Revolução
Máquinas inteligentes
erobôs começam
a
desempenhar
tarefas que até agora
eram
feitas por
humanos.
Os
avanços imparáveis
desta tecnologia terão impactos
sociais
eeconómicos
ainda por calcular
Inteligência
artificial
já
invadiu
as
nossas
vidas
Textos
joão
Ramos
Ilustração CRISTINA SAMPAIOm 1956, um
grupo
de cientistas encontrou-seno
Dartmouth
College,no estado americano de
New
Hampshire,
para
tentar criar uma máqui-na que pudesse imitar a
forma
como o cérebrohumano funciona.
Fa-lharam o objetivo, mas o conceito de inteligência artificial
(IA)
que criaram naaltura ficou. Oscomputadores dessa época pesavam toneladas e enchiamsalas e tinham pouca capacidade para
tão ambicioso objetivo.
A
IA
também ganhou popularidade na ficção científica. E, desde os anos1960, foi sendo objeto dos esforço de investigação de cientistas e de debate. Mas sem que surgissem aplicações para
as empresas ou para ogrande público. Até que, nos últimos anos, a
IA
pareceter entrado finalmente na sua idade de ouro. Subitamente passou ater aplica-ção ao mundo real em áreas tão diversas como os veículos autónomos, banca, saúde, advocacia, serviços de tradução,
reconhecimento da voz e automação
(ver pág. 22). Isto aconteceu porque os
computadores deram saltos quânticos na velocidade em termos de capacidade de processamento de grandes volumes de dados e adquiriram capacidade de autoaprendizagem (machine learning). Ou seja, processam algoritmos que são capazes deseensinar asipróprios, cres-cer e mudar quando estão expostos a novos dados.
"Tal como a eletricidade transformou
quase tudo há 100 anos, tenho hoje
dificuldade em encontrar um sector que não venha a ser transformado pela
inteligência
artificial
nos próximosanos".
A
frase pertence aAndrew Ng, professor da universidade de Stanford(Califórnia) eantigo engenheiro-chefe do
motor
de pesquisa chinês Baidu,citado pela consultora CB Insights. Re-flete oclima de grande entusiasmo que
se vive em torno da
IA
tanto no mundoacadémico como
entre
as empresas tecnológicas que vêem no horizontegrandes oportunidades para inovar e
fazer negócio.
De
entre elas merecedestaque aIBM, que criou o
supercom-putador cognitivo "Watson", que viria atornar-se famoso por
ter
ganhado um concurso decultura geral chamado "Je-opardy!" a humanos naTV
americana.A
princípio parecia serum sistema exó-tico ecom poucas aplicações, mas nos últimos anos passou aseruma bandeira de inovação do gigante americano dainformática ea
ter
aplicações em áreas como a medicina ou osector financeiro.Entretanto,
outras gigantestecno-lógicas da atualidade, como aApple, aGoogle, aMicrosoft, o Facebook ea
Amazon, escondem nos últimos anos
um frenesim crescente em torno daLA.
Além de fortes investimentos em
inves-tigação e desenvolvimento, registam
centenas de patentes eestão aabrir os
cordões à bolsa para comprar as
empre-sas mais inovadoras desta área. De 2012 até agora a CB Insights registou mais de
200
aquisições, das quais30
feitas noprimeiro trimestre de 2017.
A
Google ea Apple estãoentre
as mais ativas(compraram 10 e7 startups,
respetiva-mente).
A
Samsung tambémjá
entrouna luta ao comprar em 2016 a empresa Viv, fundada pelos criadores do Siri
(que antes tinha sido vendido àApple). O fabricante de automóveis Ford está também na corrida: não hesitou em
gas-tar mil milhões de dólares para comprar
a Argo. Ehá empresas desconhecidas
que estão aganhar importância graças àlA. Umadelas éa Nvidia, fabricante de chips para videojogos. Produz os semi-condutores que melhor se adequam ao processamento detarefas de LA.
O capital de risco também está a
ca-nalizar somas astronómicas para estas startups. Segundo a CB Insights, foram investidos até agora 15,4mil milhões de dólares desde 2012 em 2320 projetos.
Investimentos sempre em crescendo (de0,6 mil milhões em 2012 até4,9 mil
milhões dedólares em 2016).
A
estandardização das tecnologias deIA
levou alguns líderes da indústria (Elon Musk, patrão da Tesla, eJeff Be-zos, presidente da Amazon, ente ou-tros) acriarem oconsórcio OpenAl quetambém vai investir em investigação e
desenvolvimento.
