem objetividade e inconsequentes atitudes e valores decorrentes, assim como as ainda discutíveis delimitações das fake news, observamos como a resultante crise de credibilidade e valores se apossam no desalento do cidadão conturbado por um excesso de informação em proporção a ausência de substancialidade. Como observa Prior (2019, p.76) “na era da pós-verdade, assistimos a uma certa erosão da factualidade, onde os conceitos de mentira, verdade, ‘factos alternativos’, manipulação e desinformação se têm revelado extraordinariamente atuais.”
Se antes a escassez de informação demonstrava-se o problema hoje se dá pelo oposto ao munir o cidadão comum por um excesso de dados na rede internacional de computadores, informações muitas vezes desencontradas ao serem frequentemente deformadas de modo tendencioso por fatores ideológicos, políticos ou religiosos. Com o advento da globalização a medida que se estreitam as fronteiras delimitações e definições se esvaem pela subjetivação dos fatos correlacionados em detrimento interpretativo e pessoal, raiz de toda parcialidade ao tornar a verdade relativa ao mesmo que perfaz um campo cinzento de equivalentes valores tortuosos.
1
Graduado em Pedagogia pela Faculdade União Araruama de Ensino (FAC-UNILAGOS).
Para Hardt (2018, p.4) “somos seduzidos pelo gosto da verdade que muito rapidamente faz uma aliança com nossas convicções (...). Para materializar isso, parece, buscamos aliados e nessa direção as estratégias implicam criar multidões que encenam o consenso. Encenam uma versão da história para convencer, classificar o que é bom e o que é mau”. Disso nasce a concepção da pós-verdade ao produzir ruído informacional pela deturpação dos desejos como ódio e medo vindo a caracterizar a pós-verdade sendo o “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”. (Oxford Dictionaries, 2016). O efeito parece muitas vezes resultar na ampliação intencionalmente ou não, de modo benéfico ou não a uma janela de Overton 2 .
O desenvolvimento desse artigo está determinado predominantemente na pesquisa bibliográfica de diversos autores e artigos afim não somente de enriquecer o texto como exemplificar e demonstrar por meio de outros trabalhos este trabalho apresentado acerca do referido tema.
Autores estes como Lorena Ferreira (2018), Fontana (2020), Avillez (2014), Prior (2019) e Guareschi (2018). De modo que terá maior enfoque na pesquisa bibliográfica desse e outros autores que nos serão apresentados ao longo do artigo.
O presente artigo será dividido em três seções, a primeira demonstrando definições de como a informação pode ser capaz de manipular as pessoas enquanto na segunda objetivamos discutir aspectos de como tais informações, verdadeiras ou falsas, tem impacto transformador na sociedade e realidade sendo de modo positivo ou negativo. A terceira parte por sua vez iremos abordar a erosão moral proporcionada pelas informações falsas tal como propostas que possam elucidar o problema inerente as deformações na realidade por causa disso e a consequente crise de valores e credibilidade decorrente da informação distorcida como transmissor meramente volitivo de vontades massificadas ou elitistas na destituição objetiva dos fatos. Por fim as considerações finais discutimos brevemente num retrospecto tudo o qual podemos aprender e refletir acerca do assunto.
2
Designa a gama de ideias toleradas no discurso público; Joseph Overton biography and article
index». Mackinac Center for Public Policy. Consultado em 30 de agosto de 2013.
1. Da Pós-Verdade as Fake News
Com o advento da internet à globalização o estreitamento das fronteiras e culturas eclodiram num vórtice volitivo de conflitos num fenômeno cultural conhecido por pós-verdade. Para o Wikipedia 3 a Pós-verdade “é um neologismo que descreve a situação na qual, na hora de criar e modelar a opinião pública, os fatos objetivos têm menos influência que os apelos às emoções e às crenças pessoais.”
Dentre os fatores que influenciaram a eclosão da Pós-Verdade seria para Reis uma quantidade muito grande de informação que, no entanto, são acompanhadas de uma formação e reflexão reduzidas ao mínimo (2017, p.5) de modo que para Guareschi (2018, p.4) seria o que “abre espaço, então, para uma banalização da mentira."
Sobretudo o aspecto volitivo o qual assenta a Pós-verdade demonstra-se claro pelo qual podemos observar através de Alves (2018, p.4) que esta “só se torna eficaz devida capacidade de alcançar grupos que se guiam por concepções afetivas, uma vez em contato com esta informação, tais grupos afirmam suas identidades, independente da veracidade daquilo que é exposto a eles.”
