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VI ENCONTRO NACIONAL DA ANPPAS

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VI ENCONTRO NACIONAL DA

ANPPAS

18-21 DE SETEMBRO DE 2012-07-12

Belém – Pará

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Lazer, conflito e meio ambiente: o caso da Reserva Biológica

do Tinguá

Ana Lucia Lucas Martins/UFRRJ

Introdução

A área Metropolitana do Rio de Janeiro está inserida numa região com variedade de paisagens naturais que ocorrem desde o nível do mar até as elevações da Serra dos Órgãos. Parte dessas paisagens é objeto de leis de proteção ambiental. O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) tem como objetivo estabelecer critérios e normas para criação, implantação e gestão das áreas protegidas federais, estaduais e municipais através de um sistema com diversas categorias. O município de Nova Iguaçu possui diversas áreas protegidas, florestas de Mata Atlântica, na forma de unidades de conservação de uso sustentável (Áreas de Proteção Ambiental- APAS) e Unidades de Proteção Integral (Reserva Biológica do Tinguá; Parque Municipal Natural de Nova Iguaçu).

O tema deste trabalho é a relação lazer e meio ambiente vista a partir da análise das práticas de um conjunto de atores que disputam os sentidos dos usos sociais de uma área de proteção ambiental (APA) em Nova Iguaçu, entorno da Reserva Biológica do Tinguá, na região Metropolitana do Rio de Janeiro. À área de proteção integral o acesso só é permitido para pesquisa científica e a APA de Tinguá comporta um uso associado a objetivos de proteção da diversidade biológica.

Para o entendimento desses sentidos desenvolvo como problemática as condições objetivas do desenvolvimento de concorrências como uma modalidade de conflito que produz ou modifica grupos de interesses, uniões ou organizações (SIMMEL,1983: 123). Essas concorrências são observadas em grupos locais: empreendedores do lazer (proprietários de fazendas, sítios, pousadas, etc) e especialistas da conservação (gestores, educadores ambientais, Ongs). Entendido como uma variável positiva em Simmel(1983) o conflito atua na solução de dualismos divergentes. As disputas sobre a categorização da unidade de conservação, reserva biológica ou parque nacional, é explicitada nas concorrências de atores.

A área protegida em discussão, uma reserva biológica de proteção integral, é abordada como resultante de uma série de processos sociais que a constituem. O

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conflito é uma categoria de interação que permite recortar esses processos que são de natureza diacrônica e sincrônica.

Conflitos protagonizados entre a normatização estatal, as regulações jurídicas , os argumentos científicos e as práticas locais dos habitantes e usuários desses espaços protegidos têm sido configurados de diversos modos como problemas de pesquisa para pensar as relações homem e florestas/áreas protegidas. (SELMI,2007 ;MORAN e OSTROM, 2005; MARTINS, 2012; CASTRO JR. et all, 2009)

Método

O recorte espacial desse estudo é uma das nove Apas que constituem o entorno da reserva biológica, a Apa do Rio Tinguá-Iguaçu cuja população é cerca de 3.900 hab. A área concentra a maior parte das Ongs locais( 13 Ongs) e possui em torno de 52 sítios e fazendas que são empreendimentos de lazer.

Com o objetivo de compreender as interações sociais entre diferentes atores e área protegida, a partir dos usos sociais de bens da floresta, em particular a água, optou-se por observações de campo e entrevistas com moradores locais, donos e funcionários de empreendimentos de lazer, representantes de Ongs e gestor da reserva. Assim como o acesso a dados secundários obtidos em mídia impressa, divulgação publicitária, bancos de dados de pesquisas sobre potencialidades turísticas locais e produção de fotografias.

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Principais áreas de atividades de lazer no entorno da Rebio-Tinguá.