Elon Musk é uma das vozes mais crí-ticas da utilização daLA sem regulação. Chegou ao ponto de dizer que
"com-porta riscos bem mais vastos do que a Coreia do Norte". Estas preocupações sobre os impactos negativos que esta tecnologia poderá ter na humanidade
são acompanhadas por Bill Gates epelo
cientista Stephen Hawking. Já
Mark
Zuckerberg, fundador do Facebook, de-clarou discordar de Elon Musk. Philipp Gerbert, diretor da consultora BCG, tem
uma visão otimista. "A máquina não substitui o homem, ela apenas executa tarefas" (ver entrevista ao lado).
Odebate está lançado epromete aque-cernos próximos tempos. "Os avanços da ciência eda tecnologia estão apermitir criar seres digitais quase tão potentes como o cérebro humano", admite
Arlin-do Oliveira, presidente do Instituto Su-perior Técnico eautor dolivro em língua inglesa "The Digital Mmd —How Science Is Redefining Humanity". "É preciso
emanter estes seres digitais como nossos aliados enão como rivais", defende.
Portugal dá cartas
Apesar de nem sempre estarem na van-guarda, os investigadores portugueses
têm historicamente dados cartas na áreada inteligência artificial. Moniz
Pe-reira (FCT/UNL),
Helder Coelho(FC--UL)
e, mais recentemente,Arlindo
Carvalho (presidente do
IST)
e Pedro Domingos (Universidade de Washing-ton) ganharam prestígio internacionalneste domínio. A
primeira
empresa portuguesa delA,
a Siscog, tambémfoi fundada há31anos por dois profes-sores universitários (Ernesto Morgado
e Pavão Martins). Mais recentemente
surgiu uma nova geração de empresas
(Novabase, Feedzai, Unbabel, Defined Crowd) que criaram aplicações de lA.
Com RUTE BARBEDO
jramos@expresso.impresa.pt
EMPRESAS PORTUGUESAS
Siscog Criada em 1986 por dois professores universitários (Ernesto Morgado ePavão Martins), a Siscog éa mais antiga empresa portuguesa de inteligência artifical. Exporta software de planeamento de recursos humanos dealguns caminhos deferro na Europae Canadá
Feedzai Empresa que recorre àinteligência artificial (machine-learning) para que os bancos
eretalhistas façam adeteção
eprevenção de ameaças criminosas em tempo real. Dos 25 maiores bancos de todo omundo, um em cada cinco utiliza atecnologia desegurança da Feedzai Novabase Adquiriu astartup Wizdee
por esta deter tecnologia deinteligência artificial aplicada àautomatização da regulação bancária (regtech). Serviu de base auma aplicação que aNovabase estáaexportar
Unbabel Empresa deserviços detradução que combina uma tecnologia deinteligência artificial com uma rede detradutores (crowdsource)
Definedcrowd Startup que desenvolveu uma plataforma que 'purifica' dados de linguagem natural para serem usados em sistemas de inteligência artificial
EUFORIA
13
mil milhões de euros foram
investidos pelas empresas de capital de risco emstartups
de inteligência artificial desde 2012
200
startups de inteligência artificial
foram adquiridas desde 2012 pelos gigantes da tecnologia
500%
é oaumento da procura de profissionais desta área
nos últimos dois anos
GLOSSÁRIO
¦
Inteligência artificial Inclui astécnicas que permitemaos computadores imitar comportamentos dos humanos
¦
Sistemas cognitivosAprendem, raciocinam einteragem
com os humanos em linguagem natural. Interpretam dados, incluindo texto não estruturado, imagens, áudio evídeo (deep learning)
¦
Machine learningSubconjunto detécnicas de inteligência artificial que usa métodos estatísticos para permitir às máquinas
'aprenderem' com as experiências
¦
Redes neuronaisModelos computacionais inspirados no sistema nervoso de um animal. Permite auma máquina reconhecer padrões eaprender
QUATRO PERGUNTAS A
Philipp
Gerbert
Diretordo Boston Consulting Group deMunique
?
Para quetipo de empresas a incorporação da inteligência artificialjánão é,sequer, uma opção?
?
Estive este ano em Davos [no Fórum Económico, em janeiro] eeste foi um tópico totalmente dominante. EraoTrump na política ea inteligência artificial (IA) na indústria. Ointeressante nesta mudança équeaIAaplica-se a todas asindústrias mas, éclaro, não
éalgo quevá acontecer muito em restaurantes, por exemplo. Os sectores mais afetados são, sem dúvida, os
serviços financeiros, asseguradoras, os
cuidados de saúde eos bens industriais, sobretudo do lado dainvestigação e
desenvolvimento eda manufatura, mais do que do lado das pessoas.