Disso se tornou um pulo para as fakes news abastecidas num terreno fértil do emocional da população em decorrência da insegurança instaurada. Pois como podemos constatar a pós-verdade demonstra-se como o predomínio da subjetividade sobre a objetividade exterior dos fatos. Logo a objetividade dos fatos, do concreto, se esvai dando lugar um relativismo pelo qual é descrito por Junior (2019, p.6) tem raízes cognitivas como vemos abaixo:
o relativismo cognitivo associado à pós-modernidade impõe uma espécie de pacto anticomunitário. A realidade passa a ser vista como uma esfera tão elusiva, cheia de meandros, de perspectivas divergentes e de grupos heterogêneos, que a busca pela verdade já não representa mais uma missão prioritária. Nesse ambiente florescem discursos pluralistas em que o escrutínio crítico de evidências, cada vez mais, dá lugar à escolha de “times” aos quais pertencer e cujas narrativas devem ser subscritas e propagadas.
(JUNIOR, 2019, p.6)
3
https://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%B3s-verdade#cite_note-3
Todavia não é novo o conceito das notícias falsas deliberadamente ou não.
De acordo com Prior (2019, p.95-96) “The Sun, um jornal nova-iorquino editado entre 1833 e 1950, publicou seis artigos sobre a descoberta de vida na Lua, descoberta atribuída ao astrónomo John Herschel. Isso mostra que o problema das fake news não surgiu especificamente com a profusão das redes sociais digitais.”
De modo similar a transmissão de rádio feita por Orson Wells em 30 de outubro de 1938 (Ferreira, 2013, p.2) gerou pânico ao narrar uma invasão alienígena do livro ‘Guerra dos Mundos’, o mesmo podemos constatar mesmo que no citado caso tenha sido anunciado amplamente ter se tratado de uma ficção.
Conforme Prior (2019, p.80) o texto Truth and Politics publicado em 1967 revista New Yorker mencionava a emergência e triunfo da mentira “completa e definitiva” através de recursos e técnicas mediáticas da “manipulação dos fatos” o que contradiz o que propõe a informação verdadeira de acordo com Alsina e Silva (2020) o que não serve a nenhum projeto de justiça. Os mesmos autores ainda ressaltam que:
"A aproximação da verdade, da versão mais fiel perde espaço para um pequeno desvio ético em nome da visibilidade, que gera uma pseudoaudiência, para notícias que se não são totalmente falsas, carregam o DNA da simulação, da criação em nome dos acessos e compartilhamentos. Um outro ponto, mais grave: geram a base da pós-verdade."
(ALSINA e SILVA, 2020, p.22)
Não somente isso, dos apelos a maior audiência os mesmos parecem suceder a interesses instrumentalistas de grupos, mas que sendo estes “políticos, econômicos, apesar de ser essa uma realidade dura, passível de debate e resistência." (ALSINA e SILVA, 2020, p.6). Disso aparenta acrescer um feedback inflamatório a realidade pelo qual Fontana (2020, p,91) diz que assim como o subjetivismo adjacente “dilaceram a informação e a pureza das verdadeiras ideias.”
Os interesses na manipulação da informação detêm aspectos que
ambicionem controlar a realidade pelo condicionamento ou manipulação volitiva do
povo pois conforme descrito por Avillez (2014, p.27) “as vezes é melhor influenciar
pelas ideias e sugestão do que mandar pelo poder, pois o primeiro tem os sentimentos
e livre-arbítrio, o posterior apenas a ação, não lembrando que a essencialidade do
universo é a informação que o move assim como as palavras da verdade”. De acordo com o mesmo autor ponderam que:
a informação construiu impérios e quando privilegiada torna-se até mesmo um ato não honesto, as mesmas informações podem ruir igualmente impérios financeiros em poucas horas, tornando suas ações a preço de papel higiênico. (Avillez, 2014, p.29).
A apologia ao mercado financeiro pontuado pelo capitalismo especulativo exacerba claramente como um exemplo de como a informação demonstra poder catalizador tanto negativamente quando de forma positiva.
Em parte, o grande problema tem origem num relativismo que desfaz mesmo paradigmas, algo que para Avillez tem relações com a forma de medir o mundo num senso de comparação que se escora mesmo a epistemologia, sendo mais uma representação da realidade como a interpretação é para a verdade. Conforme Avillez (2014, p.155) “a medida pode ser por si só representativa, não absoluta mediante a própria condição da realidade relativa. Assim a verdade pode estar de acordo com a realidade, mas nem sempre uma realidade estará de acordo com a verdade.”
Ora, se medirmos algo partir de uma medida relativa o resultado não pode apresentar solidez. Não somente num aspecto físico a exemplo da relatividade a situação fica ainda mais nebulosa tratando-se da esfera humana em suas relações sociais, tornando preciso paradigmas sólidos para a sociedade como a velocidade da luz é para a física:
A verdade é fiel as origens e aos padrões, não meramente a verdade colocada por uma realidade aparente, pois o aparente pode ser ilusão, apenas a superfície e assim indica apenas uma verdade igualmente superficial, a relatividade da verdade dar-se-á pela relatividade de uma realidade. (Avillez, 2014, p.154)
A busca pela verdade num sentido epistemológico assim deve procurar ater- se numa apropriação singular que aspire não ao absoluto, mas a uma substancial solidez que sirva de base norteadora que numa sociedade aspire as verdades culturais e assim seus valores decorrentes ao contrário da inconstância, dualidade e ambiguidade hoje presentes na pós-verdade.