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Resultados e Discussões

Conservação da biodiversidade

A Rebio Tinguá foi criada pelo Decreto Federal nº 97.780 em 3 de maio de 1989. Com uma extensão de 26.260ha, ela é considerada uma unidade de conservação de grande porte quando comparada com a área média das unidades de mesma categoria. É também a maior reserva biológica de Mata Atlântica e corresponde a 8% das florestas protegidas do Rio de Janeiro. Localizada no Sudeste do Brasil, região de grandes perdas de áreas florestadas pela atividade urbano-industrial e situada numa área metropolitana, a reserva tem importância estratégica dentro do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, e sua inscrição como Reserva da Biosfera em 1991, reconhecida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), institui e amplia novos direitos e regras para a proteção da reserva que alia conservação e desenvolvimento.

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Na década de 90, diversas dinâmicas associativas para garantir direitos e ampliar as conquistas sobre a proteção da área são colocadas em prática por pesquisadores de universidades, centros de pesquisa, ONGs de defesa da natureza com distintas orientações, o poder público, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (IBAMA), etc. As questões postas pelos atores, e que motivam a associação, ainda são, prioritariamente, a proteção da diversidade biológica e a repressão às ações lesivas à preservação e a punição de crimes ambientais. Cumprir a legislação ambiental é um elemento decisivo para os atores envolvidos.

Ocorre que, se no âmbito legal a categorização é definida de forma a regular a ideia de conservação argumentada pelo conhecimento científico, a proteção da fauna, da flora local e dos mananciais de água, na prática cotidiana, o decreto não possibilita mediações eficazes para os conflitos. As ações de fiscalização do IBAMA, instituição responsável pela execução da política nacional do meio ambiente, não são suficientes para conter as atividades ilegais em uma área protegida, principalmente a proibição da extração de areias, a ação de palmiteiros e caçadores, deixando vulneráveis as ações de grupos ativistas e dos atores locais em defesa da reserva biológica. Além disto, os atores que advogam a criação de um parque nacional agem, em particular aqueles que representam interesses de empreendimentos de lazer e recreação.

Da perspectiva de especialistas da conservação, dez anos depois, experimenta-se um novo modelo de gestão da reserva com uma orientação que relaciona duas questões para a conservação: ampliar a participação das comunidades e a criação de políticas públicas. Este novo modo de perceber o problema das áreas protegidas reconhece a necessidade de aliar a questão da preservação aos problemas locais. Há um entendimento, por parte de alguns atores, cientistas naturais, ONGs e poder público que atuaram juntos na criação da Rebio, de que as ideias conservacionistas/preservacionistas que sustentaram as ações do grupo durante mais de uma década apresentavam uma limitação. As populações locais, empobrecidas, apareciam como atores pouco ativos.

Os processos sociais que levaram à categorização da reserva e à criação da área protegida mudaram suas dinâmicas: o afastamento dos cientistas naturais de uma posição mais engajada para se dedicar a problemas de pesquisa biológica na reserva, cisões na ONG que atuou na origem dos debates sobre a criação da reserva e cuja prática se caracterizava por uma ‘militância’ da conservação, o surgimento de novas

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ONGs com orientações consideradas pragmáticas (ecoturismo, educação ambiental, projetos de geração de renda a partir da coleta de lixo, cultivo de hortas, reflorestamento etc.) que disputam projetos, financiamentos etc. e a intensificação dos conflitos por superposição dos poderes federais, estaduais e municipais. Na esfera estadual, o conflito resulta da falta de contrapartida do órgão do estado na captação de água no interior da reserva. Na esfera municipal, por sua vez, os conflitos são atribuídos à ausência de corpo técnico para lidar com as estruturas de gestão ambiental na APA do entorno da reserva já, em geral, os ocupantes dos cargos fazem o papel de cabos eleitorais.

Pouco foi feito da orientação idealizada para a gestão da reserva biológica. Em termos de políticas públicas, os projetos são precários e descontínuos. O Projeto Brigada Florestal, um programa de treinamento do governo federal para os jovens da região atuarem no combate ao incêndio nas matas da reserva, foi desativado em 2006 após um ano de experiência. Tentativas de implantação de projetos de reconversão de pequenos agricultores para práticas agrícolas ecologicamente corretas são descontínuas; o movimento das ‘mulheres da biquinha’, que reivindicava canalização de água para uma população que vive na borda da floresta, foi o mais significativo esforço de mediação da gestão com as demandas populares locais por melhores condições de vida. Cinco anos depois, em 2009, após um acordo com as esferas de poder (federal, estadual e municipal), desagradando a gestão da reserva já que ele não contempla saneamento, é implantada a rede de canalização de água.