?
Em termos de organização dotrabalho, édemasiado afirmar-se que
estamos perante uma revolução?
?
Aorganização ea forma como trabalhamos vaimudar drasticamente. Relativamente a processos, podemos escolher entre alcançar aexcelência ou produzir inovação. Naquilo a que hoje chamamos 'processos ágeis', oque importa émelhorar aprodutividadeeacontinuidade, e esse objetivo irá fundir-se cada vez mais profundamente com a inovação. Asegunda parte terá que ver com as estruturas, em que assistiremos a um incrível protagonismo da flexibilidade. As pessoas vão ter de ter tempo para melhorar eaumentar
assuas competências e asfronteiras da organização vão tornar-se menos claras. A tendência épara uma aprendizagem ao longo davida, porque estaremos a executar o nosso trabalho e, aomesmo tempo, adesenvolver oque virá a seguir.
Não se acabam os estudos,
continuam-se. Nesse contexto, arequalificação vai tornar-se cada vez mais fácil evamos aprender muito sobre como aprender. Se
tudo isto acontecer demasiado rápido, poderá tornar-se muito disruptivo.
?
De queforma os governos vãoparticipar nestas mudanças?
?
É,sem dúvida, importante que participem. Asua ação terá que ver com opensamento de que opadrão vaideixar de ser as pessoas terem um emprego fixo, para toda a vida. Perante a flexibilização do trabalho, oaumento do trabalho independente ea consequente redução da proteção social dotrabalhador, épreciso existir um sistema que assegure obem-estar do indivíduo no contrato detrabalho.
?
A IA poderá ser um fator de exclusão, para quem não seadaptar??
Depende da geografia. No Ocidente, uma empresa que serecuse aadotar aLAvaisimplesmente desaparecer. Seuma organização não personalizar as suas
ofertas, porque havemos deascomprar? É como sealguém voltasse aproduzir carros de1914.
r.b.
TENTATIVAS
PARA
IMITAR
O
CÉREBRO
HUMANO
NAS
ÚLTIMAS
DÉCADAS
Após muitos
anosem
quefoi uma
promessa
adiada
— passandopor
períodos
deentusiasmo
epor
'invernos'
—a inteligência
artificial
está aentrar finalmente
na
suaidade
de
ouro. Começam a
surgir
aplicações queprometem transformar
odia a dia
das pessoas etodosos sectores de
atividade.
E
há
também
vozesa
alertar
para
osimpactos
na
Humanidade
1948
Norbert Wiener publica o livro "Cybernetics" que iria ter grande influência na investigação em inteligência artificial nos anos seguintes
1950 IsaacAsimov inicia a publicação da sequela de novelas 'Robot' eenuncia astrês leis da robótica 1956
Gru pode cientistas encontra-se no Dartmouth College (New Hampshire) ecria
oconceito deinteligência artificial. Dois anos depois, John McCartthy (nafoto), cientista do Massachusetts Institute of Technology (MIT), cria linguagem deprogramação LISP
1974-1980 Oprimeiro 'inverno' da inteligência artificial. Interesse dos investigadores desvanece, na sequênciada redução do investimento público em investigação edas limitações dos computadores da época 1980
Japão inicia projeto dequinta geração decomputação que visa criar máquinas capazes de fazer traduções e
reconhecer imagens como os humanos. Por essa altura, aantiga empresa Digital Equipment Corp (DEC) lança
o Expert System XCON
1986
A Mercedes-Benz cria o primeiro protótipo de veículo autónomo equipado com câmaras esensores
7
1990
Apesar dos fortes investimentos, o Japão termina
oprojeto de quinta geração de computação, sem ter conseguido atingir oobjetivo de criar computadores "inteligentes" 1987a1993 Acontece o segundo 'inverno' da inteligência artificial. Hánovos cortes no investimento einstala-se um climade desilusão perante a lentidão eineficiência dos Expert System XCON. Os computadores pessoais banalizam-se 1994 Com achegada da internet ao grande público, ainvestigação em inteligência artificial muda o seu foco, apostado no desenvolvimento de agentes inteligentes (exemplos: motores de pesquisa evalidação de compras onliné)
1997
O Deep Blue torna-se oprimeiro computador aganhar a um campeão do mundo dexadrez (Gary Kasparov)
r i
2007
Osupercomputador IBM Watson inicia aera da inteligência artificial cognitiva. Estamáquinaque 'autoaprende' em linguagem natural resulta da conjugação doenorme aumento da capacidade deprocessamento degrandes volumes dedados (bigdata) 2009 A Google inicia em segredo odesenvolvimento do seu carro autónomo