RELAÇOES MERCANTIS ENTRE A PRAÇA
-CARIOCA E PORTUGAL NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XVIII
Antonio Carlos Jucá de Sampaio
INTRODUÇÃO
O significado da descoberta de ouro nas posteriormente denominadas Minas Gerais para o império português no setecentos encontra-se bem assente na historiografia 1 . Especificamente na colônia, o valioso metal amarelo produ
ziu mudanças profundas: contribuiu para a colonização de novas regiões , alte
rou gradativamente a estrutura social preexistente e modificou o peso relativo das diversas regiões que compunham então a América portuguesa.
Dentre essas regiões, a capitania do Rio de Janeiro foi sem dúvida a mais afetada por essas mudanças2 . Mais do que o ouro, foi a criação de um amplo mercado consumidor nas regiões auríferas que transformou rapidamente a eco
nomia fluminense e redefiniu o seu papel nos quadros do império . O Rio de Janeiro tomou-se pouco a pouco a principal encruzilhada do império , para a qual convergiam as mercadorias da África, Europa e restante da América, por um lado, e o ouro por outro3 . Esse caráter central que a cidade ocupava foi bem assinalado por Rocha Pita, que ao comparar as capitanias do Rio de Janeiro , São Paulo e Minas disse:
"O mais ilustres dos 3 [governos] é o do Rio de Janeiro , ( ... ) pela sua Casa da moeda, que incessantemente labora, fazendo correr para todas as partes sólidas torrentes de ouro ,( . . . ) e finalmente pela grandeza do seu porto , aonde vão numerosas frotas todos os anos a buscar gêneros de todas aquelas praças , e levar as mercadorias que por elas trocam, as quais despachadas no Rio de Janeiro , se encaminham às outras povoações do sul"4 .
Entre estes eixos mercantis com os quais o Rio estava envolvido um dos mais importantes era, sem dúvida, o que o vinculava ao reino . Era por este caminho que vinham os produtos europeus que, via de regra, alcançavam altos preços em solo americano .
Para uma percepção mais clara do papel desempenhado pelas relações com
o reino no conjunto do comércio carioca utilizaremos as informações contidas
nas fianças de embarcações . Essas fianças eram obrigatórias para todas as
embarcações que deixavam o porto carioca, e visavam a impedir o embarque
de passageiros clandestinos5 . Essa fonte, apesar de cronologicamente limitada, mostrou-se fundamental para a reconstituição dos laços mercantis existentes entre o Rio de Janeiro e outras praças do Império durante a primeira metade do setecentos .
Quadro 1 - Distribuição das viagens iniciadas no Rio de Janeiro, por região de destino (1724-1730)
Regiões Número %
Sul Fluminense 462 32,22
Campos 212 14,78
Litoral Paulista 151 10,53
Bahia1 130 9,07
Pernambuco 79 5,51
Cabo Frio 73 5,09
Colônia de Sacramento 70 4,88
Portugal 58 4,04
Ilhas Atlãnticas3 53 3,70
Sul do Brasil 44 3,07
Espúito Santo 40 2,79
Angola 39 2,72
Nordeste2 21 1 ,46
Costa da Mina 2 0,14
Total 1434 100,0
Fonte: AN, Coleção Secretaria de Estado do Brasil (1724- 1730) .
OBS . : 1 . "Bahia" inclui também as capitanias de Ilhéus e Porto Seguro; 2. Por "Nordeste", compreendemos todas as capitanias e luga
res da região, exclusive as capitanias de l3ahia e Pernambuco; 3. "Ilhas Atlânticas" são aquelas sob dorrúnio português (Açores, Cabo Verde, Madeira, etc .) .
Em primeiro lugar, cabe ressaltar que os dados acima não representam a totalidade das fianças do período, mas sim aquelas para as quais foi possível recuperar o destino das embarcações a que se referiam. Trata-se neste sentido, de uma amostra. Mesmo assim, uma amostra bastante significativa, e que aponta a amplitude das relações estabelecidas pela urbe carioca no início do século XVIII.
A princípio , a participação bastante reduzida de Portugal como destino das embarcações saídas do porto carioca impressiona. Pouco mais de 4% das embar
cações tinham o reino por destino. Tal dado serve para, em primeiro lugar, para matizar interpretações que insistem em dar um peso excessivo à denominada
"metrópole" (termo carregado de anacronismo em si mesmo) no conjunto do mundo lusitano6 . Da mesma forma, a intensa partida de barcos para outras capi
tanias demonstra o equívoco da noção de uma América portuguesa formada por
"ilhas" de povoamento que teriam pouca comunicação entre si.
Por outro lado, é inegável que a importância de Portugal no conjunto das
rotas cariocas não pode ser aquilatado somente por esse número. Em primeiro
lugar, deve-se considerar a diferença de tonelagem entre as embarcações que
RELAÇÕES MERCANTIS ENTRE A PRAÇA CARIOCA E PORTUGAL NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XVlll
iam para o reino (em sua imensa maioria identificadas como navios e galeras) e as lanchas que predominavam, por exemplo, no intenso comércio com o Sul fluminense 7 .
Além disso, as idas e vindas das frotas influenciavam, ainda que modera
damente , os ritmos das partidas de embarcações do porto carioca. Neste sen
tido, o gráfico abaixo é bastante esclarecedor.
Gráfico 1 - Variação do número total de fianças concedidas por períodos bimestrais (1724- 1730) Números de fianças por períodos
"'
"
""
= "
c "
....
o .