Pressuponho que um dos motivos para uma nova forma de gestão não ter prosperado é o fato da concepção de conservação, até então representada pelo valor da diversidade biológica, não ser ampliada e a inclusão da população local aparece apenas como uma estratégia de instrumentalização desses atores locais na medida em que novos valores não são agenciados para o conceito de conservação.

Embora o discurso da gestão tivesse, na sua origem, uma orientação voltada para a participação da comunidade, observa-se que a aliança é feita com cientistas naturais, universidades e centros de pesquisa. São estes os atores que estariam legitimando a categoria de reserva biológica pela relevância da diversidade biológica local afirmada pelo conhecimento científico. Porém, o pouco uso e a pouca visibilidade deste conhecimento científico obscurecem a identidade da área protegida, ou seja, como um local de produção e divulgação científica.

A fiscalização é o foco da atuação do grupo gestor: os enfrentamentos com caçadores (Wallace 2010, TABELA 1), palmiteiros e madeireiras, a exploração clandestina de

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areais, a instalação de lixão em área próxima à reserva, a especulação imobiliária, os complexos de turismo e lazer, a repressão aos banhistas que invadem a reserva em busca das cachoeiras, as ocupações das áreas limítrofes da reserva por estabelecimentos de lazer, as moradias na área de mata ciliar etc.

O assassinato de um morador local, um guarda florestal aposentado e diretor de uma ONG com ativa participação na criação da reserva, e as ameaças de morte a funcionários do IBAMA ocorridas em 2005 definiram, a meu ver, uma tendência na orientação do modelo de gestão implementada: a repressão às atividades ilegais executadas por funcionários do IBAMA, polícias federal e militar.

TABELA 1- A tabela apresenta um quadro das principais espécies cobiçadas pela caça para comércio ou consumo próprio na Rebio Tinguá.

Mesofauna e Avifauna mais caçada na Reserva Biológica do Tinguá

Espécie - Mastofauna

Nome Popular Motivo da Perseguição

Panthera Onca Jaguar, Onça-Pintada Comércio de Peles – Extinta na Reserva

Tapirus Terrestris Anta, Tapir Carne de Caça – Extinta na Reserva

Mazama Americana

Veado - Mateiro Carne de Caça

Tayassu Pecari Queixada, Porco-do-Mato

Carne de Caça

Tayassu Tajacu Caititu , Porco-do-Mato Carne de Caça

Potus Flavus Jupará, Macaco-da-Noite

Comércio de animais vivos

Bradypus Torquatus

Preguiça-de-Coleira Comércio de animais vivos e Carne de caça

Nasua Nasua Quati Carne de Caça

Puma Concolor Suçuarana, Onça-Parda

Comércio de peles e abates sem motivo aparente

Dasyprocta leporina

Cutia Carne de Caça

Cuniculus Paca Paca Carne de Caça

Coendou prehensilis

Ouriço-Cacheiro Comércio de animais e Carne de Caça

Leopardus Pardalis

Jaguatirica Comércio de Peles

Leopardus Wiedii Gato-Maracajá Comércio de Peles

Lutra Longicaudis Lontra Comércio de Peles

Cebus Apella Macaco-Prego Comércio de animais e Carne de Caça

Alouatta Guariba Bugio, Barbado Carne de Caça

Cabassous Tatouay

Tatu-de-Rabo-Mole Carne de Caça

Dasypus Novencinctus

Tatu-de-Nove-Faixas Carne de Caça

Didelphis Aurita Gambá Carne de Caça

Brachyteles Arachnoides

Muriqui, Mono-Carvoeiro

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Espécie - Avifauna Nome Popular Motivo da Perseguição