2. A Informação na Transformação da Realidade
De acordo com Avillez (2014, p.14) Robert Fulton poderia ter mudado o rumo das guerras napoleônicas e assim o resultado histórico alterando a realidade caso a ideia dos barcos a vapor fossem aceitas por Napoleão Bonaparte. Ao ter sido ridicularizado por sua tecnologia que fora rejeitada pelo mesmo, o resultado histórico conhecemos. Assim esse exemplo demonstra claramente como a informação e conhecimento mediante as escolhas tomadas podem resultar em grandes mudanças no fluxo histórico da realidade. Ainda que esse caso tenho por exemplo um invento real, hoje problemas similares acontecem através da chamada Pós-Verdade o qual o ápice culminou na deliberação das fake news pelo qual segundo Junior (2019, p.2) na
‘eleição presidencial de 2018 revelou o impacto decisivo exercido por boatos na configuração da opinião pública e na percepção dos eleitores em relação aos candidatos e às suas respectivas propostas.”
Isso ocorre pelo fato de que “os eleitores escolhiam um partido com base em afiliações de valor, adotavam as opiniões da tribo, desenvolviam argumentos para apoiar essas opiniões e (só então) selecionavam fatos para reforçar essas alegações”
(D’ANCONA, 2018, p. 21).
Por meio disso contemplamos uma forma de manipular a opinião pública a culminar numa mudança de comportamento que, como visto no caso dos eleitores acabam por influenciar negativa ou positivamente uma eleição e assim o curso de um país e mesmo da história, o que para Prior (2019, p.86) “os conceitos “desinformação”
e “manipulação” são conceitos estreitamente relacionados com a prática da mentira na política. Técnicas ocultas do lado do emissor que moldam a informação com vista a despertar determinados efeitos nos receptores da mensagem, mas que são baseadas em pressupostos falsos, procurando manipular, intoxicar ou distrair a opinião pública.”
Não obstante o mesmo assim observa uma literal mudança comportamental e da mentalidade atingida pela:
ascensão e o triunfo da mentira “completa” e “definitiva”, nas palavras
de Arendt, surge ancorada num laborioso trabalho de manipulação e
fabricação dos factos relacionado não só com o desenvolvimento, mas
essencialmente com a prevalência dos meios de comunicação na
construção social da realidade das sociedades contemporâneas e na
própria textura geral da experiência. Por conseguinte, as mentiras
políticas modernas são manufaturadas, elaboradas, programadas e
difundidas enquanto factos que se impõem à própria realidade, sem que os indivíduos estejam perfeitamente conscientes disso.
(Prior, 2019, p.84)
Observamos movimentos similares e precursores na Ascenção do Nazismo onde a exemplo da própria propaganda era usada ostensivamente afim de moldar a opinião pública o qual a exemplo de seu ministro Joseph Goebbells se atribui a frase predita na década de 1930 (Carlan, 2009) "uma mentira contada cem vezes torna-se verdade". Dando seguimento a esse tipo de pensamento que de acordo com Barbosa (2013) “Hitler justificou o massacre à sociedade dizendo que foi uma forma do estado se defender de traidores, amparando-se em documentos falsos que mostrariam que Roehm receberia subornos da França para tirar Hitler do poder”. O mesmo apoiando- se em similaridade ao incidente que levou a invasão da Polônia em setembro de 1939 conflagrando a II Grande Guerra Mundial.
Igualmente do mesmo tipo de pensamento arraigado mais na vontade que nos fatos, conforme predito por Adolf Hitler onde a exemplo do documentário nazista ‘O Triunfo da Vontade’ (Triumph Des Willens, 1934) evocava o Ubermensch 4 como aquele que “é o que tem vontade forte e que se supera porque tem essa vontade”
(Barbosa, 2013) podemos hoje constatar na emergente pós-verdade como um preâmbulo de volição caótica.
Disso podemos observar a maneira que, tal como Goebbels predisse a mentira vem sido repetida incessantemente:
“Nunca se mentiu tanto como nos dias que correm. Nem de modo tão desavergonhado, sistemático e constante. Isso pouco importa dir-nos- ão, talvez: a mentira é tão velha como o mundo ou, pelo menos, quanto o homem: mendax ab initio” (Koyré, 1996, p. 1).
Os aspectos repletos de meandros análogos ao mesmo parecem remeter a mesma estrutura tática vista pelo Reich alemão pelo fato que o mesmo além de utilizar-se de ideias similares ao ministro da propaganda Goebbels:
Alguns consideram que o discurso da pós-verdade corresponde a uma suspensão completa da referência a fatos e verificações objetivas, substituídas por opiniões tornadas verossímeis apenas à base de repetições, sem confirmação de fontes. Penso que o fenômeno é mais
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