Pipile Jacutinga Jacutinga Carne de Caça – Extinta na Reserva

Crypturellus Noctivagus Jaó Carne de Caça – Extinto na Reserva

Penelope Superciliaris Jacupemba Carne de Caça

Crypturellus Variegatus Inhambu-Chorão Carne de Caça

Crypturellus Obsoletus Inhambu-Guaçu Carne de Caça

Crypturellus Parvirostris Inhambu-Chitã, Chororó

Carne de Caça

Tinamus Solitarius Macuco Carne de Caça

Sarcoramphus Papa Urubu-Rei Comércio de animais e abates sem motivo aparente

Spizaetus Ornatus Gavião-de-Penacho Comércio de Animais

Odontophorus Capueira Capoeira Carne de Caça

Leptotila Verreauxi. Juriti Carne de Caça

Ramphocelus Bresilius Tié-Sangue Comércio de Animais

Tangara Seledon Saíra-Sete-Cores Comércio de Animais

Sicalis flaveola Canário-da-Terra Comércio de Animais

Procnias Nudicolis Araponga Comércio de Animais

Thraupis Sayaca Sanhaço Comércio de Animais

Aratinga Aurea Periquito-Rei Comércio de Animais

Baillonius bailloni Araçari-Banana Comércio de Animais

Selenidera Maculirostris Araçari-Poca Comércio de Animais

Volatinia Jacarina Tziu Comércio de Animais

Zonotrichia Capensis Tico-tico Comércio de Animais

Saltator Similis Trinca-Ferro Comércio de Animais

A discussão sobre a recategorização da Reserva Biológica do Tinguá surgida no recém-criado Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) reativa, vinte anos depois, o velho debate parque nacional x reserva biológica em novas bases institucionais, com transformações nos significados das áreas protegidas e novas lógicas nas interações sociais. Se, por um lado, a proposta de recategorização da reserva biológica resulta de disputas políticas e econômicas locais, é de se supor também que as mudanças institucionais sobre a gestão das áreas protegidas do ICMbio estejam reorientadas por políticas mais amplas da União Internacional da Conservação da Natureza (UICN) com novos paradigmas sobre as áreas protegidas no mundo.

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Lazer

As características da área da Rebio Tinguá, belezas cênicas e paisagísticas, cachoeiras, rios, biodiversidade em fauna e flora e outros recursos ambientais, atraem um público local e das adjacências da periferia metropolitana para a prática do lazer. Tal fato se reflete na formação de um empreendedorismo local. Atualmente a região da Apa Tinguá-Iguaçu tem cerca de 52 sítios, pousadas e fazendas, funcionando como locais de lazer. O fluxo de visitantes é bastante elevado, já que chegam a receber três mil pessoas em feriados e fins de semana e até 20 mil pessoas em eventos.

As atividades de lazer na região da APA do Tinguá, entorno da reserva biológica, se impuseram ao longo do tempo a partir de dois vetores: a) o lazer é um elemento dos conflitos e dos interesses políticos e econômicos há pelo menos 20 anos; b) o lazer é um modo como a população local e das adjacências da região da periferia metropolitana dispõe historicamente dos recursos da floresta no seu entorno para o desfrute de atividades que podem ser pensadas a partir do afloramento do que Elias e Dunning (1992) chamaram de “emoções agradáveis”.1

As águas dos rios que nascem no interior da reserva biológica e correm no entorno da área de proteção são hoje o principal recurso natural disputado, uma das principais apropriações da água dos rios é para fins de lazer. Tal atividade é marcada por conflitos entre empreendedores , usuários das águas, a gestão da reserva e os órgãos encarregados de fiscalização como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) e não raro com moradores locais.

Cachoeiras, poços, sítios e fazendas são os tipos de espaços e equipamentos onde se desenvolvem práticas de lazer que têm relação direta com o uso da água.(FERREIRA e MARTINS, 2009)

Os sítios são equipamentos privados de lazer pago, podem ser alugados por temporadas, e possuem espaços construídos para day use (uso por um dia) e/ou hospedar visitantes; os visitantes desfrutam de água tratada nas piscinas, esta água é oriunda da Rebio- Tinguá ,através de captação dos canos da Cedae ou dos afluentes do Rio Boa Esperança e do Rio Tinguá; há disponibilidade de banheiros e na maioria

1 a experiência da fruição de ‘emoções agradáveis’ trabalha com um aspecto essencial: os sentimentos espontâneos

dos indivíduos nas suas aproximações e afastamentos recíprocos e na geração de um tipo de excitação espontânea, elementar que procuramos de forma voluntária, e que possui uma tensão libertatória distinta da tensão e excitação geradas pelas situações ‘sérias’ da vida pública ou privada. O lazer, pensado a partir da ideia da fruição de ‘emoções agradáveis’ de uma ocupação não remunerada por livre escolha, mas, antes de tudo, por ser uma ocupação agradável para si mesmo (ELIAS e DUNNING, 1992:111),

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destes tipos de equipamentos têm lugares para alimentação, como restaurantes e/ou churrascarias; opções de lazer associadas ao modo de vida rural (charretes, pesque-pague, criação de animais – gansos, galinha, pavão, cavalos); atividades esportivas (vôlei , futebol, natação). Alguns sítios desenvolveram segmentações específicas para receber grupos: religiosos (batismo nas águas; passeios; cultos); reabilitação de dependentes químicos; grupos de família; associações privadas (maçonaria); associação de trabalhadores (sindicato transpetro).

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As fazendas têm características análogas aos sítios por serem equipamentos de lazer onde ocorre a cobrança de entrada, oferecem hospedagem, serviço de alimentação, múltiplas piscinas com água tratada, atividades relacionadas à zona rural, porém com fatores diferenciais como o movimento intenso de pessoas. Os gestores de fazendas atuam como produtores de eventos de grande porte, como por exemplo, shows de música funk; gospel; pagode, sertanejo. Estas atividades atraem grandes fluxos de jovem, além de atenderem maior quantidade de visitantes por dia.

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Os poços são formados devido ao represamento da água da cachoeira por donos de empreendimentos, na maioria bares construídos nas áreas onde deveria existir a mata ciliar. O represamento da água da cachoeira possibilita a criação de espaços que atraem visitantes para o gozo de banhos e mergulhos nas piscinas de concreto ao sol escaldante de um final de semana. O acesso a esses espaços é gratuito, oferecem música como funk ou pagode,, junkbox, comercializam bebidas e alimentos de consumo no local, como biscoitos , salgados e porções.

Os bares não contam com infra-estrutura de qualidade, os banheiros são sujos e o lixo produzido pelos visitantes muitas vezes é levado pelas águas da cachoeira. Os bares ocupam as canaletas dos rios com comprometimento evidente das matas nas bordas da floresta e contam com público diversificado (jovens, adultos e crianças).Presume-se um potencial de renda diferente dos frequentadores de fazendas e sítios.

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As cachoeiras e represas da Cedae situam-se no interior da reserva biológica. A procura por banhos é em sua maioria de jovens e a visitação inflige normas de acesso a reserva, é motivada pela busca de espaços exclusivos/privados e o contato com a natureza, ainda que exista o risco de acidentes, ficar perdido na mata ou ser atacado por algum animal selvagem.

Fotografias: Fellipe Silva, 2009

Vemos diversificação de grupos sociais, de equipamentos e de práticas de lazer. Do banho nas cachoeiras às piscinas de sítios, fazendas e poços a busca pelo lazer nesses ambientes, que estão situados nas margens da reserva biológica, está visivelmente marcado por experiências que denominei de lúdicas, terapêuticas e religiosas.

O que se observa, de modo geral, é a tendência para formação de uma segmentação dos empreendimentos de lazer para públicos com determinados perfis. Empreendimentos que atendem a prática do ecoturismo, ao turismo de aventura; aos amantes da natureza; aos grupos profissionais (sindicato); ao público jovem; um público de famílias; ao público religioso (evangélico). Essa segmentação é motivada tanto por questões econômicas, devido ao problema da diminuição do fluxo sazonal de visitantes, quanto por orientações religiosas dos donos da propriedade que compreendem as necessidades específicas dos fiéis, por exemplo, condições para a realização dos batismos, local para as orações, interdições ao uso de bebidas alcoólicas. Essa segmentação de público, definida pelos empreendedores como adequada para o desenvolvimento dos estabelecimentos locais e argumentada tanto do ponto de vista econômico quanto ambiental, é oposta a um outro perfil de público identificado como “farofeiro”, que não frequenta as propriedades e escolhe como espaço preferencial de lazer as beiras de rios e os poços construídos com a canalização ilegal da água da floresta. A essa prática de lazer opõem-se, com

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argumentos distintos, proprietários das fazendas, sítios e pousadas, poder púbico e ONGs ambientalistas.

Conclusão

Os argumentos dos diferentes atores sociais, donos de estabelecimentos de lazer, ONGs, poder público, gestores e educadores ambientais indicam que através de apropriações materiais e simbólicas, estes atores disputam o sentido do lazer na área do entorno da unidade de preservação integral RebioTinguá. Entendo que o conceito de sustentabilidade é requisitado pela prática destes atores a partir da coexistência do valor econômico da natureza com valores ecológicos, recreativos, estéticos e espirituais, na medida em que outras funções associadas ao uso destes espaços são acionadas, diferente do debate passado em que o valor científico e a biodiversidade prevaleciam como argumento.

A atual disputa pela recategorização da Reserva Biológica do Tinguá para transformá-la em parque nacional e, portanto, ampliar o uso do espaço da floresta para transformá-lazer dos visitantes (trilhas, caminhadas, cavalgadas, cachoeiras, sítios históricos etc.), afasta a ideia de natureza como um valor em si, de certa forma contido rigorosamente na categoria de reserva biológica, e apela ao valor do “poder simbólico” dos parques Amplia-se, assim, a contradição entre os valores científicos que sustentam a proteção da natureza e os valores de outros usos sustentáveis. O lazer, como possibilidade de sensibilização para um novo valor da natureza, estará diretamente relacionado à conservação como uma meta, uma “unidade supra-individual, objetiva e social” (SIMMEL, 1983:137) e não apenas à apropriação da natureza e sua transformação num “pitoresco parque”.

Há um entendimento de que o modelo de proteção da natureza proposto pela legislação brasileira carece de conhecimentos sobre realidades específicas das Unidades de Conservação criadas a partir das regras do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). A descrição e a análise de processos sociais que constituíram as condições para a criação de uma reserva biológica, uma área de proteção integral com maior restrição ao uso, as interações entre diferentes atores sociais, os conflitos, as cooperações motivadas ou não pelo problema da conservação da natureza, permitem ampliar a compreensão das relações sociais associadas às áreas protegidas. Aquilo que aparece como uma antinomia, conservação da biodiversidade e lazer, pode ser compreendido à luz de uma variável positiva em

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Simmel(1983), o conflito atuando na solução de dualismos divergentes nas disputas sobre a categorização da unidade de conservação, reserva biológica ou parque nacional.

Referência Bibliográfica

CASTRO JR. ET ALL. Gestão da Biodiversidade e Áreas Protegias . GUERRA, A.. J. e COELHO, M. C. ( orgs)Unidades de Conservação , abordagens e características geográfica. Bertrand Brasil: Rio de Janeiro , 2009.

ELIAS, N. e DUNNING, E. A busca da excitação. Difel: Lisboa, 1992.

FERREIRA, F. J. S. e MARTINS, A. L. L. Lazer e Preservação na Unidade de Conservação RebioTinguá: Poços, Cachoeiras e Piscinas. XIX Jornada de Iniciação Científica da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Anais CD-ROM, Rio de Janeiro, 2009.

MARTINS, A. L. L. Lazer e área protegida: conflitos na busca de “ emoções agradáveis” . Ambiente & Sociedade. Campinas. V.XIV, n.2. p-51-67, jul-dez 2011. MORAN, E. e OSTROM, E. (orgs) Ecossistemas Florestais: interação

homem-ambiente. Ed. Senac/Edusp: São Paulo, 2009.

SELMI, Adel. L´ouvert, le propre et Le fermé. Trois catégories pour qualifier Le paysage dans lês Alpes Du Nord. Gouverne La Nature . Cahiers d´antrhropologie social. L`Herne ,Paris, 2007.

SIMMEL, G. A natureza sociológica do conflito. In Moraes Filho (org) Sociologia. Ática: São Paulo, 1983, pp: 122-134